politicos
Revista online | Confira charge de JCaesar sobre eleições 2022
* JCaesar é o pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.
** Charge produzida para publicação na Revista Política Democrática Online de setembro/2022 (47ª Edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Evandro Milet: O jeito político de dizer as coisas é diferente
Com contorcionismo, esperteza e muitas vezes de forma divertida, políticos de diferentes épocas e matizes ideológicos criaram seus próprios códigos e maneiras de definir a realidade
Evandro Milet / A Gazeta
O mundo político tem seus próprios códigos e maneiras de definir situações, algumas vezes com contorcionismos, outras com esperteza e outras até divertidas. Quando apanhados em situações comprometedoras e pressionados pela imprensa, políticos costumam alegar ser notícia requentada, ou uma ilação sem base, jogo político, manobra de adversários ou interesse eleitoral. Mas sempre explicando que as contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas.
Se são confrontados com opções para o futuro ou cenários de crise, a saída é fazer como Marco Maciel, político pernambucano, quando tentavam cercá-lo, que dizia, em tom suave e enigmático: “É muito difícil falar sobre hipóteses, embora em política não se possa excluir hipótese alguma” ou “Fique atento, pode acontecer tudo, inclusive nada”.
A decantada esperteza mineira é outra fonte de inúmeras histórias e Tancredo Neves participa de várias, como a ocasião em que, eleito Governador de Minas, foi abordado por um correligionário ansioso e oferecido lhe perguntando o que deveria responder à sua base que lhe indagava se seria nomeado secretário. A resposta é uma aula: “Diga que foi convidado e não aceitou”. Também com origem na política mineira, uma reunião deve ser feita só quando o assunto estiver resolvido, nunca deixe seus inimigos sem saída e só se envia carta quando já se sabe a resposta . Isso é seguido na prática política em geral.
Quando um governante quer convidar alguém para um cargo, costuma sondar indiretamente o escolhido por um intermediário camuflado. O convite só acontece se a sondagem tiver resposta positiva. Essa esperteza não é só mineira. O ex-presidente argentino Juan Perón ensinava: “Quando quiser algo, nunca o proponha. Faça com que os outros o proponham, oferecendo, inclusive, certa resistência.”
“A política tem de ser entendida não pela racionalidade do ser humano, mas pela natureza humana, da qual a razão é apenas uma parte, e de jeito nenhum a mais importante”, afirmava o pensador conservador inglês Edmund Burke. Talvez por isso Benjamin Franklin ensinava que, quando você quiser convencer, fale de interesses em vez de apelar à razão. Em um filme sobre a revolução francesa, Robespierre diz a Danton: “cidadão Danton, não se faz política como está nos livros”.
A figura do adversário é predominante, muitas vezes transformado em inimigo na luta pela sobrevivência política, e pode levar a afirmações pesadas como a do poeta alemão Heinrich Heine: “Devem-se perdoar os inimigos, mas não antes que eles sejam enforcados”. Ou a do político britânico Alan Clark: “Não há amigos verdadeiros na política. Nós somos todos tubarões andando em círculos, esperando uma gota de sangue para aparecer”.
Ulysses Guimarães dizia que “se reconciliar com um antigo inimigo é comum, porém difícil é explicar para a família. Você conta em casa tudo que ele fez com você, mas esconde o que você fez com ele”.
A eleição é um momento crítico, mas há histórias de respostas rápidas e cortantes. Um cidadão desafiou Benjamin Disraeli (1804-1881), ex- primeiro-ministro britânico: “Eu, antes de votar no senhor, voto no diabo”. Resposta de Disraeli: “O.K., mas se o seu amigo não se apresentar, conto com seu voto”.
Muitas vezes se reclama de alguma posição, mas como disse um político francês, “não é que os políticos não saibam o que fazer. Eles não sabem como se reeleger se fizerem o que precisa ser feito”.
Escolher equipe pode ser um problema. Getúlio Vargas, conformado com a composição que teve que fazer, certa vez não se conteve : “Metade do meu ministério é totalmente incapaz, a outra metade é capaz de qualquer coisa.” Porém, algumas verdades são incontestáveis. Por exemplo, segundo Maquiavel, “o primeiro método para estimar a inteligência de um governante é olhar para os homens que tem à sua volta”. Alguns não têm jeito e Millôr Fernandes foi na mosca em relação a alguns deles: “Chegou ao limite da própria ignorância. Não obstante, prosseguiu”.
Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/o-jeito-politico-de-dizer-as-coisas-e-diferente-1021
Senado aprova elegibilidade para políticos com contas irregulares
Projeto de lei segue para sanção presidencial
Marcelo Brandão / Agência Brasil
O Senado aprovou nesta terça-feira (14) um projeto de lei complementar (PLP) que isenta de inelegibilidade os gestores que tenham tido contas julgadas irregulares sem imputação de débito. Assim, gestores públicos cujas contas foram reprovadas, mas sem dano aos cofres públicos, poderão disputar as eleições com o pagamento de multa. O projeto já havia passado pela Câmara e agora segue para sanção presidencial.
De autoria do deputado Lucio Mosquini (MDB-RO), o projeto flexibiliza a norma atual sob a alegação de que a Justiça Eleitoral vem dando decisões contraditórias na autorização de candidaturas sob a norma vigente. Ele acrescenta que a sanção por multa tem sido aplicada a pequenas infrações que não chegariam a justificar a inelegibilidade.
Atualmente, a legislação veda a eleição por oito anos, para qualquer cargo, do gestor cujas contas no exercício de cargos ou funções públicas foram julgadas, em decisão irrecorrível, “por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa”.
