político
Nas entrelinhas: Lula inicia montagem de sua base no Congresso
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega hoje a Brasília com um a agenda carregada, na qual constam reuniões com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber. Do ponto de vista prático, isso significa que está operando a transição de governo junto aos demais Poderes, o que deve esvaziar ainda mais o poder do presidente Jair Bolsonaro nos dois meses que lhe restam de mandato. Indagado sobre as tensões políticas pós-eleitorais, um ministro do Supremo que dialoga com os dois lados minimizou a importância dos protestos realizados por bolsonaristas no fim de semana: “Lula já assumiu o vértice do sistema de poder”, ou seja, a alta burocracia federal já o pera a transição político-administrativa como deve ser.
O presidente Jair Bolsonaro, a propósito, continua sem agenda relevante e digerindo o resultado das eleições. Suas declarações são de líder da oposição. Até hoje não reconheceu formalmente a derrota nem cumprimentou o presidente eleito. Em seu pronunciamento após a eleição, deixou claro que considera seu grande legado a formação de uma direita organizada no Brasil. É a primeira vez que um político na Presidência da República se assume como um líder de direita. Líderes da antiga UDN, por exemplo, que eram a expressão da direita golpista durante a guerra-fria, jamais assumiram essa condição. Todos se diziam liberais, como Eduardo Gomes, Carlos Lacerda e Magalhães Pinto.
Os encontros com Lira e Pacheco são importantes para a construção da base parlamentar no novo governo e a viabilidade das medidas dos primeiros 100 dias de governo. O Orçamento de 2023 é uma bomba de efeito retardado, porque não prevê recursos para o Auxílio Brasil e para as políticas públicas. Por exemplo, verbas para a campanha de vacinação contra a Covid-19, que já dá sinais de que está voltando. Essa negociação é crucial, mas depende também de decisões sobre a equipe econômica do novo governo. A incorporação dos economistas André Lara Resende, Persio Arida e Guilherme Melo na equipe de transição descontentou os economistas do PT, que tinham expectativa de que o ex-senador Aloizio Mercadante fosse anunciado para comandar a política econômica do novo governo.
Governabilidade
A conversa de Lula com o vice-presidente, Geraldo Alckmin, coordenador da equipe de transição e responsável pela incorporação dos economistas do Plano Real, ontem, pode ter resultado na indicação do futuro ministro da Fazenda (ou da Economia, se for mantida a nomenclatura atual). É preciso pôr fim às especulações no mercado, que estão provocando instabilidade no câmbio e nas ações da Bovespa. Por exemplo, no caso da Petrobras, havia uma quase certeza no mercado financeiro de que a empresa seria privatizada, caso Bolsonaro fosse eleito. Essa possibilidade está descartada, mas ainda permanecem grandes dúvidas quanto à política de preços e as prioridades de investimentos da petroleira.
Pelo acordado durante o fim de semana, Lula deve se reunir com a equipe de transiçao para definir uma solução para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, na tentativa de acomodar a extensão do Auxílio Brasil de R$ 600 para 2023. As conversas de Lula com Pacheco (PSD-MG) e Lira (PP-AL) são fundamentais para a governabilidade do novo governo. No caso de Pacheco, a relação é fundamental para o êxito do governo Lula, porque é uma Casa revisora e que sempre cumpriu um papel relevante no sentido de garantir a governabilidade. Além disso, Pacheco é o mais importante representante do PSD no Congresso, legenda que já negocia, por meio de seu presidente, Gilberto Kassab, sua participação no governo. Partido de centro-direita , a legenda tem 11 senadores e 42 deputados.
Uma conversa estratégica é com Arthur Lira, que controla o Orçamento da União. Seu partido foi a viga mestra da base de sustentação do governo, sob comando do presidente da legenda, Ciro Nogueira, o ministro da Casa Civil e responsável pelo diálogo entre o atual governo e os integrantes da equipe de transição de Lula. O caminho crítico da relação entre Lula e Lira é a eleição para a Presidência da Câmara, chave para os dois primeiros anos de mandato de Lula. Hoje, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, deve revelar se a legenda do presidente Jair Bolsonaro lançará candidato a presidente da Câmara ou apoiará Lira.
