política
Luiz Carlos Azedo: A imagem da transição
O presidente da República é prisioneiro de uma pauta negativa: a Operação Lava-Jato, na qual o governo está muito enredado
Uma das características da atual conjuntura é o descolamento da economia da imagem do governo Temer. Enquanto o país deixa para trás a recessão, com indicadores econômicos cada vez mais positivos, os índices de aprovação do presidente Michel Temer não dão o menor sinal de recuperação, pelo contrário, se deterioraram ainda mais. Entretanto, é inegável que as medidas adotadas pelo governo reverteram o curso dramático da economia — na administração de Dilma Rousseff, de 2013 a 2016, passamos da estagnação para a recessão, com inflação altíssima e desemprego acima de 10%.
A recessão teve um peso enorme no impeachment de Dilma Rousseff, mas o inverso não está sendo verdadeiro para o governo Temer. A inflação deve ficar abaixo dos 3%, os juros podem cair abaixo dos 7%, mas nada disso rende aplausos populares. Parece que a equipe econômica liderada pelo ministro Henrique Meirelles (Fazenda) faz parte de outro governo. Como a política monetária foi blindada, porém, há que se admitir que esses resultados positivos não seriam possíveis sem as reformas implementadas pelo Palácio do Planalto.
Mudanças na lei de conteúdo nacional, retomada dos leilões do pré-sal, liberalização dos preços dos combustíveis e redução de tarifas de importação de bens de capital jogaram um papel decisivo na construção do novo ambiente econômico e a mudança da taxa de juros cobrada pelo BNDES. A reforma trabalhista, a nova lei da terceirização e o teto constitucional para expansão dos gastos públicos completam o cenário virtuoso, em que pese a meta de deficit fiscal de R$ 159 bilhões e o rombo na Previdência, cuja reforma empacou.
Nada disso, porém, alterou a avaliação do governo. Temer está com 77% de ruim e péssimo, 16% de regular e apenas 3% de bom e ótimo. Em situações como essa, o bode expiatório costuma ser a política de comunicação do governo. Mas o beabá da relação com a mídia e do marketing vem sendo observado: o governo faz campanhas publicitárias frequentes, o presidente mantém uma agenda de aparições públicas diárias e concede frequentes entrevistas. Não consegue, apesar disso, construir uma agenda positiva. Na verdade, o presidente da República é prisioneiro de uma pauta negativa: a Operação Lava-Jato, na qual o governo está muito enredado.
Os aliados de Temer tentaram fazer o feitiço virar contra o feiticeiro, ao articular uma “frente ampla” contra os procuradores e magistrados que atuam na Lava-Jato, principalmente, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Mas a estratégia começa a ser esvaziada, porque a nova procuradora-geral, Raquel Dodge, assumiu o cargo com temperança e suavidade. O problema é que Janot saiu de cena, mas as denúncias, não. Os rumos da Operação Lava-Jato dependem do Supremo Tribunal Federal (STF). É briga de cachorro grande.
Temer articula a rejeição da segunda denúncia do ex-procurador-geral pela Câmara e saiu na frente ao conseguir a indicação do veterano deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) para relator do processo, um passo importante para antecipar a votação, a qual precisa do apoio de apenas 172 deputados para rejeitá-la. Na primeira denúncia, amealhou 263 votos; espera ter mais apoio agora que a poeira baixou.
Caso Aécio
Uma decisão surpreendente da Primeira Turma do STF consolidou a “frente ampla”: o afastamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG) do cargo, entre outras “medidas cautelares”, como a proibição de sair de casa à noite. PMDB, PT e PSDB se uniram em defesa de Aécio, o que reforçou as posições de Temer na Câmara. O problema é que a reação dos políticos gerou um choque entre o Congresso e o Supremo, cujas consequências podem ser mais graves. Na Câmara, a rejeição da denúncia contra Temer faz parte das regras do jogo: a investigação do presidente da República será congelada até o fim do mandato, como na primeira denúncia. A melhora do ambiente econômico ajuda a justificar essa decisão. No Senado, porém, a situação se complicou, porque a rejeição de “medidas cautelares” não está prevista na Constituição.
Os senadores avaliam: “quem pode mais pode menos”, ou seja, se podem revogar a prisão de um dos pares com base na Constituição, por analogia, podem revogar “medidas cautelares” previstas no Código de Processo Penal. Essa exegese, porém, cabe ao Supremo, que vai deliberar sobre o assunto em 11 de outubro. Alguns senadores querem se antecipar e criar um fato consumado, o que pode afrontar o Supremo e provocar uma crise institucional. Não é preciso ser marqueteiro para concluir que essa agenda é péssima para o Palácio do Planalto e aliados. O que puxa para baixo a imagem de Temer é a Lava-Jato.
Luiz Werneck Vianna: Um imenso tribunal
Banir a atividade política é nos deixar entregues a um governo de juízes ou militar
Em outros tempos bicudos, não tão distantes desses que aí estão, celebrado poeta popular lançou a profecia de que, no andar da carruagem em que nos encontrávamos, iríamos tornar-nos um imenso Portugal. A predição não se cumpriu. Aliás, Portugal está muito bem, e as reviravoltas do destino nos conduziram a um lugar de fato maligno, convertendo-nos num imenso tribunal. Vítimas da nossa própria imprevidência, testemunhamos sem reagir a lenta degradação do nosso sistema político – salvo quando o Parlamento introduziu uma cláusula de barreira a fim de evitar uma malsã proliferação de partidos, a maior parte deles destituída de ideias e de alma, barrada por uma intervenção de fundo populista por parte do Supremo Tribunal.
A política, é lição sabida, quando não encontra nas instituições terreno que lhe seja próprio se manifesta em outros, inclusive naqueles criados para uma destinação que, por origem, não lhe deveriam caber. Recentemente, vimos como a intervenção da corporação militar que pôs fim ao regime da Carta de 1946, ao banir os partidos e as instituições de representação do povo, trouxe para si o monopólio da atividade política em nome da luta contra a corrupção e de uma suposta subversão comunista. Caberia a ela a missão de regeneração ética do Brasil e de assentar novos rumos para a modernização econômica do País.
Mas os militares não eram ingênuos nas coisas da política. Força decisiva na fundação da nossa República, tornaram-se desde então um poder moderador de fato, tendo acumulado longa experiência no trato com a nossa complexa realidade social e política – a trágica intervenção militar em Canudos serviu-lhes de amarga pia batismal e o tenentismo, nos anos 1920, de um processo de seleção dos seus quadros para o exercício do poder que lhe viria, parcialmente, com a revolução de 1930 e de forma plena com o golpe militar em 1964.