Relator do texto no Senado, Marcelo Castro (MDB-PI), considerou que o PLP impede que "meros erros formais, de pequeno potencial ofensivo, dos quais não resultem danos ao erário", privem agentes públicos do direito de serem votados. Para ele, a proposição ratifica entendimento consolidado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O projeto foi aprovado por 49 votos favoráveis e 24 contrários. Alguns senadores manifestaram insatisfação com o projeto, alegando que o projeto poderia ferir a Lei da Ficha Limpa, que mobilizou a sociedade quando de sua criação. Castro argumentou que seu relatório remove “subjetivismos” na aplicação da lei e negou qualquer ameaça à Lei da Ficha Limpa na sua essência.
* Com informações Agência Senado
Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-09/senado-aprova-elegibilidade-para-politicos-com-contas-irregulares
Carta: Brasil vive ameaça de 'insurreição' antidemocrática
Grupo composto por políticos de 27 países alerta para "insurreição" e riscos à democracia brasileira neste Sete de Setembro
BBC Brasil
"Estamos muito preocupados com a iminente ameaça às instituições democráticas brasileiras, e estaremos vigilantes do 7 de Setembro em diante. Os brasileiros lutaram décadas para garantir a democracia ante o regime militar, e não se pode deixar que Bolsonaro roube isso deles agora."
Para os signatários da carta, divulgada na segunda-feira (6/9), as manifestações convocadas por Bolsonaro e seus aliados, como "grupos racistas, policiais militares e autoridades do governo federal", buscam intimidar instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso e ampliam os temores de golpe de Estado na terceira maior democracia do mundo.
O presidente brasileiro, como cita o documento, tem ampliado suas ameaças autoritárias. Ele já disse publicamente diversas vezes que pode impedir a realização de eleições presidenciais em 2022. Pesquisas de intenção de voto apontam como favorito o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em suas declarações, Bolsonaro tem deixado de lado a defesa do voto impresso (proposta derrotada no Congresso) e passado a acusar ministros do STF de atuar fora da Constituição, o que lhe serviria de pretexto para agir "fora das quatro linhas da Constituição".
Os signatários da carta aberta contra os protestos de 7 de Setembro citam uma mensagem compartilhada por Bolsonaro que fala em "contragolpe" contra o Congresso, o Judiciário e a esquerda, que teriam, sem apresentar provas, perseguido o presidente e esvaziado seu poder.
Bolsonaro, seus filhos e aliados se tornaram alvo de investigações sob suspeita de ligação com atos antidemocráticos, ataques a ministros do Supremo e disseminação de informações falsas, entre outras acusações. Além disso, o STF também garantiu que prefeitos e governadores agissem com autonomia na pandemia de covid-19, o que é visto por Bolsonaro como um ataque a suas prerrogativas.
O documento sobre os riscos dos protestos no Brasil foi assinado por 158 líderes políticos e ativistas, entre eles José Zapatero (ex-primeiro-ministro da Espanha), os ex-presidentes Ernesto Samper (Colômbia), Fernando Lugo (Paraguai), Martín Torrijos (Panamá) e Rafael Correa (Equador), além de parlamentares de países como Reino Unido, EUA, França, Espanha, México, Alemanha, Argentina, Chile, Austrália, Grécia e Nova Zelândia.
Na carta, os signatários comparam os protestos de 7 de Setembro com a invasão do Congresso dos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021 por apoiadores incitados pelo então presidente Donald Trump, que não aceitava a derrota nas urnas para Joe Biden.
O ato, que acabou com cinco mortos, foi considerado uma tentativa de golpe de Estado por alguns políticos e especialistas ao tentar impedir a oficialização do resultado das urnas.
Depois da invasão violenta na capital dos EUA, dezenas de manifestantes acabaram identificados pela polícia e condenados à prisão pela participação na insurreição.
Temores de violência em Brasília e SP no 7 de Setembro
Os protestos marcados para 7 de setembro em Brasília e em São Paulo, principalmente, têm despertado temores de violência física e patrimonial.
O STF, por exemplo, estabeleceu planos para "todos os cenários possíveis": de manifestação pacífica a tentativas de depredação e invasão do edifício. O clima entre os ministros da Corte é de preocupação e atenção à adesão de policiais militares aos protestos (algo proibido por lei) e à reação de Bolsonaro caso haja violência ou ataques ao Congresso ou Supremo.
Para tentar mitigar riscos de manifestantes tentarem invadir o Congresso e o Supremo, ou até jogar bombas caseiras nos edifícios, o Governo do DF decidiu restringir os atos à Esplanada dos Ministérios.
Isso significa que os manifestantes não poderão "descer" a avenida em direção à Praça dos Três Poderes, onde ficam Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal.
Em São Paulo, onde Bolsonaro também discursará, está previsto um forte de esquema de segurança para acompanhar a manifestação na avenida Paulista e evitar confrontos violentos com participantes de protestos ligados a grupos de esquerda a poucos quilômetros dali, no vale do Anhangabaú. Atos como o Grito dos Excluídos ocorrem tradicionalmente no 7 de setembro, feriado nacional em homenagem à independência do país.
Eventual participação de militares e policiais militares
Pela legislação brasileira, nenhum militar ou policial militar da ativa pode participar de atos políticos com símbolos que remetam às instituições onde eles atuam. Só podem participar de manifestações se estiverem à paisana, como cidadãos comuns, e desarmados.
Se descumprirem essa regra, podem ser enquadrados no Código Penal Militar pelos crimes de motim ou revolta (quando há dois ou mais envolvidos). E as penas podem chegar a 20 anos de prisão em regime fechado.
Mas há expectativa de que número significativo de policiais da reserva ou de folga no dia compareçam aos protestos.
Especialistas explicam que a lei permite que qualquer cidadão peça mudanças de políticas públicas, desde que seja de maneira democrática. Mas esse não é o caso, segundo eles.