Outro elemento complicador na relação com o Congresso é a posição do MDB, cujo presidente, Baleia Rossi (SP), foi adversário de Lira na sucessão de Rodrigo Maia, em 2020. O Renan Calheiros, por cacique da legenda e adversário de Lira, já critica Lula, porque estaria cedendo demais às exigências do Centrão. Com 42 deputados e dez senadores, o MDB saiu muito fortalecido da eleição. Sua candidata, Simone Tebet, foi decisiva para a eleição de Lula e deve integrar o novo governo. O MDB discute com o PSDB o Cidadania e o Podemos a formação de uma frente parlamentar no Congresso e, talvez, uma federação das quatro legendas.
Para aprovar a tal PEC da Transição, Lula precisará contar com o apoio de 219 deputados e 14 senadores que não foram reeleitos.
"Tchuchuca do Centrão": Bolsonaro se revolta e parte para cima de youtuber
Brasil de Fato*
Ouça áudio:
O presidente Jair Bolsonaro (PL) partiu pra cima do youtuber Wilker Leão, nesta quinta-feira (18), na saída do Palácio da Alvorada. O youtuber costuma fazer vídeos provocado apoiadores do presidente e também militantes de esquerda.
Próximo ao carro do presidente, o blogueiro começou a fazer perguntas quando foi empurrado por alguém da segurança de Bolsonaro. Irritado, xingou Bolsonaro de “vagabundo”, “safado”, “covarde” e “tchutchuca do Centrão”. Esse último termo, inclusive, chegou ao topo dos trending topics da rede social no país, sendo o assunto mais comentado na manhã desta quinta.
Bolsonaro entrou no carro, mas não aguentou e saiu e partiu pra cima de Leão, tentando tirar seu celular. Depois do caso, ele chegou a topar conversar com Wilker Leão, de acordo com jornalistas presentes no local.
Assista vídeo:
Leia a repercussão
*Texto publicado originalmente em Brasil de Fato. Título editado.
Nas entrelinhas: Manifesto resgata narrativa da luta contra a ditadura
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito, lançada ontem nas arcadas da tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), na sequência do manifesto de empresários e sindicalistas organizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) como o mesmo objetivo, resgatou a narrativa da luta pela democracia que aprofundou o isolamento e levou à derrota o regime militar. Organizado por ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), juristas, professores e alunos, o manifesto pode chegar a 1 milhão de assinaturas.
É uma ironia tudo isso. Tanto fizeram o presidente Jair Bolsonaro (PL), os generais que o cercam no Palácio do Planalto e seus apoiadores, saudosistas do regime militar, nos ataque às urnas eletrônica, à Justiça Eleitoral e ao STF, que o mundo jurídico reagiu em defesa dos postulados básicos da democracia e conseguiu galvanizar o apoio da sociedade civil. Isso ficou muito evidente no Largo do São Francisco e em dezenas de outras cidades brasileiras. Não por acaso, o evento relembrou o manifesto lançado nas comemorações dos 150 anos dos cursos de Direito no Brasil, em 1977.
O evento de ontem reuniu remanescentes da manifestação realizada 45 anos atrás, que contou com a participação de cerca mil pessoas, que saíram em passeata no centro de São Paulo, em pleno regime militar. A leitura da nova carta foi realizada pelas professoras da Faculdade de Direito da USP Euníce de Jesus Prudente, Maria Paula Dallari Bucci, Ana Elisa Liberatore Silva Bechara (vice-diretora da instituição) e por um dos signatários da carta de 1977, Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, com 82 anos, ministro aposentado do Superior Tribunal Militar (STM).
Em 1977, a motivação dos protestos foi o fato de a celebração oficial ter ficado a cargo do ex-ministro da Justiça Alfredo Buzaid, um dos autores do AI-5. Os juristas Bierrenbach, José Carlos Dias e Almino Affonso decidiram organizar um ato que realmente representasse a comunidade acadêmica e seu entendimento sobre a situação do país. O professor Goffredo Telles Júnior foi encarregado de redigir e ler o manifesto, que entrou para a história.
Outro contexto
O contexto era completamente diferente. O general Ernesto Geisel operava uma abertura política “lenta, gradual e segura”, em resposta à derrota eleitoral do regime, em 1974. Milhares de pessoas haviam sido presas em 1975, a maioria ligada ao antigo PCB. O regime perseguia opositores, censurava meios de comunicação e não permitia a eleição direta de governantes.
