política

Merval Pereira: O PSDB se atrasa

“Antes tarde do que nunca”, ironizou o senador Tasso Jereissati ao comentar o pedido de demissão do deputado Antonio Imbassahy do cargo de ministro da Secretaria de Governo, que na prática já não exercia, pois sua coordenação política não tinha o respeito da maioria da bancada aliada.

Mas o PSDB não consegue sair de seu labirinto, embora aparentemente pacificado. Vai para a disputa presidencial envolto em suas próprias contradições, que se revelam tanto na decisão solitária do senador Aloysio Nunes Ferreira de continuar à frente do ministério das Relações Exteriores, quanto na indefinição quanto à reforma da Previdência.

O PSDB decidiu que Geraldo Alckmin será o candidato à presidência da República em 2018, mas é constrangedor que o partido esteja ainda discutindo o apoio à reforma da Previdência. Como destacou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, uma espécie de grilo falante dos tucanos, são os valores que os tucanos têm que apoiar, independente dos interesses eleitorais.

Alckmin não cansa de dizer que é favorável à reforma, mas estaria temeroso de que, se melhorar a economia, o governo se senta forte o suficiente para lançar um candidato próprio, sem procurar uma aliança com o PSDB.

Mas se uma aliança com a base do governo é tão importante, ou mais, que o programa partidário, que deveria estar acima dessas disputas, por que mesmo o PSDB tem que sair da base aliada? Então voltamos ao comentário do senador Tasso Jereissati: o fato é que os tucanos já deveriam ter deixado o governo Temer há muito tempo, mais especificamente depois da revelação daquela conversa escabrosa com Joesley Batista.

Ali, a legitimidade do governo, que recebeu o apoio do PSDB, foi perdida. Isso não quer dizer que seus projetos programáticos, como as reformas estruturais, tenham perdido a importância. O PSDB, que ao apoiar o governo Temer no primeiro momento anunciou que o fazia, entre outras coisas, para apoiar as reformas anunciadas, poderia ter continuado lutando por elas, fora do governo.

É o que acontecerá agora, mas tão “elegantemente” que possa permitir uma aliança eleitoral mais adiante, o que, mais uma vez, acentuará as contradições internas do PSDB, cada vez mais parecido com todos os partidos saídos dessa geléia geral em que se constitui nosso sistema partidário.

O primeiro desafio do partido nessa nova fase se dará na votação da reforma da Previdência, dentro de dez dias. Se a reforma perder devido à falta de votos dos tucanos, a votação ficará tão marcada quanto aquela em que o tucano Antonio Kandir entrou para a história como o responsável por ter impedido a aprovação da idade mínima, um problema que poderia ter sido resolvido há 20 anos e não o foi por um engano (com ou sem aspas?) de digitação do ex-ministro tucano.

Desta vez, a decisão dos tucanos que não votarem a favor da reforma da Previdência não poderá ser atribuída a “enganos”, mas a interesses eleitorais mesquinhos ou visão equivocada dos compromissos com o país.

Pelo discurso que fará hoje, quando será eleito presidente nacional do partido, o governador de São Paulo lança-se na disputa do espaço anti-Lula. Um dos tópicos de sua fala adiantado ontem é o seguinte, referindo-se a Lula: “As urnas o condenarão pelos 15 milhões de empregos perdidos, pelos milhares de lojas fechadas, sonhos desfeitos e negócios falidos. As urnas o condenarão pela frustração dos projetos de milhões de famílias levadas ao desespero, por ter sucateado o SUS e atentado contra a saúde de todos os brasileiros”.

Tratará o ex-presidente como criminoso, ao afirmar que ele, “audacioso, quer voltar à cena do crime”, isto é, ao Palácio do Planalto. Alckmin joga com a máquina partidária, o tempo de propaganda no rádio e televisão para mais uma vez levar o PSDB a disputar o segundo turno das eleições presidenciais contra o PT, o que acontece há quatro eleições seguidas.

Mas esse é um raciocínio típico da velha política, que não leva em conta a busca do novo pelos eleitores, os movimentos sociais nos novos meios, a revolta dos cidadãos. É uma aposta em que o velho que está morrendo terá forças ainda para impedir que o novo que está nascendo não prevaleça. A força eleitoral de Lula mostra que isso é absurdamente possível. Alckmin quer mostrar que, apesar de tudo, representa uma transição mais confiável.

 


Everardo Maciel: A verdadeira reforma tributária

No clima de boas iniciativas voltadas para construir um saudável ambiente de negócios e recuperar as finanças públicas, é natural que surjam propostas de reforma tributária.

Alguns delas buscam inspiração em experiências de outros países; outras, mais atrevidas, fazem lembrar a malsinada “nova matriz econômica”, que infelicitou o País nos últimos anos.

Sistemas tributários são intrinsecamente imperfeitos, porque construídos no embate parlamentar.

A pretensão de torná-los consentâneos com modelos teóricos, que se abstraem de restrições, é fascinante. Abre espaço para a imaginação, na busca de uma possível estética tributária. Desconhece, todavia, os riscos e custos de mudanças disruptivas, que envolvem virtuais danos ao equilíbrio fiscal, imprevisível redistribuição de carga tributária sobre os contribuintes e, sobretudo, a perspectiva de instauração de morosos e intrincados litígios judiciais, inerentes a um País onde prepondera a próspera indústria da litigância.

Parafraseando San Tiago Dantas, em discurso de posse na cátedra de Direito Civil da Universidade do Brasil, o sistema tributário é “campo das aquisições lentas, das transformações aluvionais”.

No campo material, as mudanças devem ser estratégicas e cautelosas, inspirando-se nas engenharias parcelares, preconizadas por Karl Popper.

Não se pode desconhecer que instabilidade de regras tributárias desaconselha os investimentos.

Em outra perspectiva, despontam os principais problemas do sistema tributário brasileiro: o processo e os procedimentos tributários. Sem o charme das novas concepções tributárias, o enfrentamento desses problemas demanda muita determinação para superar arraigadas resistências de índole cultural.

Ao qualificar como complexo o sistema tributário brasileiro, é bem provável que a percepção do analista tenha sido impactada pela complicação do sistema, o que desloca a matéria do campo da concepção abstrata para o da operabilidade.

O Imposto de Renda das Pessoas Físicas, por exemplo, não é simples, mas sua declaração é fácil. É isso o que conta para o contribuinte.