"Não é um pedido de mudança de política pública. Está claro nas entrelinhas que eles querem uma quebra na democracia. É um discurso como se fosse a favor da democracia, mas pedem que não tenha um Congresso que atrapalhe Bolsonaro, sem STF e sem um Poder Judiciário independente", disse Luiz Alexandre Souza da Costa, cientista político, professor da Uerj e major da reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro, em entrevista à BBC News Brasil.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58466032
Marcelo de Azevedo Granato: Democracia dos cliques
É temerário que eles substituam os políticos, ainda que os políticos assim se substituam
A grande renovação do Congresso nas eleições de 2018 reforçou um modo peculiar de representação política, em que alguns políticos fazem enquetes nas redes sociais para definir seus votos. A ideia parece ser a de dar voz ao cidadão (especificamente ao cidadão que acompanha o político nas redes sociais) no momento da tomada de decisão política. Ou tornar mais direta a democracia representativa, que é indireta, já que nela elegemos representantes que tomam decisões políticas em nosso lugar.
Essa iniciativa suscita a pergunta: se fosse possível a todo cidadão “transmitir seu voto a um cérebro eletrônico sem sair de casa e apenas apertando um botão” (Bobbio), estaríamos dispostos a assumir, no lugar dos políticos, a responsabilidade de decidir sobre questões importantes para o País? Seria bem-vinda essa onipresença da política em nossa vida?
Já há alguns anos a política assumiu um lugar central na sociedade brasileira, tornando-se seu elemento marcante até na forma como nós mesmos enxergamos a nossa sociedade. Daí que, à hipotética pergunta acima, talvez muitos respondam que aceitam assumir, no lugar dos políticos, a decisão sobre o maior número possível de questões importantes do País. Argumentariam, por exemplo, que ninguém melhor do que nós mesmos para definir assuntos que nos dizem respeito: o foco da democracia, afinal, é o autogoverno. Ainda mais diante dos representantes políticos que temos.
Essa seria uma resposta respeitável para um problema real. Mas não nos parece ser essa a melhor resposta. Ou seja, não nos parece que uma hipotética democracia “total” ou mesmo uma democracia das lives e dos cliques seja um remédio para a nossa democracia representativa.
O fato inegável de que a prática política brasileira frequentemente não se orienta pelo interesse da sociedade não será reparado pela simples retirada do poder de decisão das mãos de pessoas incumbidas da identificação, discussão e maior acomodação possível dos interesses nacionais e sua atribuição a todas as pessoas, que não precisam ter outro interesse senão o próprio.
É verdade que os políticos e seus partidos têm sido incapazes, até por desinteresse, de realizar essa identificação, o direcionamento, a conciliação de demandas sociais. Mas entender que a solução para isso está na simples agregação das preferências do maior número possível de pessoas é ignorar que democracia sem paciência, diálogo, compromisso, baseada só na contagem de votos, em “quem ganhou” e “quem perdeu”, é falsa democracia.
Nela é preciso parlamentar, ou seja, “conversar em busca de um acordo” (Houaiss); um acordo que a política meramente aritmética, de pulsão e imposição, não poderá atingir. E assim nossas divisões político-ideológicas – que já contaminam outras esferas da vida social – se perpetuarão, em prejuízo da nossa comunidade.
É temerário, portanto, substituir políticos por cliques, ainda que os próprios políticos assim se substituam, como no caso das enquetes que definem votos. É preciso recordar que o político não é mero porta-voz de seus eleitores; a relação entre eles é de confiança, de modo que o representante político age, sim, em nome dos representados, mas, ao fazê-lo, deve tutelar não só os interesses dos que o elegeram ou de algum grupo, mas os de toda a sociedade.
Daí a verdadeira “gororoba representativa” encenada nas enquetes: de um lado, o político orienta/vincula seu voto ao parecer da maioria de seus seguidores virtuais, talvez vendo aí a expressão de uma opinião pública, que, porém, é a simples soma de cliques mais ou menos informados/refletidos de sujeitos (e robôs?) privados. De outro, é o próprio político que decide quais questões serão tratadas dessa maneira.
A crítica desse estado de coisas não significa adesão a “tudo o que está aí” nem oposição ao envolvimento direto da população em assuntos de interesse público. O que emerge do que está acima é a necessidade de repensar os partidos 1) em sua organização, para que não continuem sendo o playground de suas inamovíveis lideranças nem partidos de um homem só; 2) em seus perfis e ideias para o País, o que dificilmente justificará as mais de 20 agremiações representadas no Congresso; 3) em seu distanciamento dos filiados, proporcional à sua proximidade com profissionais de marketing; 4) em sua seleção de quadros, para que propostas como a de candidaturas avulsas sejam desnecessárias.
Certamente, essas indicações não se farão presentes sem a persistente intervenção dos eleitores, da militância partidária e das instituições, nem serão o remédio para todos os males da nossa democracia representativa, mas constituem, a nosso ver, um projeto mais promissor que o da democracia “total” ou dos cliques. A atitude do bom democrata, disse Bobbio, “é a de não se iludir com o melhor e a de não se resignar com o pior”.
* DOUTOR EM DIREITO PELA USP E PELA UNIVERSITÀ DEGLI STUDI DI TORINO (ITÁLIA), INTEGRANTE DO INSTITUTO NORBERTO BOBBIO, É PROFESSOR DA FACAMP
Mauricio Huertas: Políticos, meus velhos, vocês não entenderam nada!
Talvez o eclipse tão falado nestes dias, apresentado como o maior do século, seja uma boa metáfora para a ausência de luz que vivenciamos atualmente, às vésperas das eleições majoritárias e proporcionais. A nova política, que despontava alvissareira no céu, segue na penumbra do velho mundo que gira em torno de si mesmo e do sistema dominante, em rotação e translação partidária automática e constante. No lugar da lua de sangue, bela e mística, embora real, quem sangra é a democracia, ferida por mitos e mitômanos surreais.
Senhores políticos, vocês não entenderam nada! Passados cinco anos das já históricas manifestações de junho de 2013, seguem ignorando todos os sinais de vida inteligente vindos de fora do seu universo particular. Se naquela época ficaram atordoados com a juventude alienígena que proliferava em cada canto deste país, buscando em vão seus supostos líderes, inexistentes na realidade horizontal e difusa das redes e das ruas, os nativos da velha política demonstram outra vez que não aprenderam nada ao reproduzir em 2018 todos os erros que motivaram aquele “big bang” dos movimentos pela renovação.
