política
Luiz Carlos Azedo: A reforma na Esplanada
Temer pretende reunir apoios suficientes na Câmara e no Senado para aprovar a reforma da Previdência, o que não será fácil. Mas é vital para o governo adquirir mais musculatura
A composição atual do governo, com 27 ministros, é resultado dos acordos feitos por Michel Temer para aprovar o impeachment de Dilma Rousseff na Câmara e no Senado, o que levou a antiga oposição ao poder, isto é, o PSDB, o DEM, o PPS e o Solidariedade. O primeiro a desembarcar foi o PPS (apesar de o ministro Raul Jungmann permanecer na Defesa, na cota pessoal de Temer); agora foi a vez do PSDB, que prepara a saída de seus ministros até a convenção da legenda, no começo de dezembro. Os demais, a começar pelo PMDB, já estavam no governo Dilma.
A reforma ministerial anunciada ontem pelo líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RJ), que levará à troca de 17 ministros, estava prevista para abril (prazo para a desincompatibilização dos ministros que pretendem disputar eleições). O desembarque do PSDB precipitou a reforma, que já era cobrada pelos aliados do chamado centrão (cujo núcleo principal é formado pela aliança PP, PR e PSD). Os demais partidos da aliança, como o DEM, o PTB e o Solidariedade, continuarão no governo, cuja cara dependerá dos objetivos de Temer.
Na composição original, o objetivo era afastar Dilma Rousseff e compor um governo de transição que enfrentasse a recessão, com um ajuste fiscal e reformas na economia que recolocassem o governo nos trilhos, já que o da petista havia descarrilado. Isso foi alcançado. No meio do caminho, porém, o presidente da República se viu arrastado para o olho do furacão da Operação Lava-Jato, com duas denúncias do então procurador-geral Rodrigo Janot contra ele, em razão da gravação de conversa comprometedora com o empresário Joesley Batista, dono da JBS. Entretanto, em nenhum momento Temer correu o risco de um impeachment, porque contou com a solidariedade do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Entretanto, saiu da refrega enfraquecido. Na segunda denúncia, pela primeira vez, Temer se viu em minoria na Câmara. A denúncia foi rejeitada, porque precisava de dois terços de aprovação, mas os mesmos aliados que enfrentaram a opinião pública para barrá-la sentiram o cheiro de animal ferido na floresta. Foram para cima dos partidos que não deram o apoio esperado a Temer, principalmente o PSDB, exigindo seus ministérios. O mais cobiçado era o das Cidades, por causa dos programas habitacionais e de saneamento. Não foi à toa que o deputado tucano Bruno Araújo (PE), seu titular, pegou o boné antes de ser defenestrado do ministério.
Os partidos aliados pressionam Temer a passar o rodo nos infiéis e fazer logo a reforma ministerial; em contrapartida, prometem aprovar a reforma da Previdência. Segundo Jucá, a saída de Bruno precipitou essa mudança, que será “para aprovar e agilizar a votação das matérias que existem na Câmara”. Esse é o busílis da reforma ministerial. Assim como costurou uma maioria para aprovar o impeachment, Temer pretende reunir apoios suficientes na Câmara e no Senado para aprovar a reforma da Previdência, o que não será fácil. Mas é vital para o governo adquirir mais musculatura no próximo ano, evitando sua desagregação precoce.
Fricção
Com base em avaliações do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, com a reforma da Previdência o governo poderá ter um desempenho econômico muito melhor no próximo ano, aumentando seu cacife eleitoral. Temer sonha com isso para aumentar sua popularidade, embora tudo indique que a desaprovação do seu governo seja provocada pela crise ética, que atingiu em cheio o Palácio do Planalto. Ao contrário de outros presidentes, Temer não pode jogar carga ao mar, ou seja, afastar do governo ministros denunciados na Operação Lava-Jato.
Mas há um problema a ser resolvido para aprovar a reforma da Previdência, a posição de distanciamento relativo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que reflete uma postura de maior autonomia do seu partido. O contencioso entre Temer e Maia tem a ver com as articulações do DEM para ampliar seu cacife parlamentar e eleitoral. O presidente da Câmara não engoliu as manobras para evitar a migração de parlamentares para seu partido patrocinadas pela cúpula do PMDB.
Esse contencioso vem se expressando na apreciação das matérias de interesse do governo. Ontem, por exemplo, surgiu mais uma fricção, com a medida provisória assinada por Temer que modifica a reforma trabalhista. O presidente atendeu um pedido do presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-RJ), fruto de um acordo da bancada de senadores do PMDB com as centrais sindicais. Maia era contra a medida provisória, queria que fosse enviado um projeto de lei, com argumento de que não havia participado da negociação.
Elio Gaspari: A candidatura de Joaquim Barbosa
Se ele não disputar, pode-se esperar que outro juiz resolva quebrar o jogo viciado que está na mesa
Para quem foi para a rua ou bateu panela, o que a oligarquia política lhe está oferecendo para a eleição de 2018 é mais do mesmo, ou pior. A boa notícia vem do repórter Raymundo Costa: o ex-ministro Joaquim Barbosa disse aos dirigentes do PSB que, até janeiro, decidirá se aceita o convite para disputar a Presidência da República. Pelo cheiro da brilhantina, ele quer ser candidato.
A candidatura do ex-presidente do Supremo Tribunal rompe a lógica maldita que os oligarcas estão montando. Ele não tem experiência partidária, o que é uma virtude. Nunca participou de governos, o que não chega a ser defeito. Falta-lhe a experiência de Michel Temer, Eliseu Padilha e Moreira Franco.
Barbosa ficou 11 anos no Supremo Tribunal e notabilizou-se por ter desenhado o código genético do mensalão, o escândalo que levou poderosos políticos e empresários para a cadeia. Foi graças ao julgamento do mensalão que figuras intocáveis foram para a penitenciária. Desse DNA saiu a Lava-Jato. O ministro meteu-se em memoráveis bate-bocas com Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Mostrou-se um arbitrário pedindo a transferência de uma servidora do tribunal com 12 anos de serviço pelo crime de ser casada com um jornalista a quem insultara. Esse tipo de pavio poderá levá-lo a uma autocombustão diante das pressões de uma campanha presidencial.
Decidindo esperar até janeiro, Barbosa indica que poderá confirmar sua candidatura antes de uma eventual condenação de Lula na segunda instância. Aceitando o convite do PSB, o ex-ministro aninha-se no partido em que estava o candidato Eduardo Campos até a manhã de sua morte, na queda do seu jatinho de campanha, em 2014.
Outro dia, Aécio Neves disse que uma candidatura como a de Luciano Huck significará a “falência da política”. Pode ter razão, mas será a falência produzida por ele, Aécio, e não por Huck.
Admitindo-se que Barbosa resolva ficar fora da disputa, é possível que o ministro Luís Roberto Barroso entre na raia. Ele não tem a marca do ex-presidente do STF, mas preenche o requisito da ficha limpa de quem nunca se meteu em política eleitoral nem com governos.
Além desses dois magistrados, há outro nome, o do juiz Sergio Moro. Ele já negou que pretenda concorrer a seja lá ao que for e sempre apresentou argumentos sólidos. Especular em torno de uma candidatura de Moro é algo como viajar num lance de ficção política.
Imagine-se Moro em fevereiro do ano que vem, em sua poltrona de casa, em Curitiba. Ele liga a televisão e vê os candidatos à Presidência. Moro sabe como a oligarquia valeu-se da máquina do governo de Michel Temer para jogar água no chope da Lava-Jato. Poderá prever o que acontecerá com a posse de um novo presidente daquele naipe. O juiz que mudou a cara da política nacional verá que, continuando na poltrona, seu legado será equivalente ao da Olimpíada do doutor Eduardo Paes.
Moro corre risco de entrar na história pelo que fez e de sair pelo que não quis fazer. Dante Alighieri colocou no vestíbulo do inferno o eremita que, uma vez eleito Papa, decidiu renunciar. (Pelo menos foi essa a história que contaram ao poeta.)
* Elio Gaspari é jornalista
Luiz Carlos Azedo: Temer e o queremismo
A ideia no Palácio do Planalto é reconstituir o governo com base nos aliados que garantiram a rejeição das duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot
Começa a ser urdido nos bastidores do Palácio do Planalto o projeto de reeleição do presidente Michel Temer, que já se movimenta como quem pretende ser candidato, quando nada para estancar o processo de desagregação do seu governo, que se acelerou ontem com o pedido de demissão do ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE). Um dos quatro tucanos no primeiro escalão de Temer, o parlamentar pernambucano chegou a anunciar sua saída do governo quando foi divulgada a gravação da conversa comprometedora entre o presidente da República e o empresário Joesley Batista, mas voltou atrás a pedido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Agora, porém, saiu para valer.
A tese da candidatura à reeleição vem sendo defendida pelos ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, como uma necessidade para segurar a base do governo e evitar a deriva antecipada de setores do PMDB e outros aliados para a campanha de candidatos da oposição, em razão da proximidade das eleições. Isso já aconteceu com o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL), engajado na campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não foi à toa que o petista alertou o seu partido que os “golpistas” que o apoiarem nas eleições de 2018 serão recebidos de braços abertos nos seus palanques regionais.
Temer ainda não se convenceu inteiramente da ideia, mas resolveu fazer um esforço em várias frentes para melhorar a imagem do governo. A propaganda oficial trabalhará em três frentes: primeira, comparar os indicadores econômicos de quando assumiu com os do seu primeiro aniversário de governo, que são quase todos excelentes, diante da profunda recessão em que o país foi lançado no governo Dilma Rousseff; segunda, a manutenção dos programas sociais do governo, como o Minha Casa, Minha Vida e o Bolsa Família, que será reajustado acima da inflação, conforme anunciou ontem o ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra; terceira, a reforma da Previdência, que Temer voltou a defender, convencido de que enfrentar as corporações aumentará sua popularidade e criará condições de o país crescer a taxas acima de 3% no próximo ano, na avaliação de seus estrategistas, a premissa para o projeto eleitoral dar certo.
A tese audaciosa ganhou mais força com o desembarque do PSDB do governo, que estava previsto para a convenção de 9 de dezembro, mas acabou antecipado por Bruno Araújo. Temer não pretende esperar a deserção dos aliados para fazer a reforma ministerial. A ideia no Palácio do Planalto é reconstituir o governo com base nos aliados que garantiram a rejeição das duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Temer obteve apenas 240 votos na votação, o suficiente para blindá-lo constitucionalmente, mas não para aprovar as reformas. Acontece que a reforma da Previdência é uma bandeira dos aliados que estão deixando o governo, o que permitiria atender a base fisiológica que barganha mais cargos no governo para aprová-la e, ao mesmo tempo, também negociar com os tucanos e outros aliados que deixaram o governo.
Um dos argumentos para convencer Temer a concorrer às eleições de 2018 é o fato de que o ex-presidente José Sarney, em 1989, virou saco de pancadas de todos os candidatos e não teve como se defender porque não disputava a reeleição. O próprio Sarney costuma avaliar que o governo, na pior das hipóteses, garantiria de 15 a 20% dos votos do primeiro turno para seu candidato. Temer teria oportunidade de se defender e capitalizar suas realizações. Não é uma ideia sem sentido, em razão do tempo de televisão e dos recursos do fundo partidário do PMDB, que teria, além do peso da máquina do governo a seu favor, grande capilaridade nos grotões do país.
Não colou
Mas sempre é bom lembrar o risco de a proposta não colar, como aconteceu com o movimento Queremista em 1945, cujo objetivo era defender a permanência de Getúlio Vargas na Presidência da República. O nome se originou do slogan utilizado pelo movimento: “Queremos Getúlio”. Naquela época, diante do esgotamento da ditadura do Estado Novo e do fim da II Guerra Mundial, as forças políticas que haviam se oposto ao regime iniciaram o ano reivindicando a redemocratização do país. Pressionado, Vargas comprometeu-se a realizar eleições e manteve-se numa posição dúbia em relação à possibilidade de se candidatar.
No fim de outubro, quando Vargas tentou substituir o chefe de Polícia do Distrito Federal, João Alberto Lins de Barros, por Benjamin Vargas, seu irmão, a manobra acabou interpretada por seus adversários como um golpe para preparar a continuidade no poder. No dia 29, o alto comando do Exército, tendo à frente o ministro da Guerra, general Góes Monteiro, depôs Vargas da presidência, que em seguida foi entregue ao presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares.
Merval Pereira: Congresso X STF
Congresso escolhe quais decisões do STF acatar. Estamos vivendo um momento de tamanha desorganização social, que o Congresso decide que decisões do Supremo Tribunal Federal acatar, de acordo com a conveniência de seus grupos de pressão. As que beneficiam os parlamentares de maneira geral, como a que, equivocadamente a meu ver, deu às Casas Legislativas a última palavra em qualquer punição de seus pares, são elogiadas e cumpridas com rapidez nada comum.
Por todo o país, e não só em Brasília, parlamentares estão saindo das cadeias ou prisões domiciliares para retomar seus mandatos. E as que atingem os parlamentares, como a recente ampliação do alcance da inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa, estão sendo revistas em Brasília, neste caso para tornar sem efeito a decisão do STF, em benefício de prefeitos, vereadores, deputados estaduais e federais.
A alegação de que a decisão do Supremo faz a lei retroagir em prejuízo do condenado foi recusada pela maioria do plenário do Supremo, pois a inelegibilidade de oito anos existe na lei a partir de 2010, não importando em que ano o crime foi cometido. É uma exigência que todos devem cumprir ao se inscrever para concorrerem às eleições.
A lei retroagirá se, por exemplo, o Supremo decidir, em outro julgamento, que os mandatos já em curso devem ser cassados, o que não deve acontecer. Há outros grupos de pressão dentro do Congresso querendo se aproveitar desse momento de fraqueza do governo federal para impor suas agendas regressivas, como a chamada “bancada da bala” que quer rever o Estatuto do Desarmamento.
O projeto, de autoria do senador Wilder Morais do PP de Goiás, revoga o atual Estatuto do Desarmamento, liberando o porte de armas para qualquer pessoa a partir dos 18 anos de idade, desde que o adquirente seja considerado apto psicologicamente, tenha bons antecedentes e demonstre capacidade técnica. Uma tentativa canhestra de copiar os Estados Unidos, que a cada dia enfrenta mais tragédias devido à leniência com o porte de armas no país.
Em outra ação regressiva, uma comissão especial da Câmara dos Deputados quer aprovar uma proposta de emenda constitucional (PEC) para alterar artigo da Constituição que trata do direito à vida, para incluir a expressão “desde a concepção”, o que, na opinião deles, daria segurança aos fetos.
Com a alteração, todas as possibilidades de aborto estariam vedadas, inclusive nos casos de estupro, mesmo com risco de vida à gestante ou em que o feto é diagnosticado com anencefalia, atualmente autorizados por decisão do Supremo Tribunal Federal. A Comissão é dominada pela bancada evangélica, que tem 22 dos 33 membros.
Seria uma ofensiva contra outra decisão do Supremo Tribunal Federal, cuja Primeira Turma descriminalizou o aborto antes do terceiro mês de gestação num julgamento de médicos e funcionários de uma clínica clandestina, em Duque de Caxias (RJ), que estavam presos pelo que até então era considerado crime.
Para a Turma, que seguiu voto do ministro Luís Roberto Barroso, os artigos do Código Penal são inconstitucionais. A decisão é válida apenas para esse caso específico, mas os que são contra o aborto temem que possa abrir o caminho para a ampliação da legalização. Querem, então, fechar todos os caminhos já existentes.
Outro exemplo de grupos parlamentares de pressão atuando sobre o governo é a portaria sobre trabalho escravo, que a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber suspendeu por liminar. A portaria tornou elásticos e subjetivos conceitos para identificar casos de trabalho forçado, degradante e em condição análoga à escravidão, além de criar barreiras burocráticas que dificultam a ação da fiscalização.
Para caracterização do trabalho escravo, por exemplo, seria preciso constatar a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça de punição, com uso de coação. A portaria tem sido alvo de críticas dentro e fora do país por entidades defensoras dos direitos dos trabalhadores.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Ministério do Trabalho para revogar a medida, que taxou de “retrocesso”. O governo promete rever pontos da portaria, mas não pretende revogá-la.
Fonte: http://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/congresso-x-stf.html
Luiz Carlos Azedo: A fortuna do príncipe
Prudente por natureza, Alckmin pode repetir a performance de Orestes Quércia (PMDB), governador paulista “cristianizado” nas eleições de 1994
Um dos últimos capítulos do clássico O príncipe, de Nicolau Maquiavel, obra seminal da teoria política, parece escrito sob medida para as movimentações de bastidor dos líderes principais do PSDB na tentativa de construção de candidatura capaz de unificar forças de centro e derrotar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o deputado Jair Bolsonaro (PSC), que hoje polarizam as pesquisas eleitorais. Intitulado “De quanto pode a fortuna nas coisas humanas e de que modo se lhe deva resistir” (Quantum foruna in rebus humanis possit, et quomodo illis sit occurren dum), trata da relação entre as virtudes dos governantes e a sua fortuna (que tem mais a ver com as contingências do que propriamente com a sorte ou o acaso).
Para Maquiavel, o governante prudente se prepara para as adversidades. “Não ignoro que muitos têm tido e têm a opinião de que as coisas do mundo sejam governadas pela fortuna e por Deus, de forma que os homens, com sua prudência, não podem modificar nem evitar de forma alguma (…) Esta opinião se tornou mais aceita nos nossos tempos pela grande modificação das coisas que foi vista e que se observa todos os dias, independentemente de qualquer conjectura humana. Pensando nisso algumas vezes, em parte, inclinei-me em favor dessa opinião. Contudo, para que o nosso livre arbítrio não seja extinto, julgo poder ser verdade que a sorte seja o árbitro da metade das nossas ações, mas que ainda nos deixe governar a outra metade, ou quase.”
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, parece não seguir essa receita e não se cansa de dizer que a política é destino. De certa forma, as três eleições que perdeu — duas para a prefeitura de São Paulo (2000 e 2008) e uma à Presidência da República (2006) —parecem corroborar esse ponto de vista, pois as derrotas não o impediram de governar São Paulo por quatro mandatos, a primeira vez em razão da morte do governador Mario Covas (era o vice), e as outras três, porque foi eleito para o cargo (2002, 2010 e 2014).
Alckmin é o candidato do PSDB por ocupar a posição estrategicamente mais importante nas esferas de poder da legenda na administração do estado mais populoso e desenvolvido do país. Ao lado de Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati, está entre os líderes tucanos menos afetados pela Operação Lava-Jato, o que parecia transformá-lo em mono-opção partidária às eleições presidenciais de 2018. O candidato natural seria o senador Aécio Neves (MG), presidente licenciado do partido (obteve 51 milhões de votos em 2014, na disputa de segundo turno contra a então presidente Dilma Rousseff), mas acabou fora da disputa, em razão da delação premiada do empresário Joesley Batista. Entretanto, o destino prega mais uma peça ao governador paulista. Alckmin parece aquele príncipe retratado por Maquiavel que estava em franco e feliz progresso, mas corre o risco de ser arruinado.
Discordância
Maquiavel nos ensina que, variando a sorte e permanecendo os homens obstinados nos seus modos de agir, “serão felizes enquanto aquela e estes sejam concordes e infelizes quando surgir a discordância”. É mais ou menos o que está acontecendo com Alckmin, com o PSDB à beira da implosão em razão da disputa pelo controle da legenda com Aécio Neves, que apoia a candidatura do governador goiano Marconi Perillo, a presidente do PSDB, contra o senador Tasso Jereissati, candidato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do governador paulista.
Alckmin corre o risco de ser “cristianizado” nas eleições, porque outros caciques do PSDB paulista estão aliados a Aécio, principalmente o chanceler Aloysio Nunes Ferreira e o senador José Serra (SP), que já se articula para a sucessão paulista. Há um plano B em curso para as eleições: o apresentador de tevê Luciano Hulk, que negocia sua filiação ao PPS, com forte apoio de grupos empresariais liderados por jovens investidores formados nos Estados Unidos.
Prudente por natureza, Alckmin pode repetir a performance de Orestes Quércia (PMDB), governador paulista “cristianizado” nas eleições de 1994, quando provou do mesmo veneno que usou contra Ulysses Guimarães, em 1989. Como dizia o bruxo florentino, “a sorte sempre é amiga dos jovens, porque são menos cautelosos, mais afoitos e com maior audácia a dominam”. Com Hulk, a grande novidade desse processo, porém, pode ser o surgimento de um certo “americanismo” na política brasileira, tradicionalmente prisioneira do velho iberismo fisiológico e patrimonialista.
Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/fortuna-do-principe/
Ricardo Noblat: “Quero ser candidato a presidente da República”, diz Cristovam Buarque
O senhor é candidato a Presidente da República?
Cristovam: Quero ser. O momento exige que qualquer um de nós que está na política, e acha que tem o que dizer sobre o futuro do Brasil, ponha seu nome à disposição dos partidos. Ofereço o meu ao PPS.
Por que o senhor quer ser candidato?
Porque quando olho os candidatos que aí estão, não vejo nenhum deles refletir sobre duas coisas essenciais para o Brasil: o resgate da coesão nacional e a definição de um rumo de médio e longo prazo.
O senhor acha que terá o apoio do PPS?
Não sei ainda, mas vou tentar. Começo hoje.
O Presidente do seu partido, o deputado Roberto Freire (SP), disse que o senhor não tem voto para ser candidato à presidência da República.
Não vejo nenhum candidato que, hoje, tenha votos, salvo Lula e Bolsonaro que estão à frente das pesquisas. Os dois, que representam extremos, justificam a minha disposição para ser candidato. Bolsonaro tem saudades do autoritarismo. Lula, do populismo. São extremos antiquados, obsoletos.
Outro dia o senhor disse que não seria o João Doria de Roberto Freire...
Se Roberto for candidato a presidente pelo PPS, eu não serei. Ele tem uma cabeça moderna, pensa bem o país e acumula larga experiência política.
Mas a oposição dele ao seu nome não o inibe?
Não. Como posso desde já ter votos para presidente se é a primeira vez que digo com todas as letras que quero ser candidato? Fui candidato a presidente em 2006. Disputei com Lula no auge dele, com Geraldo Alckmin no auge do PSDB, e com Heloísa Helena no auge do charme da esquerda. Mesmo assim tive 2.5% dos votos.
O apresentador de televisão Luciano Huck pode entrar no PPS para ser candidato à sucessão de Temer.
A eventual entrada dele seria positiva para meu partido. Luciano goza de muita simpatia na opinião pública. Mas não estou convencido de que ele seria uma boa alternativa como candidato. Porque eu me pergunto: ‘Como seriam os primeiros dias de um governo Luciano Huck?’. O próximo presidente será o primeiro do terceiro centenário da nossa independência. Como que a gente vai construir uma economia eficiente? Uma educação eficiente e mais justa que não desperdice nenhum cérebro, nem de rico nem de pobre? O cérebro é o poço de petróleo do futuro. Não vejo ainda o Hulk apresentando propostas nesse sentido.
Como seriam os primeiros cem dias de um eventual governo do senhor?
O presidente e seus ministros devem ser os primeiros a dar bons exemplos. Um deles: austeridade. Ministros sem mordomias, comprometidos com o programa do governo, competentes. Presidente que não interfira no Banco Central, que logo comece a quebrar as amarras que dificultam os investimentos no Brasil. Presidente com prioridades sociais definidas - transferência de renda via o Bolsa Família, escolas de boa qualidade. Presidente que não seja demagogo. Que deixe claro que os principais problemas do país levarão mais de 20 anos para ser resolvidos.
A reforma da Previdência teria espaço no seu governo se ela não for feita antes ?
Lógico, quando nada por respeito à aritimética. Ainda não se descobriu como fazer dois mais dois virarem cinco. A Previdência quebrou.
Como seria sua relação com o Congresso?
Defendo que se faça um processo eleitoral plebiscitário. Não basta eleger um nome para presidente, mas um conjunto de propostas. Se for candidato como quero ser, apresentarei os primeiros decretos, os primeiros projetos de lei, as primeiras propostas da reforma da Constituição que assinaria se fosse eleito. Diante disso, acho que o futuro Congresso seria capaz, sim, de aprovar o que os eleitores já teriam aprovado antes.
E se não for candidato a presidente, concorrerá a mais um mandato de senador?
Pode até ser, mas isso, hoje, não está na minha cabeça. A presidência da República é que está.
O Estado de S. Paulo: FHC sugere que Alckmin assuma 'posição central no partido'
Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defende ‘restabelecimento da coesão’ na sigla e diz que Goldman deve ‘criar condições’ para líderes como o governador de SP
Pedro Venceslau e Elisa Clavery
O ex-presidente defendeu que o governador de São Paulo assuma uma “posição central no partido”. A mensagem, publicada em uma rede social, fortalece a tese de que Geraldo Alckmin, cotado para disputar o Planalto pelo PSDB, assuma também a presidência da sigla, que sofre a sua pior crise. A alternativa tem respaldo de outros nomes do partido.
Um dia depois de o senador Aécio Neves (MG) destituir Tasso Jereissati (CE) da presidência interina do PSDB e deflagrar a maior crise da história do partido, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu ontem publicamente uma posição “central” para o governador Geraldo Alckmin na legenda.
FHC se posicionou após conversar com Alckmin na noite de anteontem sobre o acirramento da disputa entre Tasso e o governador de Goiás, Marconi Perillo, na disputa pela presidência da sigla.
“Acredito que o restabelecimento da coesão, com tolerância à variabilidade das opiniões internas, mas também com firmeza de propósitos, requer que o presidente designado do PSDB, Alberto Goldman, crie condições para que líderes experientes e respeitados, como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, assumam posição central no partido”, escreveu o ex-presidente em sua página no Facebook.
Na mesma postagem, porém, FHC afirmou que vai apoiar Tasso caso os tucanos não entrem em um acordo até a convenção nacional, marcada para o dia 9 de dezembro. “Se porventura tal convergência não se concretizar, o que porá em risco as chances do PSDB, já disse que apoiarei a candidatura do senador Tasso Jereissati à presidência do partido”, escreveu.
A mensagem do ex-presidente, que mantém grande influência na sigla, fortaleceu a tese de que Alckmin, o mais cotado para disputar o Palácio do Planalto pelo PSDB em 2018, assuma também o comando da legenda, como fez Aécio Neves na eleição de 2014.
“Nesse momento existem dois candidatos em disputa, mas é muito provável que Geraldo Alckmin seja uma alternativa”, disse o ex-senador José Aníbal, presidente do Instituto Teotônio Vilela.
Aliados do governador estão em campanha para que ele assuma a presidência do PSDB, o que lhe daria mobilidade para viajar o Brasil na pré-campanha presidencial. “Alckmin é o nome da unidade do PSDB”, afirmou o prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando, que integra a direção do partido em São Paulo.
Sem acordo. A ideia de lançar Alckmin como uma terceira via para evitar uma guerra fratricida no partido ainda encontra resistência entre aliados de Tasso e Perillo. “Hoje a escolha caminha para uma disputa. Não vejo a possibilidade de o Alckmin presidir o partido. Ele mesmo disse que apoia o Tasso”, afirmou o deputado Ricardo Tripoli (SP), líder do PSDB na Câmara.
A mensagem de FHC recebeu diferentes interpretações entre os tucanos. Enquanto aliados do senador cearense celebraram o “apoio” a ele, outros deputados e dirigentes entenderam que o ex-presidente delegou a Alckmin a escolha de um nome com trânsito entre os dois grupos em disputa.
Além do chefe do Executivo paulista, outros dois nomes foram ventilados ontem para presidir o PSDB: o próprio FHC e o senador Antonio Anastasia (MG), que é ligado a Aécio Neves. O nome do ex-presidente surgiu em uma conversa reservada entre Tasso e Perillo antes de o senador ser retirado da presidência tucana, mas não houve acordo.
Já Anastasia é visto como um quadro equilibrado e com trânsito nas bancadas da Câmara e do Senado, mas muito identificado com Aécio. Alckmin reprovou a destituição de Tasso, mas por ora não pretende colocar seu nome abertamente na disputa interna. O governador só vai entrar em cena se todas as demais opções forem esgotadas.
Viagens. Enquanto o impasse permanece, Perillo já começou pela região sul sua campanha para presidir o PSDB. Ele esteve ontem em Porto Alegre e hoje deve visitar Curitiba.
Já Tasso vai começar a se movimentar pelo Brasil na próxima semana. Neste fim de semana ocorrem as convenções estaduais tucanas que vão definir parte dos delegados do PSDB na convenção nacional. A disputa mais acirrada será na Bahia, onde Antonio Imbassahy e Jutahy Jr. disputam o diretório.
Luiz Carlos Azedo: Tucanos em crise
A saída de Tasso e a assunção de Goldman revelam que, além de Aécio, outros atores também se movimentam nos bastidores para manter poder de fogo na legenda
É incrível a confusão no PSDB. Os tucanos não conseguem de entender. O racha no partido se aprofundou devido ao artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no domingo passado, no qual propôs o desembarque do governo em dezembro, e à proximidade da convenção nacional da legenda, marcada para dezembro. Candidato a presidente do PSDB, o senador Tasso Jereissati (CE), que exercia o cargo interinamente, foi destituído ontem e substituído pelo ex-governador de São Paulo Alberto Goldman.
Tasso está em rota de colisão com o presidente licenciado do PSDB, senador Aécio Neves (PMDB-MG), que mais uma vez demonstrou poder de articulação e combatividade ao destituí-lo do cargo. Mostrou que ainda tem força, mesmo que desgastado por causa da Operação Lava-Jato. A ação, porém, foi brusca. Aécio reassumiu a presidência e designou Goldman seu substituto, para garantir isonomia na disputa pela presidência entre Tasso e seu adversário, o governador de Goiás, Marconi Perillo. A reação de Aécio foi uma resposta ao discurso de Tasso ao lançar sua candidatura, no qual reconheceu erros do partido e defendeu regras de compliance para os filiados.
Aécio já havia demonstrado capacidade de resistência ao conseguir apoio da maioria dos colegas para revogar, no plenário do Senado, a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que o afastara do cargo, dentre outras “medidas cautelares”. A decisão veio na sequência de uma vitória por 6 a 5 no próprio STF acerca da necessidade de o Senado dar a palavra final sobre decisões judiciais que impedem o exercício de mandato de senadores.
Ex-candidato a presidente da República que obteve 51 milhões de votos no segundo turno das eleições de 2014, Aécio é aliado do presidente Michel Temer e defende a permanência do PSDB no governo. Nos bastidores do Congresso, já havia demonstrado poder de articulação; agora, mostrou que ainda tem pleno controle do PSDB. De certa forma, a decisão foi um recado para o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que pleiteia a vaga de candidato a presidente da República pelo partido.
Tudo indicava que a situação estava sob controle do governador paulista, mas a saída de Tasso e a assunção de Goldman revelam que outros atores também se movimentam nos bastidores para manter poder de fogo na legenda. É o caso do senador José Serra (SP) e do ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira. Aécio sozinho não teria forças para destituir Jereissati. Ambos resistiram, por exemplo, à candidatura de João Doria a prefeito de São Paulo, com a qual Alckmin atropelou os demais tucanões paulistas.
Como se sabe, Doria se movimentou para ser o candidato do PSDB a presidente da República, logo depois de sua vitória nas últimas eleições municipais. Seus esforços foram frustrados pelo desgaste de sair candidato muito antes da hora e as demandas da capital que administra. Alckmin parecia absoluto, aliado a Tasso Jereissati e Fernando Henrique Cardoso. Foi surpreendido pela decisão de Aécio.
Reforma
O presidente Michel Temer reconheceu ontem a necessidade de uma reforma ministerial, mas disse que a fará no tempo certo. Havia uma perspectiva de fazê-la somente em abril do próximo ano, quando da desincompatibilização dos ministros que vão disputar a eleição, mas ela deverá ocorrer tão logo o PSDB decida se fica ou não no governo, ou seja, no começo de dezembro.
A reforma ministerial será balizada pela reforma da Previdência. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciou que o governo vai mitigar a reforma para aprová-la. Para Temer, qualquer avanço na Previdência é lucro. Sinaliza a vontade de fazer a reforma e, ao mesmo tempo, reduz resistências.
Ruy Fabiano: O declínio da esquerda
PT e PSDB, que por décadas simularam um antagonismo de fachada, chegam juntos ao ocaso político. Enquanto o PT padece as consequências do desastre que impôs ao país, o PSDB, que lhe oferecia falso contraponto, perde suas referências existenciais.
Sua identidade vincula-se à do PT, que protagoniza a esquerda carnívora, enquanto os tucanos posam de socialistas vegetarianos, no melhor estilo da estratégia das tesouras, concebida por Lênin.
Ambos, porém, são faces da mesma moeda, que ora sai de circulação, sob o desgaste da Lava Jato e da debacle institucional do país. Se o povo ainda não sabe o que quer, já sabe, no entanto, o que não quer. E o projeto esquerdista, lastreado no politicamente correto, que busca minimizar ou ultrajar os que se lhe opõem, se empenha em refundar-se sem dispor de lideranças que o renovem.
FHC chegou a dizer que Luciano Huck, o animador de auditório de TV, representa o novo na política brasileira. É um diagnóstico de desespero, que expõe o estado de indigência política do partido.
O nome que despontava entre os tucanos, João Doria, prefeito de São Paulo, é alvo do fogo amigo, que cresce na razão direta de sua compulsão marqueteira. Seus maiores detratores estão dentro de casa – e seu maior concorrente é quem o apadrinhou: o governador Geraldo Alckmin. Parecem destinados ao abraço dos afogados, já que imersos num ambiente sem sinais de consenso.
Lula continua sendo o único nome no horizonte do PT, mas sua popularidade perde cada vez mais para os crescentes índices de rejeição. Seu projeto político hoje é escapar da cadeia. Não é pouco.
Dificilmente conseguirá registrar sua candidatura, como, aliás, já sinalizou o futuro presidente do TSE, ministro Luís Fux. Os petistas, por isso mesmo, passaram a conspirar contra as próprias eleições, como se depreende de reiteradas declarações da presidente do partido, senadora Gleisi Hoffmann. Sem Lula, disse ela, as eleições não terão legitimidade. Órfão de candidato, o partido joga no caos.
Daí o retorno de ações predatórias, de teor criminoso, cada vez mais violentas, sob o patrocínio do MST e do MTST, os “exércitos” de Stédile e Boulos, braços armados do partido, a invadir propriedades e detonar redes elétricas e patrimônio público.
Ambos parecem desejar uma intervenção militar, dada a estratégia de desafio à lei e à ordem que protagonizam.
Lula, como se sabe, prometeu “tocar fogo no país”, sob os auspícios daquelas milícias, caso não possa se candidatar. Ao que parece, é a única promessa que está disposto a cumprir.
Os tucanos, antevendo o drama que ora vivem, tudo fizeram para evitar o impeachment de Dilma Rousseff. Aderiram aos 44 minutos do segundo tempo, e embarcaram no governo Temer na expectativa de dominá-lo. Perderam para as raposas do PMDB.
Coadjuvantes de um governo que já nasceu fadado à impopularidade, discutem agora se dele devem desembarcar. Aécio Neves, presidente afastado, às voltas com a Justiça, quer ficar.
Precisa do guarda-chuva do Planalto. Tasso Jereissati, que o substituía interinamente, quer sair. E tem FHC a seu lado - o que, até há pouco, era um trunfo; hoje talvez já não seja. Aécio, ainda com os poderes formais do cargo, o afastou, abrindo nova crise, que não tem prazo para acabar – e talvez não acabe nunca.
Alberto Goldmann, ex-governador paulista e crítico feroz de João Doria, substitui provisoriamente Tasso e fala em união, vocábulo que, no PSDB, tornou-se uma abstração metafísica. Marcone Perillo, governador de Goiás, disputará com Tasso a presidência efetiva, convicto de que nenhum dos dois dará jeito na encrenca.
As eleições do ano que vem (se o ano realmente vier) já não serão bipolares, como as anteriores. Prometem um vasto elenco de candidatos, o que está longe de significar grandes alternativas ao eleitor. Quantidade, desta vez, será antônimo de qualidade.
O descrédito – que vai dos partidos às urnas eletrônicas – permeia todo o processo, que se antevia precedido de profunda reforma eleitoral. A reforma não veio - e a esperança de renovação do país muito menos. O candidato que mais cresce nas pesquisas, Jair Bolsonaro, evoca no imaginário popular uma ruptura com a conjuntura presente, seja lá em nome do que for.
O eleitor, desencantado, parece dizer que aceita qualquer coisa, desde que não seja o que aí está. O cenário não é dos mais promissores, para dizer o mínimo.
* Ruy Fabiano é jornalista
Alberto Aggio: O difícil e trabalhoso caminho até 2018
Como refletir e desvendar o ponto central da conjuntura política que estamos vivendo? Essa pergunta, mais do que necessária, é o dilema político que vai impulsionar o batimento cardíaco da política, pelo menos até a definição das candidaturas para o embate de 2018.
É um equívoco imaginar que a campanha presidencial de 2018 irá ser travada em torno do governo Temer. A eleição presidencial não será um confronto entre situação e oposição ao governo federal. Lula imaginava que esse seria um trunfo seu e que lhe daria uma colheita segura. Certamente fará muita retórica desse ponto de força. Mas seu objetivo não é a avaliação do governo em si e sim a definição de um inimigo para lhe dar sustentação ao discurso salvacionista. Mesmo ele, como noticiam os jornais, já arriou a bandeira de derrubar
Temer. Nas suas palavras: “agora não é hora de tirar Temer, é hora de saber quem será o próximo presidente do Brasil”. O tempo de derrubar Temer passou e Lula imediatamente atualizou seu discurso afirmando que “perdoaria os golpistas”, o que foi entendido também que o PT deveria estar aberto a negociar politicamente com o PMDB, principalmente, para tentar recuperar o eleitorado perdido.
Por outro lado, os parcos êxitos do governo em matéria econômica (controle da inflação, retomada da atividade econômica e pequena diminuição do desemprego) não são suficientes a ponto de se imaginar que Temer conseguirá fazer o sucessor. Em função da sua baixíssima popularidade – que não dá sinais de recuperação –, o mais provável é que Temer não tenha nem mesmo um candidato para chamar de seu. Mais do que isso: pode-se supor que posicionamentos polarizados em relação ao governo Temer serão, no fundo, irrelevantes na pugna que se travará em 2018. A população reprova contundentemente o governo, mas não vai às ruas protestar, sinalizando que não quer mais instabilidade. Assim, um discurso que apontar nesse sentido estará fadado ao fracasso.
Na conjuntura política que vai compondo o embate eleitoral, a polarização PT versus PSDB deixou de ser um tópico essencial. Da mesma maneira que a visualização de uma “terceira via” perdeu pequena força que tinha. Diante de Lula e Bolsonaro e do problema que isso pode significar caso essa disjuntiva chegue ao segundo turno, a alternativa que emergiu foi a de se buscar a construção de uma alternativa a partir da ideia de um “centro democrático”. Mas, como construí-lo? Quais seriam os seus termos e o seu programa? Quais seriam os seus signos identificadores, suas marcas, capazes de carrear apoios não apenas entre os setores organizados, mas em relação ao conjunto da sociedade?
As alternativas ainda não estão seladas. Pior, o discurso que possa compor essa candidatura de centro, apesar de contar com o apoio de pessoas preparadas e experientes, ainda não decantou. Lula sabe disso e já se dispôs a novamente flertar com o centro, buscando romper seu isolamento à esquerda, a despeito de setores do seu partido, em especial da sua presidente, a senadora Gleisi Hoffmann, que rejeitam esse movimento do seu líder maior. Por outro lado, a consigna “o Brasil precisa de construtores e não de gladiadores”, repetida comumente por Geraldo Alckmin visa insinuar que aqueles que querem o “bem do Brasil” devem buscar sua união e não digladiarem entre si.
Para os propósitos de uma candidatura de centro democrático, está é uma construção feliz. Em tom mais beligerante do que Alckmin, mas não sem ter suas razões, João Doria tem falado incisivamente em que o combate ao lulismo – para ele o principal adversário – deve se dar com a formação de uma “frente do centro democrático”. Certamente, um discurso alinhado com a alternativa que se propugna para os setores que não querem os extremos à direita nem à esquerda. Por enquanto os outsiders ainda estão fora da luta política e, por isso, é duvidoso que politicamente possam dar alguma contribuição ao país. Pior, o chamado “corporativismo de partido” que tanto o PT praticou no passado, pensando mais nele do que no país, não é bom conselheiro, especialmente numa época de crise profunda por que passa a relação da sociedade com a política.
O dilema tucano em relação ao governo Temer, que vem agitando a cena política, não é o centro da conjuntura, mas é um problema para a definição de uma candidatura forte que possa chegar ao segundo turno expressando um programa que articule setores democráticos da direita liberal à esquerda democrática. Ao que parece, o tempo político de “ruptura” com o governo Temer já passou e mesmo que o PSDB assim decida até dezembro, pouco afetará a tarefa que os democratas têm pela frente. Sair do governo provavelmente será uma operação com dividendos irrelevantes se pensarmos em função do impacto que terá no conjunto da sociedade. Em contrapartida, pode produzir um resultado nefasto: abrir passagem para Lula conquistar uma parte do centro político que estava perdido para ele. O núcleo central da política democrática está nas saídas para um país que se encontra afogado pela crise que nos deixou o PT e tem pouco a ver com o fato de estar ou ter apoiado o governo Temer.
Felizmente, já nos afastamos da lógica binária que tantos prejuízos políticos causaram e precisamos construir uma estratégia de largo folego para enfrentar e superar a crise. As expectativas quanto à uma transição que colocasse o país num novo patamar não foram e não serão correspondidas até o final do próximo ano, por diversas razões. Haverá a necessidade de paciência nessa espera ativa que teremos que cumprir até as eleições de 2018. Nesse percurso, à moda de Weber, teremos que mobilizar, dentro das nossas melhores tradições, além da “conciliação”, os valores da política, na sua dimensão de vocação, bem como ato de realismo diante de nossas responsabilidades públicas perante o país.
Merval Pereira: Força externa
No momento em que vários movimentos contrários à Operação Lava-Jato, no Legislativo e no Judiciário, tentam conter as investigações contra a corrupção, vem do exterior o reconhecimento dos que fizeram dela um dos mais importantes trabalhos contra a corrupção já realizados.
A força-tarefa coordenada pelos procuradores da República em Curitiba foi reconhecida ontem, mais uma vez, como o órgão de investigação criminal do ano pelo prêmio da Global Investigations Review, o mesmo que já havia vencido em 2015.
E o juiz Sergio Moro, responsável pelos processos de primeira instância da Operação Lava-Jato, será, em maio de 2018, o orador convidado da 173ª turma de formatura da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, papel que já foi desempenhado em outras ocasiões pelo ex-presidente americano Barack Obama e o ex-secretário-geral da ONU Kofi Anan.
Sergio Moro havia sido homenageado em outubro com o Prêmio Notre Dame, o mesmo já concedido, entre outros, à Madre Teresa de Calcutá e ao ex-presidente americano Jimmy Carter e sua mulher, Rosalynn. O prêmio é “entregue periodicamente para homens e mulheres cuja vida e obra demonstram dedicação exemplar aos ideais pela qual a Universidade preza”. (...) “Os homenageados previamente com o Prêmio Notre Dame, cada um à sua maneira, atuaram como pilares de consciência e integridade, suas ações beneficiando seus compatriotas e, através de seus exemplos, o mundo inteiro, quando se comprometeram com a fé, a justiça, a paz, a verdade e a solidariedade com os mais vulneráveis”, informa a Universidade.
Ao receber o prêmio, o juiz Sergio Moro fez uma afirmação que já se tornou emblemática: “(...) há razões para acreditar que a era dos barões da corrupção está chegando ao fim no Brasil.”
O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, ao anunciar a premiação da força-tarefa de Curitiba no Facebook, disse que o maior prêmio seria “resgatar o país das mãos de um sistema político criminógeno. (...) mais que prêmios, precisamos de mudanças. De outra forma, daqui a alguns anos, estaremos diante do mesmo descalabro que vemos hoje na política brasileira”.
O presidente da Universidade Notre Dame, reverendo John I. Jenkins, diz que o juiz Sergio Moro tem os valores para inspirar os estudantes. “Foi um privilégio encontrar e conversar com o juiz Sergio Moro no início de outubro. Ele serve como um claro exemplo de alguém que vivencia os valores que buscamos inspirar nos nossos estudantes. Estou grato que ele tenha aceitado nosso convite e estou certo de que ele aportará observações valiosas para nossos formandos da classe de 2018. Sua mensagem sobre integridade e o estado de direito e o seu exemplo de corajosa busca pela justiça são enormemente necessárias em nossos tempos. Nossos estudantes, suas famílias e convidados serão inspirados ao ouvir o juiz Moro”, comentou ao anunciar o convite.
“Mais do que um reconhecimento internacional, existe o crescimento de um movimento anticorrupção no mundo inteiro e, em especial, na América Latina. Neste caso, em parte, influenciado pela Lava-Jato (vide Argentina, Peru e Colômbia). Seria no contexto em que o Brasil aparece como exemplo no mundo que sofremos aqui retrocessos,” avaliou Moro.
Correção
A reunião de Lula com Joesley Batista sobre o impeachment de Dilma não se realizou em um hotel em Brasília, como escrevi na coluna de sábado, mas na casa do empresário em São Paulo, segundo denúncia do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.
Em carta redigida de próprio punho na cadeia em Curitiba, Cunha citou um encontro entre ele, Joesley e o ex-presidente no ano passado. “Ele apenas se esqueceu que promoveu um encontro que durou horas no dia 26 de março de 2016, Sábado de Aleluia (anterior à Páscoa), na sua residência, entre mim, ele e Lula, a pedido de Lula, para discutir o processo de impeachment (de Dilma Rousseff )”.
Cunha afirmou que, no encontro, pôde “constatar a relação entre eles e os constantes encontros que mantinham.” Segundo o ex-presidente da Câmara, sua versão pode ser comprovada com o testemunho dos agentes de segurança da Casa, que o acompanharam, além da locação de veículos em São Paulo, que o teriam levado até lá.
Luiz Carlos Azedo: 100 anos depois
O centenário da Revolução de Outubro, por causa da adoção do calendário gregoriano pelos russos, um legado dos bolcheviques, comemora-se hoje. A Revolução Russa, que começou em fevereiro, com a destituição do czar Nicolau II, provocou grande entusiasmo entre os intelectuais brasileiros antenados no mundo. Já naquela época, havia socialistas de diversos matizes nos nossos meios intelectuais, mas o que predominava no movimento operário e sindical, que promoveu uma onda de greves por todo o país naquele mesmo ano, eram as ideias anarquistas.
Foi nesse meio que surgiu o Partido Comunista, sob a liderança de Astrojildo Pereira, em 1922, o mesmo ano da Semana de Arte Moderna de São Paulo. A mesma divisão que ocorrera na Rússia entre social-democratas e comunistas, a partir da tomada do poder pelos bolcheviques, se reproduziu em todo o mundo. No Brasil, não foi muito diferente. Num período conturbado da República, que estava sob comando das oligarquias, muitas das quais remanescentes do regime escravocrata, o antigo Partido Comunista (PCB) era uma seção da III Internacional, refletia a doutrina e seguia as orientações de Moscou, em confronto aberto com os social-democratas e outras tendências socialistas.
As ideias comunistas no Brasil eram consideradas muito exóticas e pouca influência tinham na vida nacional, até que Astrojildo Pereira viajou para Bolívia com uma mala de livros marxistas, entre os quais O Estado e a Revolução, de Lênin, para um encontro com Luiz Carlos Prestes. O líder tenentista havia se exilado, depois de percorrer 25 mil quilômetros, em 11 estados, a maioria a pé, à frente de 1.500 homens, a chamada Coluna Prestes. Tornara-se um mito. Foi assim que Prestes aderiu ao comunismo, se recusou a comandar a Revolução de 1930, que considerava burguesa, e agregou o seu prestígio popular e militar ao minúsculo PCB.
De Moscou, Prestes articulou a criação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), em 1934, da qual foi presidente de honra. Reuniu, entre outras personalidades, Herculino Cascardo (presidente), Amoreti Osório (vice-presidente), Francisco Mangabeira, Roberto Sisson, Benjamim Soares Cabello e Manuel Venâncio Campos da Paz, Moésia Rolim, Carlos da Costa Leite, Gregório Lourenço Bezerra, Caio Prado Júnior, Aparício Torelly, Miguel Costa, Maurício de Lacerda, Abguar Bastos, os ex-interventores como Filipe Moreira Lima (Ceará) e Magalhães Barata (Pará), o deputado federal Domingos Velasco e o prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto.
O programa da ALN foi lido no lançamento pelo jovem Carlos Lacerda. Seguia as orientações do VII Congresso da Internacional Comunista, para cujo burô (o Comintern) Prestes havia sido eleito. Na essência, era um programa anti-imperialista e antifascista, que expressava o célebre “informe” do búlgaro George Dimitrof, seu secretário-geral, sobre unidade das forças populares na luta contra o fascismo. Mas traduzia também a radicalização política em curso no país, com crescimento do integralismo e, sobretudo, a simpatias de Vargas e de parte do governo pelo Eixo (a aliança Alemanha-Itália-Japão).
Paradigmas
Sentindo-se ameaçado, Vargas resolveu fechar a ALN, que já reunia um milhão de militantes. É aí que Prestes retorna ao país com a missão de organizar uma insurreição nos moldes soviéticos, como se tentara na Alemanha e na China, sem sucesso, o que aconteceu de forma precipitada em 27 de novembro de 1935, nos quartéis do Rio, Recife e Natal. O resto da história é mais conhecida. Foi nesse processo que se consolidou um pensamento hegemônico na esquerda brasileira, que parece renascer das cinzas sempre que surge uma oportunidade, apesar de ter se tornado anacrônico, principalmente depois da guerra fria. São ideias que não morreram completamente, mesmo depois do colapso da União Soviética e da queda do muro de Berlim, quando nada porque alguns de seus paradigmas estão vivíssimos.
Um deles é a ditadura do partido como força capaz de promover a modernização e combater as desigualdades sociais (China e Vietnã, na Ásia). Outro velho dogma é a tese de que um país periférico não pode se tornar uma nação desenvolvida sem romper as cadeias de dominação (Cuba, na América Latina). Finalmente, a tese de Lênin de que o capitalismo de Estado é a antessala do socialismo, que legitima governos autoritários em Angola, Moçambique e Venezuela. Já a Coreia do Norte é um caso à parte: ainda vive uma monarquia no “comunismo de guerra”.
Historicamente, o capitalismo de Estado foi uma via de industrialização, tanto para os regimes fascistas que tomaram conta da Europa, como para os regimes comunistas do Leste europeu. Há uma certa simbiose entre o modelo econômico e o regime político autoritário. No livro A Quarta Revolução, Adrian Wooldridge e John Micklethwait, seus autores, advertem que existe uma corrida mundial para reinventar o Estado, na qual regimes autoritários do Oriente estão levando certa vantagem em relação às democracias do Ocidente. Esse é o perigo.