Entre junho e agosto, 17 jovens militantes do antigo MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado), entre os quais o atual deputado federal Ivan Valente (PSol-SP), haviam sido presos. Em resposta, houve uma grande manifestação de estudantes na PUC do Rio de Janeiro.
Os signatários da Carta aos Brasileiros, pot tudo isso, começavam o documento declarando-se decididos “a lutar pelos Direitos Humanos, contra a opressão de todas as ditaduras”. O texto de 14 páginas terminava afirmando: “A consciência jurídica do Brasil quer um a cousa só: o Estado de Direito”.
O documento, de certa forma, serviu para unificar a agenda do movimento democrático, que desaguou na vitória do MDB nas eleições de 1978 e na campanha da anistia para os presos políticos e exilados, que viria ser aprovada em 1979. Daí em diante, da nova derrota eleitoral de 1982 até a eleição de Tancredo Neves, no colégio eleitoral, em 1985, o regime foi se desagregando, até a derrota final dos militares.
Hoje, a situação é completamente diferente. Generais voltaram ao poder pelas mãos de um ex-capitão que deixou a ativa por indisciplina e se elegeu presidente da República. O Centrão substitui a antiga Arena, da qual o PP é o legítimo sucessor, no controle do Congresso. Entretanto, o poder moderador na República é exercido pelo STF e não pelas Forças Armadas, embora o atual ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, se comporte como se fosse xerife das eleições.
A narrativa golpista de Bolsonaro assusta a sociedade civil, cujas lideranças se uniram para defender a democracia sem a intermediação dos partidos. Esse é o eixo político institucional da disputa eleitoral em curso, mas é a situação da economia que decidirá o pleito. Por meio da chamada PEC Emergencial, que desconsidera a legislação eleitoral, o governo usou o peso do seu poder econômico para mudar a correlação de forças nas eleições. Por isso, Bolsonaro tripudia do manifesto.
Nas entrelinhas: MDB do Rio “cristianiza” Simone e apoia Lula
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Em 15 de maio de 1950, os dirigentes do PSD, reunidos na casa de Cirilo Júnior (presidente do partido), decidiram lançar a candidatura de Cristiano Machado à Presidência da República. O general Góis Monteiro transmitiu a decisão ao presidente Eurico Gaspar Dutra, seu velho amigo, enquanto o próprio Cristiano procuraria Getúlio Vargas e Ademar de Barros, o governador de São Paulo, para oferecer ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) a vice-presidência.
Vargas não objetou a escolha, mas o PSD do Rio Grande do Sul (favorável à indicação de Nereu Ramos) rejeitou a candidatura. O Partido Social Progressista (PSP), de Ademar de Barros, também decidiu não apoiar Cristiano. Sabia que a candidatura de Vargas, apoiada por Ademar, seria lançada em 17 de junho. O próprio tentava adiar a convenção e remover o candidato do PSD, mas não teve sucesso. Cristiano foi aclamado no dia 9 de julho, ou seja, se antecipou a Vargas. Para neutralizar Ademar, Cristiano fez ainda uma aliança com Hugo Borghi, candidato ao governo de São Paulo pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN).
Nas eleições de 3 de outubro de 1950, a chapa Cristiano Machado-Altino Arantes (PSD-PR) concorreu com as de Eduardo Gomes-Odilon Braga (UDN) e Getúlio Vargas-Café Filho (PTB-PSP). O resultado final deu a Getúlio 3.849.040 votos, contra 2.342.384 dados ao brigadeiro Eduardo Gomes e 1.697.193 a Cristiano Machado. O refluxo do setor getulista do PSD em relação à candidatura de Cristiano e a transferência de seus votos para Vargas foi um processo de esvaziamento eleitoral que ficou conhecido no jargão político como “cristianização”.
Ontem, a candidata do MDB à Presidência da República, Simone Tebet, foi “cristianizada” pelo MDB do Rio de Janeiro, que decidiu, em convenção regional, apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a reeleição do governador Cláudio Castro. Segundo o documento aprovado, a gravidade do momento, sem qualquer desmerecimento à candidatura posta pelo MDB, “impõe já no primeiro turno das eleições apoiar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o mais qualificado entre todos para governar”.
O MDB cristianizou Ulysses Guimarães (1989), Orestes Quercia (1994) e Henrique Meirelles (2018), mas nunca de papel passado.
Sem compromisso
Segundo o ex-governador Moreira Franco, um dos autores do texto, não houve nenhum acordo prévio com a Lula. A decisão de apoiar o petista foi tomada mirando quatro objetivos: “1º) fortalecer as instituições políticas democráticas, não para mantê-las congeladas no tempo, mas modernizando-as e adaptando-as às exigências de um mundo que muda cada vez mais rapidamente e não perdoa os retardatários; 2º) não aspirar à reconstituição do passado, consciente de que temos de procurar nosso lugar no futuro que está em gestação em todas as esferas da vida; 3º) recuperar o papel do Estado na liderança e na promoção do desenvolvimento econômico e na repartição dos frutos do progresso, do mesmo modo como o fizeram todos os países democráticos do mundo; 4º) governar em nome de todos os brasileiros e para todos os brasileiros e garantir segurança jurídica e estabilidade institucional para os que produzem e trabalham.”
“Uma coalizão de brasileiros, unidos por estes valores, pode evitar os males que nos ameaçam, dar fim a um momento sombrio de nossa história e lançar as bases duradouras de um verdadeiro desenvolvimento inclusivo e sustentável. Esta é uma oportunidade que não podemos perder”, argumenta o documento aprovado na convenção.
Moreira foi um dos artífices do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e trabalha para que o ex-presidente Michel Temer também declare apoio a Lula. Mas não houve nenhum sinal efetivo de reaproximação entre ambos. O petista simplesmente esnobou Temer, solidário com Dilma.
O MDB do Rio de Janeiro é presidido pelo deputado Leonardo Picciani, filho do ex-presidente da Assembleia Legislativa Jorge Picciani, velho aliado de Lula. O ex-prefeito de Duque de Caxias Washington Reis foi indicado vice da chapa. Claudio Castro apoia a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Nas entrelinhas: Supremo volta do recesso fortalecido
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, no discurso de abertura do semestre, reverberou o fortalecimento da Corte em razão do maciço apoio que recebeu da sociedade civil, nos dois manifestos anunciados na semana passada, um liderado por juristas ligados à tradicional Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, e o outro por empresários e banqueiros ligados à Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e à Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), respectivamente. Ambos foram uma resposta aos ataques feitos pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) às urnas eletrônicas, à Justiça Eleitoral e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em particular, aos ministros do STF Luís Roberto Barroso, Édson Fachin e Alexandre de Moraes — respectivamente ex, atual e futuro presidente da Corte eleitoral.
Fux reiterou que “nossa democracia conta com um dos sistemas eleitorais mais eficientes, confiáveis e modernos de todo o mundo” e “uma Justiça Eleitoral transparente, compreensível e aberta a todos aqueles que desejam contribuir positivamente para a lisura do prélio eleitoral”. O presidente do STF também condenou a violência nas eleições: “O Supremo Tribunal Federal anseia que todos os candidatos aos cargos eletivos respeitem os seus adversários, que, efetivamente, não são seus inimigos. Confia na civilidade dos debates e, principalmente, na paz que nos permita encerrar o ciclo de 2022 sem incidentes”, disse.
Na mesma sessão, o ministro Alexandre de Moraes, que presidirá o TSE durante as eleições de outubro, fez uma defesa enfática do atual sistema de votação: “Quem conhece as urnas eletrônicas, quem conhece o sistema de votação, se de boa-fé for, certamente vai verificar que nós podemos nos orgulhar do nosso sistema eleitoral”.
Entretanto, no mesmo dia de reabertura dos trabalhos da Corte, Bolsonaro exibiu os músculos, anunciando a indicação de dois ministros para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) que não estavam entre os preferidos da maioria do Supremo: Paulo Sérgio Domingues, juiz do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), que tem o apoio de Humberto Martins e da futura presidente do STJ, Maria Thereza de Assis Moura; e Messod Azulay Neto, juiz do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, indicado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do presidente.
Queda de braços
Nos bastidores do Supremo, ontem, o mal-estar era grande. O preterido nas indicações foi o desembargador do Tribunal Regional Federal da Região (TRF-1) Ney Bello, cujo nome era articulado pelo ministro do STF Gilmar Mendes. Paulo Sérgio é ligado ao ministro Nunes Marques, aliado incondicional de Bolsonaro na Corte. Os dois nomes ainda precisam ser aprovados pelo Senado, o que deve ocorrer antes das eleições. Bello foi responsável pela decisão que tirou o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro da cadeia, mas isso não adiantou muito.
Mesmo fortalecido, outro sinal de que o Supremo não terá vida fácil foi o pedido de arquivamento do inquérito que apura se Bolsonaro vazou dados sigilosos de uma investigação da Polícia Federal (PF) ainda não finalizada, feito ontem pelo Ministério Público Federal (MPF). A vice-procuradora-geral, Lindôra Araújo, braço direto do procurador-geral, Augusto Aras, no texto do pedido, acusou nominalmente Alexandre de Moraes de violar o sistema acusatório ao determinar novas medidas na apuração.
Lindôra saiu em defesa da atuação de Aras, ao pedir o encerramento da investigação. Segundo ela, seu chefe atuou de forma técnica, jurídica, isenta, sem intenção de “prejudicar ou beneficiar determinadas pessoas”. O inquérito foi aberto porque Bolsonaro, em agosto de 2021, divulgou nas redes sociais a íntegra de um inquérito da PF que apura um suposto ataque ao sistema interno do TSE, em 2018. Segundo a Corte, não houve risco às eleições.
Nas entrelinhas: Dragão da inflação contra mito guerreiro
Luiz Carlos Azedo/ Nas entrelinhas / Correio Braziliense
Com perdão para o trocadilho — Glauber Rocha que nos perdoe —, o presidente Jair Bolsonaro está convencido de que seu maior adversário nas eleições é a inflação. Os números corroboram esse temor, pois a alta dos preços, principalmente dos combustíveis e dos alimentos, pode levar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à vitória no primeiro turno. O que se discute no governo é a adoção de medidas de contingenciamento dos preços, seja pelo congelamento puro e simples, seja pela via de incentivos fiscais. A nova mudança na direção da Petrobras tem esse objetivo.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), que é considerado uma prévia da inflação oficial do país, está em 0,59% em maio, após ter registrado taxa de 1,73% em abril, somando 12,20% em 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Diante disso, Bolsonaro resolveu demonizar a Petrobras, que seria o grande dragão da inflação. Vestiu a armadura de mito guerreiro e defenestrou mais um presidente da empresa, o terceiro. José Mauro Ferreira Coelho durou 40 dias do cargo, sendo demitido por telefone pelo novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Saschida. Para o seu lugar, Bolsonaro indicou Caio Mario Paes de Andrade, atual secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.
Empreendedor em tecnologia da informação, mercado imobiliário e agronegócio, Caio Mario Paes de Andrade tem formação em comunicação social pela Universidade Paulista, pós-graduação em administração e gestão pela Harvard University e é mestre em administração de empresas pela Duke University. Foi presidente do Serpro até agosto de 2020, quando passou a fazer parte do Ministério da Economia. Mas é um neófito na área de energia e petróleo.
A indicação ainda precisa ser aprovada pelo Conselho de Administração da Petrobras. Dois presidentes anteriores da empresa, Roberto Castello Branco e Joaquim Silva e Luna, também foram demitidos do cargo. Ambos por causa dos aumentos dos preços dos combustíveis.
A missão de Caio de Andrade é uma cobra de duas cabeças: de um lado, segurar os aumentos dos combustíveis até as eleições (fala-se, inclusive, em congelamento do preço do gás de cozinha e do diesel); de outro, avançar com o projeto de privatização da empresa. Em ambos os casos, será preciso mudar a composição do conselho de administração da estatal e a legislação vigente. A narrativa do governo para fazer essa alteração está começando a ser construída. Como a pandemia foi controlada, graças à vacinação em massa, o pretexto para a mudança seria o impacto da Guerra da Ucrânia nos preços dos combustíveis, fertilizantes e alimentos.
A Guerra da Ucrânia será uma desculpa para outras medidas populistas, que visam manipular preços artificialmente, reduzir impostos e mitigar o impacto da inflação no orçamento doméstico, principalmente da população de baixa renda, que deriva para a oposição. O que parecia improvável, está acontecendo: uma aliança do ministro da Economia, Paulo Guedes, com os políticos do Centrão para segurar a alta de preços e conceder benefícios a empresas e famílias de baixa renda. A entrega da Petrobras, que era controlada pelos militares, à área econômica, com a perspectiva de sua privatização, um sonho de consumo das grandes petroleiras.
Teto de gastos
Como o mercado não é bobo e sabe que qualquer projeto econômico de médio e longo prazos depende das eleições, a primeira reação foi negativa: as ações da Petrobras fecharam em queda de mais de 3% no Ibovespa, principal índice de ações da Bolsa de Valores de São Paulo. Em Nova York, devido à nova troca, as ações amanheceram, ontem, em queda de mais de 11% no pré-mercado. A recuperação e a valorização da Petrobras, que voltou a ser uma empresa muito lucrativa, estão atreladas à política de paridade internacional adotada em 2016, durante o governo Michel Temer.
O ex-presidente Lula endossa as críticas à política de preços da Petrobras, mas manifesta-se contra a privatização da empresa. Ontem, comentando a mudança no comando da empresa, sugeriu que Bolsonaro desvincule os custos dos combustíveis da cotação do dólar: “Ele pode fazer uma reunião com o Conselho Nacional de Política Energética, trazer a Petrobras para a mesa, trazer o conselho da Petrobras e decidir que o preço não será dolarizado, que nós não vamos pagar o preço internacional, nós vamos pagar o preço do custo da gasolina aqui no Brasil”, afirmou.
Lula também atacou a política de teto de gastos, resgatando a velha retórica contra os banqueiros e as elites do país: “Por que aprovaram teto de gastos? Porque os banqueiros são gananciosos. Eles exigiram que o governo garantisse o que eles têm direito de receber e tentaram criar problemas para investimento na Saúde, na Educação, na Ciência e Tecnologia”. Segundo o petista, “o teto de gastos foi uma forma de a elite econômica brasileira e que a elite política fez para evitar que o pobre tivesse aumento dos benefícios, das políticas sociais, da educação e da saúde para garantir que os banqueiros não deixem de receber as coisas que o governo deve para eles”.
Chico Andrade: O Parlamentarismo, distensão e mudança do sistema político
Apesar dos ladrões do dinheiro público, apesar dos traidores de todos os lados, apesar dos golpistas, verdadeiros ou não, diante dessa baixaria a que chegamos pelas pressões e paixões ideológicas, às vezes compreensíveis, e no meio dessa guerra que ignora amizades e sepulta as regras mínimas da boa convivência está o pobre e sofrido povo brasileiro, que não tem culpa do desastre econômico e político a que o país foi levado, mas é o mais diretamente atingido, com o desemprego galopante, a brusca redução de suas condições de vida e com a falta absoluta de perspectivas.
O impeachment foi admitido, a presidente Dilma afastada, como manda a Lei e, não obstante o justo direito de reclamar dos petistas e de seus militantes mais fiéis, a presidente dificilmente voltará a ocupar o cargo. Por conta das óbvias razões jurídicas e políticas de seu afastamento. Michel Temer é o presidente em exercício, e é nele e em seus ministros que precisamos agora focar e direcionar nossas melhores energias e esperanças para vislumbrarmos uma breve solução para este nefasto pesadelo da crise.
A despeito do estresse permanente provocado no meio político a cada novo episódio da Operação Lava Jato ou a cada nova delação premiada, o país precisa sair do atoleiro, os empresários têm de enxergar a luz no fim do túnel e os trabalhadores, sobretudo, necessitam urgentemente de entrever o caminho de um outro país, que volte a gerar empregos e que lhes aponte a perspectiva da dignidade e de uma vida de paz com suas famílias.
E em meio aos destroços da tragédia deixada, e mesmo diante de um cenário de profunda divisão política, se considerarmos o ainda real enraizamento social do PT e seus movimentos sociais diversos, nos deparamos com um sentimento que caminha para o consenso: o sistema político que produziu esse caos – o presidencialismo chamado de coalizão – se esgotou. De nada vai adiantar se formarem novos partidos, ainda que cada um desses novos grupos surjam abençoados pelo Papa ou pela mais pura das santidades dos céus, porque já não é mais da ilusão de um homem bom e santo para nos salvar o que precisamos. Mas da ousadia e da coragem de construirmos outro modelo, pelo qual as responsabilidades pela gestão do Estado possam ser efetiva e transparentemente compartilhadas com todos que se proponham a participar da vida pública, independente de suas ideologias ou de suas crenças religiosas.
E, não obstante parecer que tudo está ruim e mais distante uma solução, eis que as circunstâncias colocam diante de nós talvez uma ótima oportunidade para sacudirmos a poeira da intolerância e mitigando as barreiras dos ódios plantados nos juntarmos em torno de uma bandeira mais humana e libertária, que acolhe a todos, vencedores e derrotados. A auspiciosa ideia do Parlamentarismo, como modalidade de se dividir e compartilhar o poder entre todas as forças que efetivamente se fizerem representativas do povo brasileiro no Congresso Nacional.
Não vamos deixar de eleger o presidente da República, apenas este não será mais o todo poderoso e nenhum partido sozinho o será. Sem a necessidade de reinventar outros caixas dois ou outros esquemas criminosos de desvio do dinheiro público, pensemos na possibilidade histórica de desarmar os espíritos, de mitigar as tensões que se elevaram ao extremo nos últimos tempos, com razões justas ou não.
O caos deixado nas contas públicas, a saturação de políticas não transformadoras, o desrespeito ao cidadão, o descrédito com tudo e quase todos, tudo isso não será enfrentado com uma medida mágica e, nem mesmo com toda a força resultante do impeachment se oferecendo em apoio ao presidente em exercício, já que as soluções demandam tempo, acordos e, sobretudo, um ambiente mais propício à boa governança e que inspire a coesão social. E isso não se dará num cenário de permanente confronto ou de requeridas vinganças.
Ora, embora, afora o PPS, que historicamente se proclama parlamentarista, ainda que não exerça permanentemente o protagonismo de sua defesa, não vislumbre-se da parte, principalmente dos grandes partidos o debate do tema, as circunstâncias deste momento, em que, o presidente do senado se declara simpático, o PSDB, coloca entre as premissas para apoiar o governo provisório a inclusão do parlamentarismo na pauta, menções de parlamentares dos mais diversos partidos de direita, de esquerda ou de centro são observadas no sentido de se pensar com urgência na mudança do sistema presidencialista, ainda temos a palavra do presidente interino, Michel Temer, se propondo a sinceramente discutir a ideia.
Quando do plebiscito em torno da mudança do sistema de governo, ocorrido em 1993, a maioria dos grandes partidos optou pela manutenção do presidencialismo, porque havia a ansiedade pelo poder, e um pensamento autoritário de solução dos problemas brasileiros reinante na cabeça de grandes lideranças de cada uma dessas agremiações, como Brizola, Lula, Mário Covas, entre tantos outros. Passados agora mais de 20 anos, percebemos que muito pouco avançamos no sentido da verdadeira cidadania. Na primeira eleição direta elegemos um presidente desenraizado socialmente e o tiramos dois anos depois. Vencemos a guerra contra a inflação, mas não enfrentamos adequadamente os graves problemas da desigualdade e da pobreza, e na política, saímos de cerca de meia dúzia de partidos para, pasmem, mais de trinta atualmente, o que, segundo a maioria dos entendidos, só provoca mais desagregação. E agora, estamos a fazer o impeachment de uma presidente do partido que se construiu a base do apelo popular e da ilusão antiga dos salvadores da pátria e da utopia da esquerda.
Não dá mais! Não fomos capazes de fazer as mudanças no sistema político e eleitoral exigidas, como o voto distrital misto e em lista e a redução do custo de campanhas e com isso o presidencialismo mal apelidado de coalizão acabou. E se isto é verdade, porque não fazemos esse debate pra valer? É fato que assim que nos deparamos com essa exaustão, nos vem a pergunta: o que fazer? Ora, não precisamos sair por aí pregando uma maravilha salvadorenha, porque não é mais disto que se trata, mas está mais do que na hora de se desmistificar a confusa ideia que a maioria do povo faz do parlamentarismo: acham que seria pior, já que o exemplo da maioria dos parlamentares é péssimo, recheado de pessoas despreparadas, envolvidas em denúncias de desvios e de corrupção, ou inaptas para o exercício de um cargo tão relevante como o de um primeiro-ministro. Isso não deixa de ser verdade, mas o parlamento em qualquer lugar do mundo é assim, um pouco a cara de seu povo. No nosso caso, temos então uma dupla oportunidade, nos educarmos politicamente para elegermos melhor nossos representantes.
E mais: agora que as grandes lideranças do PSDB também não se acham totalmente imaculadas das denúncias da Lava Jato, as do PMDB, nem se fala, pensemos então nos demais partidos democráticos do centro para a esquerda. O PT, por exemplo, se sobrou um pouco de juízo em seus dirigentes, estes devem ser acordados já para esse debate, pois é o que lhes resta de esperança para um dia se reencontrarem com o sonho de seu passado transformista e de suas pregações sociais. Outros partidos, como o P-Sol, e a Rede, de Marina Silva, só teriam a ganhar ao se dedicarem ao tema, diante do potencial pedagógico e da perspectiva , humanista e transformadora que a proposta sugere, especialmente quando se prenunciam tempos novos. Aos de centro ou de direita, outra opção não lhes restaria, já que seus partidos estão quase todos contaminados pelas denúncias e se ressentem da fragilidade de suas bases, forjadas em bandeiras insuficientes ideologicamente ou nas bases difusas das igrejas.
O PT vai enfrentar um futuro incerto, é verdade. Provavelmente, nas próximas eleições gerais, não elegerá a metade dos deputados que elegeu em 2014. O PCdoB, igualmente sofrerá perdas, A Rede vai ganhar alguns, o Psol, talvez outros e, um ou outro dos partidos que estão na forma como o de Erundina, se legalizados, também podem eleger deputados. Mas tudo indica que a esquerda tradicional, ou principalmente a identificada com os desmandos do PT sofrerá baixas sensíveis nesse futuro imediato. Porém, não somos daqueles que sonham com o fim do PT, queremos sim que seus dirigentes façam a necessária autocrítica de seus imensos pecados públicos. Pecados políticos capitais! E creio que, entre seus quadros, existam alguns que estejam também pensando em oferecer respostas mais altivas a sua militância, que não apenas a falsa narrativa da vitimização. E nem seria bom para essas pessoas que se iludiram em torno do projeto lulopetista ou de suas crenças ideológicas simplesmente ficarem no limbo. Também não seria bom para o país.
Por outro lado, os xingamentos, os adjetivos desrespeitosos, o igualamento pra baixo a que se chegou vindo de ambos os lados nas redes sociais de partidos e de personalidades políticas em nada vai contribuir para encontrarmos o caminho de superação dessa tragédia. Guardadas as devidas proporções, da depressão pelo desencanto ou mesmo da raiva, é hora de baixar a guarda. É hora de todos pensarmos na distensão, já que a continuar assim, ninguém vai ganhar.
E se pararmos um pouco para refletir, é de ações mitigadoras, de mediação construtiva, de uma verdadeira abertura à distensão política o que precisamos neste momento para recomeçar. O debate em torno da construção de uma proposta Parlamentarista para o Brasil pode de novo unir a esquerda e o centro e, quem sabe, muitos democratas e liberais da direita, porque, antes de tudo, não começa de algo definido, mas de uma oportunidade extremamente pedagógica e generosa, para os militantes de antes e para os novos que agora se enxergam empoderados pelas redes sociais.
O PPS tem lideranças importantes para iniciar esse debate e com autoridade suficiente para propor a sua disseminação entre os demais partidos e no conjunto da sociedade. E para não retornarmos à barbárie política e nem ficarmos mais apenas a repetir os nomes dos culpados pela crise, que são muitos, por que não ousamos iniciar de verdade esse auspicioso debate? Poderíamos começar propondo uma Coordenação nacional para a divulgação e desmistificação do Parlamentarismo no Brasil, explicando suas premissas e vantagens para a democracia.
Chico Andrade é presidente do PPS-DF