O primeiro grande erro, essencial, além de ignorar os sinais emitidos desde 2013, foi desprezar o recado claro das urnas em 2016. Afinal, deveriam ter percebido que não podia ser apenas coincidência a eleição de prefeitos que, cada um à sua maneira, representavam uma ruptura com o sistema dominante nas principais capitais do país: João Doria em São Paulo, Marcelo Crivella no Rio de Janeiro, Alexandre Kalil em Belo Horizonte, Nelson Marchesan Júnior em Porto Alegre, Rafael Greca em Curitiba, Luciano Rezende em Vitória, ACM Neto em Salvador, entre outros.
Tentou-se em vão passar réguas ideológicas, geracionais ou partidárias e não se chegou à conclusão óbvia: todos eles representavam de alguma forma o “novo”. Do veterano Grecano Paraná, eleito pelo minúsculo PMN, ao bispo da Universal vitorioso no Rio; do “gestor” João Doria aos políticos de tradição familiar, como o gaúcho Marchesan ou ACM, o baiano reeleito assim como o capixaba Luciano Rezende; mas todos eles notadamente escolhidos pelo eleitor para mudar ou para protestar contra a política local que se praticava até então.
Depois de passar despercebido – ou ser deliberadamente ignorado – esse sinal dado em 2016, os nomes que surgiram como opções para a consolidação de candidaturas “outsiders” à Presidência da República foram sendo seguidamente abduzidos pelas forças da velha política. Fiquemos nos dois mais significativos: Luciano Huck e Joaquim Barbosa, que desistiram (ou adiaram suas pretensões) diante da monstruosa pressão de políticos e partidos tradicionais.
Aí talvez esteja o erro mais gritante dos principais analistas e estrategistas do mundo político: julgar como favas contadas que a eleição de 2018 será decidida pelas mesmas regras tácitas e os velhos costumes da política institucional brasileira, resumida ao “nós” x “eles”, ou à repetição da disputa simbiótica PT x PSDB, tão normal nas últimas décadas. Afinal, por esse raciocínio raso, restaram no cenário apenas as candidaturas do mecanismo binário e polarizado que se retroalimenta. Então, para vencer, bastaria reunir a maior quantidade de partidos nas coligações e dominar o tempo da propaganda na TV. Será?
Vetustos e velhacos da política não compreendem que até os inabaláveis 30% de Lula nas pesquisas de intenção de voto estão impregnados pelo desejo da mudança e pela rejeição à política tradicional. Como assim? Na lógica cartesiana é inaceitável que Lula- candidato em cinco eleições, presidente duas vezes e avalista de Dilma em outras duas – tenha ainda eleitores que considerem votar nele como forma de protesto contra a política tradicional. E depois de tudo que foi revelado ainda votam no PT? Impossível! Absurdo! Mas quem foi que disse que essa é uma ciência exata e que o eleitor age dominado pela razão?
Quem anuncia a intenção de voto em Lula – ou pede #LulaLivre nas redes sociais ou em algum desses manifestos de artistas, intelectuais e influenciadores digitais – não é um simples alienado que considera o petista o último dos inocentes ou o PT uma reserva de moralidade. Ao contrário. Excluído o petista de carteirinha, sobra em grande parte um eleitor saturado da política partidária tradicional, que um dia acreditou no discurso de Lula, viu vantagens em seus governos e agora, pesando na balança eleitoral o que está aí, considera tudo uma maçaroca de imundície e podridão. Solução simplista: se todos são iguais na sujeira e na corrupção, eu escolho aquele que ao menos fez algo de bom por mim quando esteve no poder. É quase uma reedição do “rouba mas faz”.
Pensamento semelhante tem o eleitor de Jair Bolsonaro, ainda que no sentido inverso. Quanto mais os políticos e a mídia tradicional o apontarem como um boçal com ideias esdrúxulas, maior apoio e repercussão terá entre o exército anônimo de indignados e revoltados anencéfalos contra o atual sistema político. O folclórico Bolsonaro segue a linhagem dos Enéas, Tiriricas e Cacarecos da história brasileira. Periga ser o herdeiro legítimo de quem elegeu Fernando Collor em 1989. Aí estaremos fritos de verdade.
É evidente (para quem se propõe a enxergar fora da caixinha), assim, que a polarização que traz Lula e Bolsonaro na liderança das pesquisas pré-eleitorais também carrega em si o desejo da mudança. Não se trata, em sua grande maioria, do voto racional, partidário ou ideológico, mas do simbolismo dessas duas candidaturas. Com Lula fora por conta da prisão e da ficha suja, restará conferir a sua capacidade de transferência de votos. Quem será o maior beneficiário do espólio lulista? O PT vai lançar Fernando Haddad? Ou será que Ciro Gomes personifica melhor esse eleitor órfão de Lula? E Marina Silva, somará quanto desses indignados ao legado de 20 milhões de eleitores cativos das duas últimas eleições?
Finalmente, precisamos falar de Geraldo Alckmin. É simples: se o roteiro do candidato tradicional prevalecer ainda sobre a modernidade e a diversidade das redes e sobre a demanda por uma nova forma de fazer política, que não seja tão influenciável pelo tamanho das coligações partidárias e pelo monopólio da propaganda oficial no rádio e na TV, o tucano é o favorito disparado para ganhar essa eleição. Ponto, portanto, para quem fez a aposta na estratégia dessa múltipla aliança com o “centrão” e com o “status quo”. Do contrário, apertem os cintos… Estaremos perdidos no espaço!
*Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS-SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente
O Globo: Fim do foro privilegiado deve reduzir em 95% ações no STF
Julgamento a ser retomado 4ª feira pode agilizar punições de políticos
Por Cleide Carvalho, de O Globo
Pela primeira vez, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) vai se debruçar, na próxima quarta-feira, sobre a restrição do foro privilegiado a políticos, atingindo 594 parlamentares da Câmara e do Senado. Pelo novo entendimento da maioria dos ministros, o foro especial deve passar a valer apenas para atos praticados durante o mandato e em decorrência dele. Apenas o ministro Alexandre de Moraes votou até agora pela inclusão também de crimes comuns.
O caso em discussão na Corte é o de Marcos da Rocha Mendes (PMDB), três vezes prefeito de Cabo Frio. Ele é acusado de distribuir carne às vésperas da eleição de 2008, e seus correligionários foram flagrados trocando notas de R$ 50 por votos. Desde então, Mendes foi prefeito e deputado federal e a denúncia transitou entre o Tribunal Regional Eleitoral (TSE) e o Supremo.
O relator do processo de Mendes no STF é o ministro Luís Roberto Barroso, que viu no caso uma oportunidade de mudar a questão do foro.
— O sistema é feito para não funcionar. Mesmo quem defende a ideia de que o foro por prerrogativa de função não é um mal em si, na sua origem e inspiração, não tem como deixar de reconhecer que, entre nós, ele se tornou uma perversão da Justiça — escreveu o ministro Barroso.
O julgamento da Ação Penal 937 no STF dura um ano. A proposta de Barroso foi apresentada em maio do ano passado. Dos oito ministros que votaram, seis acompanharam o relator. Dois ministros pediram vista — Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. O ministro Marco Aurélio Mello apenas divergiu quanto à parte final da tese. Para ele, caso a autoridade deixe o cargo, a prerrogativa cessa e o processo-crime permanece, em definitivo, na primeira instância da Justiça.
O STF tem hoje cerca de 500 processos contra parlamentares. De acordo com o quinto relatório Supremo em Números, da Fundação Getúlio Vargas, apenas 5% das ações penais contra autoridades que tramitaram de 2007 a 2016 permaneceriam na corte caso o plenário confirme a tese de Barroso.
FUGINDO DE MORO
A decisão, porém, alcança apenas uma fração dos mais de 54 mil detentores de foro privilegiado no país. O foro é, em si, uma fonte inesgotável de manobras de políticos para atrasar processos. O ex-deputado João Alberto Pizzolatti Junior (PP-SC) tem um caso sui generis. Logo no início das investigações da Lava-Jato, ele surgiu como um dos beneficiários do esquema de propina da Petrobras. Foi denunciado pelo Ministério Público Federal por ter amealhado R$ 460 milhões em propina, em conjunto com os colegas de partido como Pedro Corrêa, Pedro Henry, Mário Negromonte e Nelson Meurer.
Quatro anos depois do início da Lava-Jato, apesar das várias provas acumuladas, a situação de Pizzolatti está indefinida. Ele não tentou se reeleger em 2014, perdeu o foro, mas conseguiu ser nomeado secretário extraordinário do governo de Roraima, onde nunca morou, apenas para escapar do juiz Sérgio Moro.
Nem precisou. Seu caso nunca saiu do Supremo, mas pouco andou. No último dia 20, foi enviado à seção judiciária do Distrito Federal, por determinação do ministro Edson Fachin, que desmembrou o inquérito da cúpula do PP. O advogado de Pizzolatti, Michel Saliba, afirma que ainda não decidiu se vai ou não interpor recurso à decisão de Fachin. Mesmo sem cargo, Pizzolatti tem foro no Supremo porque seu caso está ligado ao de ex-colegas beneficiados.
A governadora Suely Campos, do PP, fez a nomeação, garantindo assim foro privilegiado em segunda instância — Tribunal Regional Federal da 1ª Região ou Tribunal de Justiça do Estado. Desde então, Suely nomeou Pizzolatti três vezes, mudando apenas o nome da secretaria. Seu salário era de R$ 23 mil. Pizzolatti já não trabalha para o governo de Roraima desde outubro de 2017.
Seu ex-colega Nelson Meurer não teve a mesma sorte. Deve ser julgado em 15 de maio pela Segunda Turma do STF. Meurer deverá ser, assim, o primeiro alvo da Lava-Jato sentenciado na Suprema Corte.
Cristovam Buarque: Kit sobrevivência
Gaudêncio Torquato: Identidade e imagem dos políticos
Se há uma ambição comum aos políticos, sem exceção, é construir e manter uma imagem positiva junto aos eleitores, em particular, e perante a sociedade, em geral.
O sonho é quase uma obsessão nesses tempos de pedradas na Geni em que se transformou a política. A imagem dos políticos de todas as esferas está soterrada.
As Casas parlamentares – câmaras de vereadores, assembleias legislativas, Câmara Federal e Senado – recebem nota de desaprovação de brasileiros de todos os rincões e categorias profissionais. Governantes – prefeitos, governadores e presidente da República - são mal avaliados.
O fato é que a sociedade parece de costas para a política, sob um pesado clima negativo que joga as margens da rejeição de políticos para índices acima de 60% a 70%, algo nunca visto.
Afinal, o que significa imagem? Por que ela é tão negativa?
Tentemos esboçar alguns aspectos. Em primeiro lugar, é preciso distinguir imagem de identidade. Por identidade, compreende-se a coluna vertebral do político, englobando coisas como seu pensamento, história de vida, feitos e fatos relevantes de sua trajetória, comportamentos e atitudes. Portanto, a identidade é a verdade do político, o que é e o que representa. O termo origina-se do latim – idem, idêntico, semelhante.
Já a imagem é a projeção da identidade, ou seja, é a percepção que as pessoas formam do agente político, produzida por associação de ideias, observação sobre atos e maneira de ser, comparação desse painel de situações com outros painéis tirados de outros protagonistas.
Essa percepção vai se alongando no território mental dos observadores, a partir das expressões que estes captam, seja por meio de conceitos e ideias, seja por meio da estética (maneira de falar, de vestir, de gesticular etc).
