política

Gaudêncio Torquato: Os perigos de outsiders

O ser humano só atinge sua essência dentro da comunidade política. E sua missão, como cidadão e animal cívico, é o de poder interferir na vida do Estado para alcançar o bem comum, não sendo suficiente, portanto, bastar-se a si mesmo.

Essa é a inclinação natural que conduz os homens a conviver em sociedade. Sob essa arquitetura aristotélica, qualquer cidadão pode ser chamado para servir à polis (o Estado), donde se infere que a política não tem margens. Nela, cabe quem quiser.

Dito isso, analisemos fenômenos políticos de nosso cotidiano, como eventuais candidaturas de outsiders. Luciano Huck, animador de um programa de TV, pode ser presidente da República? Poderiam concorrer figuras como Silvio Santos, Roberto Carlos, Pelé e Faustão? Esses nomes estão na galeria de influentes personalidades. Huck, aliás, já manifestou apoio a uma campanha de renovação da política.

A eleição de um "fora da política" não é coisa fora de propósito nestes tempos de mazelas que corroem as democracias, como a desideologização, o declínio dos partidos, o declínio dos parlamentos, o declínio das oposições, a personalização do poder, a ascensão das tecnoestruturas e de novos circuitos de representação, como associações, sindicatos, grupos, movimentos.

O deslocamento da política tradicional para outros espaços é realidade que ganha impulso. Pesquisas mostram velhos protagonistas mergulhados em imenso lamaçal.

O momento, como no passado, propicia rupturas. Em 1959, chegamos a eleger um Cacareco. Governava São Paulo Adhemar de Barros (1901-1969).

O eleitorado indignava-se contra vereadores paulistanos. Na campanha, um rinoceronte de 230 quilos vindo do Rio e emprestado para abrilhantar a inauguração do Zoológico foi lançado candidato a vereador com o slogan "Vale quanto pesa". Levou 100 mil votos.

O eleitor usava um pedaço de papel que colocava em envelope recebido do mesário. O candidato mais votado não ultrapassou 110 mil votos. Cacareco, devolvido ao Rio, morreu pouco tempo depois. A revista "Time" pinçou a frase de um eleitor: "É melhor eleger um rinoceronte do que um asno".

Em 2018, muita gente pode votar em Cacarecos. Ou em perfis que encarnam a lei e a ordem. Jair Bolsonaro é exemplo. A sociedade está saturada de velhos costumes, voltando-se para figuras mais assépticas. João Doria que o diga.

O eleitor busca candidatos entre celebridades, como Huck e Silvio Santos, que já acenou para a política no passado. Teriam chance? Em tese, sim. Ouve-se essa frase por todo lado: "Todo político é ladrão". Portanto, o país corre o risco de eleger um outsider.

A crise chegaria ao pico, porquanto celebridades não teriam condições de "pôr o guizo no gato", administrar uma herança de 35 partidos, duas Casas congressuais, presidencialismo de coalizão, um corpo com DNA formado na roça do fisiologismo.

Mesmo uma Marina Silva, com roupagem ética, ou Ciro Gomes, de metralhadora expressiva, resistiriam às pressões de 513 figuras na Câmara e 81 no Senado. Nomes fora da política não resistiriam ao enfrentamento de uma crise crônica. Poderiam, isso sim, até colaborar para oxigenar a política nas três instâncias federativas.

Perfis radicais, de direita ou de esquerda, ou alguém do mundo dos olimpianos da cultura de massa lançariam o país no caos. Perigo à vista: no horizonte há sinais da polarização que cindiu, na era petista, a sociedade entre "nós e eles", "bons e maus". Novo apartheid será um inferno. A esperança se volta para um perfil de centro. A depender da "Santa Economia".

* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político e de comunicação

- Folha de S. Paulo

 

 


Murillo de Aragão: Ainda vai levar um tempo

A Operação Lava-Jato parece o Rock in Rio. Ocorre simultaneamente em vários palcos. Oferece espetáculos para todos os gostos. Alguns palcos agradam o mais radical ativista jurídico, em especial aqueles que querem que tudo acabe logo em uma cena com um político na cadeia.

Outros shows, bem menos numerosos, empolgam aos garantistas. Garantistas são aqueles que seguem os ritos e as normas. Reconhecem o benefício da dúvida e que todo mundo é inocente até prova em contrário. Os ativistas não gostam disso. Acham que os garantistas usam as leis para proteger os cretinos.

O populacho, que gosta de drama e novela, torce o nariz para os garantistas. Eles são tachados de coniventes com “tudo isso de ruim que está por aí". Talvez para a maioria a vida política deveria ser jogada como um jogo de futebol, no qual com o cartão vermelho expulsaríamos todos os ladrões e desleais. De preferência, do time do adversário.

Para piorar, temos duas heranças perversas. O regime militar nos legou o desprezo pela autoridade. Que, lamentavelmente, confundimos com autoritarismo. Terminamos repelindo os dois. Já a redemocratização nos trouxe uma profunda ojeriza à política. Em geral, achamos que ela não presta, é coisa de corruptos. Também repelimos os dois.

A tendência à generalização ofusca nossa visão de mundo, desconsidera a importância daquilo que outras sociedades construiram, deixa de levar em conta as boas experiências. Ou seja, nega o próprio modelo de país que pusemos em prática num passado bem recente.

Eis o caminho do fracasso para um país: não acreditar nas leis, nos direitos, nas garantias, na autoridade e na política. Sobretudo, não participar conscientemente da política.

Lamentavelmente, trilhamos esse caminho sem perceber que ora a maré está a favor de nossos interesses e ora está contra. Não dá para ser a favor do foro privilegiado quando o STF condena José Dirceu e ser contra quando o tribunal alivia alguém de quem não gostamos.

Viver de torcida, em todos os sentidos, não é um bom caminho a seguir. Torcer faz parte, mas não deve ditar o ritmo das coisas. Deturpar os argumentos e estressar a lei para fazer justiça a qualquer preço, tampouco é uma alternativa.

O caminho do fracasso tem que ser evitado a partir de uma postura menos eloquente e mais racional, com base no legado que a humanidade nos deixou: ordem, autoridade, respeito às leis e honestidade.

Idealmente, caberia à sociedade buscar tais caminhos a partir de princípios e não de preferências nem de interesses. Porém, como disse, Lulu Santos, “ainda vai levar um tempo, para curar o que feriu por dentro".

* Murillo de Aragão é cientista político

- Blog do Noblat

 


Luiz Carlos Azedo: Ganhos de véspera

Hoje será um dia de muita tensão na Câmara, porque a tropa de choque governista está com os dentes arreganhados. Temer mandou de volta para a Casa oito ministros que são deputados federais

As análises sobre a votação da denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer, com base na delação premiada do doleiro Lúcio Funaro, são unânimes: o plenário da Câmara rejeitará amanhã a denúncia e a investigação será congelada até que termine o mandato presidencial. Mas Temer sairá mais enfraquecido, porque uma parte da base se ausentará do plenário. A oposição não tem os 342 votos de que necessitaria para afastá-lo; porém, ao contrário do que aconteceria em outras circunstâncias, caiu o número de aliados incondicionais do presidente de República.

É um non sense. Governistas e oposicionistas querem Temer mais fraco, mas não desejam que ele saia do Palácio do Planalto. Muitos parlamentares têm o discurso de defesa do governo na ponta da língua. Falam em retomada do crescimento, avanço das reformas, defendem o governo de transição, advertem que substituir o presidente novamente seria pôr em risco a democracia, abrir caminho para uma intervenção militar etc. Mas, na hora agá, mesmo assim, votarão a favor da denúncia ou não aparecerão para votar. O nome disso é medo do eleitor, temor de entrar na lista de parlamentares que serão atacados nas redes sociais nas eleições do próximo ano, por movimentos engajados na luta contra a corrupção, como o Vem Pra Rua, por exemplo.