Alguns dados para ressaltar a dimensão dos problemas processuais e procedimentais: no País, a soma das disputas tributárias (inclusive créditos inscritos em dívida ativa) perfaz um montante de R$ 3,3 trilhões, valor equivalente a aproximadamente 50% do PIB previsto para 2017, segundo o Banco Central; o prazo para o desfecho, na Justiça, de controvérsias tributário-constitucionais, que se iniciam na primeira instância, em conformidade com o controle difuso de constitucionalidade, é de 15 a 20 anos, gerando graves desequilíbrios concorrenciais; estão se esgotando as possibilidades de oferecimento de avais e fianças a contribuintes que contestam lançamentos tributários pela via judicial; por força de um burocratismo predatório que contrasta, paradoxalmente, com a excelência tecnológica da administração tributária, a mais recente pesquisa do Banco Mundial sobre a facilidade de fazer negócios (“Doing Business”) classifica o Brasil, em termos de pagamento de impostos, na lastimável 184ª posição em um universo de 190 países (apenas quatro países pobres africanos, Bolívia e Venezuela têm desempenho inferior ao Brasil).

É impressionante a pouca atenção que se dá a essas matérias, dando a impressão que há uma firme intenção de preservar o império da litigância e da burocracia. Com as vigentes regras processuais e procedimentais, nenhum sistema tributário será eficaz.

Em lugar de estimular o exercício de inviáveis fantasias tributárias, o governo Temer deveria conferir prioridade à reforma dos processos e procedimentos tributários.

No Senado, já foram apresentadas propostas que lidam com aquela reforma: a PEC nº 112/2015, gestada na CPI do CARF, que funcionou naquela Casa; e a PEC nº 57/2016 e o projeto de lei complementar nº 406/2016, elaborados no âmbito da Comissão dos Juristas para Desburocratização. Essas proposições são, ao menos, um ponto de partida para discussões mais profundas.

 

 

 

* Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal


Mauricio Huertas: De onde virá o novo que o eleitor busca em 2018?

Um vovô que coloca brinco, bermudas coloridas, meias três quartos e sapato social na praia não é moderno. É ridículo. Mal comparando, partidos que mudam às pressas sua sigla, ou o nome fantasia, não passam a simbolizar a renovação da política simplesmente por um golpe de marketing, sem alterar a fundo o conteúdo obsoleto e as práticas execráveis. Tanto quando os corruptos, o que as novas gerações mais desprezam e repudiam é político hipócrita, demagogo e mentiroso.

A moda agora é tirar o "partido" dos partidos. Só não tiram os bandidos. Incrível! Até o PMDB, metido em tanta lambança nas últimas décadas, vai voltar a ser MDB - relembrando os velhos tempos da luta contra a ditadura e valorizando o M de Movimento nas suas iniciais. E assim surgem Podemos, Avante, Livres, Patriotas e equivalentes. A velha sopa de letrinhas requentada. Será que ficaram modernos por isso? Vamos conferir nas urnas a quantidade de eleitores ingênuos que vão cair nessa pegadinha da nova língua do P ao contrário.

Porém, o que os cidadãos conscientes desejam - e esses novos movimentos cívicos que surgem espontaneamente e não dão liga com os velhos partidos representam - é algo que venha impactar verdadeiramente a agenda eleitoral e a ação política no Brasil. Mudanças efetivas na vida das pessoas, a melhoria da qualidade de vida, da situação econômica, da inserção social, da segurança, do emprego, da saúde, da educação, da igualdade de oportunidades.

Governos mais eficientes e responsáveis. Gestores públicos mais preparados. Um Estado mais ágil, conectado com as novas tecnologias e indutor do desenvolvimento. Uma sociedade mais justa e sustentável. Para tanto, é necessário que uma nova geração de políticos se apresente e se eleja - e as regras estão postas. Mas não será das velhas estruturas cartoriais maquiadas que surgirá o novo. Mudanças profundas são uma necessidade emergente, para o bem da democracia.

Isso leva a outro assunto: afinal, quem discorda da urgência de uma série de reformas estuturais, da previdenciária à tributária; da trabalhista à eleitoral - e todas muito mais robustas do que os puxadinhos improvisados que se vêem por aí? Mas, cá entre nós (e aqui voltamos aos políticos corruptos, hipócritas, demagogos e mentirosos), alguém acredita de fato nas reformas propostas por este presidente desacreditado, que mudam ao sabor dos humores do mercado, da volatilidade deste governo desprezível e de um Congresso medíocre que, embora eleito para representar a média do povo brasileiro, não passa de um antro de interesses privados e muitas vezes ilícitos?

O que nós queremos - e a nossa ida às urnas em outubro de 2018 pode ser um ponto de partida - é a ampliação dos instrumentos democráticos e dos preceitos republicanos à disposição do eleitor, na relação diária com o poder público e não apenas na proximidade das eleições, desmistificando a política e reaproximando-a do cidadão comum, sem o monopólio dos partidos nem a dependência de um salvador da pátria.

Exigimos dos políticos - os tradicionais e os novos convertidos - o respeito à diversidade do Brasil e dos brasileiros; o compromisso democrático com os interesses da maioria sem o descaso pelas minorias; um comportamento ético, responsável, transparente e tolerante com as diferentes correntes de opinião, mas que não se empobreça no debate estéril da polarização enraivecida nem descambe para as soluções mais extremadas, que nos parecem indesejáveis para a estabilidade do futuro governo - e que, bom ou ruim, mais à esquerda ou à direita, será legitimamente eleito por nós. E que vença o melhor.

* Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente

 


Hubert Alquéres: Pedras no caminho

“Mongezinho, Mongezinho, tens um duro caminho”. As palavras que Martinho Lutero ouviu de um frei amigo quando da sua peregrin ação para Worms caem como uma luva para o duro caminhar do governador Geraldo Alckmin para se tornar protagonista da sucessão presidencial.

Sua maratona começa no próximo fim de semana quando, por consenso, será sacramentado presidente do PSDB na convenção partidária. Com a Pax tucana do momento, procura saltar a primeira pedra no meio do caminho: a eterna divisão interna que tantos prejuízos trouxeram em outras campanhas.

Se a balcanização do tucanato não fosse temporariamente estancada seriam diminutas suas chances de inverter a centrifugação do campo político situado entre os extremos Lula-Bolsonaro. Por falta de um polo catalizador, o centro navega à deriva, com suas possíveis candidaturas sofrendo de raquitismo eleitoral como mostram os dados do último Datafolha.

Diz-se de Geraldo Alckmin ser um político bafejado pela fortuna. A sorte parece lhe sorrir de novo, uma semana após a desistência de Luciano Huck. A conclusão do voto do juiz relator do julgamento de Lula no Tribunal Regional Federal da Quarta Região é uma confirmação da informação de Lauro Jardim, segundo a qual este julgamento acontecerá em marços ou abril.

Nunca se sabe o que se passa em cabeça de juiz, mas nove entre dez analistas acreditam na condenação de Lula. Nem ele mesmo acredita na sua absolvição. Mesmo que seja um cabo eleitoral fortíssimo, uma coisa é a urna eletrônica com Lula, outra é sem ele.

No mínimo caciques do PMDB vão refrear seu ímpeto de embarcar na canoa do caudilho. Ora, Alckmin ganha tempo com isso. A sorte pode estar tirando outra baita pedra do seu caminho. Sem Lula, o fantasma Bolsonaro perde gás. Eleitores que estão em sua órbita por ser antilulista podem voltar o leito do centro democrático.

E mesmo nos números do Datafolha é possível ver frestas de luz onde só se enxerga breu.

Ainda que a recuperação da economia acelere o passo, o impacto sobre o humor dos brasileiros não se dará a ponto de tornar competitiva uma candidatura saída do ventre do governo, tipo Henrique Meirelles ou Rodrigo Maia.

Com Maia não se dispondo a entrar em aventuras e Meirelles comportando-se como um elefante em loja de louça, sua entrevista à Folha mostrou isso, é bem capaz de o tucano virar o candidato do centro por W.O, assim como foi ungido presidente do PSDB.

Ninguém se elege só com a sorte. Sem a virtude, ela é de pouca monta. O candidato tucano terá de provar a sua competência para superar os próximos vários obstáculos na corrida presidencial. Sem um projeto para o país ser uma nação desenvolvida e socialmente justa, o PSDB não irá muito longe.

Outra pedra é o chamado“desembarque elegante”, uma verdadeira esfinge. A qualquer hora pode surgir novo curto circuito na relação com o governo Temer. A dubiedade da bancada do PSDB na Câmara Federal para aprovar a reforma da previdência pode inviabilizar a estratégia do paulista de ficar com o bônus do tempo televisivo dos partidos governistas sem o ônus de ser governo.

Esta é a parte mais delicada da estraté gia de Alckmin. De um lado, tem de fazer gestos a Michel Temer e ao PMDB, de outro, não pode colar sua imagem à de um governo de popularidade baixíssima. Político que se preza não dá o beijo da morte com ninguém. E Temer é o próprio beijo da morte.

Sobretudo é preciso construir uma explicação para a sociedade, a essas alturas pouco tolerante com a ambiguidade do tucanato. Há que se arrumar uma explicação convincente para duas perguntas caraminholadas na cabeça do seu eleitorado tradicional: por que sair do governo só agora? E qual a razã o para sair?

Tudo será inócuo se não promover a reconciliação do PSDB com seus eleitores. Seu baixo índice de intenção de votos no Datafolha também é produto da mágoa dos 51 milhões de brasileiros que votaram em Aécio e, legitimamente, se sentem traídos. Para Alckmin é fundamental a aliança com os partidos tradicionais, mas só terá chances reais de vitória se incorporar os sentimentos de renovação da política e de valorização da ética.

Só assim não será punido pelos eleitores e terá um final bem mais feliz do que o de Lutero que, ao encerrar sua dura caminhada, se salvou da morte, mas foi excomungado e condenado ao silêncio pela Dieta de Worms.

* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo


Míriam Leitão: Volatilidade política

A dez meses das eleições, há tempo para muita mudança no quadro eleitoral porque os processos eleitorais brasileiros são voláteis. Ciro Gomes, Garotinho, Roseana, nas disputas presidenciais, Celso Russomanno e Francisco Rossi, em São Paulo, conheceram esses movimentos que os levaram a ter altos índices de preferência em ondas que quebraram antes. Lula e Bolsonaro são eventos de natureza diferente.

Lula conhece a volatilidade da intenção de votos, nas duas eleições que perdeu para Fernando Henrique. Agora, o que o mantém na liderança é o recall e a campanha que tem feito com sua experiência e a estratégia de fugir da Justiça. Quando ele deixou o governo, o país estava crescendo 7,5% e a inflação era baixa. A recessão foi provocada pelo governo Dilma, mas Lula pode dizer que nos seus oito anos as famílias estavam usufruindo do aumento da renda e do consumo. Principalmente no Nordeste, endereço de 27% do eleitorado brasileiro. Ao mesmo tempo, Lula segue a estratégia de se fortalecer nas intenções de voto para acuar a Justiça. O Judiciário terá coragem de vetar o candidato que estiver na preferência do eleitorado?

Jair Bolsonaro é outro em campanha intensa e isso explica em parte sua pontuação nas pesquisas. Ele tenta usar o sentimento anticorrupção e tem sido beneficiado pelo pensamento de direita extremada que sempre existiu no Brasil, mas que agora se sente liberado para se assumir. Sua tentativa de se apresentar como um candidato liberal na economia não tem qualquer correlação com tudo o que ele disse e votou ao longo da sua vida pública. Ele sempre seguiu às cegas o que foi feito pelo governo militar na área econômica. Às cegas porque Bolsonaro é incapaz de aprofundar qualquer pensamento econômico. Agora, socorrido por economistas liberais, tenta justificar frases como a ameaça de fuzilar Fernando Henrique pelo programa de privatização. Ao contrário do que supõe seu novo guru, Paulo Guedes, a ordem não vai se encontrar com o progresso na campanha de Bolsonaro. E isso porque a ordem autoritária nunca foi capaz de encontrar o progresso no Brasil. Os principais avanços ocorreram na democracia.

Lula pode estar com o nome na urna. Ou não. Se não estiver, será um grande influenciador. A capacidade de transferência de votos é um dos maiores mistérios da política. Lula conseguiu transferir para Dilma, mas jamais elegeu alguém para o governo de São Paulo. Quem atrair os eleitores de São Paulo tem uma grande alavanca, porque o estado representa 22% do eleitorado brasileiro. Lula terá chances — na hipótese de se livrar da Justiça — se conseguir atrair de novo a classe média e por isso está tentando com uma nova Carta ao Povo Brasileiro. Provavelmente uma parte da classe média ele perdeu definitivamente.