Desse modo, a percepção é o mapa formado do continuum que abriga os atos do cotidiano dos atores políticos. Isso explica, por exemplo, como a boa imagem de um político, plasmada em um primeiro momento, poderá se afunilar e acabar se tornando negativa em um segundo ou terceiro momento.
De tanto repetir os mesmos cacoetes, conceitos politicamente incorretos, gafes e coisas do gênero, figurantes tendem a sair do conforto da boa imagem para o inferno das más avaliações.
A sombra
Para melhor compreensão, atentem para esta imagem: a identidade equivale à sombra abaixo dos pés de uma pessoa submetida ao sol do meio dia. Não se vê resquício de sombra, eis que os raios do sol incidindo sobre o centro da cabeça não a deixam aparecer. Entendamos que, sob o sol do meio dia, a imagem corresponde exatamente à identidade.
À medida que o sol se inclina no poente, os raios, incidindo sobre o corpo de uma figura, alargam sua imagem, desenhando no chão a projeção de sua massa corporal.
Assim, ao se pôr, o sol deixará no chão extensa imagem projetada do corpo, um traçado desengonçado, diferente do desenho mais próximo que se registra, por exemplo, às 13 ou às 14 horas. Quanto mais esgarçada, mais a imagem distorce a identidade.
Esse fenômeno ocorre com políticos ou celebridades. Alguns conseguem manter a imagem próxima à identidade, mas a maioria já não consegue. Na projeção, algumas imagens adentram a esfera positiva, tornando-se extraordinárias, dignas de elogios. Outras, não. Mais parecem monstrengos. Apliquemos as abordagens a algumas de nossas figuras públicas.
Quem está com a imagem no altar da admiração? Sérgio Moro, um deles. Sua identidade é a do juiz sério, que cumpre a missão profissional e desperta a alma cívica. Passou a encarnar os valores de justiça, dignidade, ética, autoridade, ordem e dever de ofício. Sua imagem acolhe valores inerentes à identidade. No caso, identidade e imagem caminham juntas. Se alguém enxerga nele imagem de super-herói é por conta do vácuo ético aberto pela esfera política. Moro passa a ser a resposta à indignação.
A falta de racionalidade
E Lula?
É um caso sui generis. Se a racionalidade estivesse mais presente na alma nacional, estariam ele e Dilma mergulhando nos rios de sangue fervente e tomando banho de chuva permanente de brasas no 7º circulo do inferno de Dante. A razão?
Porque os cordões umbilicais de ambos estariam amarrados à maior recessão da história brasileira, sendo os responsáveis por nossos milhões de desempregados. Infelizmente para a classe artística, Lula é a encarnação da divindade.
A crise que produziu o maior rombo fiscal de todos os tempos, para os artistas, Gleisi Hofmann e companhia, é obra de golpistas. Risível.
A emoção dá as cartas. Sob o colchão emotivo, Lula continua a receber as bênçãos de grande parcela da população nordestina. Que enxerga nele o despachante de grandes obras sociais, o semeador que plantou o Bolsa Família e outras benesses.
Não é que a imagem do ex-presidente acaba de melhorar segundo o Ibope?
O mito não será varrido do cenário. Entrará no pleito e, podem acreditar, administrará a campanha ou a não campanha (se não for candidato) com fervorosa emoção. Será um Cristo conduzindo a cruz até o calvário.
O mesmo pode se dizer da ex-presidente Dilma Rousseff. Não duvidem se chegarmos a vê-la no Senado em 2019, eleita em outubro de 2018 como senadora do.....Piauí. Os piauienses, compadecidos, poderão conceder à ex-presidente responsável pelo rombo-Brasil o título de Excelência Senatorial (não sanatorial).
Mas, voltando à questão da imagem. O tempo vai apagando mágoas e defeitos. Ouve-se no Nordeste que “Lula roubou, mas fez”.
A lembrança vem a propósito de Paulo Maluf. Preso após antiga pendenga na Justiça, Maluf é o político mais identificado com o lema criado por Ademar de Barros na década de 50: “rouba, mas faz”.
Constata-se, porém, que, aos 86 anos e com câncer, o ímpeto social contra sua figura arrefece. Já não se vê tanta indignação em relação a Maluf. Foi purgado em parte pela roubalheira desses tempos nebulosos.
Ouvi esta semana: “diante dos grandes ladrões, Maluf virou trombadinha”. Diminuiu de porte.
Em tempo: triste é ver uma Nação transformar calhordas em heróis. Ou lobos vestindo a pele de cordeiros.
* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação
Gaudêncio Torquato: Governos na quarta marcha
O ciclo de vida de uma administração – federal, estadual ou municipal – se assemelha a um carro de quatro marchas. Cada ano corresponde a uma marcha.
A primeira dá a partida do carro. Que vai pegando velocidade nos primeiros meses, quando o governante examina as condições dos espaços, fazendo o mesmo diagnóstico do motorista, testando o ambiente, olhando para a frente e para os lados.
Na segunda marcha, o carro avança com mais velocidade, correspondendo ao segundo ano da administração, quando os governantes praticamente começam a governar, depois de sanear (???) a estrutura e colocar a casa em ordem.
A terceira marcha é a da velocidade mais alta, com estabilidade e o carro avançando bem. A administração, de modo equivalente, usa esse tempo para abrir uma bateria de obras.
Na quarta marcha, o carro, muito veloz, faz ultrapassagens, queima etapas, faz tudo que for possível para chegar ao final do caminho.
A cada etapa, o administrador tenta pincelar sua imagem. Ao sentar na cadeira, a imagem mais parece a do rapaz que comprou seu primeiro carro. O governante ingressa num universo de fantasias. Pensa no que poderá realizar, escolhe a equipe, e verifica como deverá usar o poder da caneta.
Sabe que poderá usar a força do cargo, testa a capacidade de mandar, solicitar, nomear, “desnomear”, receber atenção. Começa a construir sua Identidade, que abriga o conceito que deseja para ser conhecido pela comunidade (nacional, estadual, municipal).