Com esse lastro, foram capazes de estabelecer bases sólidas para o regime autoritário que implantaram e alianças políticas que reforçassem seu domínio. Nessas alianças se mantiveram os seus princípios, em particular os que definiam como objetivos nacionais permanentes, não foram principistas, atentos às consequências e à realidade em torno. Sob essa orientação fizeram política com as oligarquias que a eles se associaram e as favoreceram para a realização de tópicos significativos de sua agenda de modernização capitalista do País – no caso, exemplar o agronegócio – e lhes assegurarem bases para sua permanência no poder. Com sua atenção à política, souberam reconhecer a hora da retirada quando seu regime se viu assediado por irrefreável onda de protestos vindos da sociedade civil e da oposição que lhe fazia o MDB no Parlamento, admitindo participar da transição que, mais à frente, nos traria a democracia da Carta de 88, que, por sinal, ora nos cumpre defender das ameaças que a rondam.
Hoje, mais uma evidência do desamor da nossa história pelas linhas retas – nascemos tortos, filhos quasímodos da combinação de uma institucionalidade política modelada nos princípios do liberalismo com a escravidão –, estamos novamente sob o risco de recair no domínio de corporações estranhas à política, no caso as das que se originam no Terceiro Poder, cujo gigantismo entre nós já extrapolou em muito os papéis que o notável jurista Mauro Cappelletti admitia como legítimo nas democracias modernas.
Com efeito, a atual invasão do Poder Judiciário sobre as dimensões da política e das relações sociais não encontra paralelo em outros casos nacionais. A categórica judicialização da política, que até há pouco designava uma patologia mansa, no caso brasileiro perdeu acuidade, pois se vive à beira de um governo de juízes, a pior das tiranias, visto que dela não há a quem recorrer. Não se trata agora de um juiz intervir com leituras criativas da lei em casos singulares, uma vez que seu objeto é a própria História do País que se encontra em tela – o Brasil necessitaria, na linguagem dos procuradores, secundada por vários magistrados, “ser passado a limpo”.
Tal operação, que lembra as malfadadas vassouras de Jânio Quadros, não separa alhos de bugalhos e deixa em seu rastro um território infértil para a política num país de mais de 200 milhões de habitantes que não pode prescindir dela para enfrentar suas abissais desigualdades sociais e regionais. Decerto que a chamada Operação Lava Jato tem produzido efeitos benfazejos e, nesse sentido, precisa ser preservada, desde que expurgada dos elementos messiânicos que a comprometem e têm caracterizado a ação de muitos dos seus protagonistas, inebriados pelos aplausos dos incautos e dos pescadores em águas turvas.
O gênio de Gilberto Freyre já nos tinha advertido de que a especificidade da civilização brasileira se caracterizava em pôr antagonismos em equilíbrio, tópica bem estudada por Ricardo Benzaquen de Araújo em seu belo Guerra e Paz. Aqui, a tradição e o arcaico têm convivido com o moderno e a modernização, e temos sabido tirar proveito dessa ambiguidade para forjar nossa civilização. Somos, pela natureza da nossa formação, compelidos às artes da dialética, e a ética puritana nunca medrou entre nós, que mantemos parentesco com o barroco – tema bem desenvolvido por Rubem Barbosa Filho em Tradição e Artifício (B.H, UFMG, 1998).
Entre nós, equilibrar antagonismos foi operação que coube à política, cenário bem diverso do caso americano, que, no celebrado argumento de Tocqueville, reduziu a um mínimo, pela feliz conformação da sua formação histórica, a intermediação dessa dimensão na vida social, dado que estaria animada desde sua origem por práticas de auto-organização. Banir ou suspender a atividade política a pretexto de moralizá-la é nos deixar no vácuo, entregues a um governo de juízes ou a uma recaída num governo militar, e esse é um desastre com que contamos tempo para evitar.
Luiz Carlos Azedo: Não há anjos na política
O caso Aécio Neves, ao pôr em xeque a relação entre os poderes, é um embate entre a tradição ibérica de nossa política e a tendência americanista da nova magistratura
“Se os homens fossem anjos, não seria necessário haver governos”, resumiu um dos fundadores da democracia americana (Madison, O Federalista nº 51), ao se referir aos políticos de um modo geral. A citação é oportuna porque estamos diante de um contencioso entre duas vetustas instituições da União, o Supremo Tribunal Federal e o Senado, ambas herdadas do Império (Constituição de 1824) e não uma criação republicana. Quarto presidente norte-americano, James Madison teve um papel fundamental na elaboração da Constituição e da Declaração de Direitos dos Estados Unidos, com Alexandre Hamilton e John Jay, nos ensaios de O federalista, clássico da ciência política.
Madison dedicou especial atenção à necessidade de controlar os detentores do poder, porque os homens não são governados por anjos, mas por outros homens: “Ao constituir-se um governo — integrado por homens que terão autoridade sobre outros homens —, a grande dificuldade em que se deve habilitar primeiro o governante a controlar o governado e, depois, obrigá-lo a controlar-se a si mesmo”. Para eles, as estruturas governamentais devem funcionar de maneira a evitar que o poder se torne arbitrário e tirânico. “Não se pode negar que o poder é, por natureza, usurpador e que precisa ser eficazmente contido, a fim de que não ultrapasse os limites que lhe foram fixados” (O Federalista, nº 48).
O caso do afastamento do mandato e recolhimento noturno do senador Aécio Neves (PSDB-MG), entre outras medidas cautelares decididas por três dos cinco ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux), transcende tudo o que já houve até agora em termos de “judicialização” da política, inclusive a prisão do então senador Delcídio do Amaral (MS), ex-líder do governo Dilma Rousseff, por obstrução da Justiça. “Estamos diante de uma crise institucional, mas será suplantada porque nossa democracia veio para ficar”, adverte o ministro Marco Aurélio, relator do caso, que votou contra o afastamento, sendo acompanhado apenas pelo ministro Alexandre Moraes.
Ontem, por 43 votos a 8, o Senado evitou o agravamento do impasse, adiando para a próxima semana a votação sobre a decisão do Supremo. Os senadores decidirão se acatam ou derrubam a ordem da Primeira Turma. A votação estava prevista, mas não houve o quórum desejado pelo líder do PSDB, senador Paulo Bauer (SC). Apenas 47 dos 81 senadores estavam presentes. A turma do deixa disso tenta empurrar o caso com a barriga, com a esperança de que o plenário do Supremo reveja a polêmica decisão, que dividiu a Corte. Avaliam que a rejeição pode provocar uma decisão ainda mais drástica do Supremo, elevando a tensão entre os dois poderes.