O PSDB, que pode ter boa votação em São Paulo na hipótese da candidatura Alckmin, tem uma infinidade de contradições e fraturas a superar. O partido está em frangalhos, o discurso anticorrupção é difícil após o caso Aécio Neves e a maneira como o partido se portou diante dele. Além disso, sua identidade, como partido da modernização econômica, se perdeu em parte nas contradições da atividade parlamentar.

Marina tem as dificuldades de tempo de TV e de clareza do discurso. Em várias votações a Rede atuou como linha auxiliar do PT. O discurso que Marina sustentou em outras eleições foi o de consolidar ganhos de governos do PSDB e do PT para garantir novos avanços. Isso bate de frente com o histórico de escolhas dos seus poucos parlamentares.

O governo acha que pode ter um candidato porque aposta no cenário de melhora da economia no ano que vem. A economia deve melhorar sim, mas não a ponto de produzir um conforto tal que influencie a massa dos votantes a favor de um governo altamente impopular. O ministro Henrique Meirelles se posiciona para ser esse candidato. O mais importante é que ele tome o cuidado de não usar a força da cadeira na qual está sentado para favorecer esse projeto, porque isso seria irregular e comprometeria o pouco de ajuste fiscal que está propondo.

A eleição ainda está longe, todos os candidatos têm problemas, há parcelas grandes do eleitorado sem preferência, as pesquisas captam apenas as intenções. E elas são voláteis.

 


Luiz Carlos Azedo: A anistia das urnas

Apesar da Lava-Jato, a candidatura de Lula tornou-se quase irreversível nos tribunais, pois sua inelegibilidade poderia parecer uma tentativa de tirá-lo da disputa de 2018 no tapetão

Quem quiser ver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fora do poder a partir de 2018 que trate de pisar no barro e deixar de lado os tapetes felpudos, porque a senha de que dificilmente o petista estará impedido de disputar as eleições por causa da Operação Lava-Jato foi dada ontem pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que ainda é o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esse cenário cada dia que passa fica mais improvável, ainda mais com Lula na frente dos adversários em todas as pesquisas.

Ontem, Gilmar Mendes voltou à carga contra decisões judiciais que determinam a prisão preventiva — aquela aplicada antes de qualquer condenação judicial —, sobretudo nos processos da Operação Lava-Jato, e relativizou a jurisprudência sobre a prisão após condenação em segunda instância, ameaça que paira sobre a candidatura de Lula à Presidência nas próximas eleições. O ministro fez palestra num seminário sobre ativismo judicial na sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do qual participaram magistrados, procuradores, advogados e estudiosos do direito.

Mendes voltou a criticar os juízes federais de primeira instância e os procuradores da República, numa referência indireta à força tarefa da Lava-Jato em Curitiba: “A prisão em segundo grau, em muitos casos, especialmente no contexto da Lava-Jato, se tornou algo até dispensável. Porque passou a ocorrer a prisão provisória de forma eterna, talvez até com o objetivo de obter a delação. Sentença de primeiro grau, o sujeito continuava preso, confirmava-se a provisória, e com certeza no segundo grau ele começa a execução”, disparou.

A possibilidade de condenados começarem a cumprir penas após a condenação em segunda instância (por um Tribunal de Justiça estadual ou Tribunal Regional Federal) foi fixada pelo STF em fevereiro do ano passado com voto favorável, à época, de Gilmar Mendes. Mas, agora, o ministro pensa de forma diferente e diz que as prisões não são obrigatórias, ou seja, podem ser revistas pelo STF. Há duas ações em pauta no Supremo sobre o assunto.

Naquela ocasião, votaram contra a prisão em segunda instância os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Hoje, estariam a favor de rever aquela decisão os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, o que inverteria o placar da votação. Na ocasião, além de Gilmar, que agora mudou de posição, foram a favor da prisão em segunda instância os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. O sexto voto foi do falecido ministro Teori Zavascki.

A Ordem de Advogados do Brasil (OAB) e o Partido Ecológico Nacional (PEN), que deverá ser a legenda de Jair Bolsonaro, lutam para retomar o rito pleno do “transitado em julgado” no chamado “devido processo legal” (isto é, só se admitir a prisão após esgotados todos os recursos possíveis nas quatro instâncias existentes), que muitos consideram responsável pela impunidade dos crimes de colarinho branco.

Ministro do STF mais articulado com os demais poderes, Gilmar Mendes ocupa uma espécie de “vácuo” nas relações institucionais deixado pela presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, com o Congresso e com o presidente Michel Temer. E vem fazendo uma cruzada contra o que chama de “empoderamento” exagerado dos juízes federais e dos procuradores da República, em detrimento até das cortes superiores. Supostamente juízes e procuradores da Lava-Jato quereriam aniquilar a elite política do país.

Expectativa
Para muitos analistas, a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se irreversível nos tribunais, pois sua inelegibilidade poderia parecer uma tentativa de tirá-lo da disputa eleitoral no tapetão. Essa interpretação, observados os rigores da lei, não faz o menor sentido. Mas, se olharmos para o julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (STF), em março deste ano, veremos que é provável.

No caso da chapa PT-PMDB, a “abundância de provas” de abuso do poder econômico não serviu para condenação. Prevaleceu o critério político, de não causar mais turbulência institucional, o que seria inevitável com a cassação de Temer da Presidência e a convocação de eleições indiretas para escolha de um presidente com mandato tampão. Naquela ocasião, os ministros do STF Luiz Fux e Rosa Weber foram pela cassação da chapa, apoiando o relatório do ministro do STJ Herman Benjamin. Mas foram derrotados pelo presidente do TSE, Gilmar Mendes, que acompanhou o voto do ministro Napoleão Maia, que contestou o relator, com apoio dos ministros Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira.

 

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-anistia-das-urnas/


Luiz Carlos Azedo: Ponto de inflexão

Temer sabe que a votação da reforma da Previdência será um momento decisivo da trajetória do governo, que entrará em declínio antecipado se a mesma não for aprovada

Digamos que foi um bom acordo de cavalheiros o resultado da brevíssima conversa de ontem, em Limeira (SP), entre o presidente Michel Temer e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que deve assumir o comando nacional do PMDB no próximo fim de semana. “Será uma coisa cortês e elegante, como é do meu estilo e do estilo do governador”, como bem explicou Temer o desembarque do PSDB do governo federal sob comando de Alckmin, que é pré-candidato à sucessão presidencial. Ambos se encontraram para a entrega de moradias do programa Minha Casa, Minha Vida no interior de São Paulo, mas não avançaram em negociações sobre o futuro.

Aparentemente, há convergência entre ambos quanto a mais crucial das reformas propostas pelo governo Temer, a da Previdência. “Vamos fazer o possível e o impossível para poder aprovar. Teremos reunião com os presidentes da Câmara e do Senado, que estão entusiasmados. Entusiasmados em nome do Brasil”, exagerou Temer, ao falar sobre o assunto. O planejamento do governo prevê uma maratona de conversas ao longo da semana com lideranças dos partidos que integram a base de apoio de Temer no Congresso Nacional.

Alckmin ainda não fala em nome do PSDB, mas não esconde seu apoio à reforma. Na sexta-feira, em entrevista à Mariana Godoy, fora explícito: “Eu sempre defendi um regime geral de Previdência Social. Não tem sentido você ter um regime de Previdência para quem é funcionário público e outro regime de Previdência para quem é funcionário da indústria, da agricultura, dos serviços, do comércio, nós sempre defendemos um regime geral de Previdência.” Do ponto de vista objetivo, aprovar a reforma da Previdência agora será melhor para quem vier a ser eleito presidente da República em 2018.

Temer sabe que a votação da reforma da Previdência será um momento decisivo da trajetória do governo, que entrará em declínio antecipado se a mesma não for aprovada, em razão dos desgastes já conhecidos e do desembarque do PSDB. Esse é o cardápio político do almoço deste domingo com os ministros e aliados e do jantar na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). No primeiro encontro, fará uma avaliação real da situação e iniciará consultas sobre a nova configuração do governo sem a presença do PSDB na Esplanada; no segundo, o assunto principal e a viabilidade ou não de alinhar a base com a aprovação da reforma.

A economia já mandou recados de que o otimismo ufanista dos governistas sobre a retomada forte do crescimento não se sustentará sem a reforma da Previdência: a Bovespa caiu, a previsão de crescimento do PIB deste ano continua abaixo de 1%. E a Lava-Jato permanece fustigando aliados próximos de Temer, que se livrou de duas denúncias do ex-procurador Rodrigo Janot para continuar no comando do barco, mas não tem condições de recolher os seus náufragos, como os ex-ministros Henrique Alves e Geddel Vieira Lima. Ou seja, a crise ética continua sendo a variável predominante na avaliação popular sobre o governo; a economia não terá a menor condição de alterar esse peso da Lava-Jato sem a aprovação da reforma da Previdência, porque as projeções são de que, nesse caso, o crescimento do PIB em 2018 não passará de 2,5%.

O rei do Rio

O procurador regional da República José Augusto Vagos, da Lava-Jato no Rio de Janeiro, criticou duramente nas redes sociais o habeas corpus concedido pelo ministro Gilmar Mendes ao empresário Jacob Barata Filho, que foi solto pela terceira vez. “Chega a ser constrangedor o acesso que esse acusado tem para obter decisão em último grau de jurisdição sem passar pelas demais instâncias, como se desfrutasse de um foro privilegiado exclusivo para liminares em habeas corpus, mesmo sendo acusado de destinar dezenas de milhões de reais aos maiores líderes políticos do Rio, como se isso constituísse crime de menor potencial ofensivo, crime de bagatela.”

Sem entrar no mérito da polêmica jurídica, o fato é que Barata é uma eminência parda da política fluminense e tem enorme poder político na antiga capital federal. Mas é uma ilusão achar que é o único empresário do setor de transportes urbanos que manda e desmanda numa assembleia legislativa e nas câmaras municipais. O padrão de mobilidade urbana do país é um contrassenso total (10% da população ocupam 90% das vias) e reproduz, em maior ou menor escala, a relação entre políticos corruptos e empresários inescrupulosos que os financiam.


Fernando Gabeira: Reflexões sobre o provolone

Parei algum tempo para pensar na história do deputado que levava queijo provolone e biscoitos na cueca. Ele foi condenado a sete dias no isolamento. O queijo provolone custa R$ 35, o quilo. Na cela de Cabral foram encontrados queijos tipo Saint Paulin e Chavroux, ambos rondando os R$ 300, o quilo. Nada aconteceu, exceto a retirada dos alimentos importados.

Na verdade, acho que ambos os casos são simples infrações das regras do presídio. O do deputado Celso Jacob acabou resultando numa pena quase que perpétua. Durante muitos anos, ele será conhecido como o deputado do queijo na cueca. De um ponto vista social, é um ato inofensivo. Descoberto, revela um ser humano numa situação patética, dessas que podem acontecer com muitas pessoas ao longo da vida. São, ao mesmo tempo inofensivas mas destruidoras, se divulgadas.

Minha conclusão sobre esse caso não é nada popular, a julgar pelas reações das pessoas com quem comentei meu desconforto. Sinceramente, acho que ele deveria sofrer algum tipo de punição por infringir a regra e que não deveria exercer o mandato desde quando foi condenado. No entanto, o sistema penitenciário poderia tratar o caso como a centenas de outros no presídio, sem exposição pública.

Sei que a luta contra a corrupção é uma grande causa. Exatamente por abraçar algumas grandes causas, tenho também um pouco de medo delas. Às vezes, fazem com que gente ignore o outro e sua precária condição humana, no embalo da defesa de nossas ideias.

A revolução cultural chinesa foi um impacto para mim. Estava em Lisboa, rumo ao País de Gales, onde faria um curso de jornalismo. Aquelas imagens de homens seminus com cartazes pendurados no peito me traziam desconforto. Com o tempo, conheci melhor o que se passou na China, e cada vez mais a ação daqueles jovens com o livro vermelho de Mao Tsé-Tung na mão, prendendo e humilhando, pareceu-me uma maneira doentia de como uma sociedade autoritária pune as pessoas.

Até num filme sobre julgamento de líderes nazistas, lembro-me de uma cena, de um dos acusados mais velhos segurando a calça porque estava sem cintos, em que senti também um desconforto.

Os tempos passam, e a sociedade renova sua maneira de punir. Além da luta contra a corrupção, grandes temas como racismo, machismo, homofobia são causas que mobilizam. Nos Estados Unidos, há um grande movimento de denúncia de assédio sexual, derrubando um a um os acusados. No Brasil, o eixo do confronto esquerda-direita acabou se deslocando para essa área de costumes.

Sei que não posso evitar que toda essa energia emotiva se extravase. Mas sei também que os tribunais se deslocaram para as redes e que aí são feitos grandes julgamentos, de um modo geral aceitos de imediato pelas empresas. As opiniões individuais ganham peso, no entanto trazem também a responsabilidade de se informar melhor. O que nem sempre acontece.

Na rede, não existe um código pré-estabelecido, como na lei, ponderando crime e castigo. Ela não sentencia ninguém à perda da liberdade, ou qualquer tipo de multa. Ela trata da imagem e, às vezes, decreta o fim de uma carreira pública.

E, nesses casos, a distinção entre esquerda e direita é inócua. Recentemente, surgiu uma campanha afirmando que Caetano Veloso era pedófilo, porque fez amor com uma garota de 14 anos que se tornou sua mulher e mãe dos seus filhos.

O caso mais doloroso foi a saída de William Waack de seu posto de trabalho. Ele disse uma frase condenável. Mas existe ponderação entre a pena e a frase? Eu o conheci na Alemanha, éramos correspondentes, ele para o “Estadão”, eu para a “Folha”. Convivemos na época, estivemos juntos quando os sérvios invadiam a Croácia, no início dos grandes conflitos na região. Sempre o achei um excepcional jornalista. E nós precisamos dele no Brasil, com sua experiência e conhecimento do mundo.

Sou um dos responsáveis pela valorização desses temas no Brasil. Influência dos anos de Europa. Também de lá, creio, muitas ideias se transportaram para as universidades americanas. Respeitadas as diferenças nacionais, é um mesmo movimento por direitos civis aqui e nos Estados Unidos. A experiência americana é um dos temas que me preocupam. Trump ganhou as eleições. É um equívoco pensar que não existem retrocessos. Como evitá-los nesse contexto tão apaixonado?

Nesse domingo de manhã, a única pista que me ocorre é esta: o conhecimento do outro, do que não concorda com suas ideias liberais. Entender o apelo nostálgico a um passado mais ordeiro, a ansiedade com as transformações muita rápidas, o medo de aniquilamento de seu universo cultural, da dissolução da família.

Nada evitará que o debate seja intenso. Mas talvez possa ter um nível de respeito e senso de justiça que permitam em certos momentos, a todos, ultrapassarem sua luta identitária para a condição de brasileiro num país arruinado.

 


Luiz Werneck Vianna: A sucessão e o novo espírito do tempo

O cenário pela frente não favorece previsões de desenlaces felizes para os nossos dilemas. A política brasileira encontra-se criptografada, indecifrável para os mortais comuns, que a cada dia são aturdidos pelos meios de comunicação com notícias de que o fim do nosso mundo está próximo e não há o que fazer para salvá-lo do pântano da corrupção em que estaria atolado. Nossos profetas do apocalipse são prisioneiros de suas fabulações sobre a História do País, que identificam como um experimento malsucedido a ser “passado a limpo” por sua intervenção redentora. Querem nos fazer crer que atuam em nome de ideais e sem interesse próprio, mas o gato está escondido com o rabo de fora, pois em meio à alaúza que provocam se pode entrever a manipulação da sucessão presidencial de 2018.

Essa sucessão abre uma janela de oportunidade para uma agenda inovadora que procure, em meio a um amplo processo de deliberação pública, identificar novos rumos legitimados pelo voto para o País. No entanto, caso se frustre esse caminho por desastradas ações dos agentes políticos, pode apontar para o derruimento do regime da Carta de 88, concedendo passagem às potências malignas que ora nos espreitam. O cenário que se tem pela frente, é forçoso reconhecer, não favorece previsões de desenlaces felizes para os dilemas com que ora nos confrontamos.

Aqui, ao que parece, Maquiavel foi banido do nosso repertório político desde o advento da Operação Lava Jato, há três anos presença dominante na conjuntura sem que, salvo exceções, a copiosa literatura que lhe é dedicada leve em conta as circunstâncias que envolvem as ações dos atores e dos fins que erraticamente perseguem. Desarmados de suas lições, anacronicamente recuamos ao medievo, atribuindo-se - “maquiavelicamente”? - precedência dos valores da moralidade sobre a razão política. Ignora-se que o realismo político que Maquiavel preconizava estava a serviço de um ideal cívico, qual seja o de criar na Itália um Estado capaz de livrá-la da dominação estrangeira.

No campo do Direito, é Weber o ignorado em sua veemente recusa às pretensões “patéticas”, em suas palavras, dos juízes que se comportam nos seus julgamentos em “nome de postulados de justiça social”. Exemplares, no caso, os juízes que desafiam a ordem racional-legal ao recusarem, em nome do que sua corporação entende como o justo, a aplicação a lei da reforma da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT.

Quem busca o futuro opera no plano do aqui e agora a partir de experiências acumuladas - a História não conhece o tempo vazio. Há sempre um começo, uns mais felizes que outros por propiciarem um terreno seguro para o bom andamento de suas sociedades, tal como Tocqueville caracterizava a singularidade do caso americano; outros, ao contrário, vão exigir esforços sempre renovados a fim de que a sociedade venha a encontrar, por ensaio e erro, um sistema de ordem que favoreça a sua reprodução ao longo do tempo.

Em nosso caso, dadas as condições de origem - uma colônia de exploração que logo recorreu ao trabalho escravo -, os “caminhos para a civilização”, que não nos seriam naturais, deveriam proceder de cima pela ação de uma elite a exercer um papel pedagógico que nos trouxesse da barbárie às luzes do ideário do liberalismo político, na luminosa análise de Euclides da Cunha em ensaio famoso. Desde aí o acesso ao moderno nos viria da ação de elites ilustradas, fórmula conservada pela República ao longo do processo de modernização que vai de Vargas a Lula.

Somos filhos dessa longa construção, de cujos lógica, arquitetura e estilo começamos a nos desprender quando o governo de Dilma Rousseff, distante um oceano do pragmatismo do seu mentor, hipotecou, em nome de suas convicções pessoais, a sorte da sua administração na tentativa arriscada de conceder sobrevida ao que, à vista de todos, Lula incluído, mais se assemelhava a um caso terminal. A própria presidente Dilma, logo após sua reeleição, vai reconhecer a exaustão do modelo vigente de capitalismo de Estado ao nomear o liberal Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda.

Nesse sentido, o impeachment importou bem mais do que uma trivial crise política, na medida em que trouxe consigo a crítica da modelagem do nosso capitalismo centrado no papel do Estado, levado a uma situação falimentar no governo Dilma, crítica que se radicalizou quando foram sentidos os efeitos nefastos da severa depressão econômica que se abateu sobre o País. O passado deixou de iluminar o futuro, como amargamente agora constatamos, em que pesem os sucessos acumulados no curso do nosso longo processo de modernização.

Processos de modernização pelo alto, em suas variantes brandas, como os que ocorreram nos governos de JK, FHC e Lula, ou duras, incidentes no Estado Novo de 1937 e no recente regime militar, têm a característica comum de serem, mais ou menos, segundo os casos, refratários à auto-organização da vida social. Nosso sindicalismo, mais forte presença entre nós de vida associativa dos setores subalternos, que nasceu nos primeiros anos da República animado pelos princípios da autonomia, foi, como notório, incorporado à malha estatal pela chamada Revolução de 30, que, de fato, veio a estabelecer na política brasileira a modelagem típica dos processos de modernização autoritária.

A derrota dessa experiência, inesperada da forma como ocorreu - um impeachment encaminhado por um parlamentar a quem faltava densidade política contrariado em seus interesses, fundado em razões técnicas ininteligíveis para o homem comum -, deixou atrás de si um imenso vazio. Sem as escoras do nosso passado, que cederam pela ação corrosiva de um novo espírito do tempo, marchamos nas trevas. A hora da sucessão é mais que propícia para a descoberta de novas luzes que tenham sua fonte de energia na sociedade civil, aliás, já identificadas nas jornadas de junho de 2013.

 


José Roberto de Toledo: Brasil 8 x 1 EUA

Deputados brasileiros agitam bem mais as mídias sociais do que seus colegas americanos

Embora se especule sobre qual será o peso da campanha digital só na disputa presidencial, é na eleição legislativa que a ligação direta via celular do eleitor terá mais impacto na urna em 2018. Indício disso é a energia que os atuais deputados federais estão gastando para ampliar sua pegada virtual: 93% criaram páginas no Facebook e as alimentam duas vezes ao dia, em média. Mais importante, seus investimentos estão se pagando – e com juros muito maiores do que no país que inventou as redes digitais.

Os deputados brasileiros agitam bem mais as mídias sociais do que seus colegas americanos. Em novembro, os donos de cadeiras na Câmara provocaram seis vezes mais interações em suas páginas no Facebook do que os deputados dos Estados Unidos. Em outubro, a diferença foi de dez vezes. Em setembro, sete vezes. Na média, 8 x 1. É o que revela comparação inédita do desempenho de parlamentares dos dois países – feita por esta coluna usando a plataforma CrowdTangle.

Dos 513 deputados federais brasileiros no exercício do mandato, 478 têm páginas próprias no Facebook. Juntas, provocaram 19 milhões de compartilhamentos, “likes” e comentários ao longo dos últimos 30 dias. Já as 402 páginas dos 435 deputados gringos renderam menos de 3 milhões de engajamentos no mesmo período. O deputado Jair Bolsonaro, sozinho, engajou mais.

Sim, há mais páginas de parlamentares brasileiros, mas não é daí que vem a diferença. Comparando-se as médias de interação por página, as nacionais bateram 40,5 mil em novembro, contra 7 mil das estrangeiras. Praticamente a mesma desproporção: 5,8 vezes mais. Por que, então, os legisladores de Brasília dão um banho de interatividade nos de Washington? Intensidade e quantidade.

Os deputados brasileiros publicam duas vezes mais do que os colegas do norte. A atividade constante aumenta a chance de serem vistos por mais gente. Há deputados como Delegado Francischini (SD-PR) que passam de 13 posts por dia – quase todos fazendo campanha para Bolsonaro 2018 ou atacando seus adversários.

A metralhadora de “posts” seria pouco eficiente se não mirasse em um alvo grande. O dos brasileiros é quatro vezes maior do que o dos americanos. Somadas, as páginas dos deputados daqui têm 47,8 milhões de seguidores, contra 11,7 milhões das de lá. O dobro de publicações para uma audiência que é o quádruplo da gringa explica o porquê de os brasileiros agitarem tão mais.

Como eles conseguiram tantos seguidores? Quantos são gente e quantos são clones? Pessoas pagas para administrar dezenas de perfis falsos nas mídias sociais existem há anos na política. Mas, como ficou demonstrado pelos hackers russos na eleição nos Estados Unidos em 2016, não são exclusividade brasileira. Qual o peso dos “fakes” no Brasil? Faltam estudos para calculá-lo com precisão.

Os deputados mais bem-sucedidos em engajar pessoas no Facebook são, não por acaso, os que pertencem a grupos com militâncias aguerridas: ex-policiais, pastores evangélicos, militares ou da esquerda. Dos Top 10 em interações, dois são Bolsonaro (pai e filho), um é delegado, outro é major, um é pastor, dois são petistas, uma é do PCdoB e um é do PDT. Os dez estão mais para as pontas do que para o centro do espectro político.

Além de militantes – reais ou virtuais –, os Top 10 também publicam muito: oito posts/dia, em média. Produzir conteúdo, embalá-lo, publicá-lo diariamente, monitorar o resultado – tudo isso consome recursos. Desde que assumiram, os 513 deputados já gastaram R$ 127 milhões de verba pública em divulgação e consultorias de comunicação. É mais uma vantagem que os deputados terão sobre os neófitos que pretendem tomar seu lugar.

 


Hubert Alquéres: A sereia e o mar

Desfeito o mistério da odisseia de Luciano Huck. Desde quinta-feira passada, quando o barômetro político Estadão-Ipsos apontou o apresentador com 60% de aprovação, o mundo político entrou em ebulição. Consolidava-se ali um possível candidato com potencial para romper a polarização Lula-Bolsonaro e liderar a tão sonhada, pelos brasileiros, renovação política.

E as pesquisas em suas mãos o davam com dois dígitos nas intenções de voto, o que, convenhamos, é um mar de possibilidades eleitorais nas quais ele poderia nadar de braçada.

Mas Huck é uma personalidade ímpar, não se enquadra nos padrões aos quais nos acostumamos. Normalmente, candidatos desistem de suas intenções eleitorais após um bombardeio de notícias negativas. Huck é o primeiro a fazê-lo após um fato altamente positivo: ter sua imagem mais do que aprovada.

De acordo com suas palavras, resistiu ao canto da sereia, não para retornar à zona de conforto de sua Penélope ou das redes sociais. Mas por achar que pode dar sua parcela de contribuição ao país por meio de movimentos cívicos, sem ser candidato. Não nega a política, apenas diz que ela é insuficiente e necessita ser renovada.

Sua carta não deixa de ser uma tapa de luva de pelica em quem o via como um aventureiro e aríete moderno das elites empresariais, cuja possível candidatura – legítima, diga-se de passagem- se sustentaria apenas por ser uma celebridade. Que o mundo carcomido da política formal tenha resistido a ele, nenhuma novidade. E muito menos a baixaria de Lula de o caracterizar como o candidato da Globo.

Surpresa foi a reação de segmentos da intelectualidade e de mentes embotadas da esquerda que se dizem renovadoras.

Por questões menores mergulharam na onda da desqualificação de Huck, como se seu ingresso na disputa presidencial fosse a mais perfeita edição da espetacularização da política.

Não se deram conta que estavam ajudando a dinamitar uma das possibilidades de o centro se aglutinar em torno de uma proposta mais arejada, pautada na redefinição do papel do Estado, na combinação do liberalismo político com a universalização dos direitos sociais e em novos padrões éticos.

Amarrado ao mastro para não cair na tentação da sereia, Huck jogou a toalha, mas o mar onde sua candidatura poderia navegar continua imenso. Ele vem se agitando desde as jornadas de julho de 2013, quando ficou evidenciado o fosso entre a representação política e a sociedade.

Mesmo com as manifestações multitudinárias do impeachment, o sistema político aprofundou sua impermeabilidade, com vistas a garantir sua reprodução nas eleições de 2018.

Mudanças também ocorreram em águas mais profundas e em escala planetária. A fragmentação das classes e o advento da sociedade do conhecimento e identitária tornaram anacrônicas polarizações passadas, como burgueses e proletários, esquerda e direita.

Em grande medida, a crise de representação decorre daí. No caso brasileiro o fenômeno foi agravado pelas mazelas da forma de se fazer política e pela maior crise ética, econômica, social e política de nossa história.

Vivemos a seguinte contradição: há um espaço enorme para uma candidatura de centro e renovadora, mas o sistema político praticamente inviabiliza a renovação. Os partidos tradicionais se fortaleceram por meio de definição de regras eleitorais voltadas para a reeleição de seus parlamentares. Mas são gigantes de pés de barro sem conexão com a sociedade.

A demanda por uma candidatura capaz de aglutinar o centro e promover a renovação política continua existindo, independentemente da desistência do apresentador. Alguém vai preencher esse espaço.

De imediato, os ventos da fortuna parecem soprar na direção de Geraldo Alckmin. No mesmo dia o governador ganhou na loteria por duas vezes: com o fim da odisseia de Huck e com a sua unção como presidente do consenso peessedebista. Terá contudo o desafio de mostrar ser competitivo a ponto de atrair os partidos tradicionais do centro democrático e, ao mesmo tempo, ser o depositário das expectativas de renovação da política, que Luciano Huck tão bem expressou ao final do seu artigo:

“Não há nada mais importante do que tomarmos consciência da importância da política e de que precisamos nos mover concretamente na direção da atuação incisiva, para que não sejamos mais vítimas passivas e manobráveis de gente desonesta, sem caráter e incapaz de entender o conceito básico de interdependência ou do pensar no coletivo (...) A hora é de trabalhar por soluções coletivas inteligentes e inovadoras para o país, e não de focar no próprio umbigo ou de alimentar polêmicas pueris e gritas sem sentido”.

Perfeito, com um acréscimo: e também para não sermos vítimas de candidaturas que querem nos remeter ao mar cinzento, onde cantam as sereias do populismo ou da incompetência.

* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo

 


José Aníbal: Ainda mais próximo do pulsar das ruas

Os desafios que a boa política se propõe a resolver demandam diálogo, determinação e desprendimento. Boas intenções, por melhores que sejam, são insuficientes para a árdua tarefa de convencimento dos cidadãos, superação de resistências, construção de alianças e representatividade que um projeto nacional demanda.

Por outro lado, tampouco basta aglutinar forças heterogêneas se não houver mínimas convergências e, principalmente, se não houver o propósito de melhorar o bem-estar social e de dar prioridade ao interesse coletivo.

A história recente do Brasil está repleta de exemplos nesse sentido, em que se acreditou na ilusão do “fiat lux” e se frustraram todos, principalmente os mais pobres e vulneráveis, à espera da luz que não se fez. O país já perdeu tempo e energia demais com proselitismo, demagogia e populismo.

Felizmente, o PSDB apruma sua direção em torno de um consenso capaz de apresentar ao país uma alternativa robusta, confiável e consistente. Sem fazer uso do frágil discurso de que está tudo errado e é preciso mudar tudo que está aí, o partido aglutina forças e se revigora com a construção de uma direção unida, coesa e fortalecida.

Ao mesmo tempo, reconhece que é dessa forma que se pode sentir melhor o pulsar das ruas, abrir-se ao diálogo com a sociedade e canalizar em torno de um debate amplo e democrático o anseio geral por um país melhor.

É com esse espírito que o Instituto Teotônio Vilela apresentou, nesta semana, suas propostas de atualização das diretrizes do PSDB. Não se trata de um documento definitivo e pronto; ao contrário, é um texto que procura dar início ao debate e envolver tanto os diversos setores e segmentos tucanos – PSDB Mulher, Tucanafro, Diversidade Tucana, PSDB Sindical e Juventude do PSDB – como movimentos sociais organizados, grupos de ação cívica e os indivíduos que, como nós, se preocupam e querem participar de um projeto de Brasil não para as próximas eleições, mas para os próximos anos e décadas.

Esse documento, Gente em Primeiro Lugar: o Brasil que Queremos, foi elaborado exatamente com esse espírito: colocar os cidadãos como prioridade, encaminhar propostas para que o Estado seja não mínimo ou máximo, e sim mais eficiente e eficaz, capaz de promover políticas públicas de bem-estar social adequadas e estimular a inovação, o crescimento econômico e o respeito à livre iniciativa dos indivíduos.

Da mesma forma, são propostas abertas a novas contribuições, de modo a se tornar um conjunto ainda mais representativo do que o povo brasileiro deseja e espera da ação política de um partido com a trajetória e a relevância histórica do PSDB.

Por isso, convido todos a participarem desse processo inédito, por meio do qual o ITV cumpre seu papel essencial de formulação política e diálogo com a sociedade. Colocaremos a tecnologia e os recursos das redes sociais a serviço da maior capilaridade possível para essa iniciativa, para que o PSDB complete 30 anos em 2018 ainda mais próximo do pulsar das ruas, tendo como fundamentos o diálogo, a determinação e o desprendimento necessários para apresentar a melhor alternativa para o futuro do Brasil.

* José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB