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El País: “TRF-4 pode ter criado um lulismo mais radical, sem Lula e sem o PT, como é o peronismo, diz Lincoln Secco
Para o pesquisador da história do PT, ao condenar Lula, TRF-4 pode ter consolidado seu mito
Pergunta. O resultado do julgamento do TRF-4 foi mais duro do que o esperado por muita gente. A tática do ex-presidente deve mudar agora?
Resposta. O que aconteceu foi um recado claro. Lula não pode ser candidato e deve ser preso como um exemplo. Agora, o PT vai reagir com força verbal à sentença, mas será difícil no curto prazo mobilizar resistência nas ruas, porque os dirigentes atuais não comandam mobilizações há 20 anos e desconhecem sua base social. Se Lula vai mudar de tática? Isso dependeria exclusivamente dele. Ele poderia sim recorrer a algum tipo de desobediência civil, resistência pacífica, manifestação de massa ou boicote às eleições. Isso mudaria tudo. Lula tem uma biografia consolidada à qual agora se acrescenta o papel de perseguido político. Ele foi condenado por ter um apartamento que não está em seu nome e no qual jamais morou. A percepção da sua base social vai mudar. Ele se torna vítima dos poderosos. As cenas do julgamento são simbólicas. É possível que os juízes tenham contribuído para consolidar o mito Lula por uma ou duas gerações e venhamos a ter um lulismo mais radical sem Lula e até sem essa atual direção do PT, como foi o peronismo depois de proibido oficialmente na Argentina.
P. Acredita que ainda há caminho para Lula reverter o quadro desenhado pela condenação?
R. O impeachment, o golpe parlamentar, não foi dado para devolver o poder ao PT. O julgamento de Lula não foi antecipado ao acaso. Havia a ilusão de que a elite do Judiciário não iria querer humilhar um ex-presidente da República e o próprio país com uma decisão tão dura. Até alguns golpe militares respeitaram os presidentes, mas não é o que a decisão de ontem aponta. Acredito que um tribunal superior pode até mudar a sentença, mas não inocentar o ex-presidente. Ao PT só resta pensar na substituição dele para garantir uma votação suficiente para sobreviver institucionalmente e, num outro ciclo da história, reconstruir suas bases de apoio. Para usar o jargão chinês: teria que ser uma guerra popular prolongada.
P. Dentro do PT há quem fale em uma segunda via com Fernando Haddad ou Jaques Wagner. Ainda há quem mencione um, agora mais improvável, apoio ao Ciro Gomes. Qual é seu palpite?
R. A não ser que o próprio PT seja inviabilizado, o que não está aparecendo no horizonte político deste ano, ele vai ter candidato. É muito difícil imaginar um apoio ao Ciro Gomes, especialmente depois da hesitação dele em apoiar o Lula diante do julgamento. Ficou muito claro que o Ciro Gomes, este sim, torce quase que explicitamente para que o Lula não seja candidato, já que ele seria diretamente beneficiado por isso. O PT terá outro candidato.
P. Quem? Fernando Haddad, Jaques Wagner?
R. Eu acho que o Lula tem sempre a capacidade de surpreender o mundo político. A escolha da Dilma foi inesperada e foi uma escolha pessoal dele. Então, em primeiro lugar, o PT vai investir na batalha jurídica e na propaganda de que o Lula é o candidato. Depois, pode ser até que ele venha a indicar um nome que não é nenhum desses que estão especulando. De qualquer jeito, o Jaques Wagner tem uma relação muito boa com o Lula. O Haddad já é um pouco mais difícil. Só que pode ser a Gleisi Hoffmann, que é a presidenta do partido, ou outro nome que o Lula pode tirar da manga. Outra questão, é que todos esses nomes que falamos não têm mandato executivo, ou seja, não têm uma máquina de Governo por trás. Para o PT, seria melhor, pensando eleitoralmente, que o candidato tivesse o apoio de uma máquina. Há o governador de Minas Gerais, Fernando Pimental, por exemplo, que já foi, inclusive, ventilado na imprensa.
P. A imprensa fala muito do cenário da esquerda, em que não há clareza sobre quem será o candidato. E no outro espectro político? Os nomes de alguns outsiders ao mundo político já foram testados, nada decolou ainda.
R. O Luciano Huck deve ter sido orientado a retirar o nome dele estrategicamente. O que quer dizer que não é uma saída definitiva. Acontece que ele foi precipitado. Ele se lançou cedo demais, o que poderia acabar em um bombardeamento e desconstrução anterior à campanha de fato. Só que ele é um possível candidato da rede Globo, então ele não pode ser deixado de fora do leque de alternativas do centro e direita do espectro político. Na ausência do Lula, acredito que o Jair Bolsonaro cresce. Embora ele não tenha máquina partidária, nós não estamos vivendo em um sistema político estável, como era o que vivíamos até 2013. Ele também é uma força a ser considerada. O problema da direita tradicional, ou do centro, como você preferir, é que vai ser difícil viabilizar um candidato com força, pois há o calcanhar de Aquiles chamado Governo Temer e as contra reformas implementadas por ele. Na minha visão, esse centro político se desfez porque ele não tem um discurso para ganhar eleições. Hoje, quem tem discurso é a extrema-direita e a esquerda. A esquerda sem candidato, favorece a extrema-direita.
P. Como presidente, o Lula já provou que não é um radical. Como entender essa contradição? Um político que nunca foi radical, ser tachado de radical?
R. Estamos vivendo um momento político tão irracional, que o Lula, que não é nada outsider, que tem uma vida pública de 40 anos, que comprovou inúmeras vezes que é um conciliador, que fez um Governo de conciliação nacional, que nunca apostou na luta de classes, agora é apontado como radical. Isso é fruto da crise do sistema político como um todo. Quando a Dilma foi derrubada e o PT foi jogado no canto do ringue, o PSDB, que era seu antagonista, também foi se esvaindo. Agora, a aparência radical que estão colando no Lula, passa a ter vigência concreta, porque a política não é apenas o que é, mas é o que parece. O Lula não é um radical, mas ele foi jogado nessa condição. Todo mundo que está na oposição eleva o tom. Isso é natural da política. E o Governo atual faz essa oposição ficar ainda mais virulenta. O Governo Temer é que é o radical à direita. Ele está implantando uma agenda de austeridade sem apoio da sociedade e de forma muito acelerada. Aí a oposição do Lula fica ainda mais evidente.
P. A partir de agora, é possível imaginar um PT concretamente mais à esquerda?
R. O PT já está um pouco mais à esquerda do espectro político, simplesmente porque foi derrubado e empurrado para a oposição. O que aconteceu de interessante também é que ele voltou a ser a legenda de maior preferência partidária, segundo as pesquisas. O PT é um partido ressuscitado. Agora, daí a acreditar que ele vai se tornar um partido radical, é muito diferente. Isso seria muito mais a cara do PT dos anos 1980 do que do PT de agora.
P. O fato de ter chegado a 2018 sem uma alternativa ao Lula revela um partido pouco democrático?
R. O PT não é nenhum modelo de democracia interna, mas, ainda sim, ele é o partido com mais participação de base do Brasil. Ele é muito mais democrático do que qualquer outro partido. Só que o peso do Lula é muito grande. O que eu acredito é que este peso tenderia a ser menor se não tivesse ocorrido a interrupção da trajetória do Governo Dilma. Certamente haveria uma renovação natural do partido. Agora, o Lula acabou sendo convocado por essa situação anômala a voltar a liderar o partido, pois ele tinha que usar isso em sua própria defesa. Ele próprio já declarou isso várias vezes, que estava quieto em São Bernardo, mas não deixaram ele descansar. Isso não quer dizer que ele ia abandonar inteiramente sua influência política, mas ele teria menos força se não tivesse havido o impeachment.
P. É comum ouvir que principalmente depois de Dilma houve um afastamento do PT em relação à base, além de uma burocratização de movimentos sociais. Contudo, a popularidade do partido, apesar de uma queda em 2016, está aumentando. Como entender essa contradição?
R. É o que eu já mencionei brevemente, acontece que o PT, sendo derrubado e com as medidas neoliberais do Governo Temer, é natural que ele volte a parecer um partido mais à esquerda. É um polo de aglutinação. As outras organizações não vingaram. A queda da Dilma não é só a queda dela ou do PT, mas de toda a esquerda. Ao mesmo tempo, houve um ressurgimento da base, um ressurgimento social do PT, mas isso está em contradição com a paralisia da direção política do PT. As pessoas se filiam ao PT porque esperam uma resposta que não pode ser meramente institucional, porque o PT diz para a sua base que houve um golpe, mas, ao mesmo tempo, a cúpula do partido só está pensando em estratégia eleitoral e jurídica, apelando para um Judiciário que ele mesmo diz que é politizado. O fato é que existe uma base eleitoral nova no PT, que se renovou, surpreendentemente em 2015, 2016 e 2017. O problema é que a direção do PT não lidera, de fato essa base. O PT precisaria se renovar internamente para dar uma função a essas pessoas, já que ele não é mais um partido organizado em núcleos de base.
P. E o que significa um cenário político no Brasil sem o PT?
R. Seria, com todo respeito, a "mexicanização" da política brasileira. Já temos um país conflagrado socialmente, com grande peso do narcotráfico e com organizações criminosas na cadeia. Sem o PT, ficaríamos sem movimentos sociais, sem a esquerda organizada para civilizar nossa sociedade civil. O PT poderia muito bem ser substituído por outra coisa, mas, historicamente, essas coisas levam décadas para serem construídas. A renovação estava acontecendo, mas foi interrompida. Se O PT perder sua relevância, não vai surgir uma alternativa para a esquerda do dia para a noite. Além disso, o chão da classe trabalhadora mudou muito em relação à década de 1980, quando o PT surgiu. Ela é muito mais dispersa e a esquerda tem muita dificuldade de se tornar representante disso.
P. Em 2016, o PT não conseguiu eleger o prefeito de São Paulo. O cenário eleitoral mudou de lá para cá?
R. Totalmente. O Lula, mesmo fora da cédula, será um ator fundamental do PT na eleição. Ele vai transferir votos, sem sombra de dúvidas. 2016 foi uma eleição anômala, porque o partido havia acabado de sofrer um impeachment. A popularidade do Lula era, mais ou menos, metade do que é hoje. E o PT estava empatado com o PSDB, com uma preferência que girava ao redor de 8%, hoje ele tem 20%. O cenário é outro. Além disso, há o Governo Temer, claramente rejeitado pela população, e o fato de que os adversários do PT estão completamente fragmentados.
Bolívar Lamounier: O Brasil na encruzilhada
Seremos capazes de aproveitar a chance de recuperação que parece estar se formando?
A condenação de Lula pelo Tribunal Federal da 4.ª Região (TRF-4) no dia 24 do corrente tem o potencial de alterar em profundidade o quadro político, dividindo-o em dois cenários claramente opostos: um, extremamente negativo e o outro, assaz alvissareiro. A premissa geral, em ambos os casos, é a de que a força eleitoral de Lula tem sido o principal obstáculo à superação da crise que o Brasil vive há vários anos. Nesse sentido, designarei o primeiro como um cenário de aprofundamento e o segundo como um cenário de superação da crise.
O ponto nevrálgico do primeiro começa com as possíveis reações do Partido dos Trabalhadores (PT) e seus satélites de esquerda à condenação de Lula – notadamente a explícita incitação à violência – e se completa com acidentes de percurso mais ou menos previsíveis. O segundo vai no sentido oposto, caracterizando-se por um adequado equacionamento das dificuldades previstas no primeiro e delineando uma boa oportunidade de deslancharmos de vez na trilha da recuperação.
Que o PT, seus pequenos aliados de esquerda, os chamados “movimentos sociais”, uma ala do clero e dos movimentos sindical e estudantil encetarão reações raivosas, disso não há dúvida. Nada permite supor que se disponham a fazer uma reavaliação sincera dos precários fundamentos conceituais de sua ideologia.
Tais setores se inclinam para o confronto, são adeptos da ação direta e de uma atitude ambígua em relação ao regime democrático. O lançamento da candidatura Lula logo após a sentença do TRF-4 é um indicativo da estratégia que tentarão articular.
Nesse quadro, o primeiro acidente de percurso a considerar é a resposta do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizando ou não o início da execução da sentença logo após o esgotamento do período de embargos declaratórios. Não podemos esquecer que a composição atual do Supremo foi decisivamente determinada por Lula e Dilma e que alguns de seus membros parecem entender seu papel basicamente como o de soltar, nunca o de prender. Nessa hipótese, teríamos um condenado por unanimidade e com acréscimo de pena arengando pelo País, tratando de firmar sua candidatura à Presidência como um fato irreversível. Escusado dizer que a motivação dos raivosos a que antes fiz referência para defender seu líder, vítima de um suposto complô, subiria à enésima potência. Alguns proporão “partir para o pau” – bloquear avenidas e estradas, impedir a circulação de veículos –, outros advogarão uma atitude de cautela e racionalidade, prevendo que cedo ou tarde Lula retornará travestido de dom Sebastião.
É certo que, mesmo preso, Lula não necessariamente conservará uma aura de mártir suficiente para levar multidões de raivosos à rua. Com o tempo a raiva poderá tornar-se entrópica, ou seja, consumida entre eles mesmos, em ataques mútuos. Acrescente-se que não há entre os políticos eletivos do partido nenhum que se preste ao papel de representante interno do grande líder injustiçado. O mais provável é que, como na Argentina, bata um punho fechado no peito, jurando ser o mais lulista dos lulistas – sem maiores consequências. Vistas as coisas por esse ângulo, teríamos um cenário de desastre bastante atenuado, que mal faria jus ao nome, a menos, naturalmente, que um novo e grave acidente acontecesse nas eleições presidencial e congressual deste ano. Da cadeia, terá Lula a capacidade de canalizar sua massa de votos para um Ciro Gomes, um Bolsonaro, um Haddad ou para um poste qualquer? Pode ser que sim, pode ser que não.
O que até aqui se expôs permite inferir que as chances de um cenário de recuperaçãoaumentarão muito se a sentença de 12 anos e 1 mês começar a ser executada de imediato, como determinou o TRF-4. Fortalecida pelo julgamento de Lula, a Lava Jato poderá evitar o desgaste público que começava a ameaçá-la e seguir em frente com seu trabalho. Certos setores empenhados em enfraquecê-la – refiro-me aqui em particular ao Senado e ao STF – terão de medir melhor os seus passos.
Na construção mental de um cenário relativamente otimista, a questão crucial é, sem dúvida, a eleição, sobre a qual pairam três graves indagações. A primeira é reverter o presente quadro de fragmentação e potencial polarização num quadro mais convergente. Por enquanto tímida, a recuperação econômica poderá ganhar um pouco mais de força, revertendo em parte o pessimismo e a hostilidade à classe política que se formou nos últimos anos. É uma possibilidade, mas não são favas contadas.
A segunda é que, embora o script tenha melhorado muito, o elenco não parece à altura. É um tanto insosso. Não há um candidato natural, capaz de empolgar os corações e as mentes. Por último, e mais importante, mesmo com o upgrade que reconheço ter havido no script, não temos sinais de um programa, uma agenda, uma plataforma à altura do que o País precisa e merece. Precisamos de propostas arrojadas para a economia, a administração pública, a educação, mas o que vemos são esforços isolados e não devidamente “fulanizados”, ou seja, associados a candidatos e partidos relevantes.
Nunca será demais lembrar que o Brasil é um país extremamente pobre. Nossa renda anual por habitante mal alcança US$ 11 mil, um número pífio por qualquer critério que se queira usar. Na administração pública, temos um quadro de servidores corroído até a medula pelo corporativismo e pelo grevismo, sem a competência, o orgulho profissional e o respeito pelo público que deveriam ser seu apanágio. A maior cidade da América do Sul está sitiada pelos transmissores da temível febre amarela.
Uma chance de recuperação parece estar se formando. Seremos capazes de aproveitá-la?
* Bolívar Lamounier é cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria e autor do livro ‘Liberais e antiliberais’ (Companhia das Letras, 2016).
Luiz Carlos Azedo: A batalha perdida
Pode haver uma ultrapassagem da radicalização, típica de um processo de eliminação das diferenças, e a construção de um novo consenso, no qual a moderação, o pluralismo e a tolerância prevaleçam
Na Espanha do rei José II, no século XIV, segundo José Ortega e Gasset, todos os seres tinham o direito e o dever de serem o que eram, fossem “dignificados ou humildes, abençoados ou malditos”. O judeu ou árabe eram, para as demais pessoas, “uma realidade, dotada do direito de ser, com uma posição social só sua e seu próprio lugar na pluralidade hierárquica do mundo”. No limiar do século seguinte, porém, judeus e mouros foram obrigados a deixar a Espanha pelo rei católico Fernando II. Segundo o filósofo espanhol, essa foi a gênese da primeira geração moderna. “De fato, é o homem moderno que pensa ser possível excluir determinadas realidades e construir um mundo segundo as próprias preferências, à semelhança de uma ideia pré-concebida”, ressalta.
O exemplo é citado pelo filósofo polonês Zygmunt Bauman ao abordar a relação entre verdade, ficção e incerteza no mundo contemporâneo (O mal-estar da pós-modernidade, Zahar). A tolerância em relação às diferenças no mundo pré-moderno era resultado de uma visão conservadora do tipo “tudo já está em seu lugar”. O rei Fernando da Espanha foi precursor de uma estratégia “que seria aplicada, com maior ou menor zelo e com maior ou menor êxito, ao longo da história moderna e em todas as partes do globo”. A destruição da diferença era o pressuposto da nova ordem. Mas a guerra contra a diferença e a pluralidade foi perdida em todo lugar. “A história moderna resultou, e a prática moderna continua resultando na multiplicação de divisões e diferenças.”
O aspecto novo das diferenças na pós-modernidade seria “a fraca, lenta e ineficiente institucionalização das diferenças e a resultante intangibilidade, maleabilidade e o curto período de vida”. O “desencaixe” existencial e as dificuldades para definir “projetos de vida” e construir a própria identidade, típicos das gerações mais jovens, seriam consequência não apenas da desestruturação das classes da antiga sociedade industrial, mas também da ausência de pontos de referência duradouros, como as ideologias do século passado. O “mundo lá fora” é cada vez mais virtual e parecido com um jogo, no qual as regras mudam de uma hora para outra. Qual o sentido de uma identidade vitalícia se as pessoas estão sendo obrigadas a se reinventar?
Ficção e realidade
Bauman recorre aos ensaios literários de Milan Kundera e Umberto Eco para dizer que talvez a verdade esteja mais na ficção dos romances do que na aparência das pessoas, cujas verdadeiras identidades são mutantes, estão ocultas ou dissimuladas. Muito do que está acontecendo na política brasileira tem a ver com tudo isso. Há um choque monumental entre as nossas práticas políticas tradicionais, encasteladas nas instituições de poder, e uma realidade social em mudança, com o agravante de que a reboque dos efeitos da globalização. Há um abismo entre uma elite política e seus partidos envelhecidos e as transformações em curso na sociedade, nas quais as pessoas comuns foram “desconstruídas”, mas estão plugadas nas redes sociais.
Não deixa de ser um paradoxo o cenário eleitoral que se apresenta. Nas redes sociais, um candidato de ficção à esquerda, que se tornou inelegível, acredita que pode voltar ao poder se reeditar velhas fórmulas políticas, nas quais as diferenças são sufocadas pela intolerância ideológica; de outro, um candidato real, porta-voz de práticas embrutecidas, que também quer sufocar as diferenças, inclusive as de costumes e de comportamento. No processo eleitoral real, porém, prevalece a força da ordem institucional. As regras do jogo favorecem os grandes partidos, a imunidade parlamentar e a sobrevida de uma geração política que pretende empurrar a fila para trás. Entretanto, a fragmentação e as diferenças predominam, tanto nas redes sociais, quanto no sistema político, o que aumenta as incertezas.
A lógica natural das coisas será a transferência gradativa das disputas políticas e ideológicas das redes sociais para o processo eleitoral, ou seja, toda a diversidade e a fragmentação existentes na sociedade buscarão representação nos partidos e em suas candidaturas. Nesse sentido, pode haver uma ultrapassagem da radicalização direita versus esquerda, típica de um processo de eliminação das diferenças, e a construção de um novo consenso, no qual a moderação, o pluralismo e a tolerância prevaleçam. Essa é a equação que está posta na disputa eleitoral para a Presidência da República, tendo por pano de fundo uma tremenda crise ética na política, que ameaça tragar as principais lideranças, seja nos tribunais, seja no silêncio das urnas.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-batalha-perdida/
Luiz Carlos Azedo: Deu errado
O PT não tem outro candidato competitivo para disputar a Presidência. “Vitimizar” Lula e manter sua pré-candidatura enquanto for possível faz parte da estratégia de sobrevivência eleitoral dos petistas
Toda estratégia tem fricção, não importam a sua natureza ou os objetivos, porque as coisas nunca acontecem como foram planejadas. Por isso mesmo, precisa ser sempre avaliada, corrigida, repensada, para redução de danos e correção de rumos. Quando a estratégia é construída a partir de um conceito errado, não tem a menor chance de dar certo, o desastre é completo. Foi o que aconteceu com ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no julgamento de ontem, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, no qual sua condenação a 9 anos e meio de prisão pelo juiz federal Sérgio Moro não somente foi mantida, como ampliada para 12 anos e 1 mês.
Lula pressionou o tribunal e tentou desmoralizar o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, com uma agressiva campanha de solidariedade e a acusação de que o julgamento estava armado para favorecer uma fraude eleitoral. Seria um julgamento político. Essa estratégia foi um fracasso total do ponto de vista jurídico, porque os desembargadores da 8ª Turma rechaçaram o recurso que pedia a anulação da sentença de Moro e ainda aumentaram a pena com base nas provas que a defesa insistia em dizer que não existiam.
Foram votos duríssimos, principalmente o do presidente da Turma, desembargador Leandro Paulsen: “O cometimento de crimes de corrupção por um presidente ou ex-presidente em razão do cargo, além de constituir uma violação seriíssima à ordem jurídica, torna vil o exercício de autoridade. Submeter a conduta de um presidente ao crivo da censura penal torna presente o que bem destacou o magistrado de primeira instância ao finalizar sua sentença: ‘Não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você’.” Ao contrário do que argumentava a defesa de Lula, o julgamento foi essencialmente técnico. Estava na cara que o tipo de mobilização e narrativa construída pelo PT não se sobreporiam às provas dos autos.
Candidatura
O melhor resultado possível nas circunstâncias de uma condenação de Lula seria uma votação na qual não houvesse unanimidade. Essa decisão poderia dar à estratégia fracassada algum sentido, pois tornaria possível levar a decisão para o pleno do tribunal, por meio de recursos infringentes, e empurrar a decisão com a barriga, e criar condições mais favoráveis para registrar a candidatura de Lula a presidente da República nas eleições de 2018. Nessas circunstâncias, ele seria candidato sub judice, não haveria tempo para retirar seu nome da célula e a decisão final poderia ficar para depois das eleições. Isso daria eficácia à estratégia, mas não foi o que aconteceu.
Com a decisão unânime, a primeira consequência é o fato de Lula não poder recorrer da sentença na própria Corte, poderá apenas protelar sua execução com um embargo de declaração, obrigando os desembargadores a prestar esclarecimentos sobre a sentença. Esse tipo de recurso tem eficácia limitada, pode protelar a execução da sentença em até dois meses. Pela jurisprudência vigente, Lula pode ser preso, mesmo que o processo não tenha transitado em julgado, como já acontece com outros condenados da Operação Lava-Jato. Dificilmente, porém, isso deve ocorrer; se acontecer, será por pouco tempo, porque já há uma maioria no Supremo Tribunal Federal (STF) a favor da revisão da súmula que determina a execução imediata da pena após julgamento em segunda instância.
Entretanto, a condenação em segunda instância nos termos em que já aconteceu — unanimidade na Turma — implica perda de direitos políticos por um período de oito anos, com base na Lei da Ficha Limpa, que é explícita quanto a isso, e não de jurisprudência, que pode ser alterada pelo STF. Nesse caso, sua candidatura poderá ser impugnada a partir do pedido de registro, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Como essa Corte é mais sujeita às pressões políticas, a estratégia de confronto e desqualificação da sentença condenatória adotada pelo PT deverá ser mantida, agora para forçar uma decisão política na Justiça Eleitoral, desconsiderando as provas. Não será a primeira vez.
Há um certo desespero em tudo isso, porque o PT não tem outro candidato competitivo para disputar a Presidência. “Vitimizar” Lula e manter sua pré-candidatura enquanto for possível faz parte da estratégia de sobrevivência eleitoral dos petistas. De certa forma, a decisão de hoje praticamente sepultou a possibilidade de Lula ser candidato, mas não afastou o líder petista da disputa eleitoral. Caso não seja preso, mesmo inelegível, poderá percorrer o país e fazer campanha para seu substituto na chapa, mesmo que seja alguém sem grande prestígio nacional. Os petistas examinam dois nomes possíveis, ambos muito ligados a Lula, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Hadad e o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, que poderiam, inclusive, compor uma dobradinha. Fala-se também no ex-governador do Paraná Roberto Requião (PMDB-PR), mas ele teria que se filiar ao PT.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-deu-errado/
Míriam Leitão: Dúvida derruba a tese
Não há perseguição a Lula: país luta contra a corrupção. A incerteza que cerca o julgamento de hoje derruba, por si só, a tese central da defesa do ex-presidente Lula, a de que existe uma guerra jurídica contra ele. O que o país tem é uma Justiça independente, e ele sabe disso. As inúmeras possibilidades de recursos, e que permitem construir os mais diversos cenários para desdobramento desta ação, mostram que não há uma perseguição judicial contra Lula.
O fato de que adversários históricos, ou aliados circunstanciais, estejam vivendo situações semelhantes à do líder do PT mostra que o país está diante de um processo de luta contra a corrupção e não uma perseguição a um indivíduo ou a um partido. Entre seus antigos aliados estão o ex-governador Sérgio Cabral e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, agora presos. Entre seus adversários, o senador Aécio Neves. A lista de políticos investigados por corrupção é enorme, nos mais variados campos políticos. O que acontece no Brasil é um processo maior e mais profundo do que está sendo simplificado pela retórica política. Os líderes do PT sabem disso, mas disputam, como sempre, a narrativa mais conveniente.
A narrativa terá que ser repetida muitas vezes. Ele tem outros processos a responder, como o do apartamento que usa ao lado do seu, ou o do sítio de Atibaia. Isso em Curitiba, mas em Brasília, ele foi denunciado em outros processos como os investigados na Operação Zelotes. No caso atual, o do apartamento do Guarujá, um dos argumentos da defesa é que o imóvel nunca foi dele, e que Lula o visitou como um potencial comprador. Por esse raciocínio, teria que ter havido a ocupação para então ficar claro que o apartamento fora dado a ele. O artigo 317 do Código Penal define corrupção de forma bem mais ampla. É “solicitar ou receber para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumila, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.
Se aquela foi uma visita apenas de um pretendente comprador, que depois desistiu, é preciso explicar muita coisa. Por que a OAS refez todo o projeto, e apenas para aquele apartamento, indicando a personalização do imóvel? Por que os móveis da cozinha vieram da mesma loja que forneceu para o sítio de Atibaia e pagos da mesma maneira? Qual a origem da escritura rasurada? Havia uma conta-corrente, em cada empreiteira com negócios com a Petrobras, para pagar aos políticos e aos funcionários em postos estratégicos. A acusação diz que foi daí que saiu o dinheiro para o apartamento.
Há muitas outras dúvidas razoáveis. E sobre elas os juízes do TRF-4 construíram seus votos que vão divulgar hoje. A defesa, ao lado do argumento político, de guerra judicial, construiu também uma argumentação técnica para responder à acusação. No dia de ontem, ninguém tinha certeza da decisão final dos três juízes que vão julgar o caso. E isso é bom. Palpites, havia muitos. Mas essa dispersão de possibilidades dá a certeza de que a Justiça está fazendo seu papel e julgando segundo os autos. Se eles forem fracos, a sentença será reformada.
No dia 26 de setembro, o tribunal de Porto Alegre absolveu pela segunda vez o ex-tesoureiro do PT João Vaccari. Ele estava condenado a nove anos, numa ação, e 15 anos, em outra. O PT soltou uma nota em que disse que “a segunda absolvição do companheiro João Vaccari no TRF-4 mostra que o Judiciário pode sim corrigir as arbitrariedades da Vara de Curitiba”. Quarenta e dois dias depois, em outra ação, a sentença contra Vaccari foi reformada. Para mais. Em vez de dez anos de prisão, a pena foi para 24 anos. O desembargador Leandro Paulsen, um dos julgadores de hoje, que havia votado pela absolvição nas duas ações anteriores, disse que condenou porque pela primeira vez havia provas.
É dessa incerteza, das dúvidas, das possibilidades de recursos e das mudanças de sentenças que se faz uma Justiça independente. O dia de hoje é importante não pelo resultado do julgamento, mas porque o Brasil tem uma democracia forte o suficiente para investigar, denunciar, julgar políticos suspeitos, de qualquer partido. Até mesmo um líder popular e que por duas vezes ocupou a Presidência do país. Ninguém está acima da lei.
Luiz Carlos Azedo: E se Lula for absolvido?
O julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é criminal, não é político. Se fosse político, seria pelo conjunto da obra; mas, não, é um caso específico, envolvendo o tríplex de Guarujá
A maior surpresa possível no julgamento do recurso do Luiz Inácio Lula da Silva pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) hoje, em Porto Alegre, será a sua absolvição das acusações de que seria proprietário do tríplex de Curitiba, cuja aquisição e reforma teriam sido feitas pela construtora OAS. Como se sabe, Lula está condenado pelo juiz Sérgio Moro a nove anos e meio de prisão, e a confirmação da sentença, em caso de unanimidade, praticamente o torna inelegível pela Lei da Ficha Limpa, mesmo que não seja preso. A anulação da sentença seria a maior reviravolta no processo e um golpe de morte na Operação Lava-Jato.
Muitos apontam o julgamento de hoje como o mais importante da história. Não é verdade, como bem assinalou o ministro da Justiça, Torquato Jardim, um jurista renomado, especialista em legislação eleitoral. O maior julgamento político foi a cassação do registro do Partido Comunista em 1947, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A decisão somente foi revogada em 8 de maio de 1985, por decreto do ex-presidente José Sarney, que também provocou a extinção do processo contra 72 dirigentes do PCB, com base na extinta Lei de Segurança Nacional, acusados de tentar reorganizá-lo após a anistia, no congresso interrompido pela polícia em 13 de dezembro de 1982, no centro de São Paulo.
O julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é criminal, não é político. Se fosse político, seria pelo conjunto da obra; mas, não, é um caso específico, envolvendo o tríplex de Guarujá, no qual as provas materiais e testemunhais foram consideradas robustas pelo juiz Sérgio Moro. A suposta falta de provas é apenas uma narrativa. Mas vamos supor que os desembargadores do TRF da 4ª Região absolvam Lula, hipótese mais improvável. Ficará a seguinte dúvida: ele foi absolvido porque não havia provas suficientes, como aconteceu com Paulo Okamotto, ou em razão das pressões políticas a que os desembargadores estão sendo submetidos, inclusive ameaças anônimas?
Para salvar sua imagem e evitar uma possível prisão, a estratégia de Lula não foi jurídica. Foi transformar o processo num julgamento político, como se estivesse diante de um tribunal de exceção, o que não é o caso. Mas essa é a narrativa construída pelo petista e seus aliados. Vamos supor que tenham êxito, que Lula seja absolvido. Neste caso, o que estará em questão não é o recebimento de propina e ocultação de patrimônio, é o conjunto da obra. A absolvição de Lula, nessas circunstâncias, seria a desmoralização do juiz federal Sérgio Moro e da Lava-Jato. E uma bandeira que poderia torná-lo, aí sim, imbatível nas eleições de 2018. A anulação da sentença de Moro seria o melhor marketing eleitoral de sua candidatura.
A campanha em defesa do ex-presidente Lula não tem nada a ver com o processo em si, tem a ver com o seu projeto político e ideológico. A defesa de Lula pelos militantes petistas e seus aliados é uma demonstração de fidelidade ao líder carismático e de desejo de voltar ao poder para um ajuste de contas, que já foi diversas vezes reiterado pelo próprio petista. Qual é o projeto anunciado: controlar os meios de comunicação, subjugar o Judiciário, acabar com a Operação Lava-Jato e alterar os mecanismos de promoção das Forças Armadas, para controlá-las. Não há novidade nisso, foi tentado, porém, não havia uma correlação de forças favorável.
Conjunto da obra
Será que agora essa correlação de forças já existe? Mesmo com Lula à frente nas pesquisas eleitorais, ainda não. Mas a politização do julgamento pode ser um largo passo à frente nessa direção, porque é uma aposta na radicalização política e no confronto com setores que defendem a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL). Não é à toa que os petistas saíram do estado de letargia em que estavam desde o impeachment de Dilma Rousseff e hoje voltaram às ruas, com suas velhas bandeiras e uma indisfarçável face “bolivariana”.
Ao contrário do que muitos imaginam, Lula não está isolado. O mundo político está traumatizado pela Lava-Jato. Cenas como a do ex-governador Sérgio Cabral algemado pelos pés e pelas mãos, dentro de um camburão, tiram o sono de qualquer político denunciado, com risco de perder o mandato. Por isso mesmo, esse tipo de humilhação de prisioneiro pode agradar a opinião pública, mas fortalece e unifica as forças que se opõem à Lava-Jato.
O processo de Lula gera sentimentos contraditórios entre seus adversários políticos. Sua condenação será um sinal de que todos, cedo ou tarde, serão julgados e condenados se houver provas suficientes; sua absolvição, um sinal de que o vento mudou e a Lava-Jato bateu no teto. O que está em jogo no julgamento de Porto Alegre é o futuro da democracia no Brasil. Por essa razão, é mais importante discutir o conjunto da obra e deixar o julgamento da materialidade das provas para os juízes. Essa é a discussão a ser feita caso Lula seja condenado ou absolvido.
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Eliane Cantanhêde: Terra, água e ar
No filme da Porto Alegre sitiada, quem é ‘o bem’, quem é ‘o mal’?
Isso é tudo o que o ex-presidente Lula queria: o centro de Porto Alegre sitiado por terra, água e ar, com atiradores de elite por toda parte e cenário de filmes de ação, para que os três desembargadores do TRF-4 possam dar um veredicto amanhã, pela sua condenação ou absolvição. Imaginem as imagens!
Com esse grau de dramaticidade, Lula vai tentar mostrar não só ao Brasil, mas ao mundo, o quanto ele é poderoso e “vítima” de uma elite que domina até o Judiciário e só pensa em riscar seu nome das cédulas de outubro. No filme lulista/petista, Lula é “o bem”, o juiz Sérgio Moro é “o mal”.
Se é capaz de culpar a Lava Jato pela falência do Rio e de passar a mão na cabeça de Sérgio Cabral, acusado de roubar da educação, da saúde e de tudo o que dependia de sua caneta de governador, imagine-se do que Lula é capaz para se safar ele próprio...
Assim como o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato fez de tudo para convencer as instituições e a sociedade na Itália de que correria o risco de morrer nas penitenciárias brasileiras, Lula faz agora o que pode e o que não pode para se dizer alvo do mesmo sistema torpe e de uma justiça contaminada.
Bem, a Itália mandou Pizzolato de volta, ele passou um tempinho na cadeia e já está livre, vivinho da Silva e sem um arranhão. O mesmo pode acontecer com Lula: sair dessa como qualquer réu, condenado ou absolvido, aguardando as outras ações. Ele não vai morrer por isso. Nem ele e tomara que ninguém, apesar do aparato de segurança e da ameaça da presidente do PT.
Soa estranho quando intelectuais não se horrorizam com a necessidade de aviões, navios e tanques para a segurança dos desembargadores, mas se metem a falar sobre autos que não conhecem, para inocentar Lula com a mesma sofreguidão com que seus adversários exigem a condenação.
Em sua condenação, Moro concluiu, grosso modo, que empreiteiras ofereciam o triplex a Lula com uma mão enquanto roubavam dinheiro público com a outra. Sob outro ângulo, que Lula negociava vantagem pessoal para deixar as empresas roubarem em paz. O TRF-4 vai julgar se há ou não provas e evidências disso.
Os opositores de Lula dispensam provas (?!). Os defensores alegam que ele tem o direito de comprar apartamento e alugar sítio. Ora, ora! Se ele tivesse comprado o triplex ou alugado o sítio de Atibaia não haveria nenhum problema, nenhum processo, nenhum fuzuê, nem aviões e tanques amanhã. O problema é justamente o contrário: ele não comprou nem alugou e é acusado de tê-los ganho num troca-troca entre corruptores e corruptos.
Outros defensores de Lula sugerem algo ainda mais bizarro: que os desembargadores anulem tudo, porque, afinal, Lula é Lula e eles devem jogar a Constituição, as leis e a responsabilidade no lixo para atender à pressão de quem? Dos intelectuais! Dos intelectuais do Direito ao menos? Não, de qualquer um que seja tratado como intelectual.
Muita calma nessa hora! O debate irascível, a guerra e a parafernália em Porto Alegre desrespeitam a Justiça e, repita-se, servem para endeusar ainda mais Lula, que conduz corações e almas e conspira contra a racionalidade, de um lado e de outro.
De nossa parte, o que se pode desejar é que o TRF-4 faça justiça. Como? Os três desembargadores, que estudaram Direito a vida toda, estão lá por concurso e se debruçaram sobre cada página da condenação de Lula, saberão como, para mantê-la ou não. O importante amanhã não é o que ocorrerá fora, mas dentro do TRF-4. Deixem os homens trabalhar!
As eleições são outra história: se é praticamente unânime que Cristiane Brasil não pode assumir o ministério por multas na Justiça do Trabalho, por que Lula deveria assumir a Presidência depois de tantas complicações na Justiça?
Luiz Carlos Azedo: Lula, o incendiário
O julgamento das urnas como purgação de pecados e ressurreição política é música aos ouvidos dos políticos enrolados na Justiça. Alguns adversários de Lula também simpatizam com a ideia
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu pôr mais lenha na fogueira do seu julgamento, na qual parece ter a intenção de se imolar, ao decidir comparecer à manifestação de protesto antecipado contra sua eventual condenação pelo Tribunal regional federal da 4ª Região, em Porto Alegre, marcada para hoje naquela cidade. Seu pretexto é de que vai agradecer a solidariedade de seus companheiros, mas Lula sabe que sua decisão reforça a mobilização e radicaliza ainda mais o confronto com àquela Corte.
Lula não ficará para o julgamento, no qual pode perder o recurso contra a sentença do juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, que o condenou a nove anos e meio de prisão no caso do triplex de Guarujá. Além de Lula, serão julgados o ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, condenado em primeira instância a 10 anos e 8 meses de prisão; o ex-diretor da área internacional da OAS, Agenor Franklin Magalhães Medeiros, condenado a 6 anos. O ex-presidente do Instituto Lula Paulo Okamotto, que foi absolvido em primeira instância, também será julgado, porque requereu a troca dos fundamentos da sentença.
Quanto mais Lula afronta o Judiciário, mais cresce a aposta de que será condenado e, com isso, ficará inelegível. A decisão caberá aos desembargadores federais Gebran Neto, Leandro Paulsen, revisor, e Victor dos Santos Laus, o decano da turma. Todos foram ameaçados e estão com segurança reforçada. O Ministério Público Federal também pede o aumento da pena aplicada por Moro. E recorre da absolvição dos executivos Paulo Roberto Gordilho, Roberto Moreira Ferreira e Fábio Hori Yonamine, todos da OAS.
A manifestação de hoje é uma prévia do que está sendo programado para amanhã, dia do julgamento. A presença de Lula, contra a recomendação de seus advogados, é uma provocação do réu contra os seus juízes. Na prática, procura endossar a narrativa petista de que o julgamento tem por objetivo promover uma grande fraude eleitoral, pois ficaria impedido de disputar as eleições deste ano para a Presidência, por causa da Ficha Limpa.
Esse discurso está sendo endossado por artistas, intelectuais, dirigentes sindicais, juristas e políticos filiados ao PT e aliados de Lula, que procuram também mobilizar apoio internacional. Essa solidariedade. porém, até agora, não passou da esfera das personalidades. No domingo, em Paris, um protesto durou 10 minutos e reuniu menos de 13 pessoas. No Brasil, o clima é de carnaval: milhares de foliões caíram no frevo e no samba em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife, só pra citar grandes redutos petistas.
Na marra
O PT quer garantir a candidatura de Lula nas eleições de 2018 na marra, o que pode não dar certo, mas revela uma estratégia de confronto com o Judiciário. Para ter sucesso, é preciso primeiro desacreditar a Operação Lava Jato e o juiz Sérgio Moro, com o argumento falso de que Lula foi condenado sem provas de que seria o dono do triplex. As provas, nos autos do processo, são abundantes. Mas isso não importa, o que vale é emplacar a narrativa, o que se faz repetindo o argumento exaustivamente.
A segunda parte da operação é criar um movimento de comoção política e social, que coloque em questão a estabilidade política do país e a normalidade do processo eleitoral, para forçar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aceitar o registro da candidatura de Lula e deixar que ele concorra sub judice, para receber o julgamento das urnas, evitando mais tensões.
O julgamento das urnas como purgação de pecados e ressurreição política é música aos ouvidos dos políticos enrolados na Justiça. Alguns adversários de Lula também simpatizam com a ideia do julgamento político das urnas, o que joga no lixo a lei da Ficha Limpa. Mas há controvérsias quanto à interpretação da legislação eleitoral vigente. Para muitos, a lei tem aplicação imediata quanto à inelegibilidade e não o contrário, ou seja, não caberia ao TSE decidir sobre o mérito da questão. Se Lula for condenado amanhã, pois, haverá muita discussão pela frente.
Vamos supor, porém, que Lula não seja condenado por unanimidade, mas por 2 a 1. Nesse caso, haverá margem real para uma batalha jurídica de longa duração, com recursos que deverão ser julgados em duas instâncias superiores, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (ST¨F), o que efetivamente pode prolongar ainda mais o imbróglio jurídico. Mas essa estratégia jurídica é prejudicada pela narrativa da fraude eleitoral e a tentativa de desmoralizar o Judiciário, em que pese o fato de Lula não estar sozinho quando se trata dos processos da Lava-Jato. A coalizão contra a operação abarca todos os políticos e partidos citados nas delações premiadas dos executivos da Odebrecht e da JBS.
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Merval Pereira: Sem protelações
Se condenado, Lula não pode protelar recurso. O ex-presidente Lula pode não ter tanto tempo para recorrer contra a inelegibilidade, caso sua condenação seja confirmada pelo TRF-4, quanto sugere a legislação eleitoral. A Lei da Ficha Limpa não fala em recursos, considerando que a segunda condenação é suficiente para impedir uma candidatura. Um de seus autores, Marlon Reis, que na época era juiz, diz que houve inclusão da possibilidade de recurso com prioridade através do artigo 26C da Lei das Inelegibilidades a fim de que não alegassem que o direito a uma medida liminar para suspender os efeitos da lei fora retirado dos condenados.
O artigo foi escrito com a intenção de, ao mesmo tempo em que garante o direito ao recurso, não permitir ações protelatórias. Diz lá que o órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso (no caso de Lula, o Superior Tribunal de Justiça) poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso (incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010).
Segundo o Código de Processo Civil, preclusão é a perda de direito de se manifestar, por não ter feito atos processuais na oportunidade devida ou na forma prevista. A lei prevê que “conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e de habeas corpus (incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)”.
Mantida a condenação da qual derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente (incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010). A prática de atos manifestamente protelatórios por parte da defesa, ao longo da tramitação do recurso, acarretará a revogação do efeito suspensivo (incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010).
Isso quer dizer que, quando os advogados de Lula entrarem com um recurso no STJ contra a decisão do TRF-4, terão também que pedir a suspensão da inelegibilidade. Se não o fizerem, para esperar até agosto, depois da convenção partidária, terão perdido o prazo para anular a inelegibilidade. Prevalecendo essa interpretação, o STJ decidirá simultaneamente o recurso contra a condenação e também sobre a inelegibilidade de Lula, afastando a possibilidade de que o recurso se prolongue até a convenção partidária. Muito antes de 5 de agosto, portanto, a situação de Lula estará definida e, confirmada a sentença condenatória, seu nome não poderá nem mesmo ser apresentado na convenção do PT.
O presidente Michel Temer foi mais um político a dizer que prefere que Lula seja derrotado nas urnas a impedido de se candidatar à Presidência da República este ano. O raciocínio, que aparenta ser uma defesa da democracia, peca pela base e segue a mesma linha do mantra petista de que “eleição sem Lula é golpe”.
Se o ex-presidente for impedido de se candidatar, terá sido em decorrência de uma lei, e não há possibilidade de uma legislação em vigor valer para uns e não para outro, mesmo que esse outro seja um líder popular e ex-presidente da República. Ao contrário, esses atributos só fazem aumentar sua responsabilidade diante da sociedade e, consequentemente, a gravidade de sua culpa.
Condenado em primeira instância pelo juiz Sérgio Moro, os petistas e Lula resolveram denunciar não apenas uma suposta parcialidade do juiz de Curitba, como também dos desembargadores do TRF-4, que julgarão seu recurso na próxima semana. Se para Lula não há juízes isentos, ou se apenas sua absolvição demonstrará que no Brasil a Justiça é independente, estaríamos diante de um impasse institucional grave. É o mesmo que dizer que somente as urnas podem condená-lo, como sugere o presidente Michel Temer.
Como se sabe, as urnas não absolvem ninguém, pois se assim fosse diversos deputados hoje envolvidos na Operação Lava-Jato, alguns condenados como Eduardo Cunha, teriam um salvo-conduto como vencedores de eleições.
A Lei da Ficha Limpa, projeto de lei de iniciativa popular que reuniu cerca de 1,6 milhão de assinaturas, teve o objetivo de impedir que candidatos já condenados por um colegiado de juízes (segunda instância) pudessem disputar a eleição, adequando as regras de elegibilidade à necessidade de moralidade dos agentes públicos.
Não é uma legislação autoritária. Foi concebida pela sociedade, apoiada por parlamentares que assumiram a autoria da proposta, aprovada pela Câmara e Senado e sancionada pelo então presidente Lula.
Luiz Carlos Azedo: Por que somos assim?
Nada indica que a renovação dos nossos costumes políticos ocorrerá com a implosão dos atuais partidos ou seu colapso nas eleições, por causa das eleições proporcionais e regionais
Ao contrário do que aparenta a política brasileira, na qual a “transa” substituiu os projetos, o Brasil é fruto das ideias. Elas antecederam o Estado e a nação, antes mesmo do descobrimento. E não há nenhum momento relevante da nossa história que não tenha resultado de um projeto ambicioso ou mesmo de um devaneio. Brasília, por exemplo. A crise que estamos vivendo na política brasileira é resultado da falta de ideias? Ou será fruto de um ajuste de contas entre uma espécie de novo “americanismo”, emergente no Judiciário, e o velho “iberismo” predominante no Executivo e no Legislativo?
Pode ser que sim. Mas a crise, indiscutivelmente, é coadjuvada por fenômenos que modificaram a face do Brasil e sua relação com o mundo. A urbanização acelerada e a globalização, respectivamente, ocorreram sem que o país estivesse preparado política e culturalmente para isso. Ao mesmo tempo em que transitaram da taipa para a alvenaria, as favelas e periferias são sendo plugadas pela revolução tecnológica em curso, na qual a velocidade da comunicação e das inovações entre em choque com velhas estruturas e instituições.
O livro Brasil, brasileiros. Por que somos assim? (Editora Verbena/Fundação Astrojildo Pereira), uma coletânea de artigos e ensaios organizada por Cristovam Buarque, Francisco Almeida e Zander Navarro, lança luzes sobre o momento que vivemos. Reúne textos de Alberto Aggio, Augusto de Franco, Bolívar Lamounier, Cristovam Buarque, Flávio R. Kothe, John W Garrison II, José de Souza Martins, Loreley Garcia, Lourdes Sola, Luís Mir, Marco Aurélio Nogueira, Marcus André Mello, Mécio Pereira Gomes, Paulo Cesar Nascimento, Socorro Ferraz e próprio Zander Navarro.
Esse grupo de historiadores, cientistas políticos e antropólogos realiza um esforço de interpretação da crise atual, na qual se registra um “deficit brutal de consenso e inteligência crítica”, nas palavras de Nogueira. Será que o brasileiro “perdeu a guerra para si mesmo”, como afirma Flávio Kothe, ao ressaltar que fomos incapazes de pôr para funcionar o nosso aparelho de estado e a economia? Talvez uma das chaves para compreensão de tudo isso esteja na evolução do nosso pensamento político.
O professor Francisco Weffort, em seu livro Formação do pensamento político brasileiro, destaca: primeiro, nos primórdios da colonização a meados do Império, nossos intelectuais e as elites não reconheciam a existência do povo como um ator do processo; segundo, a emergência tardia do Estado, que somente ocorre a partir da chegada de dom João VI e da Independência; terceiro, uma forte herança medieval, que mistura os aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos da nossa realidade. Não é à toa que as marcas registradas do nosso “iberismo” são o patrimonialismo e o “sebastianismo”.
Longas transições
Foi apenas na Segunda República, a partir dos anos 1920 e 1930, que resolvemos as velhas dúvidas sobre a existência do povo e da sociedade. Três séculos de colônia, um século de Império e meio século de república agrária antecederam 50 anos de modernização, industrialização, urbanização, expansão da educação e criação das universidades aceleradas. Para isso, foram decisivas ideias de homens como Antônio Vieira, José Bonifácio, Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha, Oliveira Viana, Gilberto Freyre, Caio Prado Junior, Hélio Jaguaribe e Roberto Campos. Sem eles, não teríamos as instituições políticas que deram sustentação a tudo isso, com todas as suas vicissitudes, nem políticos que ainda hoje influenciam o comportamento da nossa elite política, como Marques de Paraná, Rio Branco, Rui Barbosa, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves.
É preciso lançar um olhar para a história para compreender as mudanças no Brasil. A abolição da escravatura foi um ciclo longo, da proibição do tráfico (1850) à Lei Áurea (1888). Se desconsiderarmos a abertura de Ernesto Geisel, em 1974, a recente transição à democracia começou com a anistia, em 1979, e somente se completou com a eleição de Collor de Mello (1989). Todas as rupturas modernizantes no Brasil, porém, se deram de forma golpista e autoritária (1989, 1930, 1964).
Por causa das regras das eleições proporcionais, nada indica que a renovação dos nossos costumes políticos ocorrerá com a implosão dos atuais partidos ou seu colapso nas eleições; se houver um estouro de boiada, será em eleições majoritárias, seja para presidente da República, ou seja em alguns estados. A presença das redes sociais é um terreno em que predominam pensamentos radicais e as fake news, como nos revela a excelente série de reportagens de Leonardo Cavalcanti, editor de Política do Correio.
Esses e outros temas serão objeto de um debate imperdível entre o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), ex-governador de Brasília, um dos autores citados, e o professor de História Contemporânea Francisco José Barbosa, da Universidade de Brasília, na próxima terça-feira, a partir das 18h30, com mediação do jornalista Francisco Almeida. Local: auditório da Biblioteca Salomão Malina, no Conic (em frente à Praça Vermelha), no Setor de Diversões Norte, em Brasília. Haverá sessão de autógrafos.
Murillo de Aragão: Sobre culpas e omissões
A questão da segurança pública até hoje não foi tratada com a prioridade que a cidadania merece
As crises na segurança pública repetem-se periodicamente no Brasil. Ainda que os índices melhorem aqui e ali, em 2016, por exemplo, registraram-se quase 70 mil mortes por homicídio e latrocínio no País. Rebeliões em presídios são recorrentes. Greves de policiais também, assim como o pedido de participação das Forças Armadas na segurança dos Estados.
A sequência de eventos, que só pioram a cada ano, alimenta o debate sobre de quem seria a culpa por esta situação. União e Estados acusam-se mutuamente. Já especialistas dizem que ambos erram, ou seja, a responsabilidade seria de todos. É verdade. A culpa é de todos, e não só dos Estados e da União. A culpa também é, portanto, das elites brasileiras, que tratam o tema de forma episódica.
Quem pode contrata segurança privada e usa carro blindado. Quem não pode sofre. E o tema não chega às mesas de decisão por indiferença das elites e omissão da classe política. As próprias categorias profissionais envolvidas em geral só se mobilizam para tratar de interesses da corporação, pouco contribuindo para o aprimoramento das políticas de segurança no País. Só em Brasília, mais de dez delegados de polícia devem se candidatar a deputado distrital e federal neste ano. A agenda preferencial, porém, é equiparar salários com a Polícia Federal, e não melhorar a segurança pública.
Ao permitirem que o corporativismo prevaleça sobre as agendas do bem comum, nossas elites assumem culpa grotesca. Semelhante à culpa das elites venezuelanas, que fracassaram e deixaram o país chegar às mãos de Hugo Chávez. A Venezuela paga até hoje pela omissão das elites. Quando o Brasil flerta com Jair Bolsonaro, está trilhando um caminho semelhante ao percorrido pelo país vizinho.
Paradoxalmente, temos uma imensa responsabilidade e um cuidado extremo com o sistema financeiro. Nosso Banco Central é um dos melhores do mundo, assim como o sistema adotado é um dos mais lucrativos e seguros do planeta. Caso levássemos para a segurança pública 30% da competência aplicada às finanças, a situação no País seria muito melhor.
Nossas elites se omitem quando não percebem o dano que a insegurança pública causa à economia. Nosso turismo é ridículo perto de nossas potencialidades. Pessoas deixam de sair de casa por medo de assalto. Empresários dos ramos relacionados ao turismo deveriam ser os primeiros a se mobilizar para melhorar a segurança no Rio de Janeiro, por exemplo.
Existem ainda duas tradições gravíssimas: a apologia da cultura do crime e a criminalização da atividade policial. O policial, em princípio, é considerado um problema, até que se precise dele. Há um enorme preconceito, em especial em relação à Polícia Militar. É verdade que quase todos os dias se noticiam mortes acidentais de cidadãos por causa de confrontos com policiais, mas desqualificar a atividade é ser contra o Estado de Direito.
As autoridades tampouco cumprem o seu papel. A polícia prende, a Justiça solta. E milhares de presos aguardam julgamento há anos: em um terço das prisões 60% dos presos estão nessa situação. E não há a devida indignação a esse respeito. O debate é enviesado, como no recente episódio do indulto de Natal.
A distribuição de salários dentro do sistema é absolutamente desproporcional. Compare-se o salário médio de um policial militar com o de um promotor. O Ministério Público, como defensor da sociedade, deveria ser mais atuante no que diz respeito a essas distorções. Verbas postas à disposição pelo governo federal não são usadas pelos Estados por falta de planejamento e excesso de burocracia. Apenas 4% dos recursos do Fundo Penitenciário Nacional foram utilizados em 2016. É incrível a omissão e incompetência dos Estados, que não sabem administrar seus respectivos sistemas prisionais nem sequer utilizar as verbas federais disponíveis para a segurança pública.
A Força Nacional, cuja concepção é muito boa para a nossa realidade, carece de recursos, de pessoal e de maior institucionalização. Iniciativa para melhorar esse quadro foi arquivada pelo Congresso. Tampouco há investimento significativo no sistema de inteligência, apesar de avanços recentes, com maior engajamento dos serviços de inteligência das Forças Armadas e da Polícia Federal no combate ao crime organizado.
O Congresso demora a dar a devida resposta à questão. Temos iniciativas que deveriam ser postas em votação, como a proposta de emenda constitucional que estabelece para a segurança pública competência comum da União, de Estados e municípios. Deveríamos refletir sobre a unificação das Polícias Militar e Civil. Outra iniciativa é a criação de um sistema único de segurança pública, nos moldes do SUS, que integraria políticas, recursos e ações sob a supervisão do Ministério da Justiça ou de um Ministério da Segurança Pública. Tais propostas tramitam lentamente.
Devemos ir além e envolver municípios e comunidades em iniciativas como as que se veem, por exemplo, no Chile. Destaco a Segurança Ciudadana da Municipalidad de las Condes, que recentemente começou a utilizar drones para ampliar a vigilância da região. O desperdício de recursos do Fundo Penitenciário Nacional é uma prova de que não falta dinheiro. O que falta é planejamento e vontade política. Mas falta, sobretudo, participação da sociedade civil no debate e na alocação das verbas tanto da segurança pública quanto das Forças Armadas.
Vivemos tempos de guerra civil. E não é de hoje. Na guerra civil da Síria morreram, em 2016, cerca de 60 mil pessoas, menos do que no Brasil no mesmo período. A imagem das balas traçantes nos morros do Rio na virada do ano nos remete à guerra que estamos vivendo. E combatê-la é responsabilidade de todos. A questão, sob todos os pontos de vista – cultural, econômico, social e político –, até hoje não foi tratada com a prioridade que a cidadania merece.
* Murillo de Aragão é advogado, consultor, cientista político, professor, é doutor em sociologia pela UNB
MED: Em defesa da Justiça e da democracia
É temerário o jogo feito pelas defesas de acusados e culpados nos grandes escândalos de corrupção que vêm sendo investigados, julgados e condenados pelas instituições brasileiras.
Na impossibilidade de contestar, tecnicamente, argumentos inequívocos da polícia federal, dos tribunais de contas e da procuradoria, subvertem a lógica e passam a fabricar a versão de que a Justiça está acabando com a Democracia brasileira.
A História, no entanto, deverá registrar o avanço institucional representado por investigações contra poderosos, que ocorrem há algum tempo e que culminam com a Lava Jato (desde 2014).
A maioria da sociedade reconhece tal avanço e apoia a Justiça.
Mas desde que próceres do PT passaram a ser investigados e condenados, veio a germinar o discurso de “não há provas”, “politização da Justiça”, e agora “país assaltado pelos próprios poderes da República”.
Tivemos prisão e condenação de José Dirceu, Marcelo Odebrecht, Eduardo Cunha, Sérgio Cabral (ex-governador do Rio) e Antônio Palocci (ex-ministro da Fazenda). E outros ilustres, do PMDB e do PSDB, virão em breve a ser bola da vez.
Portanto, não era “só o PT” – outro mantra da campanha de mistificação.
Há a centralidade da figura do ex-presidente Lula, agora bem próximo da primeira condenação em segunda instância. Então ficam mais nítidas e mais ousadas, na mídia, a tese de politização e a tentativa de constranger e desafiar a Justiça.
Invertem-se valores democráticos: afronta-se a Justiça, alardeando-se a falsa tese de “condenação sem provas” para pôr o julgamento sob suspeita.
Aparentemente não se trata apenas de tosca ginástica argumentativa solta no ar, tipo “se colar, colou”.
Ora, todos os já condenados tiveram os processos transitados nas devidas instâncias, sem significativas contestações de caráter técnico.
Por que tudo seria tão falho quando se trata do ex-presidente, investigado e julgado sob o mesmo padrão de transparência, e de normalidade do funcionamento das diversas instâncias judiciárias?
A estratégia vem sendo adrede preparada, e teria a mão do próprio réu na organização da campanha de afronta ao Judiciário.
Tática escorada no desgaste do presente governo, que, apesar de ter trazido de volta a racionalidade da política macroeconômica e significativa redução de inflação e da taxa básica de juros, faz rasa e pífia governança, e tem vários componentes investigados pela Lava Jato.
Repetem-se mentiras e criam-se falsas verdades, inclusive com base em pesquisas de opinião viciadas, que incluem perguntas indutoras de respostas “convenientes” – a tentar convencer parte da população de que a Justiça atropela a democracia.
Ora, a História é prenhe de exemplos de desvios do papel constitucional da Justiça: em regimes de exceção, civis ou militares.
No Brasil, como todos sabemos, há pleno funcionamento constitucional e democrático.
A Justiça estaria a impedir a candidatura de um cidadão, apoiado por tanto por cento da população; portanto, suspenda-se o julgamento, porque a Justiça é suspeita, diria a voz popular. Ignora-se que estão sendo respeitados todos os direitos constitucionais de defesa e de recursos contra decisões judiciais, até que se esgote o processo.
Portanto, neste caso – e só neste caso, porque não tem sido assim com outros poderosos já condenados – pergunte-se ao povo o que fazer; portanto, anulem-se a Justiça e anos de investigação.
Conclamamos a sociedade brasileira, e outros grupos organizados da sociedade civil, a se manifestarem em defesa do pleno funcionamento das instituições, do cumprimento do calendário e da independência da Justiça no Brasil.
O país avançou bastante desde a redemocratização.
O trem já saiu da estação e nada será como antes, como disse um ministro do Judiciário.
ASSINAM ESTE DOCUMENTO:
Aécio Gomes de Matos – Engenheiro e Pós-Graduado em Psicologia
Afranio Tavares da Silva – Engenheiro
Alcides Pires – Empresário e Economista
Ana Olimpia Gurgel – Psicóloga e professora IES
Cesar Garcia – Professor aposentado da UFRPE
Chico de Assis Rocha Filho – Advogado e Poeta
Clemente Rosas Ribeiro – Advogado e Procurador Federal aposentado
Edmundo Morais – Advogado e Executivo de empresas
Francisco José Araújo – Engenheiro
Fernando Baltar economista e contador
Gustavo Gesteira Costa – Advogado
João Rego – Engenheiro e Consultor
Jorge Jatobá – Economista, Professor aposentado da UFPE
José Arlindo Soares – Sociólogo
José Claudio de Oliveira – Engenheiro e Empresário
José Vasconcelos Neto – Advogado
Leonardo Guimarães – Arquiteto e Urbanista
Luiz Rangel – Arquiteto e Urbanista
Marcia Maria Guedes Alcoforado de Moraes – Engenheira Elétrica e Professora da UFPE
Mirtes Cordeiro – Pedagoga
Pierre Lucena – Professor da UFPE
Olímpio Barbosa de Moraes Filho – Médico e Professor da UPE
Sérgio Buarque – Economista e Consultor
Plinio Augusto Duque – Médico
Sergio Alves – Professor da UFPE
Silvio Ernesto Batusanschi – Sociólogo
Socorro Araújo – Pesquisadora.
Tarcisio Patricio de Araujo – Economista, Professor do Departamento de Economia, UFPE
Teógenes Leitão – Engenheiro
MOVIMENTO ÉTICA E DEMOCRACIA
Recife-PE, Brasil. 19/01/2018