Americanismo
A famosa teoria da separação dos poderes de Montesquieu se baseava na experiência de “governo misto” da Inglaterra, no qual a realeza, a nobreza e o povo são obrigados a cooperar em regime de liberdade, com a divisão em três funções básicas: a legislativa, a executiva e a judiciária. Nos Estados Unidos, a ideia de um “governo misto” estava descartada pela própria Independência, o que gerou um impasse entre os constituintes, ainda mais porque uma parte da elite política local era aristocrática e escravocrata, como o próprio Madison. O que estava em questão era como garantir a liberdade do povo, refreando as ambições e interesses dos mais poderosos. Na monarquia, as maiores ameaças à liberdade partiam do Executivo; mas nos regimes republicanos, o poder se desequilibrava em favor do Legislativo.
A solução encontrada pelos federalistas foi criar um regime bicameral, no qual o Senado funcionaria como uma espécie de poder moderador das ambições da Câmara. Ao mesmo tempo, reforçou-se o Judiciário, o mais fraco entre os poderes, porque destituído de iniciativa política, garantindo-lhe autonomia e atribuindo à Suprema Corte a interpretação final sobre o significado da Constituição. No Brasil, porém, esse papel de poder moderador somente passou a ser exercido pelo Supremo após a Constituição de 1988. Até então, desde a proclamação da República, foi anulado pelo Executivo ou usurpado pelos militares, com exceção de breves momentos de predomínio do Legislativo, como nas Constituintes de 1945 e de 1987 e nos 17 meses de regime parlamentarista do governo Jango (1961-1962).
O caso Aécio Neves, ao pôr em xeque a relação entre os poderes, é um embate entre a tradição ibérica de nossa política (da qual faz parte o patrimonialismo das oligarquias) e a tendência americanista da nova magistratura, predominante, por exemplo, no modelo de delação premiada (de 80% a 95% dos crimes ocorridos nos Estados Unidos são solucionados pelo plea bargaining, no qual o Ministério Público preside a coleta de provas no inquérito policial e faz a acusação perante a Justiça). É uma verdadeira encruzilhada político-institucional, porque em matéria de interpretação da Constituição o nome já diz: Supremo.
Rubens Bueno: O preço da salvação
A Câmara dos Deputados volta a se tornar o centro das atenções dos meios político e econômico com o início da análise da nova denúncia contra o presidente Michel Temer, desta vez por organização criminosa e obstrução de Justiça.
E só foi o processo dar entrada na Casa que já começaram a se estabelecer nos bastidores da política condições para livrar o presidente da acusação e impedir que ele seja afastado do cargo para responder pela denúncia no Supremo Tribunal Federal (STF).
Os atores dessa negociação nem mais se preocupam em realizá-la “por baixo dos panos”. A barganha ocorre a céu aberto, com a exigência de cargos no governo, liberação de emendas e outras facilidades para deputados em troca do voto favorável a Temer e aos ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, também denunciados pela Procuradoria Geral da República.
Como membro da Comissão de Constituição e Justiça, que vai analisar a acusação, tenho plena consciência que a sociedade estará atenta para a evolução desse toma-lá-dá-cá. Se as barganhas forem adiante, a Câmara, que já conta com enorme desconfiança da sociedade, ficará ainda mais desmoralizada.
Ninguém é ingênuo de não entender que no jogo político sempre há pressão do governo pelo voto dos parlamentares. E no tabuleiro dessa guerra cada um usa as armas que tem. No entanto, no caso em questão, o arsenal de convencimento do Planalto é acionado não para aprovar matérias de interesse do Estado, do coletivo da sociedade, mas em prol do interesse pessoal de um presidente da República denunciado pela segunda vez em menos de um ano.
Teremos semanas de intensos debates sobre o envolvimento de Temer com a quadrilha desbaratada pela operação Lava Jato.
Desta vez será mais difícil ele escapar. Com uma base parlamentar enfraquecida e dividida diante da série de denúncias que pesam contra integrantes do governo, o presidente não deve encontrar na Câmara as mesmas facilidades que teve para barrar o prosseguimento da primeira denúncia. Naquela ocasião, ele usou de todos os artifícios para garantir votos. Agora, a conta de sua base fisiológica deve ser muito maior.
O fato é que as denúncias são graves e um presidente não pode comandar um país sendo alvo de denúncias de corrupção. O mais correto seria ele mesmo defender a remessa do caso ao STF para que o julgamento, com amplo direito de defesa, seja realizado.
Como isso não acontece, precisamos estar atentos a cada lance desse processo. Até porque o que está em jogo não é apenas o futuro do presidente Michel Temer, mas o preço que o país vai pagar pela sua salvação.
Luiz Carlos Azedo: Homem ao mar
A decisão da Primeira Turma do STF, que afastou Aécio Neves (PSDB-MG) do Senado, provocou uma espécie de efeito Orloff entre os senadores:“Eu sou você amanhã”
O Palácio do Planalto organiza uma operação de salvamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG), afastado do mandato por polêmica decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. A cúpula do Senado reagiu à decisão, tomada por três votos a dois, como a tripulação de uma embarcação que tenta salvar um marinheiro que caiu no mar em meio à tempestade. Há três tipos de manobras possíveis, todas precisam guinar o barco para o bordo da queda, fazê-lo voltar ao local do acidente e posicioná-lo à barlavento, de modo a proteger o náufrago das ondas com o próprio casco. É o que o Senado provavelmente fará, com o apoio do Palácio do Planalto, o que aumentará a tensão entre os poderes da República.
PMDB e PT também se mobilizaram para salvar Aécio, mais até do que o próprio PSDB, que está dividido entre os aliados do senador mineiro — presidente afastado da legenda — e os liderados pelo presidente interino, senador Tasso Jereissati (CE). O principal gesto de solidariedade a Aécio veio do presidente Michel Temer, que se reuniu com o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), para articular a rejeição da decisão da Primeira Turma do Supremo pelo plenário da Casa.
Há duas grandes motivações para isso: primeiro, Aécio é o principal aliado de Temer no PSDB e teve um papel fundamental na rejeição da primeira denúncia do então procurador-geral, Rodrigo Janot, contra o presidente da República pela Câmara e, ao retribuir o gesto, com seu apoio, Temer consolida o respaldo da ala governista do PSDB à rejeição da segunda denúncia pela Câmara. Segundo, como a maioria dos senadores do PMDB e do PT está enrolada na Operação Lava-Jato, a decisão da Primeira Turma do STF provocou uma espécie de efeito Orloff (“eu sou você amanhã”) no Senado, pois outros parlamentares podem sofrer o mesmo tipo de punição quando seus processos forem a julgamento.