Temer tem se reunido com os aliados que compõem seu estado-maior (houve reuniões ontem e no domingo) e fará um corpo a corpo ainda hoje para amarrar os votos de que necessita. Pelas contas dos próprios aliados, terá em torno de 20 votos a menos do que na votação da primeira denúncia. Parece um mau resultado, mas não é. Bastaria o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se movimentar a favor de seu afastamento para a vaca ir para o brejo. A relação entre os dois já esteve pior, o deputado Heráclito Fortes (PSB-PI), porém, conseguiu costurar um armistício entre eles, que já andavam trocando farpas publicamente. Mas quem quiser que se iluda, a relação é um cristal quebrado. Maia quer distância de Temer.

Dia tenso

Hoje será um dia de muita tensão na Câmara. A oposição promete fazer muito barulho, mas não convocou nenhuma manifestação; a tropa de choque governista também está com os dentes arreganhados. Temer mandou de volta para a Casa oito ministros que são deputados federais: Antônio Imbassahy (PSDB-BA), da Secretaria de Governo; Leonardo Picciani (PMDB-RJ), do Esporte; Ronaldo Nogueira (PTB-RS), do Trabalho; Sarney Filho (PV-MA), do Meio Ambiente; Marx Beltrão (PMDB-AL), do Turismo; Maurício Quintella Lessa (PR-AL), dos Transportes; Mendonça Filho (DEM-PE), da Educação; e Bruno Cavalcanti (PSDB-PE), das Cidades. A missão é mobilizar as respectivas bancadas, quem fracassar pode não voltar ao cargo.

O contencioso de Temer não é pequeno, porque muitos dos acertos feitos na votação anterior não foram cumpridos. Mas o Palácio do Planalto se esforçou na última semana para agradar aos segmentos que o apoiam, principalmente os ruralistas. Esse esforço se traduziu em retrocessos inimagináveis, como reduções significativas de multas ambientais e uma espécie de “liberou geral” na nova legislação sobre combate ao trabalho escravo. As ameaças de retaliação aos deputados considerados infiéis também recrudesceram. Estão no radar do palácio do Planalto as bancadas do PSD, de Gilberto Kassab, e o PR, de Valdemar Costa Neto, sem falar na do PSDB, que continua rachada. A estratégia de Temer foi estreitar a aliança com o senador Aécio Neves (PSDB-MG), presidente licenciado do partido, que prometeu retribuir o apoio que teve do PMDB na rejeição das “medidas cautelares” que haviam sido estabelecidas pela primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF). A suspensão de seu mandato foi revogada pelo Senado com o apoio maciço dos seus colegas peemedebistas.


BBC: Jogos que exploram escândalos da política ganham adeptos no Brasil

Doria
Desenvolvedores ironizam personagens políticos

 

Na vida real, aprende-se desde cedo que dinheiro não cai do céu. Mas, na realidade virtual, o dinheiro pode cair do alto de um prédio enquanto você tenta recolher todas as notas para encher sua mala com milhões de reais. Só tem uma questão: se não pegar a grana toda, você acaba em cana. Para seu alívio, neste caso, o xadrez também é virtual.

O jogo "Recupere o dinheiro de Gededel" tem como inspiração a intrincada situação jurídica do ex-ministro Geddel Vieira Lima, acusado pela Polícia Federal de ser o responsável por manter R$ 51 milhões em espécie em um apartamento em Salvador. Geddel nega envolvimento com esquema criminoso.

O game, lançado no final de setembro para o sistema Android e em breve para IOS, é criação de três jovens baianos: o analista de sistemas Ricardo Schimid, o designer Victor Hugo Castro e o músico Daniel Castro Barbosa.

Na aventura eletrônica, depois de ser informado que a polícia descobriu seu "bunker" monetário, o personagem Gededel corre para tentar salvar o dinheiro. Start.

Para evitar a prisão de Gededel, o jogador deve resgatar todo o dinheiro, que cai em montantes variados, começando com moedas que valem R$ 5 mil e chegando até malotes com R$ 3 milhões. Além disso, é preciso desviar de objetos arremessados por vizinhos indignados com a corrupção - até um gato vira projétil.

As referências políticas não acabam aí: a trilha sonora em 8 bits, típica de games antigos, lembra a melodia do jingle de Geddel Vieira Lima, ecoado à exaustão na Bahia em todas nas suas candidaturas à Câmara. O original versava que o ex-ministro era "um nome forte no cenário nacional". O criminalista Gamil Foppel, advogado de Geddel, atualmente preso, afirmou que enviaria uma nota sobre o game, o que não ocorreu até o fechamento da reportagem.

"Sou ligado em games desde criança. Na faculdade, comecei a criar jogos. Agora, estávamos desenvolvendo outro game quando surgiu esse caso. Paramos tudo pra fazer isso e a recepção foi ótima", conta Ricardo Schimid, que tem 27 anos e diz que, até pouco tempo atrás, jamais dera muita atenção à política.

Agora ele dá - e acha que a sátira é a melhor forma de tratar do tema. "A política no Brasil virou comédia. É só ver como os programas de humor abordam a política. Nem precisam criar grandes roteiros, as histórias já são piada", opina.

Política virtual
O game inspirado pelo imóvel-cofre atribuído a Geddel Vieira Lima, que em pouco tempo foi baixado por aproximadamente 5 mil usuários, é apenas um exemplo recente de jogos que ironizam personagens da política nacional, boa parte deles envolvida em denúncias de corrupção.

Entre aplicativos para dispositivos móveis e jogos para navegador da web, existem opções de games a mirar políticos das mais diversas legendas e ideologias.

Um exemplo de diversidade surgiu da parceria entre os pequenos estúdios Nebulosa e Black Hole. Em 2016, eles lançaram o jogo de navegador "Super Impeachment Rampage", que passou da marca de 500 mil jogadas.

Corre companheiro
Jogos usam estética de games antigos

 

Em oito fases, o jogador controla um avatar da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), saltando repórteres, coxinhas humanas e manifestantes pelas ruas de Brasília na missão de evitar o impedimento, coisa que Dilma não conseguiu na vida real. Dilma foi afastada do cargo ainda em maio do ano passado, em um processo de impeachment.

Neste ano, após a delação premiada dos executivos da J&F, os mesmos criadores lançaram o "Super Impeachment Rampage Apocalypse": enquanto no Planalto de verdade o presidente Michel Temer negocia com deputados para barrar a segunda denúncia contra si, nesta nova versão do game o pequeno simulacro de Temer percorre cenários sombrios a fim de evitar a renúncia.

Na última fase, ele enfrenta o "boss", ou chefão: em vez de Koppa, do Mario Bros., um mega-pato amarelo em chamas que solta raios incendiários - uma referência ao mascote da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), que adotou o animal como símbolo de uma campanha contra o aumento de impostos.

Na versão anterior, o boss encarado por Dilma é um supercaranguejo com cara de Eduardo Cunha, numa alusão ao codinome que, apontam os investigadores, era atribuído ao ex-presidente da Câmara nas planilhas de propina da Odebrecht.

"A criação dos dois jogos políticos foi um acaso. Fizemos o primeiro inspirado no 'Leo's Red Carpet Rampage', lançado na época do Oscar de 2016 (em uma brincadeira com o ator Leonardo DiCaprio). Cerca de um ano depois, a situação política estava tão caótica que decidimos criar a versão Apocalypse como continuação", diz Mariana Salimena, sócia do Nebulosa Studio, com sede em Juiz de Fora (MG).

Em 2015, quando a sombra do impeachment começou a rondar Dilma, suas diferenças com Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, já poderiam ter sido resolvidas no game "Vale Tudo", que segue o modelo de clássicos como Mortal Kombat e Street Fighter.

"O jogador escolhe com quem quer lutar e cada personagem é dotado de poderes criados a partir das notícias da época. Dilma vira a Mulher Sapiens e tem o poder da mandioca. Cunha, por sua vez, tem os panelaços a seu favor", explica Alex Leal, criador do jogo e CEO da Lizards Games, de Brasília. "Mulher sapiens" e saudação à mandioca são trechos de dois famosos discursos da ex-mandatária, ainda no cargo.

Então candidata ao Planalto, em 2010 Dilma já havia inspirado o primeiro jogo político desenvolvido por Leal, o "Dilma Adventure", que teve aproximadamente 1,5 milhão de partidas ao ser lançado.

Mais recentemente, quando o prefeito de São Paulo, João Dória Jr. (PSDB), esteve em Salvador para receber o título de cidadão da capital baiana e acabou levando uma ovada na cabeça, o time da Lizards Games não perdeu tempo. "Em coisa de quatro, cinco horas, nós criamos o 'Dória Ovacionado'", conta Alex Leal.

Feito para navegadores da web, "Dória Ovacionado" segue o modelo do sucesso mundial "Angry Bird". Num cenário que exibe o casario colonial de Salvador e o Farol da Barra, o usuário tem que acertar ovos nas caricaturas de Dória e do deputado federal Jair Bolsonaro, que terminou inserido no game porque, no mesmo período, também foi atingido por um ovo a jato.

Em uma semana, foram mais de 450 mil jogadas. Depois do episódio do ovo, Dória afirmou que "não é esse o caminho que desejamos para o Brasil. Esse é o caminho do Lula, o caminho do PT, das esquerdas que querem isso. A intransigência, a agressividade e a tentativa de amedrontar. A mim não intimida".

 

Angry STF
STF também inspira jogos

 

"Ficamos torcendo pra virar febre, com ovadas em políticos de todos os partidos. A gente poderia sempre lançar uma versão atualizada do game", caçoa Leal, que se diz "sem lado" e acha possível brincar com todas as vertentes políticas. "Com nossos políticos, o que não falta é inspiração. Ainda não brinquei com o Judiciário, mas bem que estão pedindo".

Companheiros virtuais
Também na linha do "Angry Bird", a Icon Games lançou em 2012 o "Angry STF", que fez sucesso no período de julgamento do Mensalão. Neste, a munição é o próprio ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa. O objetivo é alvejar bonecos dos acusados de então, como Marcos Valério, José Genoino, Duda Mendonça e José Dirceu.

Reintegrado ao Congresso e livre para sair à noite depois que seus pares rejeitaram as medidas cautelares impostas pelo STF, o senador Aécio Neves também já serviu de inspiração para um game.

Em 2016, o Dashbits Studio lançou "Tempere o Político", cujo mote é uma das gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Em conversa com o senador Romero Jucá, Machado afirma que Aécio seria "o primeiro a ser comido".

No joguinho, o usuário é o chef que cozinha um avatar com as feições de Aécio. No caldeirão efervescente, adiciona ingredientes como alho, carne, pimenta, folhas de louro, maços de dinheiro, etc.

Geddel
Políticos como Geddel Vieira Lima inspiram jogos para celular

 

O ex-presidente Lula, condenado em primeira instância pelo juiz Sérgio Moro a nove anos e meio de prisão no caso do Tríplex do Guarujá e réu em mais quatro processos, também não escapou dos criadores de games.

Para navegadores, a Icon já produziu os jogos "Pixuleco" e "Jarareco". No primeiro, o controlador deve evitar que o boneco inflável com a caricatura do ex-presidente seja furado, enquanto recolhe uma boa grana no caminho.

O segundo joguinho, por sua vez, é inspirado pelos clássicos games de cobrinha e aproveita uma deixa do próprio Lula, que já se colocou como uma jararaca difícil de ser abatida. No jogo, a cobrinha come dinheiro enquanto tenta escapar do juiz Sergio Moro e do Japonês da Federal.

O objetivo é o mesmo de "Corre companheiro", da Tempero Studio. Neste, o jogador foge com o avatar de Lula pelas ruas de São Paulo, desviando do boneco de Moro, de um agente com traços nipônicos e até de tucanos em voos rasantes. Consultada, a assessoria do Instituto Lula afirmou que não comentaria o assunto.

Newsgames
O jornalista Pedro Zambarda, criador e editor dos portais Drops de Jogos e Geração Gamer, aponta que empreitadas do tipo são cada vez mais comuns, dentro daquilo que o mercado classifica como "Newsgames".

"São jogos inspirados por fatos contemporâneos, que circulam na mídia e demonstram grande senso de oportunidade dos criadores. São feitos para consumo rápido, quando o tema está quente, e dificilmente darão grande retorno financeiro, mas ajudam muito a popularizar os estúdios", comenta Zambarda.

Ricardo Schimid confirma que o retorno pelo game "Gededel" tem sido mais a abertura de espaço no mercado do que em faturamento. Segundo ele, a inserção de publicidade no jogo rendeu para os criadores, até agora, US$ 6. Entretanto, já surgiram convites para desenvolver outros games.

Compartilhando da mesma visão, Alex Leal, da Lizards Games, levanta outra característica dos newsgames: "O problema é o timing. É preciso fazer rápido para o assunto não morrer, por isso muitos não tem uma qualidade técnica muito elevada. No entanto, muito jogo grande não consegue o mesmo espaço de divulgação que uma boa sátira política ou social consegue".

Professor universitário, Alex Leal enfatiza que fatos políticos e sociais sempre serviram de inspiração para a criação da arte e do entretenimento em suas mais diversas expressões e que os games seguem esse caminho.

"Todo jogo tem algo relacionado à política, no roteiro ou nos personagens. Esses impasses entre Estados Unidos e Coreia do Norte, ou entre Espanha e Catalunha, por exemplo, viram jogos facilmente", comenta Leal.

Angry STF
Games são inspirados em jogos que já existem, como Angry Birds

 

Lynn Alves, pesquisadora da área de games e professora da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e do Senai Cimatec, acredita que os newsgames ajudam na difusão das notícias, pois atuam de forma lúdica na recepção de informações.

"O jogo muitas vezes é um disparador. A pessoa joga sem ter conhecimento do fato político e depois vai em busca de mais dados. A imersão no jogo e a interatividade são capazes de despertar o interesse por qualquer assunto", afirma.

Ela lembra que, em 2010, após o lançamento do jogo para videogames "Dante's Inferno", aumentou bastante a procura pelo livro A Divina Comédia, poema épico escrito pelo italiano Dante Alighieri no século 14.

"O crescimento da indústria digital e a popularização dos suportes para desenvolvimento de games eletrônicos aumentam a velocidade com que os newsgames surgem, mas eles sempre existiram, nos mais variados formatos", comenta Lynn Alves.

O primeiro newsgame de que se tem registro, aponta a pesquisadora, é de 1890. Trata-se do jogo de tabuleiro "Round the World with Nellie Bly", inspirado pela aventura da jornalista americana Elizabeth Jane Cochran, que realizou, na vida real, a viagem do livro A Volta ao Mundo em 80 dias, de Julio Verne.

Sobre os jogos, a BBC Brasil também enviou perguntas para as assessorias da ex-presidente Dilma Rousseff, do senador Aécio Neves, do deputado Jair Bolsonaro e do prefeito paulistano João Dória. Não houve resposta. O advogado do ex-deputado Eduardo Cunha não atendeu nem retornou as ligações.

 


Gaudêncio Torquato: Governos na quarta marcha

O ciclo de vida de uma administração – federal, estadual ou municipal – se assemelha a um carro de quatro marchas. Cada ano correspon­de a uma marcha.

A primeira dá a partida do carro. Que vai pegando velocidade nos primeiros meses, quando o governante examina as condições dos espaços, fazendo o mesmo diagnóstico do motorista, testando o ambiente, olhando para a frente e para os lados.

Na segunda marcha, o carro avança com mais velocidade, correspondendo ao se­gundo ano da administração, quando os governantes praticamente começam a governar, depois de sanear (???) a estrutura e colocar a casa em ordem.

A terceira marcha é a da velocidade mais alta, com estabilidade e o carro avançando bem. A administração, de modo equivalente, usa esse tempo para abrir uma bateria de obras.

Na quarta marcha, o carro, muito veloz, faz ul­trapassagens, queima etapas, faz tudo que for possível para chegar ao final do caminho.

A cada etapa, o administrador tenta pincelar sua imagem. Ao sentar na cadeira, a imagem mais parece a do rapaz que comprou seu primeiro carro. O governante ingressa num universo de fantasias. Pensa no que poderá realizar, escolhe a equipe, e verifica como deverá usar o poder da caneta.

Sabe que poderá usar a força do cargo, testa a capacidade de mandar, solicitar, nomear, “desnomear”, receber atenção. Começa a construir sua Identidade, que abriga o conceito que deseja para ser conhecido pela comunidade (nacional, estadual, municipal).

O governante assume uma feição de magistrado, ouvindo muito, aceitando conselhos, reservando para si as decisões finais. Torna-se, de certo modo, cúmplice dos interlocutores.

O despachante

A segunda imagem mais parece a do despachante. Passa a atender um sem número de pessoas por dia, assina pilhas de papéis, enquanto a burocracia começa a prendê-lo com reuniões, articulações, contatos com as organizações da sociedade. Dorme contando carneirinhos, aliás, os pedintes – políticos da base, lideranças, setores - que entram e saem do gabinete, na verdade um salão de despachos.

A terceira imagem é a do artesão-obreiro. Cansado da rotina dos papéis, é aconselhado a ouvir mais a população, sair do confinamento de suas sedes, visitar canteiros de obras, pôr bonés na cabeça, sujar-se de poeira, visitar cidades, dar incertas em hospitais, despachar nas ruas.

Não faz muito tempo, um prefeito de uma capital de Estado sulino despachava sob uma árvore, sentado num banquinho e cercado do povo. (Fazia parte da imagem que queria projetar a ideia de se identificar com o clima das ruas e gente ao redor).

Nesse momento, os governos passam a ser reconhecidos com a marca registrada por meio de placas, frases de efeito e logomarcas. Fotos de governantes papados de suor (amostra do obreirismo fa­raônico) inundavam as redações para transmitir a imagem de uma ad­ministração transformada em canteiro de obras.

Claro, esse era um flagrante mais comum no passado. Em tempos de euforia econômica, cofres cheios, população bem atendida em serviços.

A quarta imagem e última imagem da administração se assemelha a de César, imperador romano.

Queixo apontando para a testa do interlocutor, rodeado de áulicos, que lhe fazem elogios e dão versões sempre positivas de sua administração, o governante ordena maior volume de propaganda na mídia e expansão da articulação política. A circunferência das barrigas também se avoluma com a proliferação de eventos gastronômicos. E haja churrasco.

Essa é a fase áulica e festiva, quando os encontros sociais invadem noites, sob a conversa frouxa de grupos mais chegados. Mas o povo só aparece se os eventos são públicos, como festas de padroeira.

O governante capricha na articula­ção política com o objetivo de aplainar o caminho com vistas à reeleição.

A partilha

As imagens dos mandatários passam a expressar o próprio ciclo da vida da administração. Da simplicidade da primeira fase, a uma certa arrogância da última fase, elas retratam a incultura política do País. De inquilinos dos espaços públicos, acabam sendo vistos como proprietários de feudos.

A coisa pública (res publica) se transforma em extensão de espaço particular. A falta de preparo torna o governante refém de pequenos grupos que se formam nos vãos do poder. Ocorrem partilhas de áreas, com distribuição de cargos, benesses e posições.

Os programas de assistência social se transformam em moeda de troca do fisiologismo. “Aos amigos, tudo, aos inimigos, os rigores da administração”. Mas o verniz cosmético não consegue limpar os entulhos que se acumulam nas vias das administrações em tempos de crise.

Esse é o dilema. Praticamente o mapa da administração pública no país exibe, nesse final de outubro, borrões e manchas. Quase nenhum governante consegue mostrar administração aprovada com louvor pelas populações. Municípios e Estados estão à beira da falência. Os serviços públicos são uma calamidade. Salários do funcionalismo estão atrasados em Estados e municípios. Portanto, os governantes passam a ser alvo da indignação geral.

A parte mais sensível do corpo - o estômago – é frontalmente atingida quando salários atrasam. Lembram-se da equação BO+BA+CO+CA (Bolso cheio, Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça aprovando o governante)? Pois bem, a recíproca é verdadeira.

A campanha eleitoral de 2018 estará, portanto, sujeita às intempéries, esse monte de desajustes, inação, serviços desqualificados, salários atrasados etc. Mesmo assim, por falta de opção serão reeleitos administradores ruins e com imagem negativa. Mas a renovação será bastante acentuada, principalmente se ao eleitorado for oferecida a opção por perfis que expressem o conceito de limpeza, honestidade, seriedade, compromisso e experiência.

Esses meses de final de semestre – que se aproximam da quarta marcha dos governos - serão importantes para tomar o pulso das comunidades. Se a temperatura ultrapassar os 40 graus, será difícil baixar a febre. Até porque não haverá grana para comprar os remédios.

* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter


Fernando Gabeira: O fim de um sistema político

Questão colocada para mim no Twitter: o que responderia sobre o Brasil de hoje, se alguém me perguntasse: “O que é isso, companheiro?” Responderia que isso que estamos vendo é o fim de um sistema político partidário. A própria palavra companheiro, diante da derrocada moral da esquerda, já não tem mais da conotação de afeto recíproco, mas de cumplicidade com um projeto desastroso. C om a decisão do Supremo de entregar para o Congresso a decisão final sobre medidas cautelares, que favorecem as investigações, criou-se, para o sistema agonizante, uma blindagem dentro da blindagem, um upgrade do foro privilegiado. Nada mais distante de que as esperanças despertadas nos últimos anos de que a lei vale para todos. O STF favoreceu a indiferença, de um lado, de outro, a crescente aspiração por um regime autoritário.

Não só diante do fracasso da esquerda, como do próprio curso da do mundo, pressinto que uma perspectiva liberal em economia deve prevalecer nos próximos anos. No caso brasileiro, ela aparece junto com uma visão conservadora, numa combinação talvez parecida com as ideias do Partido Republicano nos EUA.

Não há dúvida de que o embate nos últimos anos não se travaram apenas em torno das questões econômicas mas também no plano cultural. Exposições, performances, versões de Machado de Assis para os mais pobres, ocupação ideológica de universidades — tudo isso fermentou também um sentimento defensivo, aspectos defensivos, como os de 64, quando se marchava por Deus, Família e Propriedade.

Mas é uma ilusão supor que o avanço do liberalismo venha precisamente fortalecer o credo religioso e os laços de família, apesar de garantir o direito de propriedade. Digo isso porque, ao contrário do que se pode pensar, a batalha cultural não se dá apenas no contexto da polarização esquerda e direita. Muitos dos temas que inquietam as famílias decorrem precisamente do avanço do capitalismo.

O escritor inglês John Gray fez uma avaliação interessante sobre essa hipótese. Segundo ele, na medida em que a economia cresce, os desejos são satisfeitos; a economia não se move apenas para produzir coisas mas também para combater o tédio. É um tipo de economia que não depende apenas da demanda dos consumidores mas cria necessidades. Ela não teme apenas a saturação do mercado de objetos mas também a saturação das experiências.

Como nas sociedades tradicionais, afirma Gray, a virtude não pode passar sem o consolo do vício. No século XXI, sexo e drogas são produzidos por designers. Um gigantesco setor produtivo se volta para aliviar o peso de uma vida de lazer, diz Gray, e cita J. Ballard:

“Restou apenas uma coisa que pode excitar as pessoas. Crime e comportamento transgressor — e com isso quero dizer todas as atividades que não são necessariamente ilegais mas que nos provocam e satisfazem a necessidade de emoções fortes, estimulam e fazem saltar as sinapses amortecidas pelo lazer e a inação.”

Esse papo meu parece estar pra lá de Marrakesh. O que isso tem a ver com o Brasil de hoje, com mais de 13 milhões de desempregados? Considero esse nível de desemprego um dado provisório, assim como é provisório esse sistema político partidário agonizante. Logo logo, estaremos discutindo os caminhos do futuro. E, no momento, vejo no horizonte apenas alternativas que não respondem à complexidade dos novos tempos. Sou uma espécie de observador nem nem. Só que, diferente dos jovens que nem trabalham nem estudam, não consigo ver saída numa esquerda sepultada no século passado nem na visão liberal que, ao mesmo tempo, queira impor valores abalados com um mundo em transformação.

Não sei se posso responder completamente à pergunta, quando falamos de Brasil de hoje. Creio que é um país em movimento, apenas não posso precisar ainda sua trajetória. Sei apenas que os acontecimentos desta semana, a blindagem de Aécio e nova blindagem de Temer, são muito perigosas. Elas nos remetem a uma tarefa preliminar. Convencer os indiferentes a não abandonarem o barco e, aos adeptos de uma intervenção militar, de que as eleições de 2018 são a grande oportunidade de mudança.

Só então, num contexto de 2018, poderíamos passar à segunda etapa. Em vez apenas de atenuar os choques entre posições extremas, aí teríamos pela frente a produção de um conjunto de ideias do tipo ganha-ganha, dessas que realmente podem unificar um país em reconstrução. Por exemplo: há gente a favor do aborto, gente contra. Por que não se juntam numa campanha de informação contra gravidez indesejada? Ela pode reduzir o problema, sem prejuízo do debate.

Se conseguirmos êxito em alguns temas, poderíamos achar um acordo na educação. Foram anos de bombardeio ideológico. Ele não apenas irrita as famílias mas também escandaliza os especialistas pela sua ineficácia. Num país em que a educação suba ao topo da agenda, teremos de suprimir ilusões de formar revolucionários ou santos de qualquer outra igreja.

O que é isso, como será isso? Para mim, é o enigma de cada dia. Obrigado pela pergunta.

 


Marco Aurélio Nogueira: A união indispensável

Democratas de todos os partidos e quadrantes, uni-vos! Vocês nada têm a perder a não ser os grilhões que os aprisionam ao atraso, à inoperância, à demagogia. Têm um mundo a conquistar: um país mais justo, mais dinâmico, menos atropelado pelas estripulias obscenas de corruptos e aproveitadores, assim como de exploradores da ingenuidade política das multidões.

A paráfrase da frase célebre do Manifesto de Marx e Engels serve para indicar o caminho das pedras que os brasileiros devem seguir. Não há meio termo, atalhos alternativos. A estrada pode não levar de imediato a um novo mundo, mas se quisermos ter chances reais de futuro é por ela que teremos de trafegar.

Reúnam-se todos, liberais, socialistas, comunistas, ex-comunistas, liberais-socialistas, conservadores liberais, católicos, umbandistas e evangélicos. Façam com que importe menos o que os divide e deixem tremular mais alto a bandeira da democracia, que generosamente os abrigará a todos.

Unam-se, porque se não o fizerem a desesperança cívica corroerá os laços já débeis que ligam a sociedade à política. Os cidadãos fugirão da democracia representativa, como vêm demonstrando a pouco e pouco querer fazer. Os autoritários avançarão, as soluções mágicas cairão como perdigotos de ouro da boca dos salvadores de plantão, que não se pejam de chorar lágrimas de crocodilo em público e de posar de vítimas impolutas. Sem a união ativa dos democratas, crescerão os chamamentos à caserna, as vozes favoráveis a intervenções militares saneadoras, que limpariam a sujeira acumulada, como se fosse possível fazer isso contra cidadãos, políticos e democratas. Ganharão corpo, também, as iniciativas para trancar a política com as cordas da Justiça, vistas como antídoto infalível contra os “maus” políticos.

Se os democratas continuarem divididos e inertes, o futuro será comprometido. Escaparão pelos poros do sistema todos aqueles que desejam que tudo fique como está ou que pregam as virtudes de uma volta para trás, o retorno da força e da autoridade perdidas, a reiteração da interpelação direta e sem mediações do “chefe” e do “líder” com as massas marginalizadas e os crentes fanáticos, a absolvição generalizada dos corruptos e dos escroques de todas as correntes políticas. Ganharão fôlego os nefelibatas fundamentalistas, os sonhadores que com suas maquinações nos roubam o senso de realidade e nos empurram para o reino da fantasia.

Sem o concurso desprendido dos democratas, unitário a ponto de superar discordâncias tópicas, vaidades despropositadas e obstáculos circunstanciais, aumentarão os apelos ao protagonismo antipolítica de magistrados e procuradores, investidos de atribuições substitutivas que não lhes competem. Atenção cuidadosa, porém, deverá ser dada ao papel que vem sendo desempenhado pelo STF, pelo MPF e pela Polícia Federal. Pode haver algum viés jacobino aí, mas é melhor jogar o jogo nos tribunais do que sob o tacão das baionetas. O fato é que o protagonismo judicial se impôs quanto mais o Executivo e o Legislativo foram perdendo credibilidade e legitimidade. A raiz da crise não está nem nunca esteve no Judiciário. Assim como não é uma crise derivada da corrupção galopante. Trata-se de um problema político, grudado naqueles que fazem da política sua razão de viver.

Podemos dizer: a crise se alimenta da distância que se abriu entre um sistema político fragmentado, sem lideranças de coordenação, e uma ordem social em transformação acelerada, tudo devidamente assentado numa democracia política que subsiste e se reafirma. Se nada for feito, o choque produzirá conflitos de grande magnitude. Se a crise, porém, for democraticamente administrada, dela poderão nascer uma nova sociedade e um novo modo de fazer política.

A força do processo
Olhem um pouco mais atentamente para o processo. Nas últimas três ou quatro décadas, o Brasil evoluiu, melhorou em inúmeros aspectos, deu mostras de que pode ultrapassar as barreiras do atraso secular, das deformações estruturais, da improvisação, da espoliação dos pobres pelos poderosos, do excesso de Estado, do desperdício.

É bem verdade que essa marcha foi descontinuada de 2013 para cá, período em que o desatino se sobrepôs ao discernimento e à responsabilidade e em que a corrupção veio a público com a força de um vulcão que libera uma lava tóxica que só provoca horror e desilusão.

Mas o eixo do processo – desenvolvimento com inclusão social – permaneceu vivo e mesmo neste ciclo político aziago e temerário em que estamos pode ser reativado, retomado, recuperado. A um único preço: o da suspensão dos antagonismos artificiais, das polarizações estéreis, dos particularismos exacerbados, do radicalismo retórico.

Unam-se pois, democratas! Passem um pano vigoroso na velharia político-partidária que nos atazana, na impunidade que nos envergonha, no desperdício de recursos e talentos que nos mantém parados no tempo, girando em falso.

Assumam o papel de vanguarda moderna que lhes cabe. Saiam da letargia, mobilizem a sociedade, rompam os grilhões do sistema político, resistam ao corporativismo multifacetado que vigora no Estado e na sociedade civil. Abracem o povo, interpelando-o ativamente para escutar suas pulsações e com ele elaborar uma agenda que nos impulsione para frente e nos distancie do regressismo autoritário, da palavra fácil que incendeia e da demolição política. As urnas de 2018 estão logo ali. Não cheguem desarvorados a elas.
 


Luiz Carlos Azedo: O cisne negro

A Operação Lava-Jato “coesiona” a base do governo e a política econômica reaproxima as elites empresarial e política, refazendo o pacto de governabilidade em favor de Temer

O cientista político Marcus André Melo, num ensaio instigante intitulado “A malaise política no Brasil: causas reais e imaginárias” (Journal of Democracy, outubro de 2017), compara a crise brasileira a um cisne negro, resultado de uma rara conjugação: “Uma crise econômica de grande envergadura e um escândalo de corrupção de proporções ciclópicas”. A situação foi agravada pelo impacto fiscal das desonerações e subsídios do governo Dilma, pelo fato de que as Olimpíadas e a Copa do Mundo possibilitaram a expansão fiscal acelerada e devido à exposição da corrupção sem paralelo em regimes democráticos. A reeleição de Dilma, nesse contexto, para ele, foi um “estelionato eleitoral”.

Crise econômica e corrupção corroeram a popularidade do governo Dilma, o que levou a um inédito enfraquecimento do Executivo, em razão da mobilização das ruas e do esfacelamento da base de sustentação parlamentar do governo. Melo destaca esses elementos para contestar avaliações que ignoram o cisne negro, ou seja, a excepcionalidade da crise. Contesta avaliações de que o sistema político brasileiro entrou em falência. Para ele, “a fragilização inédita do Executivo e de autonomização das instituições de controle lato sensu”, no caso o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, jogaram um papel decisivo no impeachment de Dilma, que somente ocorreu porque houve um choque frontal entre o Executivo e o Congresso. “Não havia nada inexorável em jogo”, ressaltou.

O impeachment não foi resultado do colapso do presidencialismo de coalizão brasileiro, mas fruto da interação estratégica entre seus atores, sob condições extraordinárias. “A bomba atômica não era para ser usada: era só arma dissuasória — para atores como o PSDB — ou de extração de rendas — para o PMDB — em típica lógica hospedeiro-parasita. Mas a barganha não prosperou, entre outras razões, pela incapacidade do Executivo em oferecer promessas críveis de que podia conter a Lava-Jato.”

Resumo da ópera: Dilma foi à lona por causa da Lava-Jato, da recessão, do encolhimento eleitoral do PT na sua reeleição, do estelionato eleitoral e dos custos sociais de seu ajuste fiscal. Mas, sobretudo, da teimosia de Dilma Rousseff ao confrontar o PMDB, especialmente dois caciques que estavam mais alinhados entre si do que se imaginava: Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, e Michel Temer, vice-presidente da República. O primeiro foi pego pela Lava-Jato e está preso; o segundo, porém, está na cadeira de presidente da República, apesar das duas denúncias contra ele, a segunda em vias de ser rejeitada pela Câmara.

As diferenças

Chegamos ao ponto que mais nos interessa. Michel Temer assumiu o governo com o país em recessão e seu governo acuado pela Lava-Jato, mas as circunstâncias do impeachment, que poderia ter sido evitado por Dilma, não se repetiram em sua gestão, apesar do mal-estar político que o país ainda vive. Há, pelo menos, duas grandes diferenças: a Operação Lava-Jato “coesiona” a base de seu governo; não provoca a sua completa desestruturação. A nova equipe econômica sob comando do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, reaproximou a elite econômica da elite política, refazendo o pacto de governabilidade. Essa é a razão da sobrevivência de Temer, o primeiro presidente da República a ser denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) no exercício do cargo, duas vezes.

Melo conclui que não houve um esgotamento do presidencialismo de coalizão. “É um truísmo”, dispara. Depois de resgatar os autores do conceito — Afonso Arinos, no pós-1945, com seu “presidencialismo de transação”; e Sérgio Abranches, que cunhou a nova expressão, após a Constituição de 1988) —, destaca que dois terços das atuais democracias do mundo são presidencialistas ou semipresidencialistas e governadas por coalizões multipartidárias. A diferença de uma situação para a outra, porém, é que a primeira não tinha uma instância de arbitragem entre o Legislativo e o Executivo, grande lacuna apontada por Arinos, um dos fatores das crises que desaguaram no golpe militar de 1964.

Ao contrário, agora, constata-se a emergência do Supremo Tribunal Federal (STF) como moderador dos conflitos entre o Executivo e o Legislativo e protagonista de uma mudança que pode realmente implodir a corrupção sistêmica, com os julgamentos da Operação Lava-Jato. Executivo e Legislativo, porém, se uniram para conter esse protagonismo, o que também corrobora a tese de que o presidencialismo de coalizão sobreviverá. Basta chegar ao pleito de 2018.

 


Rogério Furquim Werneck: Lula e Dilma, indissociáveis

Há esforço de nova interpretação da história recente que vem tentando atribuir toda a culpa do descalabro à ex-presidente

Ainda às voltas com a saída do pavoroso atoleiro em que foi metido, o país se vê, agora, a menos de 12 meses de uma eleição presidencial que terá importância crucial na configuração do seu futuro.

Com base em disputas presidenciais anteriores, não se pode descartar a possibilidade de que, mais uma vez, tenhamos uma campanha eleitoral escapista, em que os candidatos se permitam passar solenemente ao largo das questões que de fato importam. Resta, contudo, a esperança de que, desta vez, a gravidade da crise não deixe espaço para tanto escapismo.

Idealmente, deveriam ser contrapostas, na disputa eleitoral do ano que vem, não só visões alternativas sobre a melhor forma de superar a crise, mas também diferentes narrativas sobre como o Brasil se meteu em tamanha enrascada. Sem um mínimo de clareza sobre as verdadeiras razões do desastre econômico e social que se abateu sobre o país, seria difícil para os eleitores avaliar diferentes propostas de superação da crise.

É natural que a perspectiva de ter de lidar com esse confronto de narrativas venha assustando o PT. Já há meses, têm aflorado na mídia evidências de um movimento revisionista, empenhado em recontar a deprimente história recente do país, para tentar aliviar, em alguma medida, o ônus político da responsabilização dos governos petistas pelo descalabro econômico e social que hoje se vive.

No exíguo espaço deste artigo, não seria possível explorar todas as nuances desse movimento revisionista mais amplo. A atenção ficará aqui restrita à parte desse esforço de reinterpretação da história recente que, para conter danos, vem tentando atribuir toda a culpa do descalabro à ex-presidente Dilma Rousseff, para que o ex-presidente Lula possa ser eximido de qualquer responsabilidade pelo ocorrido.

De forma simplificada, o que vem sendo defendido é que a política econômica dos governos Lula teria sido súbita e radicalmente desvirtuada por sua sucessora. Na verdade, não houve descontinuidade alguma. O descarrilamento da política econômica petista foi um longo processo, cujo início remonta a março de 2006, com a substituição do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, por uma figura inexpressiva que, confirmada no cargo no segundo mandato de Lula, abriria espaço para inédita preponderância da Casa Civil na condução da política econômica.

A política econômica do segundo governo Lula foi, em boa medida, a política de Dilma Rousseff. O que se presenciou, especialmente a partir de 2008, quando, afinal, a bandeira da “nova matriz econômica” pôde ser ostensivamente desfraldada, foi o inexorável desenrolar do desastre, como num grande acidente ferroviário filmado em câmara lenta.

Como bem esclareceu a própria ex-presidente Dilma, em entrevista à “Folha de S. Paulo” de 28 de julho de 2013, ela e Lula eram “indissociáveis”. “Eu estou misturada com o governo dele total. Nós ficamos juntos todos os santos dias, do dia 21 de junho de 2005 [quando ela assumiu a Casa Civil] até ele sair do governo.”

Mesmo que as políticas econômicas de Dilma e de seu antecessor tivessem sido completamente diferentes e “dissociáveis”, Lula ainda teria de ser politicamente responsabilizado por ter patrocinado, contra tudo e contra todos, a ascensão à Presidência de pessoa tão flagrantemente despreparada para o exercício do cargo.

Em longa entrevista publicada em livro de 2013, o próprio Lula relatou, com muita franqueza, as resistências que teve de enfrentar, dentro do PT, à escolha de Dilma como candidata a presidente. “Eu sei o que eu aguentei de amigos meus, amigos mesmo, não eram adversários, dizendo: ‘Lula, mas não dá. Ela não tem experiência, ela não é do ramo. Lula, pelo amor de Deus’.” (ver em encurtador.com.br/CER49)

De qualquer ângulo que se olhe, não há como deixar de responsabilizar Lula pela longa e colossal crise por que vem passando o país. E é isso que atormenta o PT.

* Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

 


Hubert Alquéres: “Proletários de todo o mundo, perdoem-nos!”

A Revolução Bolchevique de novembro de 1917 pelo calendário gregoriano e de outubro pelo calendário juliano foi a mola propulsora da grande utopia do século 20: o comunismo. Para o bem e para o mal – e mais para o mal – marcou a vida e a morte, sonhos e pesadelos, como diz o historiador italiano Silvio Pons. E foi, ao mesmo tempo, “realidade e mitologia, ideologia progressista e dominação imperial, utopia libertadora e sistema concentracionário”.

A bipolaridade também caracterizou os descendentes de Vladimir Ilyich Lenin que se espraiaram pelo mundo. Os comunistas foram vítimas de regime ditatoriais e artífices de estados policiais, protagonistas de lutas sociais e libertárias e fundadores de regimes totalitários e liberticidas, na genial definição de Pons em seu livro A Revolução Global.

Sim, os comunistas estiveram na primeira trincheira das lutas pela jornada das oito horas, pelo direito de greve, pelos direitos da mulher no trabalho e ao voto, no enfrentamento do fascismo e do nazismo, entre tantas e tantas batalhas. O surgimento do primeiro país socialista incidiu sobre as sociedades capitalistas no sentido de consagrar em seu arcabouço conquistas sociais que perduram até hoje.

Os anseios por equidade e igualdade despertados pela Revolução Russa teve a sua melhor resposta no Estado de Bem-Estar Social, no qual a justiça social se concretizou em uma economia de mercado sem a supressão da democracia e das liberdades.

Mas ao se erigirem em poder geraram ditaduras atrozes. Do seu passivo fazem parte regimes tirânicos como o de Nicolae Ceausescu na Romênia, Erich Honecker na Alemanha Oriental, Pol Pot no Camboja, o terror da era Josef Stalin ou da Revolução Cultural Chinesa.

A instalação do socialismo em um país atrasado teve seu preço: a consolidação da ditadura do partido único por meio do terror e do extermínio de todas as correntes políticas – inclusive as com raízes operárias e camponesas, como os mencheviques de esquerda liderado por Julius Martov e os esseristas de esquerda (socialistas revolucionários com base sólida no campesinato).

Os fundamentos teóricos para o poder totalitário que viria a se instalar foi dado por Lenin às vésperas da Revolução, por meio do seu livro O Estado e a Revolução. Stalin não foi um desvio de rota. Foi a versão do leninismo levada às últimas consequências.

Como julgar uma revolução que prometia construir o paraíso terrestre por meio de uma sociedade sem classes, sem Estado, e da qual brotaria o homem novo – o “homo sovieticus” - e 74 anos depois ruiu por causa do seu obsoletismo tecnológico, por sua incapacidade de produzir bens de consumo moderno e por ter se transformado na sociedade da escassez?

A revolução de 1917 produziu feitos homéricos. Em poucas décadas a Rússia secularmente atrasada e autocrática dos tempos de czarismo transformou-se na segunda potência mundial, rivalizando com os Estados Unidos nas corridas espacial e armamentista.

Não se pode ignorar as páginas épicas que escreveu, como a derrota das tropas de Adolf Hitler às portas de Moscou, Stalingrado, Leningrado, assim como a vitória do Exército Vermelho na batalha final de Berlim. Os soviéticos foram capazes de mandar o primeiro ser vivo a orbitar o planeta – a cadela Laika - e a levar o primeiro homem ao espaço sideral, o major Yuri Gagarin.

Mas nem por isso merecem a absolvição da história.

Já nos estertores da Pátria Mãe do socialismo, Mikhail Gorbachev indagava como era possível uma nação dominar inteiramente a tecnologia espacial e ser incapaz de fabricar um sapato ou uma calça de qualidade.

Há uma explicação lógica: para fazer frente à corrida nuclear e espacial, que ao final perdeu para os EUA – a URSS teve de deslocar volumosos recursos de outras áreas. A consequência disso foi a escassez de produtos de primeira necessidade.

Para a população dos países que experimentaram o “socialismo real”, o comunismo está indissoluvelmente associado à fome, ao terror, à falta de liberdade, ao Muro de Berlim, às KGB e Stassi, às ditaduras de Stalin, Honecker e Ceaucesco.

Na sua fase terminal já não se discutia mais na URSS se sua história tinha sido um desastre; os debates eram sobre as razões dos desastres. E responsabilizava-se Lenin por ter dado o tom do poder soviético com o Terror Vermelho e os primeiros campos de concentração.

O melhor balanço dos 74 anos da experiência socialista soviética veio em forma de ironia em uma faixa de uma das manifestações multitudinárias de Moscou: “Proletários de todo mundo, perdoem-nos!”. Para quem viveu sob o tacão da tirania do partido único não há como oferecer a outra face e perdoar.

E para a história não há como não ser implacável em seu julgamento sobre os cem anos da Revolução Russa.

 


Luiz Carlos Azedo: Escrito nas estrelas

A vitória de Aécio consolidou a aliança da ala tucana ligada ao presidente Michel Temer, que trabalhou intensamente para que a bancada do PMDB votasse em peso a favor do senador mineiro

O Senado rejeitou por 44 votos a 26 a decisão da primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que havia determinado o afastamento do mandato do senador Aécio Neves (MG), presidente licenciado do PSDB, além de obrigá-lo ao recolhimento noturno. Foi uma sessão rápida (durou menos de três horas), mas precedida de muitas reuniões e negociações, além das duas sessões do Senado que foram abortadas para esperar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu a prerrogativa constitucional de os senadores decidirem sobre a aceitação ou não das “medidas cautelares”.

Hoje ainda, Aécio poderá voltar ao plenário do Senado. Foi o grande vitorioso na queda de braço com os ministros Luís Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber, que decidiram pelo afastamento na primeira turma do STF, contra os votos do relator do caso, Marco Aurélio Mello, e Alexandre de Moraes. A decisão chegou a colocar em rota de colisão os poderes da República, mas seu desfecho terá consequências que extrapolam o caso Aécio Neves. A primeira delas foi reposicionar o próprio Supremo em relação ao Executivo e ao Legislativo, pois blindou os políticos com mandato popular contra o próprio STF. Doravante, as punições a parlamentares — senadores, deputados federais, estaduais e distritais e vereadores — terão que ser submetidas às casas legislativas, em todos os níveis.

A segunda, uma espécie de “alto lá” aos protagonistas da Operação Lava-Jato, tanto no Ministério Público Federal quanto na própria magistratura, que terão menos apoio no próprio Supremo. Estava escrito nas estrelas. Riu por último o relator do caso na primeira turma, ministro Marco Aurélio Mello, que insistiu em pautar o caso mesmo advertido pelo ministro Alexandre de Moraes de que seriam derrotados no colegiado. Segundo mais antigo na Corte, Mello sabia a comoção política que a decisão poderia causar e antevia o que aconteceu. Além dos dois derrotados na primeira turma, votaram contra as medidas cautelares Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Na defesa de Aécio, ontem, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) várias vezes enfatizou que acompanhava os votos dos cinco ministros que se opuseram à adoção das medidas cautelares.

Apesar de ausente na votação, Aécio trabalhou muito nos bastidores. Depois da votação, disse que “recebeu com serenidade a decisão do plenário que lhe permite retomar o exercício do mandato conferido pelo voto de mais de 7 milhões de mineiros”. Segundo ele, “a decisão restabeleceu princípios essenciais de um Estado democrático, garantindo tanto a plenitude da representação popular, como o devido processo legal, assegurando ao senador a oportunidade de apresentar a defesa e comprovar cabalmente na Justiça a inocência em relação às falsas acusações das quais foi alvo”. Aécio foi acusado de obstrução da Justiça e de participar de organização criminosa pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot, mas ainda não foi julgado.

Temer
A vitória no Senado consolidou a aliança entre a ala tucana ligada ao senador Aécio Neves e o presidente Michel Temer, que trabalhou intensamente para que a bancada do PMDB votasse em peso pela rejeição das medidas cautelares. A contrapartida é o apoio dos deputados do PSDB sob influência de Aécio à rejeição do pedido de investigação de Temer pela Câmara. O relator do pedido em discussão na Comissão de Constituição e Justiça, deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), homem ligado a Aécio, recomendou a rejeição da medida e desqualificou as acusações feitas por Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer.

A propósito, ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), minimizou os atritos recentes com o advogado de Temer, Eduardo Carnelós, que chamou de criminosa a divulgação dos vídeos da delação premiada do doleiro Lúcio Funaro contra o peemedebista. Disse ainda que reagiu às declarações do advogado de Temer para garantir “uma relação de respeito”. Maia chamou Carnelós de “irresponsável” e “incompetente” no domingo, mas ontem fez questão de dizer que o bate-boca não teve nada a ver com Temer: “Confundem a defesa da Câmara com qualquer conflito com o presidente Michel Temer. O meu partido faz parte da base do presidente. Mas eu sou presidente da Câmara. Tenho que reagir em nome da instituição. Nada disso afeta minha relação com o presidente. Nós trabalhamos com total harmonia”.

 


Luiz Carlos Azedo: Salomônica

Se a prisão de parlamentares precisa de aprovação do parlamento, por que as medidas cautelares não seriam também sujeitas a isso?

Terceiro rei de Israel, Salomão é um personagem bíblico citado como um mantra: “Tudo neste mundo tem seu tempo; cada coisa tem sua ocasião”. Por exemplo, tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las; tempo de rasgar e tempo de remendar. Segundo a Bíblia, Salomão assumiu o trono muito jovem e pediu ajuda a Deus, que lhe deu sabedoria e, sem que sequer pedisse, riqueza e glória. Governou por 40 anos, mas sua fama de sábio veio logo no começo do reinado, quando foi procurado por duas mulheres que brigavam.

Ambas moravam na mesma casa, com duas crianças recém- nascidas, uma das quais morreu. Uma acusava a outra de ter trocado a criança durante a madrugada. Diante da situação, Salomão chamou um soldado e mandou que cortassem o bebê vivo em dois, dando metade para cada mulher: “Não!”, gritou a mãe verdadeira. “Por favor, não matem o bebê. Deem-no a ela!”. Salomão, então, falou: “Não matem o menino! Deem-no à primeira mulher. Ela é a mãe dele. ” A verdadeira mãe amava tanto o bebê que estava disposta a dá-lo à outra mulher para que não fosse morto.

Por causa dessa passagem bíblica, a expressão “salomônica” é atribuída a decisões difíceis e contraditórias, como o voto decisivo da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármem Lúcia, no julgamento de quarta-feira passada, que atribuiu ao Senado e à Câmara a palavra final sobre a aplicação a parlamentares de medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal. O julgamento estava empatado. Os ministros Luís Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Édson Fachin (relator) e o decano da Corte, Celso de Mello, defendiam a plena aplicação das medidas, sem aval do Congresso. Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello sustentavam a tese de que somente a prisão em flagrante é constitucional.

A sessão começou pela manhã e avançou pela noite, o voto conciliador de Cármem Lucia acabou sendo o mais polêmico. Não foi à toa que a ministra foi questionada pelos pares e teve muita dificuldade para chegar à sentença final, o que somente conseguiu com ajuda de Celso de Mello. Em resumo, ela apoiou a aplicação das medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal, mas não na Constituição, ou seja, parte do relatório do ministro Edson Fachin, mas endossou em parte os argumentos de Alexandre de Moraes e outros ministros, quanto à tese de que o Supremo deveria submeter suas decisões ao Congresso, quando impedissem o exercício do mandato popular.
Entretanto, a presidente do Supremo não considerou as medidas cautelares, como afastamento do mandato e recolhimento noturno, inconstitucionais.

Se a prisão de parlamentares precisa de aprovação do parlamento, por que as medidas cautelares não seriam também sujeitas a isso? Esse questionamento estava pondo em rota de colisão o Supremo e o Senado, o que poderia resultar numa grave crise institucional. Há toda uma discussão sobre o equilíbrio entre os poderes e o papel de “poder moderador”, que é reivindicado tanto pelo Senado como pelo Supremo. Há todo um debate teórico sobre isso, calcado nas experiências francesa e norte-americana, mas o pano de fundo da discussão é o feijão com arroz da política brasileira e o caso Aécio Neves (MG), presidente licenciado do PSDB. Na prática, o futuro imediato do ex-governador mineiro está nas mãos dos seus pares.

Os poderes
Tudo indica que o tempo de espalhar pedras da Operação Lava-Jato e de o Supremo rasgar a cortina de proteção do Congresso já passou, com a mudança no comando da procuradoria-geral da República, agora nas mãos de Raquel Dodge, e essa decisão do Supremo. Cármem Lúcia tenta recolher as pedras e remendar as relações entre os poderes. Com certeza, haverá uma grande reação na sociedade contra isso, mas faz parte do processo. O professor José Honório Rodrigues dizia que, no Império e na República, os poderes formaram sempre um círculo de ferro, concentrado nos conservadores e liberais moderados, e nos conservadores moderados, liberais e o grupo mineiro-paulista, respectivamente. Esse círculo se rompeu na proclamação da República (1889), na Revolução de 1930, na Revolta Constitucionalista (1932), no suicídio de Vargas (1954), na renúncia de Jânio Quadros (1961) e no golpe de 1964.

“Dentre os poderes, o Executivo sempre foi mais progressista e receptivo às aspirações populares; o Congresso, mais antirreformista e mais retardatário; o Judiciário esteve quase sempre a favor das forças dominantes”, destacou em Teses e Antíteses da História do Brasil. A Constituição de 1988 alterou essa relação, ao possibilitar um novo protagonismo do Judiciário. O velho professor dizia, porém, que a rigidez das instituições garantia a sobrevivência das elites políticas; em contrapartida, o divórcio entre o poder e a sociedade era a principal causa de instabilidade política, o que continua válido. Ainda bem que as eleições de 2018 estão logo ali.