política
Luiz Carlos Azedo: Salomônica
Se a prisão de parlamentares precisa de aprovação do parlamento, por que as medidas cautelares não seriam também sujeitas a isso?
Terceiro rei de Israel, Salomão é um personagem bíblico citado como um mantra: “Tudo neste mundo tem seu tempo; cada coisa tem sua ocasião”. Por exemplo, tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las; tempo de rasgar e tempo de remendar. Segundo a Bíblia, Salomão assumiu o trono muito jovem e pediu ajuda a Deus, que lhe deu sabedoria e, sem que sequer pedisse, riqueza e glória. Governou por 40 anos, mas sua fama de sábio veio logo no começo do reinado, quando foi procurado por duas mulheres que brigavam.
Ambas moravam na mesma casa, com duas crianças recém- nascidas, uma das quais morreu. Uma acusava a outra de ter trocado a criança durante a madrugada. Diante da situação, Salomão chamou um soldado e mandou que cortassem o bebê vivo em dois, dando metade para cada mulher: “Não!”, gritou a mãe verdadeira. “Por favor, não matem o bebê. Deem-no a ela!”. Salomão, então, falou: “Não matem o menino! Deem-no à primeira mulher. Ela é a mãe dele. ” A verdadeira mãe amava tanto o bebê que estava disposta a dá-lo à outra mulher para que não fosse morto.
Por causa dessa passagem bíblica, a expressão “salomônica” é atribuída a decisões difíceis e contraditórias, como o voto decisivo da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármem Lúcia, no julgamento de quarta-feira passada, que atribuiu ao Senado e à Câmara a palavra final sobre a aplicação a parlamentares de medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal. O julgamento estava empatado. Os ministros Luís Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Édson Fachin (relator) e o decano da Corte, Celso de Mello, defendiam a plena aplicação das medidas, sem aval do Congresso. Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello sustentavam a tese de que somente a prisão em flagrante é constitucional.
A sessão começou pela manhã e avançou pela noite, o voto conciliador de Cármem Lucia acabou sendo o mais polêmico. Não foi à toa que a ministra foi questionada pelos pares e teve muita dificuldade para chegar à sentença final, o que somente conseguiu com ajuda de Celso de Mello. Em resumo, ela apoiou a aplicação das medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal, mas não na Constituição, ou seja, parte do relatório do ministro Edson Fachin, mas endossou em parte os argumentos de Alexandre de Moraes e outros ministros, quanto à tese de que o Supremo deveria submeter suas decisões ao Congresso, quando impedissem o exercício do mandato popular.
Entretanto, a presidente do Supremo não considerou as medidas cautelares, como afastamento do mandato e recolhimento noturno, inconstitucionais.
Se a prisão de parlamentares precisa de aprovação do parlamento, por que as medidas cautelares não seriam também sujeitas a isso? Esse questionamento estava pondo em rota de colisão o Supremo e o Senado, o que poderia resultar numa grave crise institucional. Há toda uma discussão sobre o equilíbrio entre os poderes e o papel de “poder moderador”, que é reivindicado tanto pelo Senado como pelo Supremo. Há todo um debate teórico sobre isso, calcado nas experiências francesa e norte-americana, mas o pano de fundo da discussão é o feijão com arroz da política brasileira e o caso Aécio Neves (MG), presidente licenciado do PSDB. Na prática, o futuro imediato do ex-governador mineiro está nas mãos dos seus pares.
Os poderes
Tudo indica que o tempo de espalhar pedras da Operação Lava-Jato e de o Supremo rasgar a cortina de proteção do Congresso já passou, com a mudança no comando da procuradoria-geral da República, agora nas mãos de Raquel Dodge, e essa decisão do Supremo. Cármem Lúcia tenta recolher as pedras e remendar as relações entre os poderes. Com certeza, haverá uma grande reação na sociedade contra isso, mas faz parte do processo. O professor José Honório Rodrigues dizia que, no Império e na República, os poderes formaram sempre um círculo de ferro, concentrado nos conservadores e liberais moderados, e nos conservadores moderados, liberais e o grupo mineiro-paulista, respectivamente. Esse círculo se rompeu na proclamação da República (1889), na Revolução de 1930, na Revolta Constitucionalista (1932), no suicídio de Vargas (1954), na renúncia de Jânio Quadros (1961) e no golpe de 1964.
“Dentre os poderes, o Executivo sempre foi mais progressista e receptivo às aspirações populares; o Congresso, mais antirreformista e mais retardatário; o Judiciário esteve quase sempre a favor das forças dominantes”, destacou em Teses e Antíteses da História do Brasil. A Constituição de 1988 alterou essa relação, ao possibilitar um novo protagonismo do Judiciário. O velho professor dizia, porém, que a rigidez das instituições garantia a sobrevivência das elites políticas; em contrapartida, o divórcio entre o poder e a sociedade era a principal causa de instabilidade política, o que continua válido. Ainda bem que as eleições de 2018 estão logo ali.
El País: Nas ruas do Brasil, a ditadura ainda vive
Cerca de 160 km de vias homenageiam vítimas do regime contra 2000 km que têm os nomes dos algozes
É o caso da Avenida Presidente Castelo Branco, parte do complexo de vias que forma a Marginal Tietê, a menos de 500 metros de distância da rua Vladimir Herzog. Ela foi batizada em referência ao general que tomou o poder no Golpe de 1964 – iniciando o processo autoritário que culminaria no assassinato de Vladimir Herzog e de pelo menos mais 433 pessoas, muitas das quais seguem desaparecidas até hoje, sem que seus corpos tenham sido encontrados.
Em todo o território do Brasil, são muitas ruas nomeadas em homenagem a personagens sombrios de nossa história – incluindo aqueles que estão entre os 377 apontados como responsáveis por torturas e mortes pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), um comitê que investigou os crimes do Estado naquele período.
Embora o número de vítimas reconhecidas seja maior que o número de criminosos levantados pela CNV, a soma do comprimento de ruas com o nome de vítimas é bem menor. São aproximadamente 160 km homenageando os que tombaram pela mão do regime contra mais de 2000 km de vias que fazem referência aos algozes, de acordo com o mapeamento feito nas ruas de todos os estados brasileiros.
No projeto, foram usados dados publicados pelo OpenStreetMap, uma plataforma colaborativa em que cada usuário pode adicionar e atualizar informações sobre localizações geográficas e endereços. O banco de dados não é perfeito: há inconsistências na padronização dos nomes e, principalmente, algumas das vias são representadas por mais de um item, o que impossibilita um contagem precisa do número de logradouros. Uma descrição detalhada sobre a produção está disponível aqui.
Não é apenas em número que as ruas com nome de generais e oficiais têm maior destaque do que as vias que homenageiam suas vítimas. Há também uma diferença geográfica e simbólica.