A decisão da Primeira Turma realmente é polêmica, até mesmo no Supremo. Os ministros do STF Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux votaram a favor do afastamento de Aécio, que também teve que entregar o passaporte, está proibido de viajar para fora do país e não pode sair de casa à noite. Ontem, o ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso, que votou contra o afastamento — como o ministro Alexandre Moraes —, defendeu a tese de que o Senado pode rever a decisão: “Eu sustentei, sem incitar o Senado à rebeldia, na minha decisão, que, como o Senado pode rever uma prisão determinada pelo Supremo, ele pode rever uma medida acauteladora”.
A Constituição determina que, nos casos de prisão em flagrante de senadores, por exemplo, o Senado deve, num prazo de 24 horas, autorizar ou não a manutenção da detenção, mas não prevê uma situação como a de agora, ou seja, o recolhimento domiciliar, que é uma “medida cautelar” prevista no Código Penal. Barroso, que liderou a derrubada do voto de Marco Aurélio, rechaçou a possibilidade de revisão da decisão: “O que a Primeira Turma fez foi restabelecer as medidas cautelares, inclusive a de afastamento que já havia sido estabelecida pelo ministro Fachin, acrescentando uma: que é a do recolhimento domiciliar no período noturno”, disse Barroso.
Manipulação
Aécio reagiu à decisão com uma nota, na qual afirma que a medida foi “proferida por três dos cinco ministros da Primeira Turma do STF como uma condenação sem que processo judicial tenha sido aberto”. Disse que nem sequer foi considerado réu e que não teve direito à defesa. E desqualificou a acusação: “As gravações consideradas como prova pelos três ministros foram feitas de forma planejada a forjar uma situação criminosa. Os novos fatos vindos à tona comprovam a manipulação feita pelos delatores e confirmam que um apartamento da família colocado à venda foi oferecido a Joesley Batista para que o senador custeasse gastos de defesa. Usando dessa oportunidade, o delator ofereceu um empréstimo privado ao senador, sem envolver dinheiro público ou qualquer contrapartida, não incorrendo, assim, em propina ou outra ilicitude”, argumentou.
O líder da bancada do PSDB, Paulo Bauer (SC), já apresentou requerimento para que uma sessão extraordinária seja convocada com objetivo de deliberar sobre a questão. O presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), porém, aguardava comunicação oficial do STF, o que aconteceu na noite de ontem. “Primeiro, o Senado precisa ser notificado sobre o teor da decisão tomada pela Suprema Corte para saber de que forma vai agir. Se vai ou se não vai agir. Não sei qual o teor da decisão e tenho o hábito de dizer aqui que eu não falo sobre hipótese”, declarou.
Alon Feuerwerker: O principal problema de um Bonaparte militar seria a falta da estratégia de saída
Diz a velha piada que revolução é o golpe que deu certo, e golpe é a revolução que deu errado. A antifascista Revolução dos Cravos em Portugal foi um golpe militar clássico. Idem nossa inicialmente liberal Revolução de 30. A “Intentona Comunista” de 1935 foi uma tentativa revolucionária militar derrotada, e portanto explicada até hoje como aventura golpista.
O assim denominado golpe de 64 foi inicialmente descrito como revolução anticomunista. O partido revolucionário eram as Forças Armadas. Os sucessivos presidentes militares foram escolhidos pelo partido. Melhor dizendo, pelo chefe da legenda, que às vezes considerava o sentimento e o movimento das bases. Como em todo partido, a escolha não era tranquila.
Tudo isso está bem detalhado na literatura disponível. Que mostra também a sabedoria dos nossos militares, ao terem percebido desde o começo que aquilo não seria para sempre. Aí vieram a descompressão, a distensão, a abertura. No fim, a caserna perdeu o controle da situação política em 1984/85 mas pôde voltar ao quartel organizadamente e sem maiores baixas.
Aquela estratégia de saída está na base da força e do prestígio hoje das FFAA, uma das instituições nacionais mais admiradas, senão a mais, pela população. Daí o terreno fértil para, apesar dos antecedentes, ecoar aqui e ali a ideia de que só a intervenção delas desfará o nó da nossa crise, em seus aspectos políticos, econômicos e, por que não?, morais.
Apesar do frenesi, isso está bem longe de acontecer de fato. A memória do processo de 64 ainda cobra uma fatura pesada dos quartéis. A convicção democrática entre nós ainda é razoavelmente forte. Algo assim enfrentaria também rejeição global. E, principalmente, porque uma intervenção militar não tem estratégia de saída viável ou visível.
Uma hipotética tomada do poder pelos militares poderia desdobrar-se em dois cenários: 1) a rápida devolução do poder aos civis, depois de uma “faxina moral”, ou 2) as FFAA tomarem para si o enfrentamento dos impasses nacionais. Qualquer um com a cabeça no lugar percebe o elevado risco, para elas, embutido em cada um dos dois possíveis caminhos.
São dois pântanos. Se as FFAA tomam o poder e dali a alguns meses devolvem a civis democraticamente eleitos, como garantir que estes não serão exatamente os que se queria remover? Quem faria a lista dos inelegíveis? Com base em que normas? Ou o “comando militar revolucionário” revogaria a legislação que o atrapalhasse, e imporia outra?
E o expurgo se daria só no plano federal ou desceria para os estados e municípios? E quem entraria no lugar dos expurgados? Os suplentes? Interventores militares? Civis nomeados pela “revolução ética”, após uma junta decidir que o sujeito está moralmente habilitado a desempenhar função pública? Vamos falar sério. Não parece minimamente operacional.
O segundo pântano é mais inimaginável ainda. Não dá para vislumbrar generais e coronéis tratando de resolver assuntos como a reforma da Previdência, a crise fiscal de estados e municípios, a reforma política, o financiamento da saúde e da educação diante da necessidade de cumprir o teto de gastos, o pavoroso déficit primário da União.
Claro que sempre seria possível convocar civis para tocar o serviço. Mas o poder político seria dos militares, e estes precisariam assumir em última instância a responsabilidade de descascar os espinhosos e ácidos abacaxis. Isso sem terem sido eleitos para tanto, e em plena era da internet, quando o controle da informação exige uma ditadura estatal absoluta.
