política
Luiz Carlos Azedo: Tempos da política
Lula, Alckmin, Huck, qual o tempo de cada um? Ele corre diferente na política. Há o tempo da paixão e o da razão, o das redes sociais e o do calendário eleitoral
Sonhos de Einstein, do físico Alan Ligthman, é uma coletânea de 30 contos ambientados entre a primavera e o verão de 1905, em Berna, cidade suíça à sombra dos Alpes. Nessa época, o genial físico judeu alemão Albert Einstein tinha 26 anos e trabalhava no Escritório Suíço de Patentes. Mas a vida de burocrata era abalada por sonhos perturbadores, nos quais o tempo poderia transcorrer num só dia ou simplesmente não existir futuro. Sua obsessão era compreender as relações cósmicas que nem a física de Newton nem a religião explicavam, principalmente a relação entre a luz do Sol e o tempo. Isso o levou a várias descobertas científicas, entre as quais a famosa Teoria da Relatividade.
Cada conto de Ligthman apresenta o tempo de uma maneira diferente. Somos todos prisioneiros do tempo do relógio, mas há momentos em que as horas passam mais rápido, assim como há instantes que duram uma eternidade. Se existe o tempo mecânico, há o “do coração” e o da política, que costumam ser diferentes para cada um. É mais ou menos o que está acontecendo com os principais personagens da disputa presidencial de 2018.
Por exemplo, o tempo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi congelado até a próxima quarta-feira, dia do seu julgamento em segunda instância, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Até lá, não sabe em que condições ou mesmo se será candidato em 2018. Sua estratégia é passar por vítima de uma injustiça, confrontar e desmoralizar os magistrados, e recorrer da sentença em todas as instâncias, para que possa escapar da Lei da Ficha Limpa no Tribunal Superior Eleitoral a tempo de disputar o pleito. O que houve até agora é apenas um aperitivo da radicalização política. O petista vive o tempo da paixão. Caso seja condenado, a candidatura de Lula só estará consolidada em 15 de agosto.
Outro personagem importante é o tucano Geraldo Alckmin (PSDB), cuja candidatura somente estará confirmada quando se esgotar o prazo de desincompatibilização do mandato de governador paulista. Seu tempo é o da razão. O político paulista costuma atribuir ao destino sua própria trajetória política e é muito frio nas suas decisões. Os aliados se queixam disso; os adversários, aproveitam o estilo “picolé de chuchu”. Alckmin assumiu a presidência do PSDB, mas não controla plenamente a legenda. O ninho tucano parece invadido por cobras.
Arthur Virgílio Neto, prefeito de Manaus, resolveu disputar a vaga de candidato tucano. Para concorrer às eleições, Alckmin terá que entregar o governo a Márcio França, o vice do PSB, que já avisou aos aliados que será candidato à reeleição e espera contar com o apoio do PSDB. Acontece que os tucanos paulistas pretendem lançar seu próprio candidato e não querem entregar o governo para o PSB e seus aliados. É um racha anunciado, que pode levar o governador paulista a permanecer no Palácio dos Bandeirantes se mantiver o atual isolamento até 7 de abril. Será muita loucura para o PSDB manter uma candidatura sem chances de vitória e ainda perder o governo paulista, o cenário predominante se houver o racha anunciado por França.
Leito natural
Qual será o tempo de Luciano Huck, o apresentador de televisão que virou star também nas pesquisas eleitorais? Por mais que negue ser candidato, por uma série de razões, entre as quais a competitividade de seu nome e o espaço vazio a ser ocupado nas eleições, a candidatura já existe no tempo e no espaço virtual das redes sociais. O apresentador, porém, tem um encontro marcado com o tempo institucional da política: o prazo de filiação para disputar as eleições é 7 de abril. Até lá, haverá quem esteja sonhando com Huck.
Depois de esgotados os prazos citados, a fragmentação política fluirá para o leito institucional das eleições. Primeiro, os candidatos arregimentarão forças, farão alianças e definirão suas plataformas; depois, quando a campanha começar no rádio e na tevê, haverá uma alteração significativa no processo: os eleitores começarão a tomar conhecimento dos candidatos e suas propostas, até a decisão no dia das eleições.
Nesse processo, o mais importante a registrar é a solidez da democracia brasileira. O calendário eleitoral foi mantido, as instituições estão funcionando, as liberdades foram garantidas, as regras do jogo estão estabelecidas e a narrativa do golpe perde sentido. O julgamento do ex-presidente Lula é parte desse processo. Qualquer que seja o resultado, será um exemplo de que as instituições estão acima dos indivíduos.
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Luiz Carlos Azedo: O par dialético
A economia voltou a crescer, mas a crise de financiamento do Estado impõe um “voo de galinha”. Com a mudança de cenário na economia mundial, o nosso velho desenvolvimentismo não tem vez
A esquerda brasileira tem uma forte tradição nacionalista, resultado da convergência de velhas concepções nacional-libertadoras e do populismo. Até o golpe de 1964, a luta contra o imperialismo era considerada mais importante do que a defesa da democracia. No governo João Goulart, por exemplo, a aliança entre comunistas, petebistas e pessedistas que levou Juscelino Kubitschek à Presidência foi rompida. A esquerda considerava um retrocesso político sua volta ao poder nas eleições marcadas para 1965, devido à sua “conciliação” com os Estados Unidos. Enquanto o líder petebista Leonel Brizola se lançava candidato a presidente (“cunhado não é parente”), o líder comunista Luís Carlos Prestes articulava a reeleição de João Goulart. A divisão do campo democrático por causa das ideias nacionalistas jogou os liberais nos braços dos setores conservadores liderados por Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, que articulavam o golpe de Estado. Entre eles estavam, por exemplo, o próprio Juscelino e aquele que viria a liderar a campanha das Diretas Já, Ulysses Guimarães.
Com a deposição de Goulart, o então presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzilli assumiu interinamente a Presidência da República, mas a junta militar (general Artur da Costa e Silva, brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo e o almirante Augusto Rademaker), autodenominada “Comando Supremo da Revolução”, exigiu plenos poderes do Congresso para fazer cassações de mandatos e demitir servidores públicos. O historiador Hélio Silva conta que, em 8 de abril de 1964, um grupo de parlamentares, do qual fazia parte Ulysses, redigiu o ato constitucional a ser votado pelo Congresso para delegar esses poderes. No dia 9, porém, os militares editaram o Ato Institucional nº 1 (AI-1), que conferia poderes extraordinários ao Executivo e estipulava a eleição de um novo presidente e de um vice-presidente no prazo de dois dias. Em 11 de abril, foram eleitos indiretamente para a Presidência da República o general Humberto de Alencar Castelo Branco e, para a vice-presidência, José Maria Alkmin, indicado pela maioria do Congresso. Quatro dias depois, tomaram posse. Ulysses e outros pessedistas que apoiaram o golpe de 1964 logo romperam com os militares, sendo seguidos por políticos da antiga UDN. Juscelino e Lacerda foram cassados.
Uma parte da esquerda aprendeu a lição do golpe e passou a defender a democracia, mas outra optou pela luta armada, numa perspectiva de que a tomada de poder coincidiria com uma revolução, nos moldes da cubana. Tendo a guerra fria como pano de fundo, demorou para que os setores moderados da esquerda, como os antigos PCB, PTB e PSB, na ilegalidade, conseguissem convencer os demais de que o caminho da luta pela redemocratização do país passava pela disputa eleitoral e pelo apoio ao partido de oposição criado pelo próprio regime, o MDB, já então liderado pelo deputado Ulysses Guimarães e outros caciques pessedistas, como Amaral Peixoto e Tancredo Neves. Essa experiência de luta contra o regime militar levou a esquerda, na redemocratização, a inverter o chamado “par dialético”: a luta passou a ser democrática e nacional. Trocando em miúdos, subordinou-se o nacionalismo à defesa da democracia.
Desenvolvimentismo
Quando a esquerda chegou ao poder no Brasil, o mundo já não era o mesmo da guerra fria. O velho colonialismo havia acabado, logo se viu o Muro de Berlim ser derrubado e a antiga União Soviética se desintegrar, enquanto a China fazia as pazes com o capitalismo. Entretanto, o nacional desenvolvimentismo continuou sendo o eixo de sua doutrina econômica, principalmente porque a nossa industrialização fora protagonizada pala presença do Estado na atividade produtiva, num acelerado processo de substituição de importações. Era uma economia autárquica, que entrou em colapso após a crise do petróleo dos anos 1970. O Estado perdeu a capacidade de financiamento e o país passou por um longo ciclo de crises e baixo crescimento, com hiperinflação no governo Sarney e recessão no governo Dilma. Somente agora a economia voltou a crescer, mas a crise de financiamento do Estado continua impondo um “voo de galinha”. Por trás da crise, há uma mudança de cenário na economia mundial, na qual o velho desenvolvimentismo não tem vez.
No governo de Fernando Henrique Cardoso, o permanente choque entre desenvolvimentistas e social-liberais na equipe econômica já havia mostrado a resiliência das ideias nacionalistas; mas foi nos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff que elas dominaram a cena e demonstraram seu anacronismo em relação à globalização e às mudança tecnológicas que ocorrem no mundo. Quem acredita que o impeachment de Dilma Rousseff sepultou essas ideias está muito enganado. A recente entrevista do professor Luiz Gonzaga Beluzzo sobre a conjuntura política e econômica do país mostra bem isso. Entretanto, na Europa e nos Estados Unidos, o nacionalismo é a bandeira das forças mais conservadoras e retrógradas da Europa e dos Estados Unidos. Aqui não é muito diferente: a aposta na democracia e na integração do Brasil à economia mundial corre perigo nas eleições de 2018.
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Luiz Carlos Azedo: Mesmo em cana?
O PT quer caracterizar o julgamento de Lula como uma farsa, sem sustentação legal, cujo objetivo seria promover uma grande fraude eleitoral
A primeira grande interrogação das eleições de 2018 tem data de validade: 24 de janeiro. Pela Lei da Ficha Limpa, caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Siva seja condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, por unanimidade, estará automaticamente fora da eleição. É a regra do jogo. A rigor, pela jurisprudência, poderá também entrar em cana, até que o caso seja resolvido em última instância, ou seja, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, na prática, não é assim que as coisas funcionam: a inelegibilidade de Lula precisa ser oficializada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que trabalha em outro diapasão e é capaz de absolver por “abundância de provas”, como aconteceu com a chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, para não desestabilizar politicamente o país.
Nos bastidores do Judiciário, há uma grande expectativa de mudança de entendimento do Supremo quanto à prisão por condenação em segunda instância, ou seja, poucos acreditam que Lula vá para a prisão caso seja condenado pelo TRF-4. De certa forma, isso já está meio “precificado”, como gostam de dizer os analistas de mercado. A razão é simples: o ministro Gilmar Mendes lidera uma nova maioria no STF a favor da revisão dessa jurisprudência. A novidade mesmo seria outra: a possibilidade de o líder petista, mesmo condenado, concorrer às eleições, graças a chicanas jurídicas e ao corpo mole do TSE, que julgaria o caso só após as eleições, como é comum acontecer com prefeitos e até governadores.
Até agora, por causa da Ficha Limpa, o cenário eleitoral de 2018 com Lula candidato estava exclusivamente relacionado à absolvição por falta de provas, que era o discurso adotado pelo petista e seus correligionários, numa linha de defesa cujo eixo era jurídico. Condenado a nove anos pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, diante da frequência com que os desembargadores federais do Sul confirmam as sentenças de Curitiba, Lula subiu o tom contra a Lava-Jato. Em sintonia com outros políticos enrolados na Justiça, intensificou a pré-campanha eleitoral, além de organizar um movimento de solidariedade nas redes sociais que mobiliza artistas, intelectuais, juristas e políticos de várias nacionalidades ligados ao PT e partidos aliados no exterior.
O eixo da campanha é caracterizar o julgamento de Lula como uma farsa, sem sustentação legal, cujo objetivo seria promover uma grande fraude eleitoral, o “golpe dentro do golpe”, no jargão da narrativa petista. Paralelamente, pressionar o STF para apartar a condenação criminal de Lula da questão eleitoral, flexibilizando a Lei da Ficha Limpa. Caberia ao eleitor absolver Lula nas urnas; sua vontade soberana estaria acima da lei e dos tribunais. O êxito da campanha petista dependerá, porém, do entendimento do TSE.
Rotatividade
Em dezembro passado, o ministro Luiz Fux foi eleito presidente, tendo a ministra Rosa Weber como vice. Em entrevista a jornalistas após sua eleição, Fux expôs sua posição de princípio: “A aplicação da Ficha Limpa é uma lei de iniciativa popular. Então, significa dizer que aí há a necessidade do prestígio da soberania do povo em razão dos cargos que serão disputados. Eu sempre prestigio a Lei da Ficha Limpa”. Também foi enfático quanto à necessidade de decidir o assunto em tempo hábil: “Então, é no momento do registro da candidatura que se olha para trás para verificar se aquele candidato atende aos requisitos de ética e moralidade que a sociedade deseja e exige de seus representantes políticos”, destacou. Mas a Corte terá três presidentes em 2018, ou seja, uma inédita rotatividade de comando.
O TSE é formado por sete ministros. Três são do STF, dois do Superior Tribunal de Justiça (STJ), um dos quais será o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, e dois juristas advogados, nomeados pelo presidente da República. Gilmar Mendes passará o comando da Corte depois de 14 de fevereiro, mas Fux exercerá o cargo somente até 15 de agosto, ou seja, será substituído em plena campanha eleitoral; antes disso, Rosa Weber terá deixado o tribunal, pois seu mandato acaba em 24 de maio. Na linha de sucessão estão os suplentes Luís Roberto Barroso, cujo segundo mandato termina em 3 de setembro; Luiz Edson Fachin, cujo mandato acaba em 7 de junho, mas ainda pode ser reeleito; e Alexandre de Moraes, com mandato até 25 de abril de 2019.
Entre os demais integrantes da Corte, o atual corregedor, Napoleão Nunes Maia Filho, do STJ, deixará o cargo em 30 de agosto. Seu substituto natural é o ministro Jorge Mussi, com mandato até 24 de outubro. A vaga aberta entre os titulares indicados pelo STJ seria do ministro Luiz Felipe Salomão. Os ministros Admar Gonzaga Neto e Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, representantes dos advogados, estão rindo à toa: os mandatos terminarão somente em abril e maio do próximo ano, respectivamente. Ambos votaram pela absolvição da chapa Dilma-Temer, como os ministros Gilmar Mendes e Napoleão Maia.
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Luiz Carlos Azedo: Espinhos do recesso
Uma mudança trivial na composição do ministério tem todos os ingredientes de uma grande trapalhada, na qual o erro de conceito foi a escolha de nomes que não têm nada a ver com o mundo do trabalho
O que era para ser uma rosa nos jardins do presidente Michel Temer, cujo ministério tem uma carência crônica de integrantes do sexo feminino, perdoem-me os mestres Nélson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Alcides Caminha pelo trocadilho, virou um tremendo espinho entre as flores do recesso. A eventual ministra do Trabalho, Cristiane Brasil (PTB-RJ), filha do presidente do PTB, Roberto Jefferson, foi duas vezes impedida de tomar posse pela Justiça Federal, em primeira e segunda instâncias, e corre o sério risco de ser mais uma vez impedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Dois ex-motoristas contratados sem carteira assinada, uma condenação na Justiça trabalhista no valor de R$ 60 mil, uma funcionária laranja e um advogado carne de pescoço que resolveu fazer escândalo com o caso estão inviabilizando a posse da deputada fluminense, que também decidiu pagar pra ver e não pretende desistir do cargo. O que parecia ser uma mudança trivial na composição do ministério, desde a saída do antigo titular, Ronaldo Nogueira (PTB-RS), tem todos os ingredientes de uma grande trapalhada política, na qual o erro de conceito foi a escolha de nomes que não têm nada a ver com o mundo do trabalho.
A primeira trapalhada foi a indicação do deputado Pedro Fernandes (MA), pelo líder da bancada na Câmara, Jovair Arantes (GO), que acabou vetado pelo ex-presidente José Sarney porque é ligado ao governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), o principal adversário do velho clã político maranhense. Roberto Jefferson aproveitou a situação e emplacou a filha, que estava com a posse marcada, mas um juiz federal de Niterói resolveu aceitar uma ação popular e suspendeu a posse, com o argumento de que a conduta patronal de Cristiane não era compatível com o cargo.
O governo recorreu da decisão, mas perdeu a liminar no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, com sede no Rio de Janeiro. Já era para a deputada ter jogado a toalha, ou o presidente da República desistir da nomeação, mas não é o que acontece no governo. O Palácio do Planalto é devedor da solidariedade dos aliados nas votações da Câmara para barrar duas denúncias do ex-procurador da República Rodrigo Janot contra o presidente Temer e os ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da Secretaria-geral da Presidência, Moreira Franco.
Um dos credores é o ex-deputado Roberto Jefferson, um político bom de briga, que não leva desaforo para casa e se tornou ainda mais temido depois que denunciou a existência do mensalão no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na ocasião, derrubou do cargo o então poderoso ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Naquela crise, ambos foram cassados; depois, condenados, no julgamento do mensalão, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A opção do governo é empurrar a situação com a barriga, na esperança de que o PTB acabe por indicar outro nome para a pasta.
Esse é mais um contencioso envolvendo a Justiça Federal, o Congresso e o Executivo. E reacendeu a polêmica sobre a atuação de procuradores e juízes federais. Forma-se entre os políticos uma opinião majoritária de que haveria uma “cruzada” contra os demais poderes, de viés autoritário e moralista, nos moldes do movimento tenentista da década de 1920 contra a República Velha, que desaguou na Revolução de 1930 e na ditadura de Getúlio Vargas. Os “tenentes de toga”, em contrapartida, denunciam a existência de uma ampla coalizão de políticos enrolados na Justiça para acabar com a Operação Lava-Jato.
Embrapa
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) enfrenta sua maior crise, denunciada pelo pesquisador Zander Navarro, que questionou os rumos da empresa de pesquisa agrícola, que está perdendo o bonde da revolução tecnológica em curso no agronegócio. Estudos recentes mostram que será necessário aumentar em 60% a produção de alimentos em todo o mundo nos próximos 40 anos sem a ampliação da área cultivável. E o Brasil corre o risco de perder a condição estratégica que ocupa na cadeia global de produção de alimentos.
O presidente da Embrapa, Maurício Lopes, incomodado com a repercussão de um artigo publicado pelo pesquisador, resolveu demiti-lo sumariamente. A decisão provocou forte reação entre os secretários de agricultura de diversos estados, entre os quais os de São Paulo, Arnaldo Jardim, e do Espírito Santo, Octaciano Neto, que entraram na briga e resolveram dar continuidade ao debate público sobre a linha de atuação da Embrapa. Sociólogo, Navarro é um dos principais especialistas em assuntos agrários do país, reconhecido internacionalmente.
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Hubert Alquéres: Admirável mundo novo
Mais uma vez o Brasil é retardatário. Ainda estamos com os dois pés no século 20, tentando responder a uma agenda de reformas necessárias que há tempos deveria ter sido equacionada. A velha polarização esquerda/direita, um anacronismo reduzido à insignificância em países como a França e a Alemanha, ainda dá o tom na política brasileira.
A Europa e os Estados Unidos concentram suas energias na corrida da inovação e em busca de respostas para os desafios de um mundo em intensa transformação. Estão focados na Quarta Revolução Industrial e no mundo novo que virá a partir da disseminação da inteligência artificial e da robótica.
Já as nossas estão voltadas para fazer a reforma de uma previdência estruturada quando estávamos na era da segunda revolução industrial, com p rodução intensiva de mão de obra. Também pensamos reformar o sistema tributário com os olhos focados no retrovisor, sem levar em conta as alterações no modo de produzir e de como a sociedade vai se estruturar com as mudanças advindas da neorevolucao tecnológica.
Certamente, não estamos respondendo como será o sistema tributário da sociedade do “não-trabalho” e qual será o sistema de proteção social para o imenso exército dos sem-trabalho. O desafio, portanto, será bem maior do que o de ter um sistema previdenciário exequível.
Não se pode reagir diante da robótica e da inteligência artificial da mesma maneira da classe operária inglesa descrita por Engels. Nos meados do Século XIX operários destruíam máquinas para impedir a substituição da manufatura por máquinas industriais.
Em todas as eras as revoluções tecnológicas trouxeram enormes benefícios para a humanidade. Não será diferente com a Quarta Revoluç&at ilde;o. Sem dúvida, impactará, e para melhor, em nossas vidas.
Surpreendentemente foi Luciano Huck quem fez uma boa provocação por meio do artigo “Tá Ligado?” publicado recentemente no jornal Folha de S. Paulo. Ali ele dá uma pálida ideia do admirável mundo novo que se anuncia: “sim, os carros serão autônomos muito em breve. Sim, o córtex humano estaráconectado à nuvem. Sim, vamos poder fazer download de nossa memória. Sim, vamos usar minérios vindos do espaço. Sim, você poderá escanear seu corpo em casa, gerando um diagnóstico imediato. Sim, a inteligência artificial é uma realidade e irá engolir o mundo.”
De fato, haverá enormes ganhos para a humanidade. Pela primeira vez está dada ao homem a possibilidade de se livrar do trabalho enfadonho e repetitivo, podendo direcionar sua energia e tempo para a sua realização pessoal.
Nos meados do século XIX, quando a jornada de trabalho era de 12 horas, o escritor e jornalista francês Paul Lafargue escreveu sua obra polêmica “O Direito à Preguiça”. Pois bem, não estão distantes os dias em que o homem poderá usufruir desse direito sem ter a sua sobrevivência ameaçada.
A globalização iniciada nas últimas décadas do século passado retirou centenas milhões de pessoas da linha da pobreza e democratizou o consumo tornando os produtos acessíveis para camadas antes excluídas do mercado de massas. Esse processo se intensificará em escala exponencial com a Quarta Revolução Industrial. A massa de riqueza gerada será suficiente para resolver as crises humanitárias e para financiar um mundo ambientalmente sustentado.
Mas como as revoluções industriais antecedentes, a Revolução 4.0 também terá seus impactos negativos. A robótica e a inteligênc ia artificial substituirão 47% da mão de obra tradicional. O novo desafio é o que fazer com esse exército de deslocados, tanto para dar sentido a suas vidas, como para garantir a sua sobrevivência.
Propostas antes tidas como lunáticas são debatidas no santuário da inovação tecnológica, o Vale do Silício. Mentes arejadas como a de Bill Gates apontam a tributação dos robôs como um dos caminhos para o financiamento da alocação do contingente dos “sem-trabalho”&n bsp;em outras atividades sociais. A ideia da renda mínima universal é experimentada na Finlândia é admitida por políticos antenados como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
O grande desafio para as próximas décadas é definir como serão repartidos os benefícios gerados pela robotização e pela intelig ência artificial. Com elas, estarão criadas as condições objetivas não apenas para o homem se livrar do trabalho pesado e repetitivo. Também estarão dadas as condições para a conquista da igualdade, bandeira que a humanidade persegue desde a Revolução Francesa.
Nesse quadro a questão da distribuição da riqueza é o grande objetivo a ser perseguido na primeira metade do século 21, assim como a democracia foi o grande valor que se afirmou ao final do século 20.
Não se trata de um simples retorno ao Estado de Bem-Estar Social, pois isto seria inexequível. Mas de reinventá-lo nas condições da sociedade do conhecimento. Por aí o admirável mundo novo poderá ser o reino da prosperidade, da liberdade e da felicidade.
* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP)
Everardo Maciel: Incertezas e desafios da competição fiscal
Se tributo é meio para extração de renda da sociedade, em nome do interesse coletivo, não o cobrar, por ação deliberada do Estado, promove uma competição fiscal que pode vir a ser um importante instrumento na atração de investimentos privados, em desfavor, contudo, do princípio da neutralidade fiscal, que preconiza a minimização da interferência dos tributos na alocação de recursos.
A competição fiscal entre distintas jurisdições, entretanto, é tão antiga quanto a história dos impostos. Sempre prevaleceu o entendimento, por vezes falacioso, de que sem ela os investimentos não se concretizarão.
Para prevenir a competição predatória, são editadas regras, em leis internas ou convenções internacionais, com fixação de limites e requisitos para competição. Sua inobservância configura a guerra fiscal.
No Brasil, a guerra fiscal do ICMS parece caminhar na direção de um armistício, com a edição da Lei Complementar nº 160, de 7.08.2017, e sua regulamentação mediante convênios, celebrados pelos secretários estaduais de Fazenda.
Não foi a melhor solução, mas, nas circunstâncias, a possível, podendo ser aperfeiçoada no processo de implementação. Ao menos, já não se poderá falar mais em guerra fiscal do ICMS.
No plano internacional, a União Europeia (UE), no início de dezembro do ano passado, deflagrou a primeira ação concreta contra os chamados paraísos fiscais, ao incluir 17 países e dependências em uma lista negra (blacklist) e 47, em uma lista cinzenta (greylist).
No que se refere aos países e dependências incluídos na lista negra, os membros da UE ficaram autorizados a adotar contramedidas ou sanções retaliatórias e dissuasórias, inclusive a retenção de imposto na fonte (como já faz o Brasil, há muito tempo).
Já em relação aos que constam da lista cinzenta, foi estabelecido um prazo de um a dois anos, conforme o caso, para melhorar os padrões de transparência, promover a tributação justa, introduzir requisitos de substância e aplicar as medidas recomendadas pela OCDE, no contexto do BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) – programa de integridade tributária chancelado pelo G-20.
A despeito de alvissareira, por constituir um passo inicial no enfrentamento dos paraísos fiscais, a iniciativa da UE é claudicante nos seguintes aspectos: a) o critério para qualificação dos paraísos fiscais não é objetivo, assumindo caráter impressionista, ainda que represente algum consenso; b) as contramedidas e sanções podem ser pouco eficazes, porque certamente não serão uniformes; c) as listas não contemplam conhecidos paraísos fiscais integrantes da UE, como: Irlanda, onde se encontram as sedes da Apple e Google, empresas com baixa disposição para pagar impostos, e que, por pouco, não recepcionou a brasileira Friboi; Luxemburgo, palco de recorrentes escândalos fiscais; Holanda, que adota um favorecido regime para holdings, e Malta.
Os paraísos fiscais, que concentram 1/6 da riqueza mundial, representam a mais grave enfermidade tributária da história. Um caso teratológico de competição nociva e concentração de renda.
As atividades das multinacionais em paraísos fiscais, segundo a Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, na sigla em inglês), resultam em perdas anuais de US$ 100 bilhões para os países não desenvolvidos, o que corresponde a 1/3 de sua base potencial de imposto de renda corporativo.
Em contrataste com a leniência da UE, desde 1996, o Brasil adota critérios objetivos para definir paraísos fiscais e contramedidas específicas para compensar perdas de receitas.
Sou cético, todavia, quanto à eficácia das medidas que serão adotadas pelos países da UE, pois há uma clara indisposição para cooperar por parte dos Estados Unidos e do Reino Unido, justamente porque abrigam paraísos fiscais, como Samoa Americana, Guam, Cayman, Guernsey, Jersey, Ilha do Homem.
A despeito de não ser uma boa temporada para o multilateralismo, a única via para enfrentar o problema ainda é negociar um tratado.
* Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal
Luiz Carlos Azedo: O pior já passou
O país tem estabilidade monetária e produção crescente, o que favorece os investimentos. Quanto à reforma da Previdência, melhor analisar sob a ótica do Barão
Apparício Torelly, o Barão de Itararé, era um eterno otimista, para quem tudo acabaria bem quando a situação parecia a pior possível. Vem daí uma conversa impagável do próprio Apporely (como também assinava) com o romancista Graciliano Ramos, um dos grandes de nossa literatura, relatada em Memórias do Cárcere (Record), na qual sustentava sua teoria das duas hipóteses. Fundava-se na demonstração de que todo fato gera duas alternativas; excluía-se uma, desdobrava-se a segunda em outras duas; uma se eliminava, a outra se bipartia, e assim por diante, numa cadeia comprida. É o autor de Vidas Secas, o revolucionário ex-prefeito de Palmeira dos Índios, que nos conta a tese do Barão:
“Que nos poderia acontecer? Seríamos postos em liberdade ou continuaríamos presos. Se nos soltassem, bem: era o que desejávamos. Se ficássemos na prisão, deixar-nos-iam sem processo ou com processo. Se não nos processassem, bem: à falta de provas, cedo ou tarde nos mandariam embora. Se, nos processassem, seríamos julgados, absolvidos ou condenados. Se nos absolvessem, bem: nada melhor, esperávamos. Se nos condenassem, dar-nos-iam pena leve ou pena grande. Se se contentassem com a pena leve, muito bem: descansaríamos algum tempo sustentados pelo governo, depois iríamos para a rua. Se nos arrumassem pena dura, seríamos anistiados, ou não seríamos. Se fôssemos anistiados, excelente: era como se não houvesse condenação. Se não nos anistiassem, cumpriríamos a sentença ou morreríamos. Se cumpríssemos a sentença, magnífico: voltaríamos para casa. Se morrêssemos, iríamos para o céu ou para o inferno. Se fôssemos para o céu, ótimo: era a suprema aspiração de cada um. E se fôssemos para o inferno? A cadeia findaria aí. Realmente. Realmente ignorávamos o que nos sucederia se fôssemos para o inferno. Mas ainda assim não convinha alarmar-nos, pois essa desgraça poderia chegar a qualquer pessoa, na Casa de Detenção ou fora dela.”
Naquela época não havia delação premiada, nem tornozeleira eletrônica, mas a tese de Barão não deixa de ter serventia para quem hoje está em cana por causa da Lava-Jato, mesmo os que foram frustrados pelo indulto de Natal concedido pelo presidente Michel Temer e suspenso pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia. Vale também para quem foi condenado ou está em prisão preventiva, ou mesmo no caso de uma condução coercitiva. E para os que aguardam julgamento em segunda instância em liberdade, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ainda pode entrar em cana se for condenado em segunda instância, logo depois do ano-novo, pelo Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região, com sede em Porto Alegre. Ressalva importante: Graciliano e o Barão foram presos por fazer oposição à ditadura de Getúlio Vargas, não por crime comum.
Otimismo
Mas, deixando esse assunto de lado, o pior já passou para a maioria da população por várias razões objetivas, que não têm nada a ver com essa teoria do Barão. Primeiro, do ponto de vista político, por mais confusa que seja a situação, ainda temos a certeza de que o calendário eleitoral está mantido e haverá eleições gerais em 2018. Assim, deputados estaduais e federais, senadores, governadores e o presidente da República serão eleitos ou reeleitos, o que depende da vontade popular. Ou seja, nossa democracia sobreviveu à crise do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff com galhardia, o que faz da narrativa do golpe, cada vez mais, uma simples retórica de quem perdeu o poder por várias razões, porém, a principal foi incompetência política mesmo.
Segundo, a Lava-Jato continua firme e forte, mas sem exageros. É o que podemos deduzir da aparente barafunda jurídica no Supremo Tribunal Federal (STF), que às vezes se comporta como biruta de aeroporto. Gradativamente, seja em razão da troca de guarda no Ministério Público Federal, seja por causa da mudança de composição da própria Corte, o equilíbrio entre os poderes e o respeito às prerrogativas dos réus estão sendo observados, apesar de muitas vezes certas decisões darem a impressão de que vão sepultar a operação. Não é o caso. A atuação de Raquel Dodge à frente da PGR está mostrando isso. Com os julgamentos dos políticos, surgirá uma luz no fim do túnel da crise ética.
Terceiro, a economia reage positivamente, num ritmo ainda lento, mas firme. A inflação caiu abaixo de 3%, os juros estão baixos e a atividade econômica voltou a crescer. Apesar da queda do nível de emprego de novembro, o saldo da geração de empregos em 2017 é positivo e as expectativas são de que o país tem um horizonte de estabilidade monetária e produção crescente, o que deve favorecer os investimentos. Quanto à reforma da Previdência, melhor analisar sob a ótica do Barão. Feliz ano-novo!
Luiz Carlos Azedo: Indulto da discórdia
O decreto está restrito à competência do presidente Temer ou realmente viola os princípios da proibição, prevista na Constituição, de o Poder Executivo legislar sobre direito penal?
O indulto de Natal concedido pelo presidente Michel Temer, que ampliou os benefícios para presos que cumpriram pelo menos um quinto da pena, e sua suspensão parcial pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, puseram o Executivo e o Judiciário em rota de colisão. Com o agravante de que foram decisões solitárias, contra e a favor da Operação Lava-Jato, que trouxeram a crise ética para o centro do noticiário político novamente. Atribuição do presidente da República, esse benefício não trata das saídas temporárias de presos, é um perdão de pena, concedido todos os anos.
A presidente do Supremo aceitou os questionamentos da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que na quarta-feira havia protocolado ação no STF para suspender os efeitos do decreto natalino que reduziu o tempo de cumprimento das penas a condenados por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça. A decisão de Temer havia provocado forte reação dos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato. Agora, caberá ao ministro Roberto Barroso, relator do caso, apreciar a liminar e encaminhar o assunto ao plenário do Supremo, em fevereiro.
Cármem Lúcia foi dura na crítica ao decreto de Temer: “Indulto não é nem pode ser instrumento de impunidade”. Segundo a ministra, “não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime. Nem pode ser ato de benemerência ou complacência com o delito, mas perdão ao que, tendo-o praticado e por ele respondido em parte, pode voltar a reconciliar-se com a ordem jurídica posta”. O indulto de Natal teria o objetivo de beneficiar políticos e outros condenados pela Lava-Jato que estão cumprindo pena, o que gerou forte reação do Ministério Público Federal.
No ano passado, as regras de concessão do benefício já haviam sido flexibilizadas por Temer, ao beneficiar com o perdão pessoas condenadas a no máximo 12 anos que, até 25 de dezembro de 2016, tivessem cumprido um quarto da pena, desde que não fossem reincidentes. Neste ano, Temer não definiu um período máximo de condenação para que o detento obtenha o perdão presidencial, ampliando o raio de alcance do indulto. Além disso, o decreto do presidente da República reduziu para um quinto o tempo de cumprimento da pena para presos não reincidentes, que estavam nesta situação no Natal.
A polêmica jurídica é sobre a natureza do decreto, se ele está restrito à competência do presidente da República ou realmente viola os princípios da separação de poderes, da individualização da pena e da proibição, prevista na Constituição, de o Poder Executivo legislar sobre direito penal. Esse é o questionamento que acabará no plenário do Supremo, no pressuposto de que se trata de matéria constitucional.
Lava-Jato
Segundo a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se Temer tivesse poder absoluto sobre o indulto, “aniquilaria as condenações criminais, subordinaria o Poder Judiciário, restabeleceria o arbítrio e extinguiria os mais basilares princípios que constituem a República Constitucional Brasileira.” Um dos pontos mais criticados por ela foi o perdão das multas aplicadas aos réus nos crimes de colarinho branco; outro, a redução das penas, pois uma pessoa condenada a 8 anos e 1 mês de prisão não ficaria sequer um ano presa.
O decreto de Temer teve repercussão negativa na opinião pública, mas foi bem recebido nos meios políticos e em parcela do mundo jurídico que questionam a atuação do Ministério Público Federal. Na prática, a decisão está em linha com a ala do Supremo Tribunal Federal liderada pelo ministro Gilmar Mendes, que vem questionando duramente a atuação dos procuradores federais e dos juízes de primeira instância que atuam na Lava-Jato.
Conduções coercitivas, prisões preventivas, longas condenações, até mesmo as delações premiadas, tudo vem sendo criticado pelo ministro e as grandes bancas de advocacia que defendem os réus da Lava-Jato. Além disso, o Supremo Tribunal Federal está muito dividido. A decisão de ontem de Cármem Lúcia, por exemplo, não tem nenhuma garantia de que será referendada em plenário.
Ruy Fabiano: As tramas do ano novo
O embate entre justiça e impunidade, que marcou o ano que se encerra, terá continuidade em 2018. A investida contra a Lava Jato, tramada nos bastidores dos três Poderes – e cumprida com esmero pelo STF -, terá sua prova de fogo no próximo dia 24, quando o TRF-4, de Porto Alegre, reverá a sentença que condenou Lula.
A expectativa é de que a confirme, podendo inclusive agravá-la. Ciente disso, o PT oferece antecipadamente sua contrapartida: ocupar Porto Alegre e, nas palavras de Lula e José Dirceu, “tocar fogo no país”. Resta saber se haverá povo, entidade que há algum tempo parece ter migrado do partido.
Mas não há dúvida de que os petistas têm expertise em matéria de bagunça e provocação, além de militância armada para materializá-la: MST, MTST, CUT etc. Vejamos o que acontece.
Confirmada a condenação, Lula pode ser preso. Vai depender de Sérgio Moro, responsável pela sentença inicial. Não se sabe se a decretará. Há aí um peso simbólico, que a recomenda, mesmo sabendo-se com antecedência que o STF o soltará.
A ministra Carmem Lúcia já antecipou que, havendo pedido de habeas corpus - e não há dúvida de que haverá -, irá atendê-lo. Afinal, foi Lula que a nomeou para o STF, tendo sido distinguido com um convite à sua posse na presidência da Corte, há dois anos.
Foi a primeira vez que um réu (na ocasião, já penta réu) foi alvo de tal distinção por parte de um magistrado. Réu, num tribunal, comparece para ouvir sentença, não discurso de posse.
Sendo ou não sendo preso, Lula perderá a condição de “ficha limpa” e estará impossibilitado de concorrer às eleições de outubro.
Ainda que seus advogados se valham do cipoal de recursos que a lei processual oferece – e não há dúvidas quanto a isso -, é improvável que um condenado, com sentença confirmada por um colegiado, e ainda réu em mais seis processos por corrupção, tenha condições de postular o mais alto cargo da República.
O Brasil é criativo, surpreendente, mas jamais elegeu alguém em tais condições. Aliás, ninguém, em tais condições, jamais ousou tal absurdo, embora os tempos sejam de absoluto ineditismo.
Na Presidência, Lula poderia indultar-se a si próprio e, por via indireta, condenar o juiz. Parece disparate – e é -, mas de certa forma, mesmo sem ter chegado lá, é o que já ocorre. Investe-se contra Sérgio Moro e a Lava Jato, odiado por parte do STF e do Congresso, e busca-se uma saída para Lula.
O detalhe é que os que assim agem subestimam a opinião pública, hoje atuante nas redes sociais, onde vídeos de Lula, dizendo os maiores disparates, viralizam. Lula hoje está no mais baixo estágio de sua popularidade. Sabe que as pesquisas que o mostram como favorito não têm qualquer consistência, meras peças de ficção.
A pesquisa concreta é a que o impede de circular nas ruas, restaurantes e aeroportos, onde é hostilizado e carece de segurança.
O único fenômeno de popularidade política, neste momento, goste-se ou não, é o que cerca o pré-candidato Jair Bolsonaro, sem partido, sindicato, prefeitura ou governo, aclamado onde chega.
Sua plataforma resume-se a dois itens principais: segurança e moralidade. Também aí a campanha eleitoral mostrará o que nela há de consistente. Bolsonaro favorece-se do fato de que, até aqui, todos os seus oponentes já estão na terceira idade da política. Ele é o outsider, embora esteja no ramo há seis mandatos.
Em 2018, o ano começa antes do carnaval, com Lula mais uma vez no banco dos réus. O Congresso reabre em fevereiro e retoma sua pauta defensiva, que busca melar a Lava Jato.
A ausência de manifestações de rua encoraja os infratores a ousar as mais descaradas propostas, no sentido de manter a impunidade. Sabem que contam com a leniência do Executivo, cujo chefe, o presidente Temer, padece dos mesmos males de seus colegas parlamentares, e a colaboração ostensiva do STF. A Procuradoria Geral da República é ainda uma incógnita.
Sem povo, tudo é possível.
* Ruy Fabiano é jornalista
Miriam Leitão: Fuga para o Planalto
O grande risco com o Lula não é o radicalismo. Ele nunca foi radical, tanto que, como disse em entrevista na última semana: “Esse mercado injusto que nunca me agradeceu com o tanto que ganhou.” Deveria também ter cobrado gratidão das empresas em geral, porque nos 13 anos do governo petista os benefícios para o capital foram de 3% do PIB para 4,5% ao ano, um aumento, ao PIB de 2015, de R$ 90 bilhões.
Na entrevista, em que convidou um grupo de jornalistas para um café da manhã, o ex-presidente disse: “Eu não tenho cara de radical, nem o radicalismo fica bem em mim.” De fato. Não é esse o problema. O risco Lula é institucional. Já condenado em primeira instância, réu em mais 5 processos, denunciado em outros, sua estratégia é a fuga para o Planalto, único local onde poderá escapar de todas as ações, todas as investigações, onde terá autoridade sobre a Polícia Federal, e poderá minar o poder do Ministério Público. O Brasil se transformará num país em que a impunidade será coroada se o réu chegar à Presidência da República.
Ele tem usado a candidatura como defesa nas ações a que responde na Justiça. Provavelmente calcula que quanto maiores forem suas intenções de voto mais inatingível ficará, mais poderá usar a versão de que é um perseguido político.
Contudo, a Justiça terá que decidir diante das provas e dos autos e agora a palavra está com o TRF-4. Mesmo na hipótese de ser absolvido, há outros processos contra ele. Lula se define como uma pessoa “mais conhecida que uma nota de R$ 10”, e tenta usar essa notoriedade para se blindar. Vai se aproveitar do tempo jurídico e das muitas possibilidades recursais em seu favor. “Se eles cometerem a barbaridade jurídica de me condenar tenho ‘n’ recursos para fazer, e vou continuar viajando.”
A Justiça Eleitoral tem aceitado, inexplicavelmente inerte, à campanha presidencial antes da hora. Também nada faz contra a descarada campanha de Jair Bolsonaro. Isso cria a distorção de punir quem cumpre a lei, e favorecer quem a ofende. “O mundo é dos espertos”, disse recentemente o técnico Renato Gaúcho, do Grêmio, ao ser apanhado espionando adversários com drones. A tese do técnico tem se confirmado porque as intenções de voto colocam Lula e Bolsonaro nos primeiros lugares. Pelo visto, bobo é quem cumpre a lei eleitoral.
Ao dar os primeiros toques do que seria seu programa, ele, de novo, recorre à demagogia. “Por que o povo pobre tem que pagar mais imposto de renda do que o povo rico. Por que o rentismo não paga imposto de renda sobre o que ele ganha? Por que a gente não pode começar a pensar em uma política tributária em que as pessoas mais humildes paguem menos e os mais aquinhoados paguem mais? Por que não se coloca em prática a questão do imposto sobre as grandes fortunas? Parece radicalidade, mas não é.” Faltou uma pergunta: por que em 13 anos, quatro meses e 11 dias de governo, o PT não teve tempo de fazer o que ele propõe? Fez o oposto. As deduções de imposto para os grandes grupos e setores empresariais, as transferências através de empréstimo subsidiado, a elevação da dívida pública para aumentar em meio trilhão a capacidade de o BNDES dar crédito barato para grandes empresas, como JBS, grupo X, Odebrecht e outros, foram as grandes marcas dos governos petistas na economia. O programa econômico executado por ele e sua sucessora foi regressivo. Gastou-se mais dinheiro público com os muito ricos.
Lula prepara os truques com os quais vai responder às suas incoerências. Culpou o PT pela foto que tirou com Maluf. “Quando Haddad foi candidato a prefeito em 2012 eu estava com câncer, inchado e foram me tirar de casa para uma fotografia com Maluf.”
Ele se comporta como se o país tivesse amnésia coletiva. Propôs mudar tudo através de uma Constituinte, acusando a “elite”de ter feito uma nova Constituição desde 1988. O PT governou em quase metade desse tempo. Critica a atual gestão da Petrobras como se não tivesse acontecido nas gestões petistas o maior escândalo de corrupção da história do país.
Há todos os disfarces e truques de sempre, a demagogia costumeira, mas estes não são os maiores riscos, e sim um fato de que ele tem contas a acertar com a Justiça e tenta, como defesa, a fuga para a Presidência da República.
Luiz Carlos Azedo: Não é só comida
Por uma série de razões, entre as quais a Operação Lava-Jato, a queda do preço dos alimentos não se refletiu na popularidade do presidente Michel Temer
Talvez o melhor resultado do governo Temer em 2017, percebido com certeza pelas famílias de baixa renda na ceia deste Natal, tenha sido a redução do preço dos alimentos, da ordem de 5,2%, para um IPCA de 2,7%, em comparação com o ano passado, que registrou uma inflação da alimentação de 9,4%. No primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff, a inflação desse segmento chegou a 12,9%, o que explica em grande parte o enorme descontentamento popular com o governo da petista. Entretanto, por uma série de razões, entre as quais a Operação Lava-Jato, a queda do preço dos alimentos não se refletiu na popularidade do presidente Michel Temer, que continua baixa.
Não foi uma redução qualquer. O peso maior da queda do custo dos alimentos foi dentro de casa, ou seja, nos produtos adquiridos nas feiras e nos supermercados, que chegou a 5,1%, enquanto a inflação fora do domicílio (bares, restaurantes) foi de 3,5%. Essa oportunidade de ouro para Temer capitalizar o êxito de sua política monetária foi desperdiçada porque o governo demorou a se dar conta do fenômeno e não encontrou nenhum símbolo que popularizasse a redução do preço da comida, como aconteceu durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, com Plano Real, quando o frango passou a custar R$ 1 o quilo. Neste Natal, um frango inteiro temperado estava custando mais de R$ 20.
A expressiva queda do preço dos alimentos foi sazonal. O clima excepcional influenciou o aumento da safra e a consequente redução dos valores. Entretanto, isso não justifica uma expectativa pessimista em relação a 2018. Os efeitos da redução da taxa de juros se farão sentir na retomada da atividade econômica, ainda que a geração de empregos seja mais lenta, por causa da capacidade ociosa da indústria e do desemprego estrutural causado pelas mudanças tecnológicas. Segundo os especialistas, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2018 será explicado, principalmente, pela maior expansão do consumo das famílias e da taxa de investimentos.
A popularidade do governo, porém, dependeria do mercado de trabalho. A taxa de desemprego diminuirá de 12,7% em 2017 para 12% em 2018 e para 11,6% em 2019. É pouco para enfrentar o problema da exclusão social e da perda de renda das famílias, embora tenha ocorrido — para surpresa geral — uma recuperação da massa salarial, o que também explica o aumento do consumo das famílias. A baixa inflação (IPCA) em 2017 diminuirá o valor dos reajustes salariais em 2018, mas o crescimento da massa salarial real já é de 2,4% em 2017; será de 3,9% em 2018 e de 3,7% em 2019.
Ano eleitoral
No próximo ano, a maior incerteza em relação ao desempenho da economia é a eleitoral, porque os agentes econômicos temem uma mudança de rumo em relação à política econômica, atacada pelos dois principais protagonistas do processo sucessório até agora, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se comporta como se o seu populismo não tivesse nada a ver com o desastre econômico do governo Dilma Rousseff, e o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC), que defende um nacionalismo estatizante. A blindagem da política econômica também é fragilizada pela pré-candidatura do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD), o que já vem provocando reações negativas de agentes econômicos.
Nada disso, porém, afasta o presidente Michel Temer de dois objetivos: a reforma tributária, que seria uma simplificação e não necessariamente a redução de impostos, e a reforma da Previdência, que muitos consideram uma missão impossível num ano eleitoral. O grupo palaciano acredita piamente que as duas reformas terão tamanho impacto na economia e que a imagem do presidente Michel Temer começará a mudar significativamente para melhor. O povo, porém, não quer só comida.
Fernando Gabeira: Natal nos trópicos
Encontrei neste Natal, em Gramado, algo que não via há muitos anos: uma campanha para que as pessoas se abracem. Vi isto na Suécia, no fim da década de 1970. Achávamos estranho porque a campanha sueca estimulava as pessoas a se tocarem. Latinos, aparentemente, não tinham esse problema de fechamento e timidez. Ao contrário, tocávamos em excesso e, às vezes, isto aborrecia os escandinavos.
Um quarto de século depois, reencontro a campanha pelo abraço e me pergunto o que houve conosco nos trópicos. Foi o crescimento econômico, ou a revolução digital? Felizmente as pessoas se abraçaram e se confraternizaram na praça de Gramado, sob uma espuma que simulava neve e molhava minhas lentes.
Ultimamente, as multidões andam zangadas no Brasil, a julgar pelo que fizeram no Maracanã. O espírito de Natal, pelo menos neste período, deve ser mais forte que o espírito de porco. Independentemente de análises mais profundas, é algo de bom que a cristandade nos dá, anualmente.
O papa Francisco é um importante interlocutor e talvez fosse bom mencionar o que disse ao receber o Prêmio Europeu Carlos Magno:
“Há uma palavra que nós nunca deveríamos cansar de repetir. É esta: diálogo. Somos chamados a construir uma cultura de diálogo por todos os meios possíveis e assim reconstruir o tecido da sociedade.” Em outro trecho, Francisco diz: “A paz será durável na medida em que armarmos nossos filhos com a arma do diálogo, que os ensinarmos a travar a boa luta do encontro e da negociação.”
No Brasil isso é necessário também, mas muito difícil. É preciso estar com um olho no espírito de Natal e nas peças que os poderosos nos pregam, precisamente, nesta época. Em dezembro de 1968, decretou-se o AI-5, uma forte inflexão do autoritarismo. Fomos protestar na rua, mas o A5 foi engolido pelo espírito de Natal e dissolveu-se docemente como um panetone na boca.
A segunda turma do Supremo aproveitou, especialmente Gilmar Mendes, de nossa distração natalina e deu mais alguns golpes na Lava-Jato, soltando gente, arquivando processos e proibindo a condução coercitiva.
Como aplicar aqui a arte do diálogo, conforme ensina o Papa Francisco? Há um certo orgulho jurídico em contrariar a opinião pública, uma certeza aristocrática de que eles sabem, e apenas eles, o caminho correto para tratar a corrupção no Brasil. Não há diálogo entre o sentimento social e um grupo de juízes que resolveu bloquear um avanço na luta contra a corrupção, reconhecido por quase todos nos últimos anos. Se as multidões forem às ruas, correm o risco de apenas confirmar o orgulho de votar contra elas, a certeza de que a verdade solitária pertence aos juízes togados.
Uma parte do Supremo poderia dialogar com eles. Mas ali, também, o diálogo parece ter sido reduzido a um puro choque de opiniões. Além do mais, é difícil resolver no âmbito do Supremo porque eles compõem uma turma com autonomia.
Os militares poderiam dialogar com eles? Seguramente não, uma vez que há consenso sobre o poder da própria sociedade em resolver esse problema.
Os políticos não dialogariam em nome da sociedade, precisamente porque estão realizando o que eles mais querem: deter o processo de investigação e voltar o máximo possível ao período pré-Lava-Jato.
A única referência que ainda resta são os procuradores, a PF e a Justiça Federal. Vai ser preciso encontrar uma forma de combater esses cavaleiros do apocalipse, mas isso não é algo para se encontrar agora, em pleno espírito de Natal. São apenas obstáculos que esperam o Brasil num ano de ansiada renovação.
Por enquanto, a confraternização fortalece o diálogo e a paciência com o outro. E nos dará força para o ano que entra. Saímos de um período de confrontos muito desgastante. Vamos entrar numa frase brava de choque de extremos nas eleições.
Sob a bandeira do diálogo, por mais frustrante que seja, como no caso do Supremo, será possível alguma coisa, sobretudo se o diálogo se intensifica entre aqueles que querem a renovação e estão perplexos com a resiliência das velhas práticas que arruinaram o Brasil.
Dialogar com quem acha que não há mais jeito, dialogar com quer esfolar o adversário — enfim, há um longo percurso pela frente.
Um feliz Natal ajuda. O encontro familiar sempre acende a ideia da continuidade: os que já foram, os que estão aí, os que acabaram de chegar.
Transplantado para a dimensão nacional, esse sentimento é um bom combustível para rodar o delicado ano de 2018 e, quem sabe, emergir das cinzas de um período que se esgotou.
São os meus votos.