Enquanto grandes rodovias como a já mencionada Avenida Castelo Branco e a Ponte Costa e Silva (nome oficial da Ponte Rio-Niterói) comemoram o regime militar, os locais de memória da resistência se concentram em áreas periféricas e mais pobres. Em São Paulo, por exemplo, a maioria das ruas que homenageiam as vítimas se concentra em regiões pobres da Zona Norte e da Zona Sul, nos bairros de Jova Rural e Grajaú, respectivamente.
O mesmo acontece no Rio de Janeiro, onde diversas ruas que homenageiam militantes da resistência ficam no bairro operário de Bangu.
Uma grande parcela dos locais que relembram os líderes militares foi batizada ainda sob o governo ditatorial. Em contraste, os endereços que rememoram os mortos e desaparecidos só apareceram depois de esforços empreendidos por diferentes setores da sociedade civil.
Mudanças de nome
No centro de São Paulo, uma via elevada corre por cerca de 3.5 km, atravessando quatro bairros diferentes. Popularmente conhecida como Minhocão por seu comprimento e aparência, essa controversa intervenção urbana se chamou oficialmente Elevado Costa e Silva em referência ao segundo presidente da Ditadura, desde que foi finalizada, em 1970, até meados de 2016.
No meio do ano passado, porém, ela foi rebatizada de Elevado Presidente João Goulart, uma homenagem ao último líder civil a governar o país antes do Golpe de 1964.
A mudança faz parte de um movimento que acontece conforme as instituições brasileiras olham para o passado e tentam decidir de que maneira ele deve se refletir no presente e no futuro. Ainda que o presidente João Goulart tenha sido perseguido e perdido os direitos políticos durante o regime, ele não é considerado oficialmente uma vítima de violações de direitos humanos. Paulo Stuart Wright, porém, é.
Ex-deputado estadual de Santa Catarina, filho de dois missionários norte-americanos, Wright foi perseguido pelos militares desde o início do regime. Cassado pelo golpe militar ele se exilou no México em 1964, voltando clandestinamente ao país no ano seguinte para militar na resistência contra a ditadura. Wright desapareceu em 1973 e sua morte só foi confirmada quando arquivos secretos foram abertos onze anos depois, perto do final da ditadura. Em 2015, uma rodovia em seu estado foi rebatizada em homenagem a ele.
Confronto aberto
Um dos momentos mais dramáticos da política brasileira nos últimos anos, o impeachment de Dilma Rousseff (PT), foi deflagrado na Câmara dos Deputados. Jair Bolsonaro, ex-capitão do Exército e figura proeminente da extrema-direita, estava entre os deputados que votaram contra Dilma – e ele fez isso de maneira controversa.
“Perderam em 1964 e perderam novamente em 2016”, disse Bolsonaro comparando o golpe militar ao impeachment. “Pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o terror de Dilma Rousseff […] eu voto sim [ao impeachment]”.
Bolsonaro homenageava o comandante do DOI-CODI de São Paulo, a câmara de tortura e morte que operava contra os inimigos do regime entre 1970 e 1974. Ustra, que há dois anos morreu livre e, segundo ele, sem arrependimentos, é considerado um dos agentes mais violentos das forças de repressão da ditadura.
Suas vítimas descreveram diferentes métodos de tormento, como choques elétricos e a inserção de ratos vivos na vagina de prisioneiras. Em alguns dos casos mais brutais, as sessões de tortura foram testemunhadas pelos filhos e cônjuges dos dissidentes. A própria Dilma passou meses detida em prisões do DOI-CODI nos anos 70 por participar de movimentos de resistência armada.
Durante o impeachment de Dilma, grupos que simpatizam com Bolsonaro tomaram as ruas, pedindo que as Forças Armadas “salvem o país do comunismo outra vez”– retórica que evoca a justificava usada pelos partidários do Golpe Militar há 43 anos. Atualmente, o candidato à presidência Jair Bolsonaro aparece em segundo lugar nas pesquisas eleitorais, atrás apenas do ex-presidente Lula, também detido pela ditadura militar. Mais uma evidência de que o passado não está apenas confinado nos nomes de rua – ele insiste em voltar à superfície de tempos em tempos.
Cristovam Buarque: O labirinto de nossos erros
O jornalista Roberto D’Ávila me perguntou como chegamos à situação em que nos encontramos e na qual parecemos aprisionados. A sensação é de que fomos cometendo erros, como se dobrássemos esquinas caminhando por um labirinto, sem saber o caminho de volta, ainda menos de ida: para fora das amarras que nos impedem de progredir civilizada e sustentavelmente. O labirinto se inicia com a escravidão e o latifúndio, mas não temos desculpas para os erros dos caminhos tomados nas últimas décadas, que foram contaminando o Estado, a economia e a sociedade por erros na política.
Dobramos uma esquina do labirinto ao conquistarmos a democracia e fazermos uma Constituição para apagar o passado autoritário, mas sem usá-la para construir o futuro da nação. Garantimos direitos sem determinar deveres, sem definir sentimento de coesão nacional. Ficamos presos ao imediato de cada grupo sem instrumentos nem vontade para formular e construir o rumo para todos no longo prazo.
Nos aprofundamos no labirinto por causa do endividamento público e privado, sem responsabilidade, de acordo com nossos recursos; derrubamos florestas, secamos rios; transformamos nossas cidades em “monstrópoles” divididas por “mediterrâneos invisíveis”. Protegemos com subsídios empresas ineficientes, sem buscar aumentar produtividade, competência, inovação.
Elegemos governos progressistas, mas eles não fizeram as reformas necessárias; dobramos uma esquina do labirinto usando o Estado para financiar campanhas eleitorais com propinas e dando emprego a afilhados dos políticos e a filiados dos partidos, sem respeito à competência dos nomeados. Depois do impeachment, no lugar de recuperar a credibilidade na política, pedida por milhões nas ruas, embrenhamo-nos no labirinto, com o vice-presidente aparecendo sob suspeita de conivência com a corrupção.
O mergulho no labirinto foi aprofundado por parlamentares que aprovam leis sem o necessário rigor, olhando o imediato e seus próprios interesses eleitorais; cortamos verba para setores prioritários e liberamos recursos públicos para financiar campanhas eleitorais. Os tribunais, que trazem a esperança do enfrentamento da corrupção, agravam o caminho labiríntico ao se viciarem em privilégios e ao criarem instabilidade jurídica.
A injustiça social, a impunidade legal, o incentivo obsessivo ao consumo, a falta de bons exemplos vindos dos quadros dirigentes profundaram a marcha adentro no labirinto. Para sair dele, seria fundamental dispor de interpretações atualizadas sobre a crise da modernidade e o futuro do Brasil, mas nossas universidades parecem aceitar passivamente o contínuo caminhar no labirinto, sem inovação ou ineditismo e até sem respeito ao mérito.
O labirinto é o resultado de sucessivas escolhas erradas ao longo da história, mas a principal foi o descuido com a educação de nossas crianças, do nascimento até a vida adulta.