Claro que tudo pode acontecer, mas a lógica ainda tem algum papel na análise. O bloqueio institucional e a pulverização do poder político em feudos impermeáveis à soberania popular são excelentes caldos de cultura para o bonapartismo, como já registrado algumas vezes aqui. Mas continua sendo mais provável que o Bonaparte venha da urna e não do quartel.
60/40
Quando tomados os votos válidos, as pesquisas mostram Lula batendo todos os adversários no segundo turno por algo em torno de 60% a 40%. Foi a divisão clássica do eleitorado entre 2002 e, digamos, 2013. Mas dificilmente Lula será candidato, e vai ser preciso esperar para ver se outro nome da esquerda consegue chegar ao 2o. turno, e reunir o rebanho na decisão.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Luiz Carlos Azedo: O cerco à Rocinha
Os traficantes cariocas dispõem de uma topografia favorável, enraizamento social e fonte permanente de financiamento: a venda de drogas
Quem leu Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha, e Abusado (2003), de Caco Barcellos, traça um inevitável paralelo entre a iniquidade social que deu origem ao povoado de Canudos, no sertão baiano, e a do Morro Dona Marta, na encosta de Botafogo, no Rio de Janeiro. Os Sertões conta a história de Antônio Conselheiro, um líder messiânico; Abusado, a de Marcinho VP, um traficante carioca. O soldado do tráfico é um jagunço urbano. Euclides de Cunha fez a cobertura da quarta campanha de Canudos (1896-1897) para o jornal O Estado de São Paulo. Seu livro, porém, escandalizou a opinião pública. Além de revelar a miséria e o abandono dos habitantes do interior do país, desnudou o despreparo do Exército para lidar com a situação.
Na terceira campanha contra Canudos, o coronel Moreira César, que havia reprimido a Revolução Federalista (1893-1895) e fora enviado pelo presidente Prudente de Moraes para acabar com a rebelião, liderou um desastre. Com canhões Krupp e armas de repetição, seus 1.300 soldados invadiram o arraial de 5 mil casebres com facilidade. Os jagunços não ofereceram resistência, bateram em retirada para os arredores, na caatinga, de onde fustigaram as tropas federais durante a noite. Moreira César foi morto por uma bala traiçoeira e a tropa se desorientou, perdida entre palhoças incendiadas. O tenente-coronel Tamarindo, que assumira o comando, ordenou a retirada: “É tempo de murici; cada um cuide de si!”. A fuga virou carnificina:
“Concluídas as pesquisas nos arredores, e recolhidas as armas e munições de guerra, os jagunços reuniram os cadáveres que jaziam esparsos em vários pontos. Decapitaram-nos. Queimaram os corpos. Alinharam depois, nas duas bordas da estrada, as cabeças, regularmente espaçadas, fronteando-se, faces volvidas para o caminho. Por cima, nos arbustos marginais mais altos, dependuraram os restos de fardas, calças e dólmãs multicores, selins, cinturões, quepes de listras rubras, capotes, mantas, cantis e mochilas…(…) Um pormenor doloroso completou essa encenação cruel: a uma banda avultava, empalado, erguido num galho seco, de angico, o corpo do tenente-coronel Tamarindo.
Era assombroso… Como um manequim terrivelmente lúgubre, o cadáver desaprumado, braços e pernas pendidos, oscilando à feição do vento no galho flexível e vergado, aparecia nos ermos feito uma visão demoníaca.”
O massacre
Em resposta, o ministro da Guerra, marechal Carlos Machado Bittencourt, mandou para Canudos duas colunas com mais de 4 mil homens. De janeiro a setembro, o Exército penou. O próprio Bittencourt foi para a região organizar as linhas de suprimento e o cerco a Canudos. A morte de Antônio Conselheiro, possivelmente por disenteria, facilitou a vitória do Exército, que prometeu liberdade aos que se entregassem, mas bombardeou o arraial impiedosamente. Homens, mulheres e crianças foram degolados, a “gravata vermelha”. O corpo de Antônio Conselheiro foi exumado, decapitado e queimado. Mais de 12 mil soldados de 17 regiões do Brasil participaram do massacre de 25 mil pessoas. Mais tarde, as revelações de Euclides da Cunha levaram a jovem oficialidade a engrossar o Movimento Tenentista.
As Forças Armadas cercaram a Rocinha na sexta-feira. Têm homens treinados e equipados no Haiti para esse tipo de operação, mas enfrentam uma realidade diferente da caribenha, principalmente porque não estão numa ilha nem dispõem do mesmo amparo legal para intervir. Os traficantes cariocas dispõem de uma topografia favorável, enraizamento social e fonte permanente de financiamento: a venda de drogas. Estão em situação muito melhor do que os jagunços na caatinga. Um confronto aberto resultaria numa tragédia. O cerco à Rocinha é uma missão difícil, de resultados até agora pífios. Parece até ironia, mas as favelas do Rio receberam esse nome por causa dos casebres dos soldados que lutaram em Canudos e foram morar no Morro de Providência.
José Aníbal: O Brasil e a tragédia humanitária na Venezuela
As rápidas transformações pelas quais passa a sociedade contemporânea têm feito muitos acreditarem em soluções salvacionistas ou miraculosas. Mas não nos faltam exemplos pelo mundo das consequências do populismo radical, dos quais o mais ilustrativo, dramático e próximo de nós é a Venezuela.
Nossos vizinhos têm vivido em um estado de calamidade humanitária que preocupa todas as pessoas comprometidas com os valores da liberdade, da democracia e dos direitos humanos.
Não bastasse a arbitrariedade do regime bolivariano, que mantém pelo menos 566 presos políticos, usurpou o poder do Parlamento com a convocação de uma Assembleia Constituinte sem legitimidade e cuja repressão é diretamente responsável por mais de 100 mortes desde abril, o país enfrenta uma grave crise de escassez e privação de direitos básicos.
E a resposta do governo Maduro ao povo com fome foi: criem coelhos!
Seria apenas patético, se não fosse trágico. O pseudoplano do regime para que os venezuelanos passassem a consumir coelhos domésticos para suprir a falta de carne para o dia a dia lembra os brioches sugeridos por Maria Antonieta aos franceses famintos e revoltados pelo alto custo dos pães.
A diferença é justamente o aprendizado que a Revolução Francesa e os mais de dois séculos subsequentes propiciaram à humanidade para se buscar soluções para calamidades desse tipo.
A resposta não está mais em bastilhas nem em movimentos revolucionários, mas no diálogo, no respeito à democracia e à liberdade individual e no desenho de instituições consistentes.
A comunidade internacional – e cabe ao Brasil ter papel ativo nesse sentido – deve aumentar a pressão sobre Maduro e o regime ditatorial que hoje oprime o povo venezuelano e o condena a uma tragédia como nem o mais fantástico realismo marcante da literatura latino-americana seria capaz de imaginar.
Simultaneamente ao uso dos meios diplomáticos para criticar a ditadura bolivariana e incentivar a Venezuela a recuperar o caminho da democracia, temos uma importante tarefa humanitária no sentido de apoiar o povo do país vizinho e amparar os flagelados que, sem outra saída, procuram refúgio em terras brasileiras.
O acesso a dados e a realização de estudos e pesquisas sobre as condições sociais da população venezuelana são dificultados pela arbitrariedade, mas estima-se que o chavismo elevou em 20 pontos porcentuais o contingente de pobres e miseráveis no país.
Hoje, 4 em cada 5 venezuelanos estão abaixo da linha da pobreza. É o exemplo mais dramático da tragédia provocada pelo radicalismo e pela irracionalidade de uma ideologia levada ao extremo.
Que o exemplo extremado da Venezuela nos sirva de alerta aos riscos dos radicalismos – e que fique claro, não só os radicalismos à esquerda. Também as posições fundamentalistas à direita culminam em absurdos como a restrição das liberdades de expressão, artísticas e culturais. Aliás, também no Brasil surgem alguns sinais preocupantes de intolerância.
Não é de hoje que os gritos dos radicais cativam ingênuos e incautos, transformando-os em massa de manobra para personalidades autoritárias e antidemocráticas travestidas de libertários ou emancipadores dos oprimidos.
A Venezuela tornou-se exemplo da tragédia em que pode mergulhar um povo conduzido de forma tão irresponsável e velhaca. As democracias das Américas têm o dever de ajudar os venezuelanos a se livrar do abismo ao qual foram condenados pelo bolivarianismo.
O Estado de S. Paulo: Câmara rejeita distritão para 2018
Plenário da Câmara derrubou proposta que estava sendo debatida havia meses; 205 deputados foram favoráveis à matéria, mas eram necessários 308 votos
Isadora Peron, de O Estado de S. Paulo
Em votação que encerrou uma discussão de meses, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou, na noite de ontem, a mudança do sistema de eleição para o Legislativo do País. Os parlamentares recusaram a proposta de transição do atual sistema, chamado de proporcional, para o distritão nas eleições de 2018, quando serão eleitos deputados estaduais e federais, e de 2020, para a escolha de vereadores. Em 2022, entraria em vigor o distrital misto. A proposta de emenda à Constituição teve 205 votos favorá- veis, mas, por se tratar de uma PEC, eram necessários 308 para sua aprovação. Votaram contra o texto 238 deputados. A matéria foi derrubada em primeiro turno e não pode mais ser discutida no Congresso Nacional neste ano.
O plenário da Câmara dos Deputados rejeitou, na noite de ontem, a mudança do sistema de eleição para o Legislativo do País. Os parlamentares recusaram a proposta de transição do atual sistema – chamado de proporcional – para o “distritão” nas eleições de 2018, quando serão eleitos deputados estaduais e federais, e de 2020, para a escolha de vereadores. Em 2022, entraria em vigor o “distrital misto”.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) não foi aprovada porque não atingiu o mínimo de 308 dos 513 votos. Foram 238 deputados contrários à alteração – 205 votaram a favor e houve uma abstenção. A matéria foi derrubada em primeiro turno e não pode mais ser discutida no Congresso neste ano.
A votação de ontem encerrou uma discussão de meses em torno da reforma política. Sem consenso, líderes da Câmara tentaram por diversas vezes aprovar a PEC, mas não conseguiram chegar a um texto de consenso.
Partidos como PMDB, PP e PSDB eram a favor da mudança do sistema eleitoral, mas resistiam a apoiar a criação de um fundo para financiar campanhas políticas. PT, PC do B e PDT apoiavam o fundo público (que chegou a ser cogitado em R$ 3,6 bilhões), mas recusavam a proposta do distritão.
O Estado revelou em julho que deputados do PMDB, PSDB e de ao menos oito partidos do Centrão haviam feito um acordo para incluir o distritão na reforma política – a medida foi apontada como uma maneira de assegurar a reeleição dos principais líderes a fim de se manter o foro privilegiado em meio ao descrédito com a classe política causado por escândalos revelados pela Lava Jato.
“O distritão, na verdade, é um ‘detritão’”, disse o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), ontem, durante a votação. “O que a sociedade quer não é a reforma política que cada deputado aqui está defendendo, é a reforma dos políticos, a reforma do que acontece aqui no Congresso”, afirmou o líder do PDT, deputado Weverton Rocha (MA).
Hoje, no sistema proporcional, para um deputado se eleger, é necessário calcular seu número de votos combinado com a quantidade de votos dados ao partido ou à coligação. Se o distritão fosse aprovado, o sistema de escolha de deputados federais, estaduais e vereadores nas duas próximas eleições se tornaria majoritário e seriam eleitos os candidatos mais votados. No distrital misto, o eleitor vota duas vezes: uma vez nos candidatos e outra em nomes de uma lista apresentada pelo partido. O distritão já havia sido rejeita- do pela Câmara em 2015.
“Esse debate foi muito difícil, tortuoso. Temos um sistema fragmentado e, talvez, seja o grande drama da representação partidária no Congresso. A PEC não conseguiu apoio necessário”, disse o deputado Betinho Gomes (PSDB-PE).
Coligação. Após rejeitar a mudança do sistema eleitoral, o plenário passou a discutir, já na madrugada de hoje, a PEC que trata do fim das coligações nas eleições proporcionais e da criação de uma cláusula de desempenho dos partidos.
O presidente da Câmara em exercício, deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG), afirmou, exaltado, que levaria a votação até o fim. “Ligue, mande buscar seus deputados em casa. Aqui tem 360 deputados (à 0h30). Eu falei que ia votar até seis horas da manhã. Vou cumprir o que eu falei, porque é meu dever cumprir. Palavra é palavra”, disse. A sessão, no entanto, foi encerrada pouco depois da 0h30 e a votação foi adiada.
Os deputados tentaram apro- var requerimento para retirar a PEC de relatoria da deputada Shéridan (PSDB-RR) de pauta, mas o pedido foi rejeitado. Ao todo, os deputados ainda tinham de analisar oito destaques ao texto. A principal mudança foi proposta pelo PPS para que o fim das coligações passasse a valer em 2020, não em 2018.
O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), que é a favor do fim das coligações, ironizou o adiamento da votação. “O fim da coligação é a única iniciativa positiva da mal chamada reforma política.” Após Ramalho anunciar que a votação seria retomada hoje, parlamentares protestaram e disseram que a reforma seria feita pelo Supremo Tribunal Federal. Para que as mudanças passem a valer em 2018, elas têm de ser aprovadas até 7 de outubro.
Debate “O que a sociedade quer não é a reforma política que cada deputado aqui está defendendo, é a reforma dos políticos, a reforma do que acontece aqui no Congresso Nacional.” Weverton Rocha (PDT-MA).
Luiz Carlos Azedo: A farda e a toga
A outra face da moeda da benfazeja não-intervenção dos militares na vida política nacional é o fortalecimento do Supremo Tribunal Federal (STF) e seu novo papel no equilíbrio entre os poderes
O velho fantasma do golpe militar ressurgiu no fim de semana, com a palestra do general Hamilton Mourão, diretor de Economia e Finanças do Exército, num evento da Maçonaria, sexta-feira, em Brasília. Duas frases despertaram lembranças do passado: “Ou as instituições solucionam o problema político retirando da vida pública os elementos envolvidos em todos os ilícitos ou então nós teremos que impor uma solução”; “Os Poderes terão que buscar uma solução. Se não conseguirem, temos que impor uma solução. E essa imposição não será fácil. Ela trará problemas. Pode ter certeza”. O vídeo da sua palestra viralizou nas redes sociais.
A palestra do general pegou de surpresa o presidente Michel Temer, que acionou o ministro da Defesa, Raul Jungmann, que conversou com o comandante da Força, general Eduardo Villas Bôas. A solução foi pôr panos quentes, manter o Palácio do Planalto longe do assunto e deixar por conta dos próprios militares a resposta ao gesto de aparente insubordinação. “Desde 1985 não somos responsáveis por turbulência na vida nacional e assim vai prosseguir. Além disso, o emprego nosso será sempre por iniciativa de um dos Poderes”, respondeu Villas Bôas, que reiterou o compromisso dos militares com “a manutenção da democracia, a preservação da Constituição, além da proteção das instituições”.
O comandante do Exército tem grande autoridade política e tem dado demonstrações de que compreende como poucos políticos a situação do país, além de revelar amadurecido compromisso com a ordem democrática. Mostra que aprendeu mais sobre o valor da democracia com o regime militar do que a maioria dos nossos políticos. Mas sofre os desgastes de uma doença degenerativa que dificulta sua mobilidade, o que abriu uma disputa surda na Força pela sua sucessão. Talvez o gesto de Mourão tenha a ver com isso, talvez o tenha tirado da fila. De qualquer forma, houve uma acomodação, as declarações foram minimizadas e Villas Bôas reiterou o compromisso com a Constituição: o Exército só intervém a pedido de um dos Poderes.
Desde a proclamação da República, o Exército, coadjuvado pelas demais forças, exerceu na marra — ou melhor com seus canhões e tanques — o papel de Poder Moderador, antes atribuído ao Imperador pela Constituição de 1824. Num país continental, cujas fronteiras foram traçadas na mesa das negociações diplomáticas, com exceção do Rio Grande do Sul e do Acre, o Exército forjou-se na luta contra rebeliões nas províncias, algumas das quais separatistas, como a Revolução Farroupilha e a Confederação do Equador. Canudos, a Revolta Constitucionalista de 32 e as tentativas de guerrilha no Caparaó, Vale da Ribeira e Araguaia reforçaram essa tradição de intervir para garantir a ordem política e social interna. A superação da mentalidade golpista e autoritária do Exército está se dando na prática, com a defesa da Constituição de 1988. Isso nos possibilitou atravessar dois impeachment, a hiperinflação e a recessão e nos permitirá superar a crise ética. O general Villas Bôas é um discreto e sagaz ator desse processo.
Poder moderador
Coube aos chamados “federalistas” encontrar uma solução para o problema do equilíbrio entre os poderes no regime republicano. Comparando as revoluções americana e francesa, o equilíbrio entre os dois poderes políticos (legislativo e executivo) nos Estados Unidos foi encontrado com o fortalecimento da Suprema Corte, que exerce o papel de contrapeso na teoria da separação de poderes, quanto na França o pensamento rousseauniano levou à aplicação radical da teoria pura da separação dos poderes, que resultou no que seria chamado de “ditadura do legislativo”. No Brasil, por causa da nossa cultura positivista e do presidencialismo (ao qual se aliam o velho sebastianismo e o caudilhismo), a força do Executivo somente não se impôs aos demais poderes em breves períodos: nas Constituintes de 1945 e de 1987 e no brevíssimo regime parlamentarista que garantiu a posse de João Goulart, após a renúncia do presidente Jânio Quadros.
A outra face da moeda da benfazeja não-intervenção dos militares na vida política nacional é o fortalecimento do Supremo Tribunal Federal (STF) e seu novo papel no equilíbrio entre os poderes, em que pesem todas as críticas ao estrelismo de alguns ministros, aos votos teatrais nas sessões da Corte transmitidas ao vivo e à chamada “judicialização” da política. O Supremo é que vem exercendo esse papel de “poder moderador”, fortalecido pelo fato de que deixou de ser uma vetusta instituição de poucos, misteriosos e poderosos indivíduos, somente conhecidos no alto mundo jurídico, para se tornar um tribunal com paredes de vidro, cujos ocupantes são reconhecidos nas ruas pela população.
É nesse contexto que entra em cena a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que ontem substituiu Rodrigo Janot. De certa forma, da Constituinte de 1946 ao golpe militar de 1964, a imprensa pleiteou o papel de poder moderador, no vácuo do Judiciário submisso ao Executivo; depois da Constituição de 1988, essa atribuição também passou a ser reivindicada pelo Ministério Público, em aliança com os meios de comunicação, pois é uma grande tentação para ambos. Talvez o papel da nova procuradora-geral da República seja o de cumprir sua missão sem exercer o protagonismo que cabe ao Supremo na relação com os demais poderes, o que foi o grande erro de seu antecessor.
Leandro Colon: Guerra na Procuradoria prejudica o país e favorece os corruptos
A Procuradoria-Geral da República amanhece sob novo comando. Assume Raquel Dodge, indicada pelo presidente Michel Temer, sai Rodrigo Janot, algoz do peemedebista nos últimos meses.
Janot avisou que não iria à posse porque não fora convidado. Dodge diz que o chamou por e-mail, assim como fez com todos os procuradores.
A Folha desta segunda-feira (18) mostra que o tiroteio dentro da PGR deve continuar: depois de ficar preso por 76 dias, a pedido de Janot, o procurador Ângelo Villela quebra o silêncio e, em entrevista à repórter Camila Mattoso, afirma que o colega construiu a delação da JBS para derrubar Temer com o objetivo de impedir a nomeação de Dodge, espécie de líder de grupo político antagônico.
As palavras de Villela, acusado por Janot de ter agido como um infiltrado da JBS dentro do Ministério Público, devem ser lidas com cautela, afinal é um denunciado atacando seu acusador. Porém, é uma versão de quem até pouco tempo atrás frequentava a casa de Janot. Eram amigos (o próprio Janot diz isso). Villela contou, por exemplo, que integrou um grupo reservado do gabinete da PGR para troca de mensagens onde o chefe chamava Dodge de "bruxa"
A lambança no caso JBS manchou um mandato que cometeu equívocos, mas que ao mesmo tempo deixou um legado para a Lava Jato. Se Eduardo Cunha hoje está na cadeia, deve-se ao esforço da equipe do ex-PGR. O imenso acordo de delação da Odebrecht teve uma participação fundamental de Janot. O saldo é de uma gestão turbulenta, com altos e baixos e métodos discutíveis. Uma gestão que como nunca jogou luz sobre a atuação do Ministério Público.
A entrevista de Villela é reveladora sobre as entranhas políticas de uma instituição dividida e da qual se depende tanto para combater os malfeitos com o dinheiro público. Não se espera que o grupo de Janot colabore com o de Dodge. A guerra está conflagrada na PGR. Perde o país com o racha. Bom para os corruptos.
Fernando Gabeira: Primavera, quem diria
Nas circunstâncias nacionais, parece uma heresia lembrar que está chegando a primavera. Mas, além de boa notícia, é algo de que estou seguro. Algo que posso anunciar nas segundas-feiras, quando tento prever os fatos da semana, num programa de rádio. Em nosso processo histórico tão imprevisível, a constância das estações do ano é um bálsamo.
Claro que poderia melhorar as previsões. Garotinho já foi preso duas vezes. Dava para prever a época em que seria preso de novo. Mas, se contasse com a prisão de Garotinho, o imprevisível, o realismo fantástico me surpreenderia. Garotinho foi preso apresentando um programa de rádio. O locutor que LHE sucedeu naquele momento disse que Garotinho tinha perdido a voz. Os médicos recomendaram silêncio. Ele poderia voltar amanhã ou daqui a alguns dias.
A prisão de Garotinho foi a única que teve uma versão para as crianças. No plano mais amplo, tempestades se formam e, pela primeira vez, pressenti um quadro mais completo. Com as gravações de Joesley Batista e documentos de uma advogada da JBS, entregues por seu ex-marido, a empresa insinua relações promíscuas com o Poder Judiciário.
Aliás, o próprio Joesley já tinha definido a situação ao afirmar, num dos áudios, que o Congresso foi atingido pela delação da Odebrecht e a ele cabia denunciar Temer e o STF. Os dados que havia num dos áudios, no qual se gravou o ex-ministro José Eduardo Cardozo, eram tão problemáticos que o procurador Marcello Miller previa até cadeia para quem os mencionasse. Mas a gravação não foi destruída, e sim enviada para o exterior. Sinal de que Joesley ainda conta com ela no seu poder de barganha.
Tudo isso está sendo investigado, suponho. Há pedidos da própria Cármen Lúcia e de Janot nesse sentido. O Poder Judiciário está diante de um desafio: rigor e transparência nas denúncias sobre ele mesmo.
Joesley Batista gravou muito gente, além de Temer. Alguns, como Gilmar Mendes, já se adiantaram afirmando que podem ter sido gravados. O áudio mais importante para Joesley foi o gravado com o Temer. Tornou-se moeda de troca na delação premiada. Mas, naquele momento, ele tinha com quem negociar. Agora, talvez interesse mais ocultar essas gravações e esperar uma nova oportunidade. Ou mesmo ocultá-las para sempre, em sinal de boa vontade em relação aos seus potenciais julgadores.
Pode ser que o vento afaste as nuvens de tempestade. Mas, por outro lado, as denúncias foram publicadas. O material divulgado pela revista “Veja” sugeria compra de ministros do STJ e uma enigmática frase: Dalide ferrou o Gilmar. Essa frase, na verdade, é vista numa mensagem da ex-advogada da JBS. Diz respeito a uma gravação entre Dalide Correa, ex-sócia de Gilmar, e o diretor jurídico da JBS. Vale a pena investigar tudo isso e colocar mais um poder na berlinda? Os próprios ministros mencionados mostram-se interessados numa investigação, para esclarecer os fatos. Que venha a transparência.
Na temperatura das águas, nas amoreiras, a primavera traz leveza. O bastante para abordar esse grande debate político-cultural em torno da exposição patrocinada pelo Santander em Porto Alegre.
Durante muitas anos participei de lutas minoritárias no Brasil. Minha experiência é que a única forma de não perder o respeito da maioria é procurar sempre o caminho democrático.
A liberdade de expressão artística é inegável. No entanto, ao trabalhar com verbas e educação pública, é necessário reconhecer a grande maioria das famílias que quer ter a primazia na educação sexual de seus filhos. Enfim, saber em que país está se movendo, e negociar, de forma que não se produzam reações em cadeia que acabem fortalecendo o retrocesso.
Creio que a experiência americana que resultou na vitória de Donald Trump merece uma avaliação. Será que não corremos, em circunstâncias diferentes, o mesmo risco? Um fator que sempre me impressionou na vitória de Trump era de como o universo informado dos leitores, acadêmicos, enfim todos, levou um susto com o país real.
Num mundo, Hilary era a vencedora, no outro, Trump. É preciso levar em conta a maioria e avançar de forma não ameaçadora, respeitar, em todos os momentos, a pluralidade das posições.
Quando digo não ameaçador, não quero dizer sorrateiro, mas, sim, um processo claro, uma proposta de convivência onde todos se sintam seguros.
No caso dos Estados Unidos, a insegurança tinha raízes também na economia, os empregos perdidos na globalização. Aqui há um grande nível de desemprego e incerteza econômica.
É nesse contexto que vejo o debate cultural. Poderia ser tudo mais simples se não houvesse dinheiro público nem visitas escolares como compensação ao incentivo fiscal. Com recurso do banco e obedecendo aos parâmetros legais, como todos os outros espetáculos, seria apenas uma exposição de arte. E com grandes nomes.
São visões de caminho. É um palpite de quem tem experiência de tratar com as maiorias e um conhecimento de regiões distantes do país.
Certeza mesmo, só a primavera.