política

Jose Roberto de Toledo: Do novo ao de novo

O atropelo vitimou a candidatura. No meio da semana passada, o PPS forçou a barra para Luciano Huck declarar-se pretendente à sucessão de Temer. Contrariada com a ideia de ter um “candidato da Globo” na corrida presidencial, a contratante do apresentador nem precisou se mexer. A imobilidade bastou para Angélica perceber que seu novo programa semanal se encaminhava para o telhado da emissora. Usou seu poder de veto. O marido desistiu.

É a terceira tentativa de conceber um candidato “outsider” que não vinga para 2018. A primeira foi a candidatura do juiz Moro, que não se deixou emprenhar pelo ouvido. Depois, a do prefeito Doria, que foi ansioso demais e levou tábua do partido. Agora, a de Huck. O apresentador articulou com empresários, fez pesquisas, conversou com políticos, mas não conseguiu seduzir os únicos eleitores que realmente importavam: o patrão e a família.

Não há imaculada conceição em disputa eleitoral. Toda candidatura nasce de algum tipo de rala-e-rola. Desde a frustrada tentativa de lançar Silvio Santos à Presidência 28 anos atrás que políticos buscam a fama de personalidades da TV para camuflarem sua presença nas urnas. Mas o contrato nupcial nem sempre dá certo. Às vezes, o nubente desiste antes mesmo de chegar ao cartório, como Datena no ano passado e Huck agora. Outras vezes o juiz não oficia a cerimônia, como com SS em 1989.

Ainda há tempo de políticos sem voto conquistarem este ou aquele famoso com a promessa de um passeio eleitoral em 2018. Ex-presidente do Supremo, Joaquim Barbosa prometeu resposta às juras do PSB até janeiro. Mas à medida que abril e o prazo fatal para filiação de neófitos se aproxima, o canto das sereias partidárias vai virando um grito estridente e desesperado.

 

Em breve, partidos divorciados do eleitorado não poderão mais se dar ao luxo de escolher os pares que pretendem levar para a urna. Subcelebridades, ex-famosos, influenciadores digitais, até youtubers: qualquer um com milhares de seguidores, expectadores ou ouvintes será visto como tábua de salvação. Sem sufrágio, o naufrágio é inevitável. As siglas que ficarem carentes de voto nas próximas eleições perderão grana e tempo de TV. A nova cláusula de barreira é progressiva e levará muitos ao fundo.

Vale para a eleição da Câmara. Na disputa presidencial, a regra é outra. O fim da novidade Huck reanima políticos que estavam em baixa por não terem nada de novo. “Há Ibopes e Ibopes”, dirão veteranos de tantas campanhas. Seu lema é: mais vale um dígito de intenção de voto na mão do que dois de audiência voando.

Sem Moro nem Huck, restam poucas alternativas aos partidos que não a de tirar a naftalina de velhas candidaturas. Sempre precavidos, os “insiders” se agitam. É hora de reforçar o botox, pentear implantes e escovar próteses. Convém checar as safenas, fazer um regime e se preparar para o abraço, ou centenas deles.

Já-te-vi tem tudo para monopolizar o cardápio da eleição presidencial. Da entrada à sobremesa, todos os principais candidatos que permanecem na disputa são velhos conhecidos do eleitor. Alguns, com duas ou mais eleições presidenciais no currículo, como Lula, Marina e Ciro. Outros ostentam muitos mandatos no Congresso, como Álvaro Dias e Bolsonaro, ou comemoram bodas de cristal em governos estaduais, como Alckmin.

O “novo” está virando “de novo”. É esperado que seja assim. Mudam os nomes, trocam suas siglas, mas os partidos continuam os mesmos. Assim como quem manda neles. Apanhado com a boca na botija, o sistema político-partidário entrega os anéis, alguns dedos, uma mão ou outra, mas o tronco e a cabeça continuam lá. Há que mudar para permanecer como está.

 

 


Alberto Aggio: Impasses ao centro

O núcleo da política democrática está nas saídas para a crise que o PT nos deixou

Qual o ponto central da conjuntura política neste difícil percurso até as eleições presidenciais de 2018? Essa pergunta, mais do que necessária, vai impulsionar o batimento cardíaco da política pelo menos até a definição das candidaturas, desenlace que se prevê para o primeiro semestre do próximo ano.

Em julho alertamos para o risco de que os temas centrais para superar a crise poderiam ficar de lado se a nova polarização entre Lula e Bolsonaro acabasse por predominar. A expectativa de chegarmos a bom porto em 2018 parecia esvair-se por entre os dedos. Caminharíamos, então, para uma eleição falsa, uma espécie de reiteração da eleição presidencial de 1989 (apesar das suas diferenças pontuais), o que poderia redundar num retorno tão inconsequente quanto infeliz (Caminhamos para uma eleição falsa?, Estado, 18/7).

Dois meses depois, observávamos que havia um grande ausente naquela trama: o centro político. A forte fragmentação do centro fazia prever grande dificuldade eleitoral para esse campo. Tratava-se, então, de reconstruir o centro político, uma vez que uma postulação ao centro, como expressão de um campo democrático, representaria a reintrodução na cena política de um ator indispensável à estabilidade, com vista a projetarmos avanços civilizatórios dos quais o País se havia afastado injustificadamente. Afirmávamos que “uma recomposição do centro teria, pelo menos, a virtude de gerar a expectativa de superação da política de facções que se instalou nos últimos anos, comprometendo nossa convivência política” (Entre dois polos, como reconstruir o centro?, Estado, 26/8).

Lamentavelmente, a conjuntura não se moveu integralmente nessa direção, a despeito da emergência de alguns ensaios, em meio a muita desorientação e significativas fraturas entre os mais expressivos atores do centro político. Uma parte desse campo assumiu uma posição rigidamente defensiva em torno do governo Temer, o que, em função de sua alargada impopularidade, vem dificultando a construção de um movimento rumo a uma candidatura de caráter propositivo e que não represente apenas o governo.

A repercussão dessa posição em relação a outros importantes atores é notória. O dilema tucano em relação ao governo Temer não é o centro da conjuntura, mas é um problema para a definição de uma candidatura forte que possa chegar ao segundo turno expressando um programa que articule setores democráticos posicionados desde a direita liberal até a esquerda democrática. Não é desprovido de razão o argumento de que o tempo político de “ruptura” com o governo Temer já passou e mesmo que o PSDB assim decida serão duvidosos os dividendos eleitorais a serem obtidos. O núcleo central da política democrática está nas saídas para um país que se encontra afogado pela crise que nos deixou o PT e tem pouco que ver com o fato de apoiar ou ter apoiado o governo Temer.

Ao que tudo indica, a futura eleição presidencial não será um confronto entre situação e oposição, mesmo que essa disjuntiva seja colocada pelos candidatos. Lula imaginava que esse seria um trunfo seu e que lhe daria uma colheita segura. Certamente fincará suas trincheiras nesse ponto e fará muita retórica. Mas seu foco já passou a ser outro: “Agora não é hora de tirar Temer, é hora de saber quem será o próximo presidente do Brasil”. Lula vem atualizando seu discurso na linha do “perdão aos golpistas”, o que significa principalmente abrir o PT a negociações com o PMDB para tentar recuperar o eleitorado perdido com o processo de impeachment, que produziu efeitos danosos para a legenda nas últimas eleições municipais. Está claro, portanto, que erros de avaliação nesta hora certamente abrirão passagem para Lula conquistar uma parte do centro político, que estava perdido para ele.

A população reprova o governo, mas não vai às ruas protestar, sinalizando que não quer mais instabilidade. Assim, o discurso que apostar apenas na confrontação com o governo estará fadado ao fracasso. Ainda mais agora que seus parcos êxitos econômicos começam a ter alguma repercussão pública, animando o núcleo palaciano a projetar uma candidatura à feição de Temer ou a própria reeleição do presidente. Se isso ganhar força, é bem provável que o centro político se fragmente ainda mais.

A polarização de mais de duas décadas entre PT e PSDB vai ficando para trás, o que, por sua vez, leva à diluição da chamada “terceira via”. Com um possível segundo turno entre Lula e Bolsonaro, a construção de uma alternativa a partir do “centro democrático” ganha a máxima relevância. Lula sabe disso e já flerta com o centro, buscando romper seu isolamento à esquerda. Por outro lado, o discurso de uma candidatura de centro ainda não decolou, seja pela dificuldade de unificação, seja pela indefinição em torno de quantos e quais aspirantes postularão esse protagonismo.

Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin bate na tecla de que “o Brasil precisa de construtores, e não de gladiadores”, enquanto o prefeito João Doria enfatiza a necessidade de uma “frente do centro democrático” conta o lulismo. Os outsiders ainda estão fora da verdadeira luta política. No apelo a figuras como Luciano Huck ou Joaquim Barbosa há um sentimento difuso de renovação política, mas há também muito de personalismo, ilusionismo e até aventureirismo, envolto, em alguns casos, num “corporativismo de partido” instrumental e anacrônico. Nada diferente, portanto, da “velha política” que se quer combater.

Até meados de 2018, os brasileiros estarão condenados a uma “espera ativa”. Nesse ínterim, o jogo ficará cada vez mais pesado, exigindo dos atores políticos, sejam partidos, personalidades ou os chamados “movimentos cívicos”, capacidade de convencimento e realismo diante do que teremos pela frente.

 


Luiz Carlos Azedo: Americanismo ou iberismo

A redemocratização do país não modificou as características ibéricas da nossa política, embora a Constituição de 1988 tenha criado mecanismos para erradicar as suas principais mazelas

A política brasileira tem três características dominantes: o clientelismo, o fisiologismo e o patrimonialismo. Autores que estudaram o fenômeno, como Victor Nunes Leal, Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, as atribuem ao colonialismo ibérico, que organizou o Estado brasileiro muito antes da formação da nação. Essas características antecedem a formação dos partidos políticos brasileiros, que surgiram com ideias mitigadas para que o atraso pudesse pegar carona no moderno e manter-se.

Para dar um exemplo, voltemos à Independência, que está às vésperas do bicentenário. O Brasil tornou-se um Império em 1822, e não uma República, em razão do projeto de reunificação da Coroa portuguesa e dos interesses dos senhores de escravos em manter o tráfico negreiro, só não anexando Angola porque a Inglaterra não deixou. Mas Dom Pedro I outorgou a Constituição de 1824, ou seja, de cima para baixo, com um viés liberal. A introdução no texto constitucional do princípio da propriedade privada — uma conquista das revoluções burguesas — foi feita com o objetivo de proteger o regime escravocrata. Conseguiu: a escravidão somente foi abolida em 1888. Um ano depois, as oligarquias regionais que haviam se amalgamado à política do Gabinete de Conciliação do Marquês de Paraná, contendo revoltas e revoluções separatistas e/ou republicanas, derivaram para o regime republicano sob influência positivista da Escola Militar da Praia Vermelha. O povo assistiu à proclamação da República “bestificado”.

Mas o velho iberismo domou a República agrarista com seu atavismo, por meio das fraudes eleitorais dos “coronéis” para se manter no poder, contra a emergência das camadas médias e trabalhadores urbanos. Acabou levando o regime café com leite ao colapso. A revolução burguesa se completou pela via das armas, com a Revolução de 1930 e, depois, em 1937, com o Estado Novo. O ditador que representava a política castilhista do Brasil meridional, Getúlio Vargas, manteve-se no poder e derrotou as elites paulistas graças à aliança com as oligarquias do Norte e Nordeste, que novamente emergiram como a força política decisiva na Segunda República. O velho iberismo manteve-se firme e forte, ou seja: o clientelismo eleitoral, o fisiologismo político e o patrimonialismo como via de enriquecimento e preservação do poder. O populismo de Vargas, a força política e eleitoral dominante nos grandes centros urbanos, também assimilou as mesmas práticas, levando-as para os meios urbanos.

A lanterna
Até que a crise de financiamento do Estado e a necessidade de avançar no processo de modernização, em plena guerra fria, levaram à radicalização política. Entre dois projetos de desenvolvimento distintos, a democracia brasileira também se foi de roldão. Os militares protagonizaram novo projeto de modernização; para legitimá-lo e se manter no poder, reconstituíram o velho pacto com as oligarquias conservadoras. O clientelismo, o fisiologismo e o patrimonialismo sobreviveram num regime bipartidário cujo objetivo era institucionalizar o regime autoritário via “mexicanização” do país.

A redemocratização não modificou as características ibéricas da nossa política, embora a Constituição de 1988 tenha criado mecanismos para erradicar as principais mazelas, como aconteceu com o nepotismo nas carreiras de estado, de órgãos e de empresas públicas. O colapso do modelo de financiamento da política e dos partidos, via desvio de recursos públicos e caixa dois, com a Operação Lava-Jato, é resultante disso, num contexto de novo ciclo de modernização da sociedade brasileira com características hegemonicamente exógenas, decorrentes da globalização e de aceleradas mudanças tecnológicas.

É nesse cenário que nos deparamos com um novo projeto de “fuga para frente”, em contraposição às “utopias regressivas” à direita e à esquerda, do deputado Jair Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ainda apostam no Estado como via de modernização no país. Sob a égide da ética na política, essa tendência busca um canal de expressão na política tradicional para participar da sucessão de 2018 e romper as muralhas do iberismo. Com ideias liberais pós-modernas, o novo americanismo se expressa pelas redes sociais, busca um candidato competitivo e um partido para chamar de seu. Lembra um pouco o aristocrático Carlos Maia e histriônico João da Ega, personagens de Eça de Queiroz, que seguem apressadamente, e sôfregos, a luz vermelha da lanterna do americano na escuridão da noite de Lisboa: “Ainda o apanhamos! Ainda o apanhamos!”.

 


Gaudêncio Torquato: Rejeição à política tradicional

A crise da democracia representativa, decorrente de certos fenômenos como o declínio das ideologias, o desânimo dos eleitores, a pasteurização dos partidos, a perda de prestígio dos mandatários e o enfraquecimento das oposições, tem propiciado a rejeição à política tradicional e o florescimento de novos polos de poder.

A rejeição social aos velhos costumes políticos assume proporções tão significativas que chegam a abalar, até, os alicerces das instituições do Estado, a partir dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), que passam a receber sérios questionamentos por parte da sociedade.

Dessa constatação, emerge importante questão: protagonistas rejeitados e mal avaliados, principalmente quem detém mandato popular, poderão recuperar seus vetores de força a ponto de repor a confiança das massas eleitorais? Vejamos.

Convém inicialmente lembrar ser impossível apagar da noite para o dia uma taxa de rejeição, principalmente quando ela é alta.

O que vem a ser esse repúdio e qual a origem dessa indignação?

Trata-se de uma predisposição negativa que os cidadãos desenvolvem e mantêm acesa em relação a determinadas figuras públicas. Para compreendê-la melhor, há de se veri¬ficar a intensidade da rejeição dentro da fisiologia de consciência do eleitorado.

O processo de conscientização leva em consideração um estado de vigília do córtex cerebral, comandado pelo centro regulador da base do cérebro e, ainda, a presença de um conjunto de lembranças (engramas) ligadas à sensibilidade e integradas à imagem do nosso corpo (imagem do EU), e, ainda, lembranças perpetuamente evocadas por sensações atuais. Portanto, a equação aceitação/rejeição se fundamenta na reação emotiva de interesse/desinteresse, simpatia/antipatia.

Extensões da maldade
Pavlov se referia a isso como reflexo de orientação. A rejeição tem uma intensidade que varia de pessoa para pessoa.

Figurantes que são ou foram objeto de tiroteio por parte da mídia, principalmente a televisiva, são os mais prejudicados. Eles integram o manual da maldade, tornam-se extensões do território da ilegalidade e, nessa condição, passam a ser demonizados.

Há casos clássicos de políticos que vestiram o figurino da bandidagem. Com o passar do tempo, alguns conseguiram limpar a camada de sujeira que cobria seus perfis.

Ademar de Barros (1901-1969), ex-prefeito e ex-governador de São Paulo, ex-candidato à presidência da República, em 1955 e 1960, exerceu grande influência no Estado-líder da Federação. Colou nele a marca “rouba, mas faz”.

Orestes Quércia, ex-governador de São Paulo, deixou uma imagem não muito asséptica.

Paulo Maluf, que sempre teve altos índices de rejeição, passou a administrar o fenômeno com muito esforço. Mudou comportamentos. Tornou-se menos arrogante, o nariz levemente arrebitado desceu para uma posição de humildade e começou a conversar humildemente com todos. Hoje, perambula pelo universo político e se dá bem com os jornalistas. É um caso de sobrevida na política. Foco de Procuradores que o acusam de ter feito fortuna com recursos obtidos ilegalmente, ele se resguarda sob o mantra: “não tenho dinheiro no exterior; quem achar conta minha no exterior pode ficar com o dinheiro”.

Erros e rejeições de adversários também contribuíram para ate¬nuar a predisposição negativa contra ele. Purgou-se pelos pecados mortais dos outros. “Ruim por ruim, vou votar nele porque ele fez coisas”, pensam seus contingentes eleitorais.

Pesquisar as causas
Em regiões administradas pela velha política, a rejeição a determinados candidatos se soma à antipatia, ao familismo e ao grupismo.

O fato é que diante de uma paisagem assolada por escândalos e denúncias, as massas passam a se manifestar de forma aguda, mantendo a disposição de se libertar de candidaturas impostas e nomes envolvidos em negociatas de propinas.

Mas não se pense que o caciquismo se restringe a grupos familiares. Certos perfis, mesmo não integrantes de feudos políticos, expressam a imagem de antipatia, ora pelo ar de arrogância, ora por um estilo ortodoxo de fazer política ou, ainda, por se vestirem com o manto do oportunismo.

Na atualidade, em quase todas as regiões, há perfis com altos índices de rejeição, comprovando que os eleitores, cada vez mais racionais e críticos, intencionam passar um arado para derrubar a cerca de currais eleitorais.

Isso explica a eleição de candidatos que expressam o sentido do novo, como se viu, por exemplo, no Maranhão, onde Flávio Dino venceu a família Sarney.

A rejeição pode ser atenuada quando o protagonista penetra fundo na origem dos problemas que consomem sua imagem. Para tanto, é oportuno usar as ferramentas adequadas, como pesquisas qualitativas, que poderão mostrar como e porque os grupos sociais o rejeitam.

Nesse momento, deve-se enfrentar com coragem o uso do espelho, onde ele, o ator político, vai descobrir as manchas que sujam sua feição: atitudes pessoais, jeito de encarar as massas, oportunismo, mandonismo, autoritarismo, orgulho, vaidade, arrogância, desleixo, desprezo pelas demandas sociais, cooptação à moda antiga, abuso do poder econômico, história política negativa, envolvimento em escândalos, ausência de boas propostas, descompromisso com as regiões etc.

Para enfrentar essa trilha de obstáculos, os figurantes hão de gastar muita sola de sapato. Não se apaga índice de rejeição com meia dúzia de providências. Trata-se de uma mudança de estilo de fazer política.

Trabalhar com a verdade – esse é o ponto-chave para se começar a administrar a taxa de rejeição. O eleitor distingue factóides de fatos políticos, de boas e más intenções, propostas sérias de coisas enganosas.

O candidato há de montar no cavalo de sua própria identidade, melhorando as habilidades e procurando atenuar os pontos negativos.

É erro querer mudar de imagem por completo, passar uma borracha no passado e usar cosmética em demasia.

Urge mudar sem riscos, sem mudanças constantes e bruscas, de acordo com a sabedoria da velha lição: não ganha força a planta frequentemente transplantada.

* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação.

 


Luiz Carlos Azedo: A pedra cantada

Barroso propôs o fim do foro privilegiado porque a atual regra leva muitos processos à prescrição (extinção da pena), em razão da demora no julgamento

Já era esperado o pedido de vista do ministro Dias Toffoli para estudar o processo e, com isso, paralisar o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o alcance do foro privilegiado em crimes cometidos por deputados e senadores. A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, até fez a proclamação provisória do resultado: 8 dos 11 ministros votaram pela restrição do foro privilegiado de parlamentares federais — 7 acompanharam o relator e um, Alexandre de Moraes, divergiu em relação ao alcance da restrição). Mas ainda faltam os votos de Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que teoricamente ainda podem convencer os demais a mudar de ideia. O julgamento não foi concluído e pode ficar para as calendas gregas. Se tivesse acabado, a maioria dos políticos enrolados na Operação Lava-Jato seria julgada pelo juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba.

Doze homens e uma sentença, um clássico norte-americano produzido por Sidney Lumet e dirigido e escrito por Reginald Rose, ilustra bem as razões de as coisas funcionarem assim nos tribunais. Lançado em 1957, o filme tem como atores principais Henry Fonda, Jee L. Cobb, Jack Warden e Martin Balsam. Doze homens julgam um garoto acusado de matar próprio pai com uma faca. O juiz orienta os jurados a ter cautela na decisão, pois trata-se da vida de um jovem que está nas mãos deles. Pede que decidam por unanimidade. Existem testemunhas e provas, que supostamente comprovam a culpa do garoto acusado, porém, ainda deixam uma grande margem de dúvidas.

Parte dos jurados toma por base o senso comum dos fatos: se a diz mulher que viu o garoto cometer o crime, então o garoto de fato é culpado; se o garoto é pobre e vive no meio de bandidos, também é um bandido etc. Os doze jurados seguiram o procedimento padrão, quando fizeram uma votação preliminar, antes mesmo de discutir quaisquer aspectos, apenas para conhecer o entendimento prévio de cada um e, somados, de todos eles, no seu conjunto. Um dos juradores, porém, revela que não tinha certeza da inocência do réu; mas que também não estava convicto quanto a sua culpa, pelo assassinato do seu próprio pai.

Coincidentemente, o oitavo jurado do filme, como Alexandre de Moraes, diverge da maioria. Há resistência de quase todos os outros 11 jurados, mas rapidamente, um a um, começam a se sentir inseguros quanto ao seu posicionamento inicial. A cada rodada de votação, ao mesmo tempo em que ia sendo ampliada a contagem dos votos de “inocente”, cada um dos jurados a enxerga de forma diferente o mesmo fato, o mesmo dado, a mesma prova. O veredicto passa a ser lentamente transformado de culpado a inocente. O filme é um libelo em defesa da chamada “presunção de inocência”.

Prescrição

Antes que imaginem que estou defendendo a manutenção do foro privilegiado para os políticos que cometeram crimes comum, registro: estou apenas explicando a razão de um tribunal não concluir o julgamento enquanto o último magistrado presente não se manifestar. Teoricamente, ele pode mudar o entendimento da Corte. Isso faz parte do “devido processo legal”, das prerrogativas dos jurados e dos direitos e garantias dos réus. Se a regra é usada para uma manobra política ou “chicana”, não importa, a criança não pode ser jogada fora com a água da bacia. O julgamento de ontem começou em maio, em razão de uma ação penal contra o prefeito de Cabo Frio (RJ), Marquinhos Mendes (PMDB), devido à suposta compra de votos em campanha eleitoral no município. Tramitou por diversas instâncias desde 2008, uma vez que o político mudou de cargo e, consequentemente, de foro. Hoje, é deputado federal e integra a bancada do PMDB.

No Supremo, há duas propostas em votação; a do ministro Luís Roberto Barroso já conta com seis votos, deixa no Supremo somente os processos sobre delitos cometidos durante o mandato e necessariamente relacionados ao cargo. Com isso, sairiam do STF e iriam para a primeira instância acusações contra parlamentares por crimes como homicídio, violência doméstica e estupro, por exemplo, desde que não ligados ao cargo. Alexandre de Moraes, voto vencido até agora, deixa no Supremo todas as ações sobre crimes cometidos durante o mandato, mesmo aqueles não ligados ao exercício da função de parlamentar. Votaram com Barroso os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Celso de Mello.

Barroso propôs o fim do foro privilegiado porque a atual regra leva muitos processos à prescrição (extinção da pena), em razão da demora no julgamento, porque cada vez que um político muda de cargo, o processo migra de tribunal, atrasando a conclusão. Toffoli argumentou que o Congresso também discute outras formas de restringir o foro privilegiado. A proposta em tramitação na Câmara, por exemplo, restringe o foro privilegiado às autoridades máximas do país: os presidentes da República, da Câmara, do Senado e do próprio STF. Pretende esperar o Congresso decidir.


Eliane Cantanhêde: Estouro da boiada

 

Revisão do foro vai livrar o Supremo do peso e jogar 90% na primeira instância

Vem aí um grande estouro da boiada com o fim anunciado do foro privilegiado para deputados e senadores em caso de crimes comuns e anteriores ao mandato. O Supremo se livra de cerca de 800 privilegiados, a vida dos juízes de primeira instância vai mudar um bocado e muitos parlamentares vão começar a refletir se vale mesmo a pena disputar a reeleição.

Os advogados terão muito trabalho e seus honorários polpudos estão garantidos. O primeiro cálculo é em que casos vale ou não a pena tirar seus clientes poderosos do Supremo para enfrentar a primeira instância nos Estados. Para alguns investigados, pode ser o paraíso. Para outros, o inferno. Depende das relações que tenham na Justiça local e, obviamente, o caráter e compromisso de cada juiz.

Em tese, um juiz amigão pode ajudar bastante, mas um que seja amigão do adversário pode ser tentado a usar sua prerrogativa de autorizar quebra de sigilos telefônicos, fiscais e bancários. E há muitas dúvidas de ordem prática.

Antes de pedir vista, o ministro Dias Toffoli já antecipou algumas dessas dúvidas em perguntas ao relator Luís Roberto Barroso que vão virar uma enxurrada de embargos, petições e questionamentos ao STF. Por exemplo: o que acontece com o deputado acusado de receber propina como prefeito, mas que continuou recebendo na Câmara?

Hoje, há um sobe e desce de instância dependendo de qual mandato o político tem em cada momento. Mas, apesar do adiamento do resultado final e das dúvidas, o fato é que o Supremo deu um passo não apenas para acabar com um de tantos privilégios e tornar a Justiça mais igual, como também um passo de reencontro com a opinião pública.

Note-se que o STF é dividido ao meio, mas a decisão é inegavelmente majoritária. Ao decidir antecipar o seu voto, o decano Celso de Mello teve a evidente intenção de sedimentar uma decisão praticamente consensual e dar uma resposta, e um alívio, para a sociedade. Foi um sinal, um símbolo.

A decisão é comemorada de Norte a Sul por movimentos de combate à corrupção e por cidadãos e cidadãs exaustos com a extensão e os valores desviados do público para o privado. Entretanto, a questão não é tão simples assim. Os princípios de igualdade são inquestionáveis, mas todos sabemos o quanto, entre o discurso e a prática, vai uma distância enorme. Passada a festa, vai ficar claro que acabar ou revisar o foro não é uma panaceia para todos os males da Justiça nacional.

O que move a ira da sociedade contra o foro privilegiado é principalmente a lentidão do Supremo, mas a Corte julgou, condenou e mandou prender rapidamente no mensalão, enquanto o ex-governador Eduardo Azeredo está sendo julgado até hoje em Minas, seu Estado, por eventos de 20 anos atrás.

Já era previsto um placar com margem folgada (considerando o ministro Ricardo Lewandowski, que está de licença) e o pedido de vista. Se houve uma surpresa foi a força da argumentação dos vitoriosos e o isolamento de Toffoli e de Gilmar Mendes.

Eles foram acompanhados em parte por Alexandre de Moraes, criando uma situação curiosa: Gilmar tem relações diretas com o presidente Michel Temer, Toffoli teve um encontro em particular com Temer às vésperas da votação e Moraes foi ministro da Justiça do atual governo, que o indicou para o STF.

O presidente trabalha para manter o foro privilegiado tal como está? E com que objetivo? A resposta pode estar no Congresso, que vota simultaneamente uma emenda à Constituição que revisa o foro não só para parlamentares, mas para quase todas as autoridades, até mesmo juízes. E pode fazer o contrário com ex-presidentes: hoje, eles não têm foro privilegiado, mas passariam a ter. Já imaginaram Lula sem Sérgio Moro nos calcanhares?

 


Hubert Alquéres: O condestável de Temer

Reza o folclore político que, ao passar a faixa presidencial para seu sucessor, Hermes da Fonseca teria dito a Venceslau Brás: “olha Venceslau, Pinheiro Machado é tão bom amigo que governa pela gente”. O mesmo pode-se dizer de Rodrigo Maia. Ele está tão próximo de Michel Temer que governa pelo presidente. Nomeou o novo ministro das Cidades, definiu como será a repartição do butim da pasta entre o “Centrão ampliado” e vai fazer o presidente do BNDES. Ai do ministro que não cair em sua graça. É tombo certo.

O fortalecimento do condestável de Temer foi uma decorrência natural do papel que jogou na votação das duas denúncias contra o presidente. Ainda que tenha sobrevivido ao seu Waterloo, Michel Temer saiu da refrega extremamente enfraquecido. Sua base de sustentação, antes estimada em 80% dos parlamentares, desidratou.

Sem votos para aprovar um mínimo de uma reforma da Previdência para chamar de sua, passou a depender dos parlamentares que sabem jogar o jogo do toma lá, dá cá. Deu-se a repetição de uma velha lei da política: presidente fraco, parlamentares vorazes. Mesmo se submetendo a essa lógica, ficou sem a garantia de que levaria adiante seu programa de reformas.

O jeito foi apelar para a figura emergente do presidente da Câmara, estabelecendo com ele um governo de coabitação, uma espécie de “parlamentarismo a lá Temer”, com Maia exercendo, de fato, o papel de primeiro ministro. Nada de substancial importância será implementado pelo governo sem o seu nhil obstat. É dele a responsabilidade de viabilizar qualquer votação, incluindo as mudanças na Previdência.

A assunção de Maia é produto da conjunção de uma série de fatores. A começar da mudança de perfil do governo Temer. Inicialmente o governo se sustentava em um tripé: o seu núcleo duro formado por velhos camaradas do PMDB, pela equipe econômica e pelo PSDB, que lhe emprestava credibilidade junto ao mercado e à sociedade.

Esse suporte ruiu. Não só porque alguns dos membros do núcleo duro foram abatidos pela Lava Jato, mas também porque a crise levou de roldão o PSDB, com os tucanos perdendo credibilidade e densidade. Reféns da dúvida existencial de ser ou não ser governo, os tucanos deixaram de ser um parceiro confiável. De fininho, estão saindo do governo.

Como em política não há tempo para o vácuo, o DEM ocupou o espaço, avançando na ampliação do Centrão com seu partido e mesmo com parlamentares do PMDB. O papel de Maia foi o de ser a argamassa desse novo pacto, transformando-se na liderança natural do chamado “Centrão ampliado”.

A dúvida é se é um movimento de fôlego curto ou se é de longo alcance, com vistas a 2018. O “Pinheiro Machado” de Temer pensa grande. De imediato quer turbinar seu partido, ampliando sua bancada de 29 para 45 deputados. Por sua vez, o presidente sonha em ter alguém na urna eletrônica que defenda o seu legado.

Com o PSDB perdendo protagonismo -- por enquanto não oferece expectativa de poder --, potencializa-se a centrifugação do centro, com os partidos deste campo buscando outras alternativas. Nesse quadro, a confluência dos interesses de Temer e Maia poderia desembocar em uma candidatura de centro-direita, com nome, RG e CPF: Henrique Meirelles.

Qual o grau de competitividade dessa candidatura, difícil prever. Teria, claro, o handicap de um tempo televisivo mastodôntico, o que em uma campanha eleitoral não é pouco. A certeza deste trunfo estaria na aliança do DEM, PMDB e as siglas do Centrão - PP, PR, PSD, entre outros.

Os estrategistas do Palácio do Planalto incensam a candidatura Meirelles confiantes na recuperação da economia e no seu impacto na população até as eleições. Temer seria, portanto, um cabo eleitoral não desprezível. Na hipótese de tudo dar certo, Rodrigo Maia se reelegeria presidente da Câmara em 2019 e continuaria como o condestável do novo governo, assim como Pinheiro Machado foi em vários governos da República Velha.

Sonhar não custa. Mas a vida costuma contrariar os sonhos. Além de Meirelles ser um andor pesado de se carregar, dada principalmente à sua falta de carisma, o grau de rejeição do governo Temer é de tal envergadura que seria suicídio político alguém disputar eleição como seu candidato.

Mais: o ritmo lento da recuperação da economia não justifica projeções triunfalistas para o horizonte de 2018. Se a economia crescer 2% no próximo ano, como estima a equipe econômica, não será nenhuma Brastemp. Dificilmente a melhora terá impacto profundo no humor dos brasileiros.

O governo de coabitação implica em riscos para o próprio Rodrigo Maia. Se a reforma da Previdência não for aprovada, será responsabilizado pelo fracasso. Dada a inanição do governo em matéria de popularidade, seu próprio partido pode pressioná-lo para descolar de Temer para não sofrer uma hecatombe eleitoral. Sem falar que terá de administrar a ciumeira do Senado e as armadilhas montadas por caciques peemedebistas.

Na linha fina em que terá de se equilibrar, convém ao condestável de Temer levar em conta o velho conselho de Pinheiro Machado: “nem tão depressa que pareça fuga, nem tão devagar que pareça provocação”.

* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo

 


Luiz Carlos Azedo: Para onde vai a Lava-Jato?

A pergunta é pertinente, quando nada porque nenhum político com mandato que esteja envolvido no escândalo foi julgado e condenado até agora pelo STF

A Operação Lava-Jato vive um momento crucial, que balizará o futuro das investigações e dos políticos nela envolvidos. Os fatos estão se sucedendo muito rapidamente quanto a isso. Ontem, os desembargadores do Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro (TRF-2) votaram por um novo pedido de prisão dos deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, do PMDB. A Justiça Federal também determinou o afastamento deles da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

Os três já se entregaram e vão recorrer. Haviam sido presos na Operação Cadeia Velha, desdobramento da Lava-Jato no Rio, mas foram soltos após votação na Alerj na sexta-feira passada, sem que houvesse notificação judicial. São suspeitos de receber propina para defender interesses de empresários dentro da Alerj e de lavar o dinheiro usando empresas e compra e venda de gado. Para deixarem a cadeia, agora, só com uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Supremo Tribunal Federal (STF).

Há um lusco-fusco jurídico nessa questão. Um deputado federal cumpre pena em Brasília e não foi afastado das funções, ou seja, acorda parlamentar e dorme presidiário. Recentemente, o Senado revogou decisão da primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que afastava do exercício do mandato o presidente licenciado do PSDB, Aécio Neves, com base em decisão do plenário da Corte, por 6 a 5, no sentido de que cabe ao Congresso aceitar ou não a prisão de senadores e deputados.

Essa jurisprudência está sendo replicada nos estados pelas câmaras municiais e pelas assembleias legislativas, que estão soltando vereadores e deputados cujas prisões foram decretadas por juízes e tribunais, respectivamente. Foi o que aconteceu no Rio de Janeiro, com mais retumbância do que em outros lugares, porque um dos três parlamentares é o político mais poderoso do Rio de Janeiro, o presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani (PMDB), e a decisão foi tomada pela Justiça Federal.

Para onde vai a Lava-Jato? A pergunta é pertinente, quando nada porque nenhum político com mandato que esteja envolvido no escândalo foi julgado e condenado até agora pelo STF. As condenações de ex-parlamentares são outra história, porque estão correndo em primeira e segunda instâncias, graças à atuação de delegados, procuradores e juízes federais. Argumenta-se que o STF não está aparelhado para acompanhar investigações criminais, daí o atraso. Mas não é só isso.

Tiro no pé

Há muitas divergências na Corte quanto às delações premiadas, aos acordos de leniência, às prisões prolongadas e até mesmo às prisões após julgamento em segunda instância, que arranhariam o “transitado em julgado” e o chamado “devido processo legal”, mas têm jurisprudência do próprio Supremo. São frequentes as polêmicas públicas entre os ministros quanto a isso. O caso dos três deputados fluminenses certamente será julgado na instância máxima do Judiciário, o STF. Ontem, por exemplo, o ministro Luiz Fux classificou de promíscua a decisão da Assembleia Legislativa fluminense que havia revogado a prisão dos três deputados e disse que o dispositivo aprovado em relação ao Congresso não se aplica aos parlamentos estaduais e municipais. Não é pacífica essa interpretação na Corte.

Em 24 horas, o novo diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, que assumiu oficialmente nessa segunda-feira, armou um banzé na Polícia Federal e na relação da instituição com o Ministério Público Federal e o Supremo Tribunal Federal. Em entrevista, pôs em dúvida se “uma única mala” era suficiente para apontar se houve corrupção passiva, numa alusão aos R$ 500 mil, transportados pelo ex-deputado Rocha Loures, que supostamente seriam destinados ao presidente Michel Temer. Resultado: houve forte reação da sua própria instituição e, para acalmar a corporação, manteve o coordenador da Operação Lava-Jato na Polícia Federal, delegado Josélio Azevedo de Souza.

 


Sérgio C. Buarque: A refundação do Estado

O principal problema do Brasil é o Estado, grande, ineficiente, injusto e corrupto, capturado e dominado pelo patrimonialismo e pelo corporativismo, que se apropriam de grandes fatias dos recursos públicos. Mas a solução e o desenvolvimento futuro do Brasil dependem também do Estado. Precisamos de outro Estado. Como sugeriu Tibério Canuto em reunião da Roda Democrática no Nordeste, precisamos refundar o Estado brasileiro. E não se trata de rever o seu tamanho, mas redefinir seu papel e suas funções, suas prioridades e a estrutura organizacional.

O Brasil tem uma carga tributária de 35% do PIB, pouco menos que a Alemanha (cerca de 36,1% do PIB), e muito acima da Coréia do Sul com apenas 24,4% do PIB. E por que o resultado é tão diferente nesses países? O IDH-Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil é 0,754, muito abaixo da Alemanha, com 0,926, e da Coréia do Sul, com 0,901. Com um Estado muito mais leve que o brasileiro, a Coréia do Sul tem alto nível de educação, competitividade e qualidade de vida. Na avaliação do PISA, que mede a qualidade da educação no mundo, o Brasil ficou em 65º numa lista de 70 países, e a Coréia do Sul é o 7º melhor. Para onde estão indo os enormes recursos que o Estado arrecada? Estão saindo pelo ralo, numa mistura de apropriação indébita, privilégios, supersalários, insolvência do sistema de previdência, ineficiência, desperdício e corrupção.

A refundação do Estado brasileiro passa pela revisão do seu papel no desenvolvimento e na promoção da melhoria da qualidade de vida. Com a receita atual, o Estado brasileiro poderia promover uma profunda transformação na sociedade e na economia. O Estado deve concentrar todas as forças e recursos como provedor dos serviços públicos e, principalmente, do que prepara o Brasil e os jovens para o futuro: a educação pública de qualidade, como fez a Coréia do Sul, como fizeram os países desenvolvidos. Essa é a verdadeira promoção da justiça social, criando oportunidades iguais para todos os jovens, nada a ver com as gambiarras de distribuição de renda. O Estado não precisa ser empresário, mas deve atuar com firmeza na regulação do mercado, garantindo a concorrência e a qualidade dos produtos. O resto, deixa que os empresários fazem melhor e com mais eficiência que as estatais, manipuladas por interesses imediatos dos governantes de plantão, quando não utilizadas para as falcatruas, como o Petrolão. A economia tem que ser eficiente e o mercado não é o espaço da justiça. Quem tem que praticar a justiça é o Estado, mas não com distributivismo de renda, e sim com oferta equânime de educação, base para a igualdade de oportunidades.

Entretanto, antes de qualquer coisa, é urgente conter a descontrolada vazão de recursos públicos arrecadado pelo Estado. A começar pela urgente reforma da Previdência e pela revisão dos salários dos servidores públicos, para acabar com as discrepâncias, os privilégios e os supersalários, especialmente no Judiciário. O orçamento da União para este ano destina R$ R$ 648,6 bilhões para a Previdência Social (INSS e servidores públicos), quase seis vezes mais que os R$ 110,7 bilhões destinados à Educação e 78 vezes mais do que é alocado para Ciência e Tecnologia. O Sistema Judiciário consome R$ 41,9 bilhões dos recursos públicos da União e o Congresso leva mais cerca de R$ 10,2 bilhões, custo este que se multiplica por Estados e municípios, para não falar na dívida que está sendo simplesmente rolada (jogada para o futuro). Com esta estrutura de despesa pública, com grande rigidez à baixa, o Brasil vai continuar andando de costas para o futuro. E o Estado brasileiro marchando rapidamente para a insolvência, que levará o país para o abismo. A não ser que um grande entendimento nacional promova a refundação do Estado .

 

 


Luiz Carlos Azedo: Acordo da Odebrecht sobe no telhado

As grandes bancas de advocacia criminal voltaram a atuar com desenvoltura nos tribunais, explorando as brechas legais e as falhas para beneficiar seus clientes

O chefão da Odebrecht, Emílio Odebrecht, perdeu o controle sobre os 77 executivos da empresa que fizeram delações premiadas. Por essa razão, os advogados do grupo comunicaram à Polícia Federal que seus ex-diretores, a maioria em prisão domiciliar, somente voltarão a prestar depoimento em juízo. A decisão pode resultar no arquivamento de denúncias contra mais de 100 políticos citados nas delações premiadas e que estão sendo investigados pela PF, por falta de provas. Apelidada de “delação do fim do mundo”, o acordo de leniência negociado pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot com o grupo, a partir do acordo feito com Marcelo Odebrecht, que está preso em Curitiba, subiu no telhado e pode ser revisto. Os sinais de mudança de cenário vêm de todos os lados.

Na semana passada, o ex-superintendente da construtora em São Paulo Carlos Armando Paschoal se rebelou em juízo, ao depor na Justiça Federal sobre o caso do metrô de São Paulo. Contra a orientação do advogado da empresa, em vez de permanecer em silêncio, resolveu prestar novo depoimento, espontaneamente, com informações contraditórias em relação a oitivas anteriores. Engenheiro civil formado pelo Mackenzie na década de 1970, “Carp”, como era chamado, foi diretor da Andrade Gutierrez, por 12 anos, e da Odebrecht, por mais 20 anos. Em 2010, acusou o senador José Serra (PSDB) de receber cerca de R$ 38 milhões; o ministro da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab, do PSD, R$ 21,5 milhões; e o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, do PSDB, R$ 500 mil. Todos negaram as acusações e poderão se beneficiar do novo depoimento do diretor da Odebrecht para requerer a anulação das denúncias.

Outro sinal de que os acordos feitos por Janot poderão ser revistos veio direto do Supremo Tribunal Federal (STF), com a decisão do ministro Ricardo Lewandowski que devolveu a delação premiada do marqueteiro Renato Pereira à Procuradoria-Geral da República, recusando-se a homologá-la. O ex-governador Sérgio Cabral, o governador fluminense Luiz Fernando Pezão e o ex-prefeito Eduardo Paes são os políticos mais envolvidos no caso. Os acordos de delação são feitos pelo Ministério Público, que julga convincentes ou não as provas ou os indícios oferecidos. Não é competência do Judiciário negociar os acordos, mas, sim, homologá-los. O ministro Gilmar Mendes, que preside a segunda turma do STF, em entrevista, endossou a decisão do colega.

Dificilmente o acordo da Odebrecht também não sofrerá as consequências da revisão do acordo de leniência e das delações premiadas da JBS e do empresário Joesley Batista. O presidente Michel Temer questiona a participação do ex-vice-procurador Marcelo Müller na banca do escritório de advocacia que atuou na elaboração do acordo de leniência do grupo JBS. Sob investigação do próprio Ministério Público Federal (MPF), Müller integrou o grupo de trabalho da Lava-Jato até pouco antes de o empresário Joesley Batista e outros executivos da holding controladora do frigorífico JBS fecharem acordo de delação premiada. E chegou a participar das negociações com a Odebrecht, sendo um dos negociadores das delações premiadas do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e do ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT), que era líder do governo Dilma Rousseff.

Mudanças
De certa forma, a complexidade dos processos da Odebrecht começa a ter consequências do ponto de vista do chamado “devido processo legal”. As grandes bancas de advocacia criminal, que inicialmente foram surpreendidas, voltaram a atuar com desenvoltura nos tribunais, explorando as brechas abertas pelo Código de Processo Penal e as falhas para beneficiar seus clientes. Além disso, denunciados excluídos das delações começam a oferecer provas de que houve ocultação de informações e manipulação nos depoimentos, o que cria mais problemas para a Odebrecht.

Houve também duas mudanças políticas no comando das investigações da Lava-Jato. Uma foi saída de Janot da PGR, artífice da negociação. Raquel Dodge, nova procuradora-geral, tem compromisso com a Lava-Jato, mas não com falhas no processo. A outra foi a troca do diretor-geral da Polícia Federal, cargo agora ocupado pelo delegado Fernando Segóvia, indicado por Temer.


Hubert Alquéres: Refundação do Estado

A questão do papel Estado é um divisor de águas e tende a estar no centro da disputa presidencial. As duas candidaturas populistas estão presas a modelos passados que perderam sentido e não respondem às necessidades do século 21. O Brasil de hoje é inteiramente diferente do que era nos tempos do varguismo ou do estatismo do presidente militar Ernesto Geisel. Mas a direita e a esquerda estatistas pensam ainda ser possível alavancar o desenvolvimento a partir do intervencionismo estatal. Não por coincidência, Lula e Bolsonaro são pródigos em elogios à era Geisel.

O Estado que aí está gerou o capitalismo de laços, levou o país à maior crise econômica de sua história. Mais: perpetuou iniquidades e privilégios de minorias incrustadas em seu aparato. Nele coabitam o patrimonialismo e o corporativismo, duas forças atrasadas e refratárias às mudanças.

São elas os principais entraves às reformas necessárias e à modernização da economia. Vide as resistências à reforma da Previdência e às privatizações da Eletrobrás e dos aeroportos, emblemáticas do espúrio casamento entre corporações de trabalhadores e patronais com o clientelismo político.

Na outra ponta, o Estado oferta serviços públicos de baixíssima qualidade, mesmo sendo financiado por uma carga tributária altíssima. A sociedade carrega um fardo pesadíssimo para sustentar um aparato ineficiente, burocrático, perdulário e frequentemente corrupto.

Esse Estado não serve ao Brasil. Não alcançaremos o crescimento sustentado, não seremos um país socialmente mais justo, não lograremos a equidade enquanto ele não for desconstruído.

O grande desafio do campo democrático alternativo aos dois extremos autoritários e regressivos é oferecer aos brasileiros um outro projeto de Estado, capaz de responder aos desafios de um mundo em intensa transformação e de colocar o país no patamar das sociedades modernas e desenvolvidas.

Felizmente, não partimos do zero na definição do Estado que queremos. Já há muita massa crítica e iniciativas que jogam luz no debate necessário. Todas elas convergem para a necessidade imperiosa da refundação do Estado, tese que permeou o seminário Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação, promovido pelo ITV/PSDB e FAP/PPS, que está presente no manifesto dos intelectuais do PSDB e nas conclusões do Quarto Encontro da Roda Democrática – movimento suprapartidário do qual faço parte.

A pedra de toque é a redefinição de seu papel, no sentido da transformação de um Estado produtor e financiador da produção, em um Estado regulador e provedor de serviços públicos de qualidade.

Se no passado se fazia necessária a forte presença estatal na economia — como aconteceu nos anos 1950/60 -- hoje isso não se justifica mais. Em uma economia globalizada e de forte inovação tecnológica o motor do desenvolvimento são os investimentos privados, internos e externos. A inflexão se impõe também porque o Estado não tem pujança para alavancar os investimentos e ao mesmo tempo cumprir com suas obrigações sociais.

Ao Estado moderno compete desenhar o marco regulatório para a atração do capital privado, definir as normas de proteção dos consumidores e do meio ambiente, dar segurança jurídica aos investidores, assegurar a concorrência.

O esforço, portanto, deve ir na direção da abertura da economia brasileira e de realizar um ousado programa de privatização para que possa redirecionar seus recursos e energia para outras prioridades.

O Estado não é um fim em si mesmo, ou não deveria ser. Seu principal papel é o de ser o meio para a promoção da equidade, da igualdade de oportunidades.

Liberado de sua função de produtor e financiador da produção, suas prioridades seriam fornecer aos brasileiros educação de qualidade, saúde e segurança, entre outros serviços.

No caso da educação, o foco deve ser o ensino básico. As nações que conquistaram a equidade e o crescimento sustentado trilharam esse caminho. Não será diferente com o Brasil.

Na era da Quarta Revolução Industrial, da robotização e da inteligência artificial os países que não ingressarem no restrito clube da inovação tecnológica serão meros coadjuvantes no cenário internacional. Nessa área, o atraso do Brasil é gritante, motivo mais do que suficiente para revolucionar também a concepção do Estado.

Sem um novo pacto federativo, sem as reformas estruturantes -entre as quais a previdenciária-, sem o enxugamento do aparato estatal, o Brasil continuará refém de políticos parasitários e fisiológicos, de capitalistas de compadrio, de corporações sindicais e de servidores que não abrem mão de privilégios.

Refundar o Estado significa livrar o país destes grilhões e acabar com o patrimonialismo e o corporativismo.

* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo

 


Luiz Carlos Azedo: A reforma na Esplanada

Temer pretende reunir apoios suficientes na Câmara e no Senado para aprovar a reforma da Previdência, o que não será fácil. Mas é vital para o governo adquirir mais musculatura

A composição atual do governo, com 27 ministros, é resultado dos acordos feitos por Michel Temer para aprovar o impeachment de Dilma Rousseff na Câmara e no Senado, o que levou a antiga oposição ao poder, isto é, o PSDB, o DEM, o PPS e o Solidariedade. O primeiro a desembarcar foi o PPS (apesar de o ministro Raul Jungmann permanecer na Defesa, na cota pessoal de Temer); agora foi a vez do PSDB, que prepara a saída de seus ministros até a convenção da legenda, no começo de dezembro. Os demais, a começar pelo PMDB, já estavam no governo Dilma.

A reforma ministerial anunciada ontem pelo líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RJ), que levará à troca de 17 ministros, estava prevista para abril (prazo para a desincompatibilização dos ministros que pretendem disputar eleições). O desembarque do PSDB precipitou a reforma, que já era cobrada pelos aliados do chamado centrão (cujo núcleo principal é formado pela aliança PP, PR e PSD). Os demais partidos da aliança, como o DEM, o PTB e o Solidariedade, continuarão no governo, cuja cara dependerá dos objetivos de Temer.

Na composição original, o objetivo era afastar Dilma Rousseff e compor um governo de transição que enfrentasse a recessão, com um ajuste fiscal e reformas na economia que recolocassem o governo nos trilhos, já que o da petista havia descarrilado. Isso foi alcançado. No meio do caminho, porém, o presidente da República se viu arrastado para o olho do furacão da Operação Lava-Jato, com duas denúncias do então procurador-geral Rodrigo Janot contra ele, em razão da gravação de conversa comprometedora com o empresário Joesley Batista, dono da JBS. Entretanto, em nenhum momento Temer correu o risco de um impeachment, porque contou com a solidariedade do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Entretanto, saiu da refrega enfraquecido. Na segunda denúncia, pela primeira vez, Temer se viu em minoria na Câmara. A denúncia foi rejeitada, porque precisava de dois terços de aprovação, mas os mesmos aliados que enfrentaram a opinião pública para barrá-la sentiram o cheiro de animal ferido na floresta. Foram para cima dos partidos que não deram o apoio esperado a Temer, principalmente o PSDB, exigindo seus ministérios. O mais cobiçado era o das Cidades, por causa dos programas habitacionais e de saneamento. Não foi à toa que o deputado tucano Bruno Araújo (PE), seu titular, pegou o boné antes de ser defenestrado do ministério.

Os partidos aliados pressionam Temer a passar o rodo nos infiéis e fazer logo a reforma ministerial; em contrapartida, prometem aprovar a reforma da Previdência. Segundo Jucá, a saída de Bruno precipitou essa mudança, que será “para aprovar e agilizar a votação das matérias que existem na Câmara”. Esse é o busílis da reforma ministerial. Assim como costurou uma maioria para aprovar o impeachment, Temer pretende reunir apoios suficientes na Câmara e no Senado para aprovar a reforma da Previdência, o que não será fácil. Mas é vital para o governo adquirir mais musculatura no próximo ano, evitando sua desagregação precoce.

Fricção
Com base em avaliações do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, com a reforma da Previdência o governo poderá ter um desempenho econômico muito melhor no próximo ano, aumentando seu cacife eleitoral. Temer sonha com isso para aumentar sua popularidade, embora tudo indique que a desaprovação do seu governo seja provocada pela crise ética, que atingiu em cheio o Palácio do Planalto. Ao contrário de outros presidentes, Temer não pode jogar carga ao mar, ou seja, afastar do governo ministros denunciados na Operação Lava-Jato.

Mas há um problema a ser resolvido para aprovar a reforma da Previdência, a posição de distanciamento relativo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que reflete uma postura de maior autonomia do seu partido. O contencioso entre Temer e Maia tem a ver com as articulações do DEM para ampliar seu cacife parlamentar e eleitoral. O presidente da Câmara não engoliu as manobras para evitar a migração de parlamentares para seu partido patrocinadas pela cúpula do PMDB.

Esse contencioso vem se expressando na apreciação das matérias de interesse do governo. Ontem, por exemplo, surgiu mais uma fricção, com a medida provisória assinada por Temer que modifica a reforma trabalhista. O presidente atendeu um pedido do presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-RJ), fruto de um acordo da bancada de senadores do PMDB com as centrais sindicais. Maia era contra a medida provisória, queria que fosse enviado um projeto de lei, com argumento de que não havia participado da negociação.