Luiz Carlos Azedo: Maia versus Temer
Avaliações feitas pelo Palácio do Planalto mostram que o presidente da República poderá ter menos votos na rejeição da segunda denúncia do que na primeira
Não convidem o presidente Michel Temer e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para jantar sem combinar muito bem o cardápio. Os dois andam se estranhando por qualquer motivo. O mais recente é a ameaça de mudanças no PIS e Confins por medida provisória, admitida ontem pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em Washington, nos Estados Unidos. A proposta em estudo prevê a elevação da alíquota de 9,25% para 10%, o que não é pouca coisa num cenário de inflação abaixo dos 3% e juros podendo chegar a 7%.
Alguém já disse que certos assuntos não devem ser abordados no exterior, sem se saber direito como andam os humores do Congresso e da opinião pública. Ao saber da novidade, Maia mandou recado para o Planalto de que não aceitará aumento de impostos. Uma medida provisória pode simplesmente ser abortada pela Câmara. “Sou contra o aumento de impostos e mais ainda por meio de uma medida provisória. Aumentar as alíquotas do PIS/Cofins por MP? Não vai nem tramitar. Não é que não vai passar. Nem vamos discutir o mérito”, disparou.
O PIS e a Cofins são pagos por empresas de todos os setores e ajudam a financiar a Previdência Social e o seguro-desemprego. Meirelles alega que o ajuste da alíquota não é um aumento de impostos, mas um mero ajuste para compensar a perda de receita em razão de decisões judiciais. Estima-se que o governo federal deixaria de arrecadar R$ 27 bilhões por ano com essas mudanças. “Nesse caso, não há nenhum aumento de carga tributária, haveria uma recomposição de base visando termos uma neutralidade tributária”, explicou. Os estudos da Receita Federal visam à recomposição de arrecadação em virtude da eliminação do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins.
Denúncia
As relações entre Temer e Maia estão tensas desde quando o presidente da Câmara, em entrevista, refutou suspeitas do Planalto de que conspira contra Temer. O presidente da Câmara disse que não procederia como o atual presidente da República no caso do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o que deixou Temer surpreso e agastado. Maia também vem fazendo críticas ao grupo palaciano, não poupa sequer o secretário-geral da Presidência, ministro Moreira Franco, que é seu sogro. Acusa a cúpula do PMDB de trabalhar para impedir que deputados descontentes com seus partidos se filiem ao DEM.
Como há muita insatisfação na base e certa dose de chantagem para forçar o governo a liberar verbas e nomear aliados para cargos na Esplanada, as avaliações feitas pelo Palácio do Planalto mostram que o presidente Temer poderá ter menos votos na rejeição da segunda denúncia do que na primeira, o que acirra ainda mais o choque com o presidente da Câmara. Aos aliados mais próximos, Maia tem afirmado que não pretende atrapalhar o governo na votação, mas também não vai se empenhar como da primeira vez. Raposas da Câmara são unânimes em dizer que Maia só não afastou Temer do cargo na primeira denúncia porque não quis.
A famosa fleuma de Temer parece já não ser a mesma do começo de seu governo, haja vista o susto que levou nesta semana por causa de uma obstrução parcial das coronárias. Contido e elegante no trato, o presidente da República começa a dar sinais de que as pressões da base estão lhe causando grande estresse. A votação da segunda denúncia pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara deve ocorrer na próxima semana, uma vez apresentado o parecer favorável do deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), um dissidente tucano. Essa é uma vantagem em relação à primeira denúncia, na qual os governistas tiveram que derrubar o primeiro parecer. Enquanto a situação não se resolve, as reformas estão congeladas, principalmente a da Previdência, e as concessões do governo aumentam, o que atrapalha o ajuste fiscal.
Na mesma entrevista, Meirelles, por exemplo, admitiu que o governo fará novas concessões na reforma da Previdência e, com isso, a mudança terá menos impacto no ajuste fiscal: “Esse projeto equivale a 75% do projeto original… Uma queda ainda desse patamar é de acordo também com o previsto. É normal que haja um processo de discussão e modificações no Congresso. Agora qual é o nível disto é que nós vamos negociar nas próximas semanas”. Para ele, o recuo já foi precificado pelo mercado. A tradução disso, porém, é um ambiente de negócios mais volátil, com a redução dos investimentos, o que limita a taxa de crescimento. A expansão de consumo subsidiada por recursos oriundos do FGTS chegou ao limite, e a taxa de desemprego, bastante alta, também compromete as possibilidades de crédito.
José Anibal: Diálogo e debate, a essência da boa política
Momentos de crise são transformadores por natureza: chega-se a um determinado ponto em que é preciso mudar, fazer diferente, inovar. A questão fundamental é como fazer a transformação ser positiva, resultar em avanços institucionais, democráticos e republicanos, e não retrocessos de quaisquer naturezas. Essa é a missão intrínseca da boa política.
Para tanto, em nada ajuda o país os que vivem de se queixar da herança do passado, dos problemas do presente e das incertezas do futuro. Arautos do caos não faltam nas páginas dos jornais, em vídeos de redes sociais ou nas falas de pretensos mobilizadores da sociedade. O Brasil precisa de diagnósticos precisos dos grandes desafios nacionais – como o acesso a boa educação, saúde e saneamento básico, ou a trajetória das receitas e despesas fiscais – e de propostas consistentes para o enfrentamento dessas situações.
Vejamos o passado recente do país. Enfrentamos uma terrível crise econômica, a pior recessão da história, responsável pela destruição de quase 10% do PIB em pouco mais de dois anos. A incompetência e a irresponsabilidade do lulopetismo fizeram a renda per capita do brasileiro retroceder pela primeira vez em 25 anos. Ainda estamos sentindo as consequências desse desastre, mas a recuperação está em curso.
O número de desempregados ainda é alto, cerca de 13 milhões, mas já é 1 milhão a menos do que o ápice desse indicador. O PIB retomou a curva ascendente, terá crescimento modesto neste ano, mas podemos vislumbrar não só um Natal melhor em comparação com os dois anteriores, como um 2018 com avanço superior a 2,5%.
São notícias alvissareiras, mas precisamos fazer mais. Sem uma efetiva adequação das contas públicas à realidade econômica, de modo a se gastar o dinheiro dos contribuintes com maior eficiência e parcimônia, ainda veremos a repetição de situações dramáticas como a do Estado do Rio, combalido pela gastança destemperada e pela licenciosidade dos governos locais.
É fato que o Brasil não é o país socialmente justo, desenvolvido e próspero que seu povo anseia e merece, mas é inegavelmente uma república democrática melhor do que em outros períodos da história.
Poderíamos ter avançado mais, sem dúvida, e temos muito o que avançar: políticos que sejam mais sensíveis às demandas da sociedade ao mesmo tempo em que saibam dizer “não” ao que o Estado não tem condições de sustentar; juízes e demais magistrados que tenham independência, mas saibam respeitar os demais Poderes e as deliberações do Legislativo; promotores e procuradores que sejam de fato defensores do interesse público e não se deixem levar por cantilenas corporativistas ou revanchismos pessoais.
