política

Marco Aurélio Nogueira: A polarização está na política

Nossos políticos se dividiram em tribos sem identidade, cada qual com suas taras

O Brasil não é um país polarizado. No chão duro da vida, há mais consenso que dissenso. Diferenças de opinião e de visões do mundo convivem lado a lado, mas a base é uma só.

Todos querem viver em paz, tocar a vida, criar os filhos, trabalhar e se divertir. Torcem para que surjam governos vocacionados para fazer as coisas melhorarem, na economia, no emprego, no cotidiano. Vive-se na expectativa de que o Brasil consiga deixar de ser injusto e desigual, ainda que um conformismo fatalista ande de mãos dadas com o ceticismo e com uma enorme dificuldade de saber que providências tomar para que a desigualdade desapareça ou ao menos seja atenuada a ponto de curar a chaga que mantém 50 milhões de brasileiros na miséria, enquanto 30% da renda se concentra nas mãos de apenas 1% dos habitantes do País.

A maioria despreza a corrupção. Mas são muitos os que pensam que ela é intrínseca aos políticos e aos poderosos. Os brasileiros aprenderam a ver o corrupto como símbolo de um país que não consegue sair do lugar, onde a lei não vale para todos e o “malfeito” nasce como erva daninha adubada pela arrogância e pela certeza de impunidade dos que têm poder. A relação dos brasileiros com a corrupção é confusa. Há quem aceite o “rouba, mas faz” e tenha pena dos corruptos “bonzinhos” vitimizados por terceiros. É crescente, porém, o número de pessoas que deploram a inocência fingida dos acusados. Aplaudem por isso intervenções como a Lava Jato, que pela primeira vez está pondo na cadeia gente que se achava inatingível, acima do bem e do mal.

Todos sabem que estamos carentes de bons serviços públicos, que a educação e a saúde deixam a desejar, direitos são desrespeitados a céu aberto, o Estado não cumpre corretamente suas obrigações. Milhões sentem na pele o efeito dos preconceitos, da humilhação, da insegurança, da violência policial. Atribuem tais desgraças tanto à incompetência dos governos quanto à “certeza” de que os governos são conduzidos com os olhos nos mais ricos e privilegiados.

O brasileiro médio tem fé e esperança. Vê o Estado como provedor geral e protetor. Por essa via, transfere sua expectativa para políticos habilidosos em explorar a ingenuidade popular. Não entende por que a elite nacional se mostra cega e indiferente à miséria e à pobreza. Deixa-se seduzir por quem se anuncia como “salvador”.

A população brasileira não está em guerra consigo mesmo. Assiste, entediada, às disputas no Parlamento, entre a Justiça e a política, entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, como se fossem capítulos de uma novela sem data para acabar. Passam-se os dias, os personagens continuam os mesmos, como se não envelhecessem e não se recusassem a sair de cena.

O desentendimento entre os brasileiros é fruto do estupor de ver o País cheio de políticos que não cumprem seu papel e, ao longo das últimas décadas, perderam qualidade, alienaram-se das mudanças sociais, criaram atritos impregnados de ódio retórico. Foram se desmoralizando e, ao mesmo tempo, forçando a população a digerir a “raiva” e a “combatividade” manifestadas nos embates eleitorais.

A linguagem do ódio – cultivada sobretudo pelos extremos da esquerda e da direita – atiçou o conflito social, fazendo-o derivar para a baixaria cívica e a ignorância política. Basta atentar para as intervenções apopléticas que infestam as redes sociais. Vinda de uma esquerda que não sabe como agir longe do poder, tal postura alimenta uma direita grosseira e violenta repleta de convicções regressistas. E vice-versa.

As consequências estão aí. A intolerância leva à incompreensão do valor das alianças e negociações. Gente de esquerda radicaliza a pretexto de recusar a “conciliação”. O próprio PT, campeão das últimas “conciliações”, prega que haverá uma “rebelião popular” caso Lula seja condenado no dia 24 de janeiro. Ameaça com a “desobediência civil”, como se as massas estivessem furiosas e prontas para a “resistência”.
Fala em conspiração das elites e do Judiciário, apostando numa saída “nacional-popular” que iria além das regras do jogo democrático e sanearia o País.

Estamos pagando o preço da opção feita pelos políticos de criar na sociedade a percepção de que tudo se resolveria quando o lado A sobrepujasse o lado B. Descobriram o fantasma do neoliberalismo, a perversão do “comunismo”, a maldade das “elites brancas e endinheiradas”, a fantasia paradisíaca e alienante do presidente “igualzinho a você” que distribuiria dinheiro e benesses a bel-prazer.

Tanto fizeram que cresceu a sensação de que o País está cindido em dois polos incomunicáveis. Trocaram o fundamental pelo perfunctório, o trabalho político pertinaz pela agitação irresponsável, o reformismo progressivo pela estridência de promessas fáceis, o contato virtuoso com a população pelo jogo cínico dos bastidores e pela conclamação demagógica da “rebelião”.

Nossos políticos se dividiram em tribos sem identidade, cada qual com seu credo, suas taras e suas manias. Bloquearam os caminhos da sociedade. Nessa operação, mataram a serenidade e a inteligência política, levando consigo os mediadores, que constroem soluções.

A polarização criada pelos políticos continua ativa. Voltará com tudo nas eleições de 2018, que mais uma vez não nos apresentarão polos autênticos, substanciosos, mas tão somente uma caricatura deles.

Assim como em outros momentos da História recente, caberá aos brasileiros corrigir os desmandos e a mediocridade de seus políticos. Chamando-os às falas, quem sabe varrendo parte deles do mapa, quem sabe corrigindo o rumo dos que ainda terão serventia. Para tanto a sociedade terá de afirmar a unidade que lhe é própria, valorizando a democracia e as garantias constitucionais.

Não dá para saber quanto disso será alcançado em 2018.

Bom ano novo para todos.

 


Luiz Carlos Azedo: Lula na ofensiva

Agora, quem está na berlinda por causa da Operação Lava-Jato são o núcleo palaciano do PMDB e a cúpula do PSDB

Seriamente ameaçado de uma condenação em segunda instância por causa do caso do triplex de Guarujá, que será julgado no dia 24 de janeiro pelo Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu um grupo de jornalistas ontem em São Paulo para uma entrevista na qual partiu pra cima de seus acusadores e desafiou a Justiça a condená-lo. “Minha condenação será a negação da Justiça. A Justiça vai ter que fazer esforço monumental para transformar mentira em verdade e para julgar pessoa que não cometeu crime. A sentença do juiz Moro, aos olhos de centenas de juristas, é quase uma piada. Tenho tranquilidade de ser absolvido. Eu peço uma única prova. Estamos vivendo anomalia jurídica e política”, disse.

A conversa de Lula com os jornalistas foi uma tentativa meio desesperada de politizar o julgamento e evitar a condenação em segunda instância, que poderia levá-lo à prisão e afastá-lo do pleito do próximo ano com base na Lei da Ficha Limpa. Mesmo que seja condenado, Lula pode ainda evitar a prisão com um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF), cuja jurisprudência sobre o assunto está sendo revista pela maioria dos ministros, sob a liderança de Gilmar Mendes. Quanto à inelegibilidade, tudo será mais difícil, pois a Lei da Ficha Limpa não dá margem para uma jurisprudência que o beneficie. Lula optou por pressionar os desembargadores federais que vão julgar o seu caso, o que pode não ter sido uma boa ideia.

A entrevista corrobora a estratégia de confrontação com o Judiciário aprovada pelo Diretório Nacional do PT, que caracteriza a eleição sem o petista como uma fraude: “O ataque a Lula configura um ataque à democracia brasileira, especialmente, ao direito inviolável de escolha da cidadã e do cidadão”. Segundo a resolução, “Lula é inocente de todas as acusações urdidas pela mídia e manipuladas por setores do sistema judicial, que afrontam o Estado de direito numa campanha de perseguição política e pessoal jamais vista na história do Brasil. As armações processuais, a parcialidade do juízo, o desrespeito ao direito de defesa, as falsas delações negociadas nas celas de Curitiba; nada disso tem valor jurídico para condenar, sem provas, um homem que sempre agiu dentro da lei”, afirmam.

Tanto na entrevista, como na resolução política, o tom é de confrontação com o Judiciário. O PT se beneficia de um ambiente político que hoje é mais desfavorável aos seus adversários. Agora, quem está na berlinda por causa da Operação Lava-Jato são o núcleo palaciano do PMDB e a cúpula do PSDB, que também se articulam nos bastidores do Congresso e do Judiciário para enfraquecer as investigações. De certa forma, as últimas pesquisas fortalecem essa estratégia, porque Lula continua sendo o candidato favorito às eleições de 2018. Ficou mais fácil para o PT construir a narrativa de que o processo de Lula é uma farsa montada para impedir que seja candidato a presidente da República.

Pesquisas
Os adversários de Lula estão patinando. O Ibope divulgado ontem mostra que os êxitos do governo Temer na economia ainda não foram capazes de produzir uma melhora significativa na sua popularidade, que subiu apenas de 3% para 6%. Para 19% da população, o governo é regular e 74% o consideram ruim ou péssimo. Com esse resultado, nas enquetes eleitorais, Lula cresce em direção ao centro, enquanto Bolsonaro polariza o eleitorado antipetista.

A situação do PSDB também não é nada fácil. Embora a imagem do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, não tenha sido atingida por nenhuma acusação frontal, o mais novo escândalo derivado na Lava-Jato ronda o Palácio dos Bandeirantes, em razão do acordo de leniência da Camargo Correia, que denunciou a existência de um cartel de empresas que atuava na construção de sistemas de metrô em vários estados, entre os quais São Paulo.

Ontem, durante visita a Sorocaba (SP), Alckmin reagiu à situação anunciando que seu governo acionará a Justiça para que os cofres públicos sejam ressarcidos. “O estado é, sim, vítima. E todas as empresas vão ressarcir ao Estado. Nós já determinamos à Procuradoria-Geral do Estado e à Corregedoria e Controladoria-Geral que todas as empresas sejam acionadas, e o estado vai ser ressarcido”, disse Alckmin. Para reforçar a importância dessa decisão, citou a vitória da sua administração na Justiça no caso Alston: “o governo recebeu uma indenização de R$ 60 milhões de uma empresa só.”


Ruy Fabiano: A gangorra do destino

Lula e Jair Bolsonaro, os dois fenômenos contemporâneos da política brasileira – um em declínio, outro em ascensão -, foram forjados por vias opostas, que, no entanto, os levaram a resultado equivalente: tornaram-se lideranças populares e populistas, quebrando convenções, protocolos e padrões de conduta do meio.

A semelhança finda aí. Lula teve, desde o início, ainda na década dos 70, trajetória marcada pela simpatia da mídia, dos artistas e intelectuais, que, em conjunto, compuseram um personagem romanesco: o retirante que vence barreiras sociais e, de líder operário, chega a chefe de partido e presidente da República.

Bolsonaro, capitão da reserva do Exército, protagonizou narrativa inversa, marcada por vaias, insultos e processos judiciais. O mesmo universo que incensou Lula depreciou-o num grau extremo, que o tornou uma espécie de anticristo da política brasileira.

Nazista, fascista, homofóbico, racista, machista são apenas alguns dos apodos com que foi brindado ao longo de sua carreira.

Nada indicava que tal trajetória desembocaria em popularidade. Desde sua matriz profissional, colecionou problemas. Em 1986, capitão do 8º Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista, foi preso por quinze dias após publicar artigo na revista Veja, reclamando dos salários dos militares.

A mesma postulação o levaria, um ano depois, a se meter em outra encrenca, acusado de participar de ação subversiva que previa até o uso de bombas nos quartéis. Foi absolvido pelo STM, mas a agitação que provocou comprometeu sua carreira.

Estava mais para sindicalista que militar. Como sua categoria não é sindicalizável, migrou diretamente para a política em 1988, passando à reserva do Exército. Elegeu-se vereador no Rio de Janeiro – e, desde então, não mais cogitou em voltar ao quartel.

Jamais, porém, perdeu os vínculos com seus antigos companheiros de farda e deve em parte a eles as sucessivas reeleições à Câmara. Foi sempre o candidato da Vila Militar do Rio.

Aos 62 anos – é dez anos mais novo que Lula -, está no seu sexto mandato de deputado federal. Sua carreira parlamentar não foi mais tranquila que a militar. Pelo contrário, teve ali espaço para dar expansão a um temperamento impulsivo e explosivo, que não mede palavras, o que o levou a colecionar inimigos e processos.

É classificado ideologicamente como de direita; Lula como de esquerda. Mas ambos frequentemente violam as respectivas ortodoxias e escandalizam os próprios seguidores. Lula já elogiou o governo Médici, enquanto Bolsonaro certa vez elogiou Hugo Chávez.
Seus aliados, no entanto, absorvem essas heresias em nome de um culto que está para além do meramente racional.

As mutações do Brasil, a partir da Era PT, em 2003, inverteriam o destino de ambos. Lula encontrou-se com a vaia e a desonra, enquanto Bolsonaro passou a conhecer o aplauso e a admiração. A chave dessa mudança é uma palavra simples, historicamente corrente na política brasileira: corrupção.

No poder, Lula, que construiu sua ascensão a partir de um discurso fortemente moralista (Brizola chegou a chamá-lo de “a UDN de macacão”), associou-se a ela de tal modo que hoje, além de condenado em um processo, é réu em mais seis.

Tenta se defender acusando a Justiça de criminalizar a política, mas o que faz, na prática, é investir na politização do crime. “O que o PT fez é o que todos fazem”, disse certa vez, como se a vulgarização de um delito o revogasse. Como Sérgio Cabral, quer rebatizar a corrupção, chamando-a de “contribuição de campanha”.

Corre o risco de findar sua carreira na cadeia - e não só ele, mas correligionários e aliados, e até os que posavam de adversários, como o PSDB. Todos, em graus variados, estão hoje às voltas com a Lava Jato. E foi exatamente esse o universo político que se opôs desde o início a Bolsonaro e lhe esculpiu a imagem de pervertido.

O strip-tease moral dos adversários inverteu a equação, conferindo ao capitão da reserva – e pré-candidato à Presidência da República - foros de herói político. É, de fato, um dos raros parlamentares ficha limpa no atual Congresso, condição ressaltada até por gente que nenhuma afinidade ideológica tem com ele, como o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, ao tempo do Mensalão.

Bolsonaro hoje é saudado triunfalmente onde chega. Na quinta-feira, uma multidão paralisou o aeroporto de Manaus para recebê-lo. Tem sido uma rotina. Sua crescente popularidade, atestada em pesquisas, associa-se à sua origem militar e, segundo recente manifestação do general Mourão, é bem vista nos quartéis.

Honestidade, matéria escassa na vida pública, converteu-se em patrimônio político, capaz de compensar limitações e deficiências de outra ordem. Foi por essa via que Lula ascendeu - e, ao profaná-la, caiu. Na gangorra da política, está neste momento no chão, enquanto seu antípoda, Bolsonaro, o contempla do alto.

 

 

 

 

 


Merval Pereira: Proximidades conceituais

Não há nenhuma lógica na sugestão de Ciro Gomes, candidato a candidato à Presidência da República pelo PDT, de Lula renunciar à sua candidatura e tentar unir o que chama de “ala progressista” em torno de uma alternativa. A não ser a lógica própria de quem pretende ser o beneficiário da desistência do ex-presidente. Como costuma fazer, Ciro antecipou-se aos fatos, revelando uma ambição que é natural, mas fora de hora.

Mesmo que todas as indicações sejam de que o TRF-4 confirmará a condenação de Lula no caso do tríplex do Guarujá, não faz sentido antecipar-se aos acontecimentos, especialmente para quem está à frente nas pesquisas e precisa ganhar tempo para lutar por sua candidatura, na tentativa de criar um fato consumado que constranja os tribunais superiores.

Vai ser difícil, pois, segundo juristas consultados, nenhum dos recursos possíveis, especial ou extraordinário, a partir de eventual sentença condenatória de Lula, tem efeito suspensivo. Sem essa suspensão automática dos efeitos da sentença, os tribunais superiores vão ter que atribuir esse efeito eles mesmos, o que não será simples.

Para frear a sentença, se ela for unânime, sobra só o embargo de declaração. Vai retardar o trânsito em julgado por, no máximo 30 dias, ou nem isso. Em resumo, não basta recorrer. O ex-presidente vai ter que contar com a simpatia de algum tribunal superior nessa suspensão. A menos que algum ministro, em decisão individual, conceda monocraticamente essa suspensão, para favorecer Lula, para deixar o tempo passar.

Com relação à suposta celeridade do processo, há explicações técnicas. A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, observando a proximidade do recesso forense e a necessidade de respeito ao prazo hábil mínimo para intimação dos advogados para pauta de julgamentos, fixou a data de 24 de janeiro do ano que vem para realização da primeira sessão ordinária do ano de 2018, com início às 8h30m. Ontem, o TRF-4 divulgou a situação dos processos relacionados à Lava-Jato: dos 893 processos que chegaram ao tribunal até hoje, 795 já foram analisados e julgados, o que representa 89,02% do total. Os outros 98 estão em tramitação.

A marcação da data de julgamento não guarda qualquer relação com a conclusão do processo de elaboração dos votos que conduzirão o julgamento. A data apenas delimita que os três desembargadores federais que compõem a Turma continuarão estudando o caso até o momento do julgamento.

Durante a sessão, as defesas e o Ministério Público Federal poderão fazer uso da palavra e realizar as respectivas sustentações orais dentro dos prazos regimentais. Somente a partir de tal momento, munidos de todas as informações necessárias, é que os julgadores irão: ou proferir seus respectivos votos, ou pedir nova vista dos autos para aprofundamento da análise do caso na hipótese de sobrevirem eventuais dúvidas.

A tendência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem sido confirmar, com raras exceções, as sentenças de Sergio Moro, e muitas vezes sendo mais duro que o juiz de primeira instância. A proximidade conceitual entre Moro e os juízes da Segunda Instância é demonstrada não apenas nas decisões tomadas, mas em declarações.

O desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, presidente do TRF-4, já disse em entrevista que a sentença em que o juiz Sergio Moro condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e seis meses de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, “é tecnicamente irrepreensível, fez exame minucioso e irretocável da prova dos autos e vai entrar para a História do Brasil” (...) “não tem erudição e faz um exame irrepreensível da prova dos autos”.

O desembargador federal João Pedro Gebran Neto, relator do processo contra Lula, disse recentemente em palestra na “Conferencia Latinoamericana de Periodismo de Investigación” (Colpin), em Buenos Aires, na Argentina, que “acabou a ingenuidade” nos julgamentos de casos de corrupção, nos quais não se deve esperar mais uma “prova insofismável” para eventualmente condenar um acusado, sendo bastante uma “prova acima de dúvida razoável”, desde que seja possível identificar uma “convergência” nos elementos probatórios de determinado processo. Um conjunto de indícios e provas bastaria em alguns casos para condenar.

 


Rubens Bueno: Chances desperdiçadas

Sabe aquela história do cavalo encilhado? Pois em 2017 ele passou mais de uma vez e os poderes da República abriram mão de cavalgar na direção de um Brasil mais justo, desenvolvido e decente.

O governo de Michel Temer, que na sua formação se mostrava compromissado com as reformas que são tão necessárias para a retomada de nosso crescimento, sucumbiu as práticas da velha política. Loteou ministérios entre investigados na Lava Jato e denunciados por corrupção para garantir o apoio de partidos.

O presidente se enredou, pessoalmente, em tramas para atrapalhar a apuração de casos de corrupção e jogou o país novamente em uma crise política a ponto de ter sido denunciado pelo Ministério Público por corrupção e organização criminosa.

Diante disso, a Câmara dos Deputados jogou fora a chance histórica de dar um de seus maiores exemplos e permitir que fosse adiante a denúncia contra o presidente. De costas para a sociedade, preferiu barrá-la, frustrando toda uma sociedade que tinha a esperança de que finalmente teríamos um país onde ninguém está acima da lei ou a salvo de investigações.

No Legislativo, outras chances foram jogadas fora. Mais uma vez a aprovação do fim do foro privilegiado foi adiada. A reforma tributária também não apareceu. A da Previdência, tão necessária para o país, de tantas idas e vindas pode caminhar na direção da aposentaria.

Governo e Parlamento deram prioridade a medidas pontuais para ajudar esse ou aquele setor, uma e outra categoria. Em plena crise, o país abriu mão de bilhões ao aprovar novos refinanciamentos de dívidas e outra penca de incentivos fiscais.

De acordo com o Banco Mundial, os gastos com políticas e programas de apoio ao setor privado pularam, entre 2006 e 2015, de 3% para 4,5% do PIB. Ou seja, durante os governos passados esses gastos aumentaram 50%, consumindo quase R$ 200 bilhões da receita somente em 2015. E isso em um governo do PT, o partido que diz representar os trabalhadores.

Estamos gastando por ano com programas de incentivo às empresas praticamente o que gastamos em 1 década com o Programa Bolsa Família. A quem interessa esse tipo de estrutura de gastos do Governo Federal? Certamente isso não é de interesse do conjunto da sociedade.

Só não foi um ano perdido porque conseguimos aprovar algumas medidas importantes para o nosso desenvolvimento, como é o caso da reforma trabalhista, que apesar de algumas imperfeições, colocará o Brasil mais perto da realidade das relações de trabalho no mundo atual.

O Judiciário, em muitos casos, ficou olhando o cavalo passar. Não deu agilidade a apreciação das diversas denúncias contra políticos relacionadas a operação Lava Jato. Adiou, mais uma vez, a conclusão final do julgamento sobre a restrição do foro privilegiado.

Com relação a mordomias e privilégios, faltou o exemplo. Continua pendente de análise final pelo plenário da Casa a liminar, concedida pelo ministro Luiz Fux, que estendeu o pagamento de auxílio moradia para juízes, promotores e procuradores de todo o país.

O valor despendido para esses gastos no Judiciário Federal saltou de R$ 3.068.070 em 2009 para R$ 307.652.772 em 2016, o que representa um aumento de indecentes 10 mil por cento. Já no Ministério Público da União os repasses para o auxílio moradia saltaram de R$ 2.906.700 para R$ 105.392.91 no mesmo período. Um crescimento de incríveis 3,6 mil por cento.

Esse tema faz parte de uma nova missão que assumi como relator do projeto (PL 6726/16) que regulamenta o teto salarial dos servidores públicos e visa impedir o pagamento dos chamados supersalários. A ideia é reduzir drasticamente benefícios criados nos três poderes para que um servidor possa receber vencimentos acima do teto constitucional estabelecido pela Constituição.

Nossa intenção era ter concluído o relatório em novembro para que a matéria fosse analisada pelo plenário da Câmara ainda em 2017. Infelizmente, por atraso no envio de dados por parte do Poder Judiciário, só poderemos votar a proposta em 2018.

Esperamos que no próximo ano, quando teremos eleições essenciais para o futuro do país, os poderes da República reajam e os eleitores, na frente da urna, também não deixem o cavalo passar.

* Rubens Bueno é deputado federal pelo PPS do Paraná

 


Merval Pereira: Cenário mutante

Tudo o que está encoberto, impedindo que se desvende o futuro do processo eleitoral que redundará na escolha pelo voto direto do próximo presidente da República, começará a ficar mais claro, não necessariamente definido, no dia 24 de janeiro, quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região processará o julgamento da apelação do ex-presidente Lula no caso do tríplex do Guarujá.

Para o bem ou para o mal, Lula é o protagonista mais uma vez de uma eleição presidencial, como tem sido nas últimas quatro vezes, seja diretamente como candidato, tendo sido eleito e reeleito, ou indiretamente, como cabo eleitoral, elegendo e reelegendo a ex-presidente Dilma. Com ele, a eleição é uma. Sem ele, completamente diferente.

Caso a condenação de Lula seja confirmada pelo TRF-4, como tudo indica, ele estará automaticamente impedido de se candidatar pelo entendimento atual do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que em janeiro ainda estará presidido pelo ministro Gilmar Mendes. O mercado financeiro reagiu positivamente a essa probabilidade.

Além de impedido de se candidatar, se prevalecer a conduta até aqui adotada pelo tribunal de apelação, Lula irá para a cadeia, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) estará em recesso e depois em férias até o dia 31 de janeiro, e não terá tido tempo de colocar novamente em julgamento a permissão para a prisão após julgamento de segunda instância. Mas em se tratando de um ex-presidente da República, é possível que o tratamento seja outro.

No momento, vale a decisão de cada juiz, e o TRF-4 tem determinado a prisão de todos os réus que têm confirmadas suas condenações. Do dia 24 ao dia 31, os recursos deverão ser decididos pela presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que pode deferi-los ou não monocraticamente, ou aguardar a volta das férias para levar ao plenário do Supremo a decisão.

Preso ou não, Lula poderá recorrer em dois níveis, com relação à Lei da Ficha Limpa e também à sua eventual prisão. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem um entendimento diverso do TSE sobre a impugnação de candidaturas.

O artigo 15 da Lei de Ficha Limpa diz que, se houver decisão de órgão colegiado, é declarada a inelegibilidade do candidato, o registro é negado ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido. Já o STJ diz que esse processo não se encerra enquanto houver possibilidade de recurso. Lula poderá ainda tentar habeas corpus no STF pedindo efeito suspensivo da decisão do TRF-4.

A data do julgamento foi marcada a pedido do desembargador Leandro Paulsen, revisor do voto do relator, que informou à Secretaria da 8ª Turma que já terminou seu trabalho. Oficialmente, não há pronunciamento dos juízes ou do TRF-4 sobre prazos, que estão sendo considerados muito rápidos pelos apoiadores de Lula. No entanto, a explicação informal é que os processos estão mais ágeis porque os núcleos delitivos já foram mapeados, e os precedentes já estão definidos depois de mais de três anos de trabalho do tribunal de apelação.

Esse processo do tríplex também é bastante mais simples do que outros, pois só existem outros dois réus, que também foram condenados em primeira instância: os empreiteiros Léo Pinheiro e Agenor Franklin Medeiros, da OAS. O presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, foi absolvido da acusação de lavagem de dinheiro, mas em relação ao armazenamento do acervo presidencial.

Caso Lula seja condenado por unanimidade, a defesa só poderá impetrar embargos declaratórios para esclarecimento de dúvidas, que não mudam a sentença final. Em caso de não haver unanimidade entre os três juízes, são permitidos embargos infringentes, analisados por uma turma maior de juízes.

Todo esse processo deve estar encerrado antes de julho, quando começa o prazo oficial para as convenções que escolherão os candidatos dos partidos.

Tudo indica que, além da dinâmica própria que os processos estão ganhando devido aos vários julgamentos já realizados, há a preocupação do TRF-4 de não criar insegurança jurídica para a disputa presidencial, permitindo que todos os obstáculos jurídicos estejam superados antes do início da campanha. O que não ê possível prever é a reação a uma possível prisão de Lula ou o futuro de um candidato apoiado por ele.

 

 


Merval Pereira: Parlamentarismo informal

A formulação de um “Parlamentarismo informal” que estamos vivendo hoje no Brasil já foi experimentada antes, há 25 anos, quando o “Ministério dos notáveis” foi formado no governo Collor, na tentativa de manter a governabilidade enquanto um processo de impeachment contra o presidente dominava os trabalhos do Congresso.

Com uma diferença: enquanto naquela ocasião os parlamentares não interferiram na formação do gabinete ministerial, permitindo uma ação governamental livre de amarras partidárias, hoje o governo Temer depende de trocas de favores para ter o apoio do Congresso, quer para livrá-lo dos processos de impeachment quanto para aprovar as reformas estruturais propostas, inclusive a emperrada reforma da Previdência.

Talvez se o presidencialismo de coalizão estivesse tão deformado quanto hoje, com o fisiologismo dominando as negociações políticas, Collor tivesse escapado do impeachment. Mas tínhamos naquela ocasião um esquema regional de apropriação do dinheiro público que se transferiu para o governo central sem divisão do butim com o Congresso, o que facilitou a unanimidade do impeachment.

Ontem, a Casa das Garças, no Rio, e o Cebri, dois dos principais think tanks do país, promoveram um debate sobre esse período, com o lançamento do livro de Marcílio Marques Moreira, ex-ministro da Economia, Fazenda e Planejamento, editado pelas Edições de Janeiro, intitulado “Quixote no Planalto, o resgate da dignidade em tempos adversos”. Participaram do debate, do qual fui o moderador, o exministro da Fazenda Pedro Malan, que atuou como negociador da dívida externa, e o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga.

Os dois valeram-se da experiência daquele período para fazer paralelos com outras transições econômicas brasileiras da qual participaram, como a que resultou no Plano Real no governo de Itamar Franco. Do grupo que atuou naquela ocasião em diversos níveis, saíram vários ministros e presidentes do Banco Central e de outras autarquias federais nos governos seguintes de Itamar Franco e Fernando Henrique, podendo ser visto o período como um embrião do Plano Real.

Um dos fatos mais relevantes daquela ocasião foi o chamado “pacto de governabilidade” feito entre os integrantes do “Ministério de notáveis”. No dia 25 de agosto de 1992 seus componentes, entre eles Marcílio Marques Moreira, Celso Lafer (Relações Exteriores), Célio Borja (Justiça) Jorge Bornhausen (Governo), Sérgio Rouanet (Cultura), Eliezer Batista (Secretaria de Assuntos Estratégicos) e Adib Jatene (Saúde) emitiram um comunicado em defesa da governabilidade, comprometendo-se a permanecer em seus cargos até o fim do eventual processo de impeachment.

No comunicado, os ministros observaram que “seguros da honradez de suas vidas”, não temiam a ameaça de perderem o respeito de seus concidadãos, “exatamente por servi-los em hora difícil e em circunstâncias adversas”. Os signatários manifestaram sua confiança de que a crise seria resolvida nos foros constitucionais apropriados, “sem pôr em risco, em nenhum momento, os interesses maiores e as necessidades presentes da nação brasileira”.

O ex-ministro Marcílio Marques Moreira comentou que a unidade de propósitos da equipe ajudou muito na retomada da recuperação da economia e na superação da crise política de forma absolutamente constitucional, sem que a economia tivesse sofrido abalos extraordinários, com as reservas internacionais sendo recuperadas, sem o colapso das bolsas.

A diferença de clima político também ajudou muito. Há 25 anos, havia quase uma unanimidade a favor do impeachment do presidente Collor, e os ministros, em sua maioria, não faziam parte de partidos políticos, e o “Ministério de notáveis” era a última tentativa de Collor de manter-se no poder montando um Ministério pelos critérios meritocráticos, e não políticos.

Na nossa experiência atual, vimos ministros de diversos partidos, inclusive do PSDB, negociando diretamente com o Congresso a favor do presidente Temer, e vários deles retornando a seus mandatos na Câmara para votar pela permanência do presidente.

A diferença é que, naquela ocasião, como disseram no comunicado à Nação, “os ministros consideravam seu dever prosseguir trabalhando, com serenidade, para assegurar a indispensável continuidade da administração pública, da atividade privada e da tranquilidade dos cidadãos.”

Marcílio ontem confessou que até hoje não sabe como foi possível que não houvesse interferência política nas medidas econômicas austeras que estavam sendo implantadas. Reconhece que o então presidente Collor nunca o pressionou, e até mesmo o comunicado do pacto de governabilidade foi aprovado por ele, que fez apenas um comentário: “Vocês poderiam ter sido mais generosos comigo”.


Luiz Carlos Azedo: Tudo certo, nada resolvido

Os gastos com a Previdência deverão crescer R$ 36 bilhões de 2017 para 2018. Os gastos em educação, saúde, ciência, cultura e segurança pública serão reduzidos para cobrir o rombo

Está tudo combinado para que a base aprove a reforma da Previdência, mas ainda não há segurança de que os deputados vão acompanhar suas lideranças na votação. Não é uma questão de barganha dos partidos da base para ocupar mais espaços na Esplanada, é rebeldia mesmo. Até nas legendas que fecharam questão, o que supostamente daria um “discurso” para os parlamentares em dificuldades com suas bases eleitorais votarem a favor da reforma, a resistência ainda é grande.

Há três tipos de resistências à reforma da Previdência: uma é ideológica, na base do “há governo, sou contra”; outra é corporativa, resultado da pressão das associações e sindicatos de servidores sobre seus representantes no parlamento; a terceira, é puramente fisiológica, de deputados que querem receber verbas e fazer nomeações no governo para votar a favor”. A única chance de aprovar a reforma, que depende de 308 votos a favor em plenário, é o governo aceitar a chantagem do baixo clero e fazer novas concessões em termos de cargos e verbas.

O Palácio do Planalto trabalha para votar a reforma da Previdência nos próximos dias 18 e 19, mas ontem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), evitou dizer que colocará a matéria em votação. Segundo disse ao presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, Maia pretende fazer um balanço da situação ainda hoje. “Não é fácil votar na próxima semana. Se não conseguirmos votar neste ano, esse tema não sai da pauta em hipótese nenhuma”, avalia.

A avaliação de Temer é de que a hora de votar a reforma da Previdência é agora. O presidente da República conseguiu pautar a discussão na sociedade com uma forte propaganda oficial, mas também há uma reação contrária dos servidores públicos. Na opinião pública, a situação já foi muito pior para o governo, que agora consolidou o discurso de que os pobres pagam as aposentadorias dos ricos e que a reforma só vai acabar com os privilégios. Não é bem assim. Alguns direitos dos trabalhadores do setor privado serão perdidos (idade e tempo de contribuição), mas tudo pode ser ainda muito pior se a reforma não for feita.

Bomba relógio

O problema não é ideológico, é atuarial: a conta não fecha. É uma questão de aritmética. A taxa de crescimento da população brasileira é declinante: 0,7% ao ano. A população de aposentados aumenta a uma taxa, crescente, cinco vezes maior. Como financiar a Previdência se o número de jovens decresce e o de idosos aumenta, com base numa formula na qual a pirâmide era inversa?

O deficit do Regime Geral da Previdência, que atende quase 30 milhões de brasileiros, é hoje de R$ 178 bilhões, ou seja, cerca de R$ 6 mil por aposentado. Já o do Regime dos Servidores Públicos, com 1 milhão de pessoas, é 13 vezes maior, ou seja, R$ 78 mil por cabeça. A reforma que o governo propõe foi muito mitigada para reduzir problemas (por exemplo, os militares estão de fora). Com isso, 65% dos segurados não serão atingidos pela mudança. O problema é que os 35% restante são capazes de fazer muito mais barulho e têm poder na máquina do Estado.

Pode-se discutir a culpa por essa situação, criticar o governo por não reduzir o número de ministérios, botar a boca no mundo por causa do fisiologismo e do toma lá dá cá ao qual o governo recorre para tentar aprovar a reforma, mas nada disso desarma a bomba relógio. Os gastos com a Previdência deverão crescer R$ 36 bilhões de 2017 para 2018. Os gastos em educação, saúde, ciência, cultura e segurança pública serão reduzidos para cobrir esse rombo. É assim que a banda toca.

O risco que o governo corre de pautar a reforma da Previdência é não conseguir a aprovação; nesse caso, sepultará de vez a proposta na atual legislatura e o tema somente voltará à pauta depois das eleições de 2018. Nova discussão será inexorável. É por isso que o presidente da Câmara não vai para o tudo ou nada. “Não vou pautar uma matéria dessas se não tiver clareza de que temos mais de 308 votos. Não é bom para o parlamento e muito menos para o Brasil termos um resultado ruim. Até porque, se expectativa for de derrota, o resultado ainda será pior do que o projetado na votação”, disse Maia. No Palácio do Planalto, porém, a avaliação é menos cautelosa. Acredita-se que marcar a votação da matéria facilitará a mobilização da base, sob pressão dos ministros e líderes dos partidos aliados.

 


Gaudêncio Torquato: A esquerda dos artistas

O que é e para onde vai a esquerda no Brasil?

A pergunta se faz pertinente por conta do midiático posicionamento de cantores, compositores, atrizes (Carlos Vereza, o grande ator, é uma das exceções), que, se dizendo de esquerda, fazem loas a Lula e Dilma, perorando contra o golpe desferido pela direita que colocou no poder um golpista e animando plateias a levantar placas “Fora Temer”.

A era petista levou o Brasil à maior recessão econômica de sua história, maior até que a Grande Depressão de 1929. Alguns dos artistas que fazem barulho, porém, continuam a sonhar com a volta de Lula, enxergando nele a “Salvação da Pátria”. Afinal, que esquerda é essa?

Primeiro, vale lembrar que a esquerda frequenta mais a boca de artistas que o aparelho fonador de políticos.

É fato que o PT continua a desfraldar a bandeira do socialismo, mas perdeu vigor nessa toada, a partir do momento em que entrou no pelotão da bandalheira, objeto de operações que se iniciaram no mensalão (Ação Penal 470) e continuam hoje na Lava Jato.

O espaço de esquerda passou a ser ocupado pelo PSOL, cujo discurso se afina ao surrado refrão da luta de classes e combate mortal ao capitalismo.

Os dogmas socialistas tornaram-se verbetes com serventia de graxa para ilustrar perfis corroídos. Ser de esquerda é charme para certos artistas. Mas a esquerda já não incorpora o escopo do socialismo clássico marxista sobre a formação do capitalismo e a previsão de sua catastrófica evolução.

A “violência como parteira da História”, dogma apregoado por Engels, tentou fa­zer escola entre nós, nos idos de 1960, mas foi repelida pela ditadura militar.

A redemocratização do País abriu espaço para outras áreas no canto esquerdo do arco ideológico.

Nas últimas três décadas, formou-se nova argamassa para ajustar estacas do alquebrado socialismo revolucionário com ti­jolos do liberalismo político e econômico.

Fixaram-se outras posições, como o porte e a ação do Estado, chegando-se ao meio termo: nem Estado mínimo nem Estado máximo, mas um ente de tamanho adequado.

Agregaram-se expressões como “capitalismo de face humana”, “socialismo de feição liberal”. A intervenção do Estado no mercado chegou até a gerar designação própria para a situação da China – capitalismo de Estado.

Social-democracia

O fato é que a meta do sistema é convergir a eficiência econô­mica com o bem-estar social, ao que se deu o nome de socialdemocracia. Essa marca chegou ao Brasil em fins dos anos 1980, endossada inicialmente pelo PSDB num texto de seus ideólogos,

Os desafios do Brasil. Por tentativa e erro, nosso arremedo socialdemocrata entrou no terceiro milênio, ganhou o centro do po­der e foi acusado de se curvar ao Consenso de Washington.

De onde partiu a crítica?

Do PT e seus satélites. De tanto bater, as “esquerdas” alcançaram a alforria e chegaram ao Palácio do Planal­to em 2003 com a eleição de Lula. Mas dom Luiz I e Único (o título tem a ver com o discurso de que foi o primeiro a fazer isso e aquilo), nunca abandonou as linhas gerais da política neoliberal.

Com o “mensalão”, soçobraram as pilastras leninistas e o teto marxista. As bandeiras vermelhas do petismo ficaram borradas de lama e de vergonha. Depois, apareceu a operação “amaldiçoada” por grandes, médios e pequenos partidos, a Lava Jato. Muitos atores se nivelaram na sujeira da corrupção.

Foram presos ou ainda estão dirigentes do PT e de outros partidos, ex-ministros, mandatários de todos os quilates. Sob o lamaçal, que matiz de esquerda se pode distinguir?

Apenas traços indistintos e pequenos sinais de uma ou outra sigla nanica de entonação trotskista. O PSOL está bem na fita. Até o PC do B escapa da modelagem esquerdista.

O que existe é um espaço acomodando praticamente grandes e médias entidades, cuja pregação socialdemocrata abriga questões como liberdade política, controle social, intervenção do mercado, organização da sociedade civil e até continuidade ou não das estatais.

Artistas fecham os olhos

O ciclo Dilma jogou o país no profundo buraco da recessão e do desemprego, selando o fim de refrãos socialistas. CUT e MST ainda tentam elevar ao alto suas bandeiras, mas se frustram com plateias escassas. No momento em que o Brasil alcança uma Selic de 7%, o menor juro da história, uma inflação abaixo dos 3% anuais, a volta do emprego, o que se vê na paisagem?

A tentativa de alguns de transformar o verso em reverso. E o engodo grassa. Lula propaga que belos foram os tempos em que ele e Dilma fizeram do Brasil um paraíso. Os artistas entoam esse hino. Berram surrados slogans publicitários e execram as reformas que cortam as amarras do país ao passado.

Por que a classe artística glorifica o ciclo lulopetista? Primeiro, ser esquerdista parece charmoso para muitos. Segundo, Lula é o ícone da dinâmica social no Brasil, condição que serve para encobrir a lama do mensalão e de escândalos que enfrenta na justiça.

Já Dilma “foi apeada do poder por um golpe”, tendo assumido um “vice” que nunca teve um voto, esquecendo que ele obteve o mesmo número de votos da ex-presidente.

Persistem na alma de uns e outros traços da cultura pré Muro de Berlim: contrariedade em relação ao que se identifica com EUA, capitalismo, iniciativa privada e simpatia em relação aos símbolos do velho socialismo, como Cuba e Venezuela. Nem mesmo o chefão russo Putin merece hoje consideração, enquanto o socialismo à moda chinesa parece uma excrescência.

Afinal, o PT ainda é de esquerda?

Vejamos. A partir dos anos 70 a 80, os partidos socialdemocratas passaram a incorpo­rar princípios neoliberais, puxando a ideologia dominante da União Europeia. A doutrina socialdemocrata ganhou contornos na esteira da globalização.

Siglas mudaram, trans­formando suas bases trabalhadoras em classes médias, mais conservadoras e com maior acesso ao capital financeiro. Angela Merkel, na Alemanha, por exemplo, deu efetiva contribuição para moldar a socialdemocracia com a solda neoliberal.

O Brasil ingressou na rota.

A alternativa que restou ao PT foi a de aderir ao figurino. Importantes figuras do nosso universo artístico, porém, teimam em fechar os olhos à nova realidade, apostando na tese de que bom, mesmo, era o Brasil que até ontem respirava por aparelhos.

* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação

 

 


Eliane Catanhêde: Semana de horrores

Convenção do PSDB fechou uma semana de escárnio e irritação na política

A convenção nacional do PSDB encerrou ontem uma semana de horrores na política, com personagens relevantes produzindo cenas inacreditáveis de escárnio. Lula choca pela cara de pau, a oposição mergulha no mais irresponsável populismo, a base governista dá shows de fisiologismo e os tucanos afundam em descrédito, enquanto o governo vai perdendo a guerra que realmente interessa ao País: a reforma da Previdência.

PSDB elege Alckmin presidente nacional do partido
O troféu cara de pau vai para Lula, sempre ele, que aproveitou um comício em Maricá, único município do Rio governado pelo PT, para pronunciar duas barbaridades. Segundo ele, “a Lava Jato não pode fazer o que está fazendo com o Rio”. E mais: “Porque dizem que meia dúzia roubou, não podem causar o prejuízo que estão causando à Petrobrás”. É de amargar.

Quem quebrou o Rio foi a Lava Jato?! E quem quase quebrou a Petrobrás, liderando aquela “meia dúzia”?! Você responde, porque o juiz Sérgio Moro, ocupadíssimo tentando dar um jeito no que fizeram não só no Rio, mas no País, avisa que não bate boca com condenado.

Por falar no Rio, o ex-governador Sérgio Cabral e sua mulher, Adriana Ancelmo, vão fazer um curso de Teologia na Faculdade Batista do Paraná. Um curso a distância, claro, já que os dois, como “vítimas” da Lava Jato e de seus desdobramentos, estão passando uns tempos no Presídio de Benfica. De Teologia?! Numa faculdade do Paraná de Moro?!

Outra contribuição para a semana veio do campeão de votos para a Câmara (1,3 milhão de votos em 2010). Depois de sete anos de mandato, o deputado Tiririca subiu à tribuna para fazer o seu discurso de “oi, tchau” e se disse “decepcionado” e “com vergonha” da política. Típico caso de “cuspir no prato em que comeu”, o que desmente seu slogan de campanha: “Tiririca, pior do que está não fica”. Ficou.

O governo Michel Temer participou do festival, claro. Quando a Coluna do Estadão publicou, todo mundo achou absurdo, mas, sim, aliados confirmam que a coordenação política do Planalto vai para... o deputado Carlos Marun, que liderou a tropa de choque contra a cassação do notório Eduardo Cunha e o presenteia com guloseimas na cadeia em Curitiba.

É assim que saem o tucano Antonio Imbassahy e o PSDB e entram (no coração, na alma e no bolso do governo) Marun e o Centrão. O governo Temer vira definitivamente o governo do Centrão, mas nem assim consegue aprovar a reforma da Previdência, deixando sérias dúvidas sobre ônus e bônus e sobre uma candidatura comum para 2018.

Para não parecer que tudo isso é coisa só de Brasil, Donald Trump desengavetou uma decisão dos anos 1990, deu uma canetada transferindo a embaixada americana em Israel para Jerusalém e jogou pólvora no incêndio da Cisjordânia? Que Brasil é esse? Que potência é essa? Que mundo é esse?

É assim que Geraldo Alckmin assume a presidência do PSDB e traça sua estratégia para 2018 com base na velha política, como se nada tivesse mudado. Mudou, governador! Os cidadãos estão enojados, movimentos reformistas se consolidam, a busca do “novo” é real e as redes sociais vieram para ficar – e crescer. Ao fugir ao seu próprio programa e à responsabilidade pela transição, o PSDB não apenas “envelheceu”, como diz Armínio Fraga. Está caindo na vala comum. E, se é para cair na vala comum, que vençam os Lula, os Cabral, os Bolsonaro, os Tiririca. Depois, é só botar a culpa de tudo na Lava Jato. E, em vez de seguir em frente, andar para trás.

PARA INGLÊS VER

Atenção ao Judiciário nesta semana: de um lado, publicam-se as planilhas com os salários e as regalias, como se fosse para mudar; de outro, o CNJ garante as regalias, o auxílio-moradia e otras cositas más, exatamente para manter tudo como está.

 

 


O Estado de S. Paulo: Exército destitui general que criticou governo Temer do cargo de secretário

Militar, secretário de Economia e Finanças do Comando do Exército, havia afirmado que presidente Temer faz do governo um 'balcão de negócios'

Tânia Monteiro, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O Exército comunicou neste sábado ao ministro da Defesa, Raul Jungmann, a destituição do general Antonio Hamilton Mourão do cargo de secretário de Economia e Finanças do Comando do Exército depois que ele afirmou que o presidente Michel Temer faz do governo um “balcão de negócios” para se manter no poder.

Mourão vai ficar sem função à espera do tempo de ir para reserva, em março de 2018. Para o lugar dele, o comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, indicou o general Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira.

Em palestra a convite do grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma), no Clube do Exército, em Brasília, na quinta-feira, o general Mourão elogiou a pré-candidatura presidencial do deputado e capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Também voltou a fazer uma defesa da intervenção militar como solução para a crise política no Brasil.

“Não há dúvida que atualmente nós estamos vivendo a famosa Sarneyzação (em referência ao ex-presidente José Sarney). O nosso atual presidente vai aos trancos e barrancos buscando se equilibrar e mediante o balcão de negócios chegar ao final de seu mandato”, disse o general.

Em setembro, Mourão falou três vezes na intervenção militar enquanto proferia uma palestra na Loja Maçônica Grande Oriente, também em Brasília: “Ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso”. Apesar da repercussão negativa, o ministro da Defesa e o comandante do Exército acertaram que não haveria punição ao oficial. No governo Dilma Rousseff, ele fez críticas à então presidente e perdeu o comando direto sobre tropas do Sul, passando a ocupar o cargo atual de secretário de Economia e Finanças do Comando do Exército, de ordem administrativa.

O militar foi questionado sobre o que e o alto generalato pensavam sobre a pré-candidatura do deputado Bolsonaro. Mourão respondeu em sinal de apoio ao parlamentar, que saiu em sua defesa quando ele proferiu a palestra em setembro e escapou de punição.

“O deputado Bolsonaro já é um homem testado, é um político com 30 anos de estrada, conhece a política. E é um homem que não tem telhado de vidro, não esteve metido aí nessas falcatruas e confusões. Agora, é uma realidade, já conversamos a esse respeito, ele tem uma posição muito boa nessas primeiras pesquisas que estão sendo feitas, ele terá que se cercar de uma equipe competente, ele terá que atacar esses problemas todos, não pode fazer as coisas de orelhada, e obviamente, nós seus companheiros dentro das Forças olharmos com muito bons olhos a candidatura”, declarou.


Merval Pereira: O PSDB se atrasa

“Antes tarde do que nunca”, ironizou o senador Tasso Jereissati ao comentar o pedido de demissão do deputado Antonio Imbassahy do cargo de ministro da Secretaria de Governo, que na prática já não exercia, pois sua coordenação política não tinha o respeito da maioria da bancada aliada.

Mas o PSDB não consegue sair de seu labirinto, embora aparentemente pacificado. Vai para a disputa presidencial envolto em suas próprias contradições, que se revelam tanto na decisão solitária do senador Aloysio Nunes Ferreira de continuar à frente do ministério das Relações Exteriores, quanto na indefinição quanto à reforma da Previdência.

O PSDB decidiu que Geraldo Alckmin será o candidato à presidência da República em 2018, mas é constrangedor que o partido esteja ainda discutindo o apoio à reforma da Previdência. Como destacou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, uma espécie de grilo falante dos tucanos, são os valores que os tucanos têm que apoiar, independente dos interesses eleitorais.

Alckmin não cansa de dizer que é favorável à reforma, mas estaria temeroso de que, se melhorar a economia, o governo se senta forte o suficiente para lançar um candidato próprio, sem procurar uma aliança com o PSDB.

Mas se uma aliança com a base do governo é tão importante, ou mais, que o programa partidário, que deveria estar acima dessas disputas, por que mesmo o PSDB tem que sair da base aliada? Então voltamos ao comentário do senador Tasso Jereissati: o fato é que os tucanos já deveriam ter deixado o governo Temer há muito tempo, mais especificamente depois da revelação daquela conversa escabrosa com Joesley Batista.

Ali, a legitimidade do governo, que recebeu o apoio do PSDB, foi perdida. Isso não quer dizer que seus projetos programáticos, como as reformas estruturais, tenham perdido a importância. O PSDB, que ao apoiar o governo Temer no primeiro momento anunciou que o fazia, entre outras coisas, para apoiar as reformas anunciadas, poderia ter continuado lutando por elas, fora do governo.

É o que acontecerá agora, mas tão “elegantemente” que possa permitir uma aliança eleitoral mais adiante, o que, mais uma vez, acentuará as contradições internas do PSDB, cada vez mais parecido com todos os partidos saídos dessa geléia geral em que se constitui nosso sistema partidário.

O primeiro desafio do partido nessa nova fase se dará na votação da reforma da Previdência, dentro de dez dias. Se a reforma perder devido à falta de votos dos tucanos, a votação ficará tão marcada quanto aquela em que o tucano Antonio Kandir entrou para a história como o responsável por ter impedido a aprovação da idade mínima, um problema que poderia ter sido resolvido há 20 anos e não o foi por um engano (com ou sem aspas?) de digitação do ex-ministro tucano.

Desta vez, a decisão dos tucanos que não votarem a favor da reforma da Previdência não poderá ser atribuída a “enganos”, mas a interesses eleitorais mesquinhos ou visão equivocada dos compromissos com o país.

Pelo discurso que fará hoje, quando será eleito presidente nacional do partido, o governador de São Paulo lança-se na disputa do espaço anti-Lula. Um dos tópicos de sua fala adiantado ontem é o seguinte, referindo-se a Lula: “As urnas o condenarão pelos 15 milhões de empregos perdidos, pelos milhares de lojas fechadas, sonhos desfeitos e negócios falidos. As urnas o condenarão pela frustração dos projetos de milhões de famílias levadas ao desespero, por ter sucateado o SUS e atentado contra a saúde de todos os brasileiros”.

Tratará o ex-presidente como criminoso, ao afirmar que ele, “audacioso, quer voltar à cena do crime”, isto é, ao Palácio do Planalto. Alckmin joga com a máquina partidária, o tempo de propaganda no rádio e televisão para mais uma vez levar o PSDB a disputar o segundo turno das eleições presidenciais contra o PT, o que acontece há quatro eleições seguidas.

Mas esse é um raciocínio típico da velha política, que não leva em conta a busca do novo pelos eleitores, os movimentos sociais nos novos meios, a revolta dos cidadãos. É uma aposta em que o velho que está morrendo terá forças ainda para impedir que o novo que está nascendo não prevaleça. A força eleitoral de Lula mostra que isso é absurdamente possível. Alckmin quer mostrar que, apesar de tudo, representa uma transição mais confiável.