O governante assume uma feição de magistrado, ouvindo muito, aceitando conselhos, reservando para si as decisões finais. Torna-se, de certo modo, cúmplice dos interlocutores.
O despachante
A segunda imagem mais parece a do despachante. Passa a atender um sem número de pessoas por dia, assina pilhas de papéis, enquanto a burocracia começa a prendê-lo com reuniões, articulações, contatos com as organizações da sociedade. Dorme contando carneirinhos, aliás, os pedintes – políticos da base, lideranças, setores - que entram e saem do gabinete, na verdade um salão de despachos.
A terceira imagem é a do artesão-obreiro. Cansado da rotina dos papéis, é aconselhado a ouvir mais a população, sair do confinamento de suas sedes, visitar canteiros de obras, pôr bonés na cabeça, sujar-se de poeira, visitar cidades, dar incertas em hospitais, despachar nas ruas.
Não faz muito tempo, um prefeito de uma capital de Estado sulino despachava sob uma árvore, sentado num banquinho e cercado do povo. (Fazia parte da imagem que queria projetar a ideia de se identificar com o clima das ruas e gente ao redor).
Nesse momento, os governos passam a ser reconhecidos com a marca registrada por meio de placas, frases de efeito e logomarcas. Fotos de governantes papados de suor (amostra do obreirismo faraônico) inundavam as redações para transmitir a imagem de uma administração transformada em canteiro de obras.
Claro, esse era um flagrante mais comum no passado. Em tempos de euforia econômica, cofres cheios, população bem atendida em serviços.
A quarta imagem e última imagem da administração se assemelha a de César, imperador romano.
Queixo apontando para a testa do interlocutor, rodeado de áulicos, que lhe fazem elogios e dão versões sempre positivas de sua administração, o governante ordena maior volume de propaganda na mídia e expansão da articulação política. A circunferência das barrigas também se avoluma com a proliferação de eventos gastronômicos. E haja churrasco.
Essa é a fase áulica e festiva, quando os encontros sociais invadem noites, sob a conversa frouxa de grupos mais chegados. Mas o povo só aparece se os eventos são públicos, como festas de padroeira.
O governante capricha na articulação política com o objetivo de aplainar o caminho com vistas à reeleição.
A partilha
As imagens dos mandatários passam a expressar o próprio ciclo da vida da administração. Da simplicidade da primeira fase, a uma certa arrogância da última fase, elas retratam a incultura política do País. De inquilinos dos espaços públicos, acabam sendo vistos como proprietários de feudos.
A coisa pública (res publica) se transforma em extensão de espaço particular. A falta de preparo torna o governante refém de pequenos grupos que se formam nos vãos do poder. Ocorrem partilhas de áreas, com distribuição de cargos, benesses e posições.
Os programas de assistência social se transformam em moeda de troca do fisiologismo. “Aos amigos, tudo, aos inimigos, os rigores da administração”. Mas o verniz cosmético não consegue limpar os entulhos que se acumulam nas vias das administrações em tempos de crise.
Esse é o dilema. Praticamente o mapa da administração pública no país exibe, nesse final de outubro, borrões e manchas. Quase nenhum governante consegue mostrar administração aprovada com louvor pelas populações. Municípios e Estados estão à beira da falência. Os serviços públicos são uma calamidade. Salários do funcionalismo estão atrasados em Estados e municípios. Portanto, os governantes passam a ser alvo da indignação geral.
A parte mais sensível do corpo - o estômago – é frontalmente atingida quando salários atrasam. Lembram-se da equação BO+BA+CO+CA (Bolso cheio, Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça aprovando o governante)? Pois bem, a recíproca é verdadeira.
A campanha eleitoral de 2018 estará, portanto, sujeita às intempéries, esse monte de desajustes, inação, serviços desqualificados, salários atrasados etc. Mesmo assim, por falta de opção serão reeleitos administradores ruins e com imagem negativa. Mas a renovação será bastante acentuada, principalmente se ao eleitorado for oferecida a opção por perfis que expressem o conceito de limpeza, honestidade, seriedade, compromisso e experiência.
Esses meses de final de semestre – que se aproximam da quarta marcha dos governos - serão importantes para tomar o pulso das comunidades. Se a temperatura ultrapassar os 40 graus, será difícil baixar a febre. Até porque não haverá grana para comprar os remédios.
* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter
Cristovam Buarque: Escadas ou caminhos
Cada grupo busca aumentar os seus benefícios e não o melhor para o país
Houve um tempo em que os políticos debatiam qual o melhor caminho para o progresso, hoje discute-se como o Brasil pode oferecer escadas mais fáceis para permitir ascensão social aos grupos com poder de pressão no uso dos recursos públicos. Procura-se beneficiar indivíduos, não o país. A discussão sobre as reformas, trabalhista e previdenciária, é exemplo deste desvio da estratégia do “caminho” para a estratégia da “escada”.
Cada grupo estuda e defende suas posições, favoráveis ou contrárias às reformas, não em função de qual será o melhor caminho para desamarrar o Brasil e permitir caminhar para o aumento de nossa eficiência, produtividade, justiça, independência, sustentabilidade, incentivo aos jovens, proteção aos velhos, pobres e doentes; mas em função de como evitar perdas para seu grupo, ou para conseguir aumentar seus benefícios ou seus votos. Busca-se escadas para indivíduos, não caminhos para o conjunto do país.
Este não é um fenômeno novo. Em reação aos anos de chumbo da ditadura, durante a elaboração da Constituição decretou-se mais direitos do que deveres. Desde a luta pela democracia, que buscava definir os rumos para o país, o debate político perdeu a discussão de quais os melhores caminhos para todos os brasileiros e se concentra até hoje, salvo exceções, em quais são as escadas para servir a cada grupo e cada indivíduo.
Até mesmo boas políticas para corrigir injustiças têm sido definidas mais para atender interesses de grupos do que para formar compromissos com o país: preferimos o uso de cotas para ingresso na universidade, do que o caminho mais ambicioso de assegurar a educação de base com a mesma qualidade para brancos e negros, pobres e ricos. Nos contentamos com um programa justo de assistência por meio de transferência de renda para cada família pobre, no lugar de uma estratégia ousada para fazer a emancipação da população pobre e ninguém precisar de bolsas. O Ciência Sem Fronteiras foi mais orientado para beneficiar jovens do que para construir um potente sistema de ciência e tecnologia a serviço de todo o país e seu futuro.
A operação Lava-Jato e a Lei da Ficha Limpa têm a grande vantagem de tirar escadas para a eleição de políticos corruptos, mas não vai construir o caminho para a escolha de políticos honestos. Felizmente, já temos o sistema judiciário que prende corruptos, mas ainda não formamos uma massa de eleitores capazes de eleger políticos honestos.
O Brasil precisa sair da discussão de escadas que atendem a interesses de grupos e fazer o debate sobre quais são os melhores caminhos para o futuro desejado. Mas isto é difícil porque, no lugar de buscar construir coesão nacional, preferimos continuar a política de atender corporações, sindicatos, associações, grupos. Não percebemos que esta falta de coesão é a principal causa de nossos problemas e frustrações: porque sem coesão, política e social, não vamos definir um rumo para o conjunto de nosso povo e nossa nação.
*Cristovam Buarque é senador (PPS-DF)
Fonte: http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2017/06/escadas-ou-caminhos.html
Maurício Huertas: Lava Jato - Cumpra-se a lei; punam-se os culpados!
Mal comparando – e vai aí uma explicação bastante simplista e simplificada da Teoria Geral da Relatividade de Einstein, buracos negros são regiões que possuem uma quantidade tão grande de massa concentrada, maciça e compacta que nada consegue escapar da atração da sua força de gravidade, nem mesmo a luz. No coração de um buraco negro, o tempo para e o espaço deixa de existir. Em resumo, seria o estágio final de uma estrela após o seu colapso gravitacional.
A publicação das delações dos executivos da Odebrecht mostra, com todos os detalhes sórdidos e uma crueza deprimente, o colapso do nosso sistema político-partidário dominado por uma organização mafiosa que se apoderou do Estado. Por outro lado, a Operação Lava Jato é o foco de luz que desafia as leis do crime e da Física: conseguiremos escapar desse buraco negro?
O escárnio dos delatores narrando a compra de políticos com seus codinomes ridículos (mas apropriados), o envolvimento de legendas à esquerda e à direita, no governo e na oposição, tudo isso regado com o derramamento de dinheiro público para manter essa estrutura putrefata mostra que, não por acaso, chegamos à fase decisiva das investigações no clima que justamente se apelidou de “fim do mundo”.
Agora, neste momento apocalíptico, ou nos perdemos todos na implosão que engole tudo que parecia sólido em nosso universo político (naves, sondas, asteroides, luas, planetas e até resquícios de vida inteligente) após a falência da última missão tripulada do partido da estrela e de seus satélites em governos de coalizão que nos deixaram perdidos no tempo e no espaço, ou nos reinventamos e partimos verdadeiramente para a construção de um novo mundo, com princípios éticos, democráticos e republicanos.
Da suspeita generalizada e empírica de que no Brasil existia uma corrupção empresarial e política sistêmica, arraigada há décadas, partimos para a certeza comprovada da podridão como única regra do jogo, com o mau cheiro típico e o transbordamento de um esgoto a céu aberto que exige saneamento urgente.
O que fazer, então, a não ser defender que se cumpra a lei e punam-se os culpados? Doa a quem doer, sem protecionismo, corporativismo ou partidarismo. Não podemos ser cúmplices, já que fomos todos omissos ou negligentes – para dizer o mínimo – diante dos sinais cada vez mais evidentes da necrose que tomava conta do tecido social, político e institucional que protege a nossa frágil democracia.
Ou reagimos permanentemente, com o máximo rigor, à máfia instalada na máquina estatal, ou damos por barato que todos são venais na sociedade e tudo tem seu preço: das medidas provisórias, licitações, leis, tempos de TV, alianças partidárias, perguntas em debates eleitorais, notícias, fim de greves, impeachments etc. até o pastor, o sindicalista, o servidor, o índio, a polícia, o promotor, o delegado, o juiz, o candidato, o político eleito e o eleitor.
Que sejam punidos exemplarmente corruptos e corruptores, políticos e empresários, delatores e delatados, partidários do campo azul ou do campo vermelho do nosso mapa tão fortemente polarizado mas que – chegamos à triste conclusão – não se diferenciam tanto assim na hora e nos métodos da pilhagem dos cofres públicos para se manterem no poder.
Bandido é bandido, seja rico ou pobre, culto ou ignorante, amigo ou inimigo. Não há como compactuar com esse sistema. Não há como ser condescendente com a corrupção. Que as investigações, apurações e o julgamento das denúncias vá às últimas consequências, com celeridade, independência e responsabilidade. Todo apoio às ações saneadoras do STF, da Procuradoria Geral da República, do Ministério Público e da Polícia Federal. Que se resgate no Congresso Nacional o mínimo de pudor e de espírito público para fazer avançar as reformas estruturais e profiláticas.
Passar o Brasil a limpo deixou de ser força de expressão. É uma necessidade vital. Ou, do contrário, abriremos caminho para salvadores da Pátria que, a pretexto de sanear o País, atendendo aos anseios difusos da turba que se manifesta nas ruas e nas redes contra a corrupção e a imoralidade, descambem para atalhos autoritários e desprezem as conquistas do nosso valoroso Estado Democrático de Direito. A saída, ainda que traumática e tortuosa, é pela Política. Vamos traçar o nosso rumo.
* Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e apresentador do #ProgramaDiferente
** Foto: Agência Brasil/EBC