Desde a Constituição de 1988, enfrentamos e conseguimos superar crises como a da hiperinflação, as turbulências dos mercados internacionais no fim dos anos 90 e em 2008, e dois processos de impeachment. A despeito de todas as dificuldades inerentes a cada um desses processos, não houve ruptura institucional nem qualquer tipo de insurreição. Ou seja, mostramos a todos e, principalmente, a nós mesmos que não jogamos a criança com a água suja da banheira.
No próximo processo eleitoral que culminará em um novo governo, a partir de janeiro de 2019, devemos ter essa convicção em mente. Superamos um dos momentos mais difíceis da história – uma recessão sem precedentes combinada a um governo frágil e inepto, que se valeu de crimes de responsabilidade para tentar permanecer no poder – e podemos ter condições de promover um debate racional e consistente nas eleições de 2018.
O povo brasileiro não precisa de salvadores da pátria nem do histrionismo dos que não conseguem conter a verve sectária.
O melhor que nós, que procuram fazer jus à nobreza da vida pública, podemos oferecer ao país é frear qualquer risco de retrocesso ao populismo de quaisquer matizes, que têm como pilares a intolerância e o autoritarismo.
Isso se dá pela efetiva promoção do diálogo racional e de um consistente debate de ideias para a construção de propostas viáveis para o país.
No fundo, diálogo e debate são os aspectos essenciais da boa política, que jamais se tornarão velhos ou ultrapassados.
FHC: Quais os rumos do País?
Se não organizarmos já um polo democrático, podemos ver no poder quem não sabe usá-lo
Quando ainda estava na Presidência, eu dizia que o Brasil precisava ter rumos e tratava de apontá-los. Nesta quadra tormentosa do mundo, cheia de dificuldades internas, sente-se a falta que faz ver os rumos que tomaremos.
Com o fim da guerra fria, simbolizado pela queda do Muro de Berlim, em 1989, tornou-se visível o predomínio dos Estados Unidos. Desde antes do final da guerra fria, por paradoxal que pareça, em pleno governo Nixon – do qual Henry Kissinger era o grande estrategista – começou uma aproximação do mundo ocidental com a China. Com a morte de Mao Tsé-tung e a ascensão de Deng Xiaoping, os chineses puseram-se a introduzir reformas econômicas. Iniciaram assim, ao final dos anos 1970, um período de extraordinário crescimento. A partir da virada do século passado, o peso cada vez maior da China na economia global tornou-se evidente. No plano geopolítico, porém, os chineses buscaram deliberadamente uma ascensão pacífica, escapando à “armadilha de Tucídides” (a de que haverá guerra sempre que uma nova potência tentar deslocar a dominante).
Enquanto a China não mostrava todo o seu potencial econômico e político, tinha-se a impressão de que o mundo havia encontrado um equilíbrio duradouro, sob a Pax Americana. A Europa se integrava, os Estados Unidos e boa parte da América Latina se beneficiavam do comércio com a China e a África aos poucos passava a consolidar a formação de seus Estados nacionais. As antigas superpotências, Alemanha e Japão, desde o fim da 2.ª Guerra Mundial haviam adotado a “visão democrático-ocidental”. No início do século 21 apenas a antiga União Soviética, transmutada em República Russa, ainda era objeto de receios militares por parte das alianças entre os países que formaram a Otan. Como ponto de inquietação restava o mundo árabe-muçulmano.
Na atualidade, o quadro internacional é bem diferente. Com a “diplomacia” adotada por Trump, a Coreia do Norte desenvolvendo armas atômicas, as novas ambições da Rússia, as tensões nos mares da China e o terrorismo, há temores quanto ao que virá pela frente. Os japoneses veem mísseis atômicos coreanos passar sobre sua cabeça, os chineses fazem-se de adormecidos, o Reino Unido sai da União Europeia, os russos abocanham a Crimeia e os americanos vão esquecendo o Acordo Transpacífico (TPP, ou Trans Pacific Partnership Agreement), abrindo espaço à expansão da influência dos chineses na Ásia e deixando perplexos os sul-americanos que faziam apostas no TPP. Também perplexos estão os mexicanos, ameaçados pela dissolução do Nafta, outro dos alvos de Trump. A inquietação americana pode aumentar pelas consequências da política chinesa de construir uma nova rota da seda, ligando a China à Europa através da Ásia e do Oriente Médio, bem como pela aproximação entre Pequim e Moscou.
É neste quadro oscilante que o Brasil precisa definir seus rumos. Toda vez que existem fraturas entre os grandes do mundo se abrem brechas para as “potências emergentes”. Há oportunidades para exercermos um papel político e há caminhos econômicos que se abrem. Não estamos atados a alianças automáticas e, a despeito de nossas crises políticas, nossos erros e dificuldades, estamos num patamar econômico mais elevado que no tempo da guerra fria: criamos uma agricultura moderna, somos o país mais industrializado da América Latina e avançamos nos setores modernos de serviços, especialmente nos de comunicação e financeiros. Podemos pesar no mundo sem arrogância, reforçando as relações políticas e econômicas com nossos vizinhos e demais parceiros latino-americanos.
Entretanto, nossas desigualdades gritantes são como pés de chumbo para a formação de uma sociedade decente, condição para o exercício de qualquer liderança. As carências na oferta de emprego, saúde, educação, moradia e segurança pública ainda são obstáculos a superar.
Pelo que já fizemos, pelo muito que falta fazer e pelas oportunidades que existem, há certa angústia nas pessoas. A confusão política, o descrédito de lideranças e partidos, se expressa na falta de rumos. A opinião pública apoia os esforços de moralização simbolizados pela Lava Jato, mas quer mais. Quer soluções para as questões sociais básicas, e também para os desafios da política, que precisam ser superados, caso contrário o crescimento da economia continuará baixo e a situação social se tornará insustentável. O Congresso, por fim, aprovou uma “lei de barreira” e o fim das coligações nas eleições proporcionais. Foram passos tímidos, na forma como aprovados, mas importantes para o futuro, pois levarão à redução do número de partidos, com o que se poderá obter maior governabilidade e talvez menos corrupção.
Entretanto, quem são os líderes com a lanterna na proa, e não na popa? A crer nas pesquisas de opinião, os políticos mais cotados para vencer as eleições em 2018 mais parecem um repeteco do que inovação, embora haja entre alguns que estão na rabeira das pesquisas quem possa ter posições mais condizentes com o momento. E boas novidades podem emergir. Alguns dos que estão à frente ainda insistem em suas glórias passadas para que nos esqueçamos de seus tormentos recentes, e pouco dizem sobre como farão para alcançar no futuro os objetivos que eventualmente venham a propor.
Se não organizarmos rapidamente um polo democrático (contra a direita política, que mostra suas garras), que não insista em “utopias regressivas” (como faz boa parte das esquerdas), que entenda que o mundo contemporâneo tem base técnico-científica em crescimento exponencial e exige, portanto, educação de qualidade, que seja popular, e não populista, que fale de forma simples e direta dos assuntos da vida cotidiana das pessoas, corremos o risco de ver no poder quem dele não sabe fazer uso ou o faz para proveito próprio. E nos arriscamos a perder as oportunidades que a História nos está abrindo para ter rumo definido.
*SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA.
Luiz Carlos Azedo: A pinguela de ouro
No futuro, historiadores e cientistas políticos terão que explicar a submissão dos nossos reformadores progressistas à velha cultura ibérica, na qual entrincheiraram suas próprias ideias
É do ex-senador Marco Maciel uma das ironias mais finas do nosso folclore político recente: “O problema é que as consequências vêm depois”. É sob medida para a reforma política recém-aprovada pelo Congresso, que terá grande impacto no nosso sistema político e partidário. Por quê? Primeiro, porque cria condições muito favoráveis para que os caciques políticos e partidos enrolados na Operação Lava-Jato sobrevivam a eventual tsunami eleitoral em 2018, tamanha a “disparidade de armas” que terão a seu favor, em termos de financiamento de campanha e tempo de propaganda de tevê e rádio. Segundo, porque possibilita que esses partidos — principalmente o PMDB — canibalizem os demais, salvando os deputados eleitos das legendas barradas no baile.
O surgimento de uma alternativa renovadora dos costumes políticos e reformista da economia no centro democrático se tornou muito mais difícil, embora não seja uma engenharia impossível, à margem do atual sistema de poder. Na verdade, o aperfeiçoamento da democracia brasileira, que alguns consideram ameaçada por uma “ditadura do Judiciário” ou sob tutela militar, está sendo bloqueado, apesar do clamor por mais ética na política. No futuro, historiadores e cientistas políticos terão que explicar a submissão dos nossos reformadores progressistas à velha cultura ibérica, na qual entrincheiraram suas próprias ideias, em razão da experiência vivida de resistência pacífica à ditadura. Percebem o impacto causado pela globalização e pela revolução tecnológica, mas não conseguem traduzi-lo em novas práticas políticas.
Enquanto isso, o velho patriarcado descrito por Gilberto Freyre, em Casa grande & senzala, está vivíssimo. O jovem ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, que nesta semana revelou o desejo de privatizar a Petrobras, por exemplo, é herdeiro direto do capitão português Valério Coelho Rodrigues, pioneiro do sertão pernambucano que obteve uma grande fazenda da Casa da Torre por volta de 1745, na região dos atuais municípios de Afrânio, Dormentes, Petrolina, Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista.
O relator da denúncia contra o presidente Michel Temer na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara é Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), deputado federal desde 1979. Descendente por parte de pai do patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, começou a carreira como oficial de gabinete no Ministério da Agricultura do governo Dutra. Passou por vários partidos (UDN, Arena, PSD, PTB) antes de se filiar ao PSDB. Na linha de frente da tropa de choque do Palácio do Planalto, mantém ainda hoje o protagonismo da mais tradicional família de políticos mineiros.
Conciliação
Se o patrimonialismo é uma das faces do nosso iberismo, a outra é a velha “política de conciliação” que uniu liberais (“luzias”) e conservadores (“saquaremas”) no Império, a partir do gabinete de Marques do Paraná (1853), o mineiro Honório Hermeto Carneiro Leão. Seu objetivo era conciliar as ações políticas dos dois partidos do Império, o Conservador e o Liberal, em torno de interesses comuns; no caso, a manutenção da escravidão, que somente foi abolida em 1888. Para o notável historiador Capistrano de Abreu, a política de conciliação era um “termo honesto e decente para qualificar a prostituição política de uma época.”
Mas essa não era a ilustre opinião de Joaquim Nabuco. Conservador e monarquista, o político e diplomata pernambucano escreveu duas obras monumentais: O abolicionismo (1883), fruto de suas pesquisas no British Museum, de Londres, cuja famosa biblioteca também era frequentada por Karl Marx (autor de O capital), e os três volumes de Um estadista no Império (1897-1899), dedicada ao seu pai, o conselheiro Nabuco de Araújo, autor de um dos mais célebres discursos da história do Senado: “A ponte de ouro”, no qual se coloca em oposição aos liberais na província de Pernambuco, mas aceita participar do gabinete de maioria liberal de Paraná por lealdade ao imperador Dom Pedro II.
Em suas memórias, o abolicionista Nabuco justifica assim seu apoio à monarquia e à “política de conciliação”: “O reformador em geral detém-se diante do obstáculo; dá longas voltas para não atropelar nenhum direito; respeita, como relíquias do passado, tudo que não é indispensável alterar; inspira-se na ideia de identidade, de permanência; tem, no fundo, a superstição chinesa — que não se deve deitar abaixo um velho edifício, porque os espíritos enterrados debaixo dele perseguirão o demolidor até a morte”.
É mais ou menos o que está acontecendo com a política brasileira, prisioneira de suas velhas contradições, como se nosso patrimonialismo fosse realmente uma fatalidade. Na travessia de pinguela que nos levará às eleições de 2018, arrastarmos as correntes do passado como almas penadas.
Luiz Carlos Azedo: Ficha Limpa retroage
A decisão pode promover um expurgo na política, alijando da disputa eleitoral não somente muitos prefeitos e vereadores eleitos nas últimas eleições, mas também candidatos às eleições de 2018
O alcance da Lei da Ficha Limpa foi ampliado ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu estender a aplicação da medida aos políticos condenados por abuso de poder em campanhas eleitorais antes de 2010, quando a lei entrou em vigor, por 6 votos a 5. Esse efeito retroativo é consequência do fato de a Corte ter ampliado de 3 para 8 anos o período de inelegibilidade dos políticos, o que alcança vários prefeitos eleitos em 2014, que agora correm o risco de terem os mandatos cassados pela Justiça Eleitoral. Prevaleceu o voto do ministro Luiz Fux, que classificou a decisão como uma “condição de moralidade”.
Edson Fachin. Luís Barroso, Rosa Weber e a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, votaram a favor da medida, contra os votos de Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Na próxima quinta-feira, porém, será discutida a aplicação da pena aos prefeitos eleitos em 2010 que haviam sido condenados e cumpriram a pena de três anos de inelegibilidade. Para alguns ministros, eles não poderão ser cassados, já que cumpriam os requisitos exigidos à época da candidatura. Segundo Fux, a ausência de condenação (ficha limpa) é um dos requisitos para registro de candidatura.
Foi mais uma situação na qual o ministro-relator foi derrotado pelos colegas, no caso o ministro Ricardo Lewandowski. O julgamento começou em 2015, mas havia sido interrompido por um pedido de vista. A decisão tem repercussão geral, embora tenha sido proferida por causa de um candidato a vereador de Nova Soure (BA) nas eleições de 2012, que recorreu contra a rejeição de seu registro de candidatura.
Ele fora condenado por abuso de poder econômico e compra de votos em 2004 e cumpriu o prazo de três anos de inelegibilidade. Em 2008, o candidato concorreu novamente ao cargo, foi eleito e exerceu o mandato, mas em 2012, teve a candidatura negada com base no novo prazo de oito anos de inelegibilidade da Ficha Limpa.
A decisão pode promover um verdadeiro expurgo na política brasileira, alijando da disputa eleitoral não somente muitos prefeitos e vereadores eleitos nas últimas eleições, mas também possíveis candidatos às eleições de 2018, que acreditavam ter se livrado da ficha suja. No pleito passado, para a Câmara, já foi visível o impacto da nova legislação, com a eleição de jovens parentes de políticos que estavam impedidos de disputar eleições. Há expectativas que esse impacto seja ainda maior nas eleições de 2018. Somam-se a isso os processos da Operação Lava-Jato, já que muitos políticos estão sendo investigados porque seus nomes aparecem nas listas de doação do caixa dois da Odebrecht e da JBS. Há também dezenas de processos por abuso de poder nas eleições de 2016 que ainda estão em curso.
Coligações
A Emenda Constitucional que cria uma cláusula de desempenho, a partir de 2018, para as legendas terem acesso ao Fundo Partidário e ao tempo gratuito de rádio e TV foi promulgada ontem pelo presidente do Congresso, senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE). Terá um impacto no sistema partidário que está sendo subestimado. Deve reduzir o número de partidos significativamente, provocando fusões e incorporações, antes e depois das próximas eleições, porque prevê o fim das coligações proporcionais a partir das eleições de 2020. A emenda teve origem no Senado, onde foi aprovada em 2016. Como sofreu mudanças na Câmara, o texto precisou ser aprovado novamente pelos senadores, o que ocorreu na terça-feira, numa sessão que durou 30 minutos.
Nas eleições de 2018, os partidos terão de obter, nas eleições para deputado federal, pelo menos 1,5% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação, com ao menos 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos nove deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da Federação. Em 2022, para a Câmara, pelo menos 2% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da Federação, com ao menos 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos 11 deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da Federação.
Em 2026, os partidos precisarão de pelo menos 2,5% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da Federação, com ao menos 1,5% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos 13 deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da Federação; e finalmente, em 2030, pelo menos 3% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da Federação, com ao menos 2% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos 15 deputados, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação. Todos terão que alcançar esse objetivo sem coligações.
José Roberto de Toledo: Renovar é impreciso
Será o ‘Fundo Cívico RenovaBR’ o caminho para melhorar a representatividade?
Que melhorar muito a representatividade na política brasileira é a prioridade zero de qualquer reforma que mereça esse nome, não resta dúvida. Em um Congresso cuja renovação a cada quatro anos é a de prenomes (ou a adição de “Jr.”, “Neto” e “Bisneto” ao sobrenome), urgem mecanismos para eleger deputados que não sejam só herdeiros do poder. Será o “Fundo Cívico RenovaBR” o caminho?
Multimilionários do mercado financeiro e da publicidade parecem crer que sim. Prometem investir R$ 30 milhões do próprio bolso para selecionar, treinar e subsidiar 150 candidatos às eleições de 2018 – e, com sorte, eleger uns 50 deles. Deixando a questão legal para os parágrafos à frente, analisemos sua praticidade. A começar pelo que mais importa numa eleição: o dinheiro.
R$ 30 milhões para 150 candidatos é pouco, muito pouco, pouco mesmo. Na média, os 513 deputados eleitos em 2014 declararam (ou seja, caixa 1) ter arrecadado R$ 1,4 milhão. É sete vezes mais do que os candidatos do RenovaBR receberiam, a princípio. Essa diferença não é o único problema dos novatos.
A cada denúncia contra Temer, o presidente abre as portas do palácio (do Planalto, de dia; do Jaburu, à noite) para receber dezenas de deputados. E dos cofres, para os que provam lealdade e votam pela permanência de Temer no cargo. São bilhões de reais para executar emendas dos parlamentares ao Orçamento que viram obras e, logo, publicidade para suas campanhas à reeleição.
Somem-se as outras verbas públicas a que os incumbentes poderão ter acesso: o dinheiro do Fundo Partidário e o do tão sonhado por eles fundo eleitoral, a verba de gabinete da Câmara e funcionários pagos pelo Congresso mas trabalham nos Estados.
Sem contar o apoio dos vereadores, deputados estaduais, prefeitos e governadores de seus partidos. Não é à toa que haja deputados no 10.º mandato consecutivo e que são pais, irmãos, filhos, netos, bisnetos e tataranetos de deputados. São dinastias com cadeira cativa no Parlamento, umas desde Pedro 1.º.
Contra essa máquina do continuísmo os escolhidos pelo RenovaBR terão direito a treinamento em “campanha política, comunicação e autoconhecimento”, além de uma bolsa-candidato para se sustentarem. Uma estrutura comum de “inteligência política”, mídias sociais e assessoria de imprensa lhes prestará serviços. Basta? Obviamente, não.
Os apadrinhados precisarão fazer a sua parte. Devem representar a sociedade civil. Leia-se, vir de movimentos nascidos na esteira das manifestações de 2013 e 2015, como “RAPS”, “Renove”, “Onda Azul”, “Brasil 21”, “Agora!”, “Bancada Ativista”, entre outros. Diferentemente do MBL, cujo objetivo principal era sacar o PT do poder, esses movimentos não têm milhões de seguidores no Facebook nem costumam viralizar suas mensagens com facilidade.
Do que eles vão precisar, então? Dinheiro. De sete a dez vezes mais do que os R$ 30 milhões cogitados inicialmente pelo RenovaBR – se quiserem eleger uma bancada capaz de influenciar a próxima legislatura como Eduardo Cunha ou a JBS influenciaram a formação da atual. É dinheiro demais para ser arrecadado só com contribuições de pessoas físicas. Empresas doarão para o fundo? Ou vale a proibição de pessoas jurídicas financiarem candidatos?
Se renovar é preciso, o modo de fazê-lo é ainda impreciso. Se fosse nos EUA, o Fundo Cívico se chamaria Super PAC (literalmente, Comitê de Ação Política). Os PACs revolucionaram as eleições gringas: consagram e destroem candidaturas. Aqui, um deputado do PT antecipou-se ao lançamento do fundo e pediu que a Procuradoria Geral da República investigue o RenovaBR. Os pais do PAC serão colocados à prova antes de seus candidatos.
Murillo de Aragão: A lenta evolução das regras eleitorais
Quase todo ano o mundo político propõe alguma mudança no sistema político nacional, aí compreendidos tanto o sistema eleitoral, com suas regras, quanto o sistema partidário. É uma longa guerra de fricção entre uma sociedade desencantada com a política e um mundo político complacente com suas franquias.
A necessidade de mudança é grande, mas como a vontade de mudar é quase nenhuma, vivemos no mundo de Tancredi, personagem de Giuseppe Lampedusa no magistral “O Leopardo”: algo tem que mudar para que as coisas continuem como estão. Tem sido assim nas últimas décadas. Ocorrem avanços e retrocessos ao sabor dos acontecimentos e das conveniências.
Para não ir longe, aponto o ano de 2010 como um marco no sistema político-eleitoral por causa da aprovação da Lei da Ficha Limpa pelo Congresso Nacional. Foi, por conta da pressão da sociedade, uma grande conquista. Mas, adiante, em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) decretou que não existe perda de mandato para ocupante de cargo majoritário que mude de partido. A medida, ainda que guarde certa coerência, desmoralizou – ainda mais – o sistema partidário nacional.
Naquele ano, o Congresso Nacional, no âmbito de uma minirreforma eleitoral, estabeleceu teto de despesas por candidatura. Foi uma medida importante que abriu caminho para a redução dos pornográficos gastos de campanhas eleitorais no Brasil. Ainda em 2015, o STF decidiu acabar com o financiamento empresarial das campanhas, eliminando, assim, o “doping” financeiro e principal instrumento de manipulação de resultados eleitorais no país. As duas medidas foram muito importantes.
No ano seguinte, o STF decidiu que as emissoras de radio e televisão poderiam selecionar quais candidatos convidar para debates eleitorais. Ao invés da obrigatoriedade de convidar a todos. Mesmo candidatos com preferência ínfima nas disputas. Reduziu-se um pouco a poluição eleitoral.
Em 2017, mais duas decisões de peso. O Congresso estabeleceu uma cláusula de barreira para os partidos em 2018, providência fundamental para minimizar a fragmentação partidária na Câmara dos Deputados. Ainda que a barreira interposta seja generosa, é um caminho para o aperfeiçoamento do sistema. Outra decisão foi a imposição do fim das coligações partidárias para as eleições legislativas a partir de 2020. Trata-se de medida excepcional que, lamentavelmente, não vai vigorar nas próximas eleições.
Devemos, por outro lado, lamentar, a decisão de permitir que seja praticado o telemarketing eleitoral. Candidatos poderão disparar, em massa, as chatíssimas ligações telefônicas com propaganda eleitoral. Considerando o número de candidatos, pode ser um tormento para o eleitor.
Ao tempo em que escrevia este texto, o Congresso ainda decidia sobre o fundo eleitoral. O fundo não é a melhor solução, mas, pelo menos, está sendo criado tendo em vista recursos já existentes e não lastreado por verbas novas.
Por fim, a Justiça, para não ficar atrás no surto anual de mudanças, também decidiu sobre o alcance retroativo da Lei da Ficha Limpa. Uma medida, no mínimo, polêmica já que termina fazendo valer os efeitos de uma lei sobre situação anterior à sua existência. Data venda quem votou a favor, a medida não me parece adequada.
O STF também vai julgar a validade de candidaturas presidenciais avulsas. Medida que já tem o apoio da Procuradoria Geral da República. Mas que guarda imensas dificuldades de natureza operacional. Vamos ver o que vai acontecer.
O saldo, apesar de modesto frente às necessidades de aperfeiçoamento de nosso sistema político, é significativo. Não dá para dizer que não houve alguma melhora. O sistema, aqui e ali, sob pressão e com a interferência – nem sempre negativa, nem sempre positiva - do STF, está sendo modificado. Falta o nosso eleitor melhorar também.
Roberto Freire: As lições de 1989 para 2018
A um ano das eleições de 2018, o Brasil começa a viver a expectativa pelo momento determinante do voto que definirá os rumos da nação pelos próximos quatro anos, enquanto vamos nos aproximando da reta final do governo de transição resultante do impeachment.
Em uma quadra tumultuada da vida nacional, é imperioso que todos aqueles verdadeiramente comprometidos com a democracia e a superação da crise tenham responsabilidade com o país e ofereçam alternativas viáveis e projetos concretos para a retomada do crescimento, a geração de empregos e o resgate da autoestima e da confiança do brasileiro em seu próprio futuro.
Um olhar abrangente sobre o que está por vir deve passar, necessariamente, pelos ensinamentos que podemos extrair do passado. Há pouco menos de 30 anos, em 1989, o Brasil experimentava um clima de grande euforia cívica com a primeira eleição direta para a Presidência da República desde o fim do regime militar. Com a redemocratização e a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, a efervescência política que tomou conta do país trouxe otimismo e uma grande esperança à sociedade.
Na disputa presidencial de 1989, da qual honrosamente participei como candidato pelo PCB – foi um dos momentos mais marcantes e uma das grandes emoções que tive em mais de 40 anos de vida pública –, houve entre nós aqueles que defendiam a união das forças do campo democrático em torno de uma candidatura à Presidência, provavelmente a de Ulysses Guimarães, do PMDB, reconhecido como símbolo maior da luta pelas Diretas e o “Senhor Constituinte”. Uma das vozes que se levantou nesse sentido foi a de Luiz Werneck Vianna, cientista social e até hoje um arguto observador e analista da realidade brasileira, que nos alertava para os riscos de uma pulverização de candidaturas naquele pleito.
Infelizmente, naquele momento, talvez influenciados pela comoção nacional e envolvidos emocionalmente em uma histórica campanha que nos dava a oportunidade de retomar o contato mais próximo com o povo brasileiro, seus problemas e a dura realidade da população, não ouvimos os alertas que foram feitos e nos dispersamos.
Fui candidato pelo PCB, Leonel Brizola saiu pelo PDT, Mário Covas foi lançado pelo PSDB, Fernando Gabeira disputou pelo PV, entre muitos outros postulantes à Presidência, totalizando mais de duas dezenas de candidaturas ao Palácio do Planalto.
Todos conhecem o resultado de tamanha pulverização. Foram ao segundo turno as duas figuras que supostamente desafiavam o “status quo” e eram consideradas “outsiders”: Collor, candidato pelo pequeno PRN, e Lula, do PT, ainda muito distante do figurino “paz e amor” adotado em sua campanha vitoriosa de 2002.
Nenhum deles demonstrava qualquer preocupação com a montagem de um governo de coalizão ou de uma base parlamentar sólida que lhes desse sustentação no Congresso Nacional, algo primordial no presidencialismo brasileiro.
Collor sofreu um processo de impeachment e deixou a Presidência em 1992, em meio a uma série de acusações e denúncias de corrupção que o atingiram e a seu governo.
Para 2018, tenho defendido que não podemos repetir os mesmos equívocos de 1989. No ano que vem, como naquela eleição, o risco de haver uma forte pulverização de candidaturas é muito elevado.
Os alertas feitos naquela oportunidade devem ser ouvidos agora, ainda que com atraso: temos de buscar a unidade de todas as forças democráticas do país para evitarmos, ao fim e ao cabo, uma nefasta polarização entre os extremos do espectro político, personificados nas figuras de Lula e Jair Bolsonaro.
Tenho insistido na importância de que as conquistas obtidas durante o governo de transição, sobretudo no aspecto econômico (como a queda da inflação e da taxa básica de juros, a diminuição gradativa do desemprego, o aumento do poder de renda das famílias, o crescimento do PIB etc), não podem ser colocadas em risco por uma eventual disjuntiva entre essas duas alternativas políticas no segundo turno de 2018.
Nossa missão é oferecer aos brasileiros uma candidatura virtuosa que unifique o centro democrático e seja capaz de enfrentar e derrotar tanto uma esquerda atrasada e reacionária que apoia abertamente a ditadura de Maduro na Venezuela, por um lado, quanto uma extrema-direita igualmente populista e de corte claramente fascista que defende a ditadura militar e as torturas por ela praticadas, por outro.
Apesar de algumas similitudes entre 1989 e 2018, é importante considerarmos uma diferença fundamental: naquele primeiro momento pós-redemocratização, o Brasil estava imerso em uma grande euforia e vivia um clima de otimismo.
Hoje, o que existe é um desânimo absoluto da população e a descrença generalizada em relação à classe política, fruto de todo o desmantelo e a corrupção que marcaram os 13 anos dos governos petistas de Lula e Dilma.
Esse sentimento gera, inclusive, uma perigosa repulsa à política e aos políticos indistintamente, o que é sempre temerário do ponto de vista democrático. Apesar de todos os problemas, a política é o instrumento pelo qual as sociedades podem mudar os seus destinos. Fora da política, não há outro caminho possível além da barbárie.
Lamentavelmente, em meio a esse cenário de terra arrasada que fermenta um caldo de desilusão, os discursos populistas à esquerda e à direita, inclusive formulados por aqueles que pregam estultices como a intervenção militar no Brasil e o fechamento do Congresso, encontram terreno fértil para prosperar junto aos mais incautos.
É contra essa corrente autoritária e antidemocrática que devemos nos erguer. Temos um ano pela frente e, até lá, precisamos aprovar as reformas de que o Brasil precisa, concluir a transição que nos levará às próximas eleições e construir uma candidatura forte, competitiva e representativa de todas as forças democráticas, à esquerda e à direita, que convirjam para o centro.
Que as lições de 1989 ecoem em 2018, evitando a repetição de erros do passado e mobilizando os brasileiros a recuperarem o mesmo entusiasmo daquele período.
Alon Feuerwerker: As pesquisas e o mercado mostram que não há descolamento entre a política e a economia
A política e a análise política de vez em quando resvalam para o pensamento mágico, no qual a projeção do desejo substitui a realidade. A mais recente expressão disso é a teoria do descolamento entre a economia e a política. A primeira estaria em boa medida protegida das confusões e incertezas da segunda. Os números estariam aí para comprovar. Será?
Qual é a situação da política? Instabilidade micropolítica, mas razoável estabilidade macropolítica. A turbulência atinge sim Michel Temer. Mas, se prevalecer a, no momento, improvável hipótese de a Câmara dos Deputados determinar a saída dele, o governo ficará nas mãos de seu bloco político, que hoje traduz o poder de um bloco histórico pró-liberal na economia.
Com Temer, Maia ou qualquer outro, o governo prosseguiria as privatizações, renegociações tributárias etc, para cobrir despesas correntes e evitar o desastre no curto prazo. O sonho inicial do mercado era Temer equacionar a sustentabilidade de longo prazo da dívida, com uma forte reforma da previdência. Mas, também aqui, o ótimo é inimigo do bom.
Por isso, o mercado vai bem, apesar do noticiário político “trem fantasma”, um susto a cada curva. Mas, o que é “ir bem”? É essencialmente o reflexo da melhora da saúde e da lucratividade das empresas por ganhos expressivos de produtividade, sustentados essencialmente na ainda boa capacidade ociosa e no hoje gigantesco exército de mão de obra de reserva.
Se essa recuperação agrada às fontes tradicionais do jornalismo, não atende porém tanto assim ao desejo dos que o jornalismo costuma ouvir menos. Entre eles 1) os 13 milhões que procuram trabalho e não acham, 2) os que desistiram de procurar, 3) os que acharam, mas para ganhar bem menos e 3) os atingidos por cortes nas políticas públicas. E a todos esses acrescente-se suas famílias.
E temos então a segunda demonstração de não haver descolamento algum entre a economia e a macropolítica: as pesquisas de avaliação de governo e eleitorais. Para quem a economia vai bem, o governo é passável, apesar dos pesares. Para a maioria, nem pensar. E aí a intenção de voto mostra uma recomposição do bloco histórico que elegeu Lula/Dilma em 2006 e 2010.
Pouco a pouco, a má memória do segundo governo Dilma vai sendo diluída na esperança de ter de volta uma gestão baseada na expansão do emprego, do salário e do crédito. Os “de baixo” também têm pensamento mágico, e ele por enquanto garante a resiliência de Lula, apesar das dificuldades do ex-presidente com a Justiça e, portanto, com o noticiário.
Nesta nova fase, o antipetismo buscará refúgio no argumento de que o problema (a ameaça da volta do PT/esquerda) será resolvido com a inelegibilidade de Lula. Será? Nas pulverizadas projeções atuais, o bloco PT/esquerda tem potencial para colocar um nome no segundo turno. É o que diz por sinal o número dos que apoiariam um candidato de Lula.
Como esse quadro poderia ser revertido ou pelo menos amenizado? Um caminho proposto é a solução duvidosa de não apenas tirar Lula da eleição mas impedi-lo de fazer campanha. Mais seguro seria produzir um 2018 com forte expansão de emprego, renda e políticas públicas para os “de baixo”. Um novo 1994, atualizado. Por enquanto, não está visível. Quem sabe?
De tudo isso, fica o paralelo entre a recente história política brasileira e o front franco-alemão na Primeira Guerra Mundial. Muito canhão, muita bomba, muita arma química, muitas mortes. Quando a fumaça desce, os exércitos estão mais ou menos no mesmo lugar. Apesar do alarido e das baixas, os fatos ainda não produziram uma nova relação de forças.
Establishment
Na corrida tucana, desce Dória e sobe Alckmin. Os tucanos têm um desafio: deslocar Bolsonaro e Marina. Parece hoje algo complicado, mas talvez não seja tanto. Em condição normal de temperatura e pressão, o establishment tem gás para colocar um nome no segundo turno. Basta uma adequada campanha de demolição da concorrência.
Assim como o PT, o PSDB (ou algum derivado) terá base social na eleição. Nunca se deve subestimar isso.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação