política

Luiz Carlos Azedo: O espólio de Lula

O maior dos problemas do PT é a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), o nome de extrema-direita: uma parte dos eleitores de Lula de mais baixa renda, segundo todas as pesquisas, migra para ele

A entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Mônica Bérgamo, da Folha de S.Paulo, é um gesto de desespero: o petista sabe que não pode mais ser candidato a presidente da República, mas ainda não se retira da disputa porque acredita que isso seria uma maneira de evitar a prisão imediata, em razão da condenação a 12 anos e 1 mês de reclusão em regime fechado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre. Somente os petistas ainda se agarram à candidatura impossível com unhas e dentes, na esperança de conseguir a renovação dos respectivos mandatos, graças ao espólio eleitoral do ex-presidente. Os aliados tradicionais, porém, estão se afastando de Lula e querem compartilhar o espólio.

A troca de farpas entre Lula e o pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, ontem é a demonstração cabal deste processo. A vantagem estratégica de Lula nas eleições de 2018, se não fosse impugnado, seria o Nordeste, onde suas alianças com os caciques do MDB que haviam apoiado o impeachment de Dilma Rousseff estavam sendo até recompostas. Com Lula fora da eleição, a alternativa do PT seria lançar a candidatura de Jaques Wagner, ex-governador Bahia, que poderia ter um bom desempenho nos demais estados nordestinos e no Rio de Janeiro, onde nasceu. Entretanto, Wagner também está enrolado na Operação Lava-Jato, o que abre espaço para Ciro Gomes crescer nas pesquisas a partir do Nordeste, capturando os eleitores de Lula. Não é outra a razão de o petista ter dito que o ex-governador do Ceará anda falando demais. Macaco velho, Ciro tirou por menos, disse que tem coração e respeita o infortúnio de Lula. Não vai brigar com os eleitores do petista, que pretende seduzir.

Mas não é apenas o candidato do PDT que se aproveita da inelegibilidade de Lula. A pré-candidatura à Presidência da República do coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Guilherme Boulos, será lançada sábado, em São Paulo, pelo PSol. Era um dos aliados de Lula na sua guinada à esquerda, tendo protagonizado as mobilizações contra o impeachment de Dilma Rousseff. O cantor Caetano Veloso, a produtora cultural Paula Lavigne, o arquiteto Nabil Bonduk, a deputada Luiza Erundina, o franciscano Frei Betto, a cineasta Marina Person e a escritora Antonia Pellegrino, entre outros artistas e intelectuais, confirmaram presença no lançamento. Boulos fragiliza o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, outra alternativa do PT para substituir Lula.

Mas o maior dos problemas do PT é a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), o nome de extrema-direita: uma parte dos eleitores de Lula de mais baixa renda, segundo todas as pesquisas, migra para ele. Esse deslocamento é ainda mais preocupante, porque ocorre de forma generalizada, mas sobretudo no Nordeste. Há muitas controvérsias sobre as razões deste fenômeno, mas parece que o principal vaso comunicante é o fato de que os dois fazem uma oposição radical ao governo Temer, o que sensibiliza parcela do eleitorado de baixa renda que mais sofreu com a recessão e ainda se encontra desempregada.

Diante dessas forças centrífugas, a reação petista é de perplexidade. Ninguém sabe o que vai acontecer nas eleições se Lula não for candidato. O trauma das eleições municipais, nas quais o PT colheu seu maior retrocesso eleitoral, está vivo na memória dos petistas, que temem sofrer outro baque. Sem alternativa, a legenda aposta na politização dos processos judiciais e na manutenção da candidatura de Lula, até o Tribunal Superior Eleitoral negar o registro da chapa. Seria uma maneira de estancar a sangria. Entretanto, nada garante que isso aconteça caso Lula seja preso. Solto, pode ainda fazer campanha pelo país e escolher um poste. Nas pesquisas, Dilma Rousseff ainda é o nome de maior prestigio eleitoral que o PT teria a oferecer, para perder a eleição, mas manter a narrativa.

A pedidos

O presidente Michel Temer concedeu entrevista ontem à Super Rádio Tupi, na qual negou, mais uma vez, que tenha a intenção de se candidatar a presidente da República. Perguntado se poderia mudar de ideia, disse ao comunicador Clóvis Monteiro, em tom de brincadeira, que só o faria se ele voltasse ao Planalto e pedisse. Temer justificou a intervenção federal na segurança fluminense: “O Rio é uma vitrine para o Brasil, não só para o público externo, mas para o nosso povo (…) então nós dissemos ‘precisamos providenciar uma intervenção, mas uma intervenção limitada’. E também não queríamos fazer uma coisa que agredisse o governo e o governador”.

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Merval Pereira: Estruturando a Segurança

O ministro Raul Jungman vê a criação do ministério da Segurança Pública como um fato irreversível para o governo que venha a ser eleito em outubro, e, por isso, pretende dedicar-se a defender mudanças estruturais que, a seu ver, são necessárias para que a questão, que se tornou incontornável para o Estado brasileiro, seja enfrentada devidamente.

Ele lembra que os três centros de custo do Estado são justamente Saúde, Educação e Segurança, e apenas os dois primeiros, pelo menos, têm um piso constitucional de financiamento, enquanto a segurança, quando vem a crise financeira do Estado, não tendo essa proteção e nem mesmo uma definição de tarefas a nível nacional, acaba sendo afetada irremediavelmente.

Na sua análise, com a universalização pelo menos formal dos direitos do cidadão, “ou você tem segurança para todos ou não tem segurança”. Ele vê a necessidade de organizar um aparato público que possa de fato prover segurança a todos.

Quando o constituinte de 1988 separou a segurança nacional da segurança pública, alterando a visão que estava implantada pelo regime militar anterior, jogou nas costas dos estados a responsabilidade pela segurança pública, e nem mesmo os municípios, as capitais, os grandes centros urbanos, estão abrangidos nessa cobertura, quando é nelas que o crime se instala e se desenvolve.

Não há na Constituição um papel das cidades na política de segurança, e é lá que estão os centros de crack, as ruas mal iluminadas que propiciam o crime, e outras situações comunitárias que exigem proteção e podem ajudar no combate ao crime. A União ficou com responsabilidades residuais, um conceito completamente ultrapassado, pois o crime se nacionalizou e transnacionalizou.

A globalização não atingiu apenas as finanças, impactou também o crime organizado. E o que pode fazer o governador? É fundamental a redistribuição das responsabilidades, isto é, a redistribuição das fontes dos recursos. Na visão do ministro Jungmann, a criação do ministério da Segurança Pública é uma prova da falência do sistema de segurança que está previsto na constituição de 88.

Numa distorção monumental, a Constituição não tem previsão nenhuma de que a União assumiria esse papel. Outra distorção: criamos um sistema penal para a segurança pública cujo produto final, o apenado, tem que passar pelo sistema policial, pelo sistema do ministério público, pelo sistema judiciário e chegar ao carcerário. Se não forem cumpridas essas quatro etapas, não há a reparação do crime.

Só que esses sistemas não se comunicam, têm velocidades absolutamente diversas, e o esquema só funciona se os quatro sistemas funcionarem, daí termos milhares de pessoas nas prisões sem nem serem julgadas. O sistema carcerário cresceu 171% em 16 anos, a partir de 2000, mas o seu déficit subiu três vezes.

Estamos diante de um paradoxo perverso, diz Jungmann: a restrição da liberdade é a punição mais rigorosa que o Estado pode dar, e é justamente nesse espaço que o crime domina. Então, analisa o ministro, você tem uma sociedade “indefesa, apavorada, encurralada, que é presa fácil de discurso demagógico, autoritário e antidemocrático. Nós estamos lutando não só contra a barbárie, mas também pela democracia”.

Na visão de Raul Jungmann, esse ministério tem a função de colher e plantar para o futuro: sistema integrado de segurança, a universalização do direito à segurança. Para isso será preciso o apoio da sociedade contra “as forças arcaicas que não querem a mudança do status quo, porque perdem a capacidade de influir nas decisões, de proteger seus amigos e suas corporações”. Esse será o papel do economista Armínio Fraga, que, como colaborador voluntário pro bono vai organizar ações da sociedade em favor da segurança, com estímulos à atuação policial correta e apoio às famílias de policiais, ou ações a exemplo de algumas iniciativas que já existem, como o disque denúncia do Rio, que é financiado por empresários.

 


Marco Aurélio Nogueira: O “golpe” como disciplina universitária

Muito barulho nas redes e nos corredores universitários por causa da manifestação do ministro da Educação, Mendonça Filho, contestando o oferecimento, na Universidade de Brasília, de uma disciplina escolar sobre o impeachment de Dilma Rousseff.
Em solidariedade, professores de outras instituições acadêmicas (Unicamp e Federal da Bahia) propuseram-se a seguir o exemplo da UnB.
Surpreende que tanto alvoroço esteja sendo criado em torno de um fato corriqueiro.
Não é de hoje que as faculdades de Humanas vivem às voltas com a questão de definir que conteúdo programático oferecer aos estudantes. Sempre há controvérsias. As disciplinas das diferentes áreas de conhecimento estão mergulhadas nos embates políticos e ideológicos da época e nas pulsões a ela correspondentes, cabendo aos professores zelar tanto pela liberdade de cátedra quanto pelo rigor teórico e conceitual. Uma sala de aula não pode ser tribuna para a apresentação categórica das preferências ou idiossincrasias filosóficas do professor, nem muito menos espaço para a defesa militante de interesses políticos ou partidários.
A questão é tão complicada que sempre se recorre àquilo que o sociólogo alemão Max Weber chamava de “liberdade em relação aos valores”, procedimento também chamado de “neutralidade axiológica”. Com isso, Weber pretendia demonstrar que não há como excluir os valores do trabalho científico ou docente mas, por isso mesmo, é preciso manter certo controle sobre eles, para que o conhecimento não seja indevidamente invadido por considerações de ordem política ou moral. Tudo depende sempre de escolhas valorativas e opções subjetivas, que precisam ser adequadamente integradas ao processo científico. Não há “imparcialidade” absoluta e tudo passa por uma relação dinâmica com os diferentes pontos de vista que coexistem na sociedade e na época. Não se trata de encontrar um “compromisso” entre tais pontos de vista antagônicos, que lutam entre si, mas de centrar o foco na descoberta da verdade, fim último da ciência.
É uma discussão complexa, difícil.
Diferentemente do que ocorre no ensino fundamental e médio, na universidade o risco de “doutrinação” é pequeno, pois os alunos já têm ideias próprias e sabem se proteger. Mas o proselitismo corre solto. É parte do jogo, gostemos ou não.
O professor não pode agir como porta-voz de grupos, partidos ou movimentos, ainda que deva se apresentar por inteiro, desde logo e com suas convicções. Não tem o direito de fazer de sua cátedra uma correia de transmissão de “verdades discutíveis” ou uma caixa de ressonância daquilo que considera serem as “injustiças do mundo” ou o “clamor popular”. Sua obrigação é oferecer análises criteriosas que mostrem as implicações fundamentais, as determinações e os conceitos com que podem ser examinados os temas. Precisa saber equilibrar convicção e responsabilidade. Sua missão é disseminar serenidade e ponderação, não conclamar os estudantes ao “engajamento político”. Ele não é um prosélito, nem um agitador.

A liberdade acadêmica que vigora nos campi universitários implica a discussão com os estudantes de problemas que o corpo docente considera relevantes para sua formação. Os departamentos acadêmicos são livres para definir o conteúdo das matérias a serem oferecidas aos alunos. Muitas vezes os temas são polêmicos e ainda não estão devidamente processados em termos científicos. Estão, por assim dizer, na fronteira, no lusco-fusco, flutuando entre a pesquisa e a curiosidade, entre o senso comum, a denúncia e a reflexão crítica.
Não deveria haver dúvida de que a análise do impeachment é um ponto importante, que merece ser estudado, debatido, investigado. Especialmente nas faculdades de Humanas, o cotidiano é atravessado por discussões feitas “à quente”, que aparecem até mesmo nas disciplinas que não estão direcionadas para a análise de conjuntura política do país. Nada a estranhar, portanto, que alguns professores procurem sistematizar essas discussões e dar elas um pouco de organização. Eles estão levando para dentro de suas aulas aquilo que rola fora delas. Pode haver um exagerado senso de oportunidade, mas, se capricharem na organização e se dedicarem a manter o padrão acadêmico, poderão ajudar os estudantes a ter uma visão mais criteriosa do processo político brasileiro, nele incluindo o impeachment de Dilma, a crise do PT e os males que a corrupção vem causando ao partido, as características do lulismo, o funcionamento das instituições políticas e jurídicas do país, o governo de Michel Temer, e assim por diante.
A questão e o perrengue só surgiram porque os professores resolveram associar ao impeachment a palavra “golpe”, o que sugeriu um alinhamento automático às diretrizes das oposições petistas e lulistas posteriores ao fim do governo Dilma. Ao fazerem isso — reiterando uma denúncia já ultrapassada pela dinâmica política real — terminaram por tomar uma posição que antecipa as conclusões a que as próprias disciplinas deveriam chegar. As propostas assumiram unilateralmente que o processo que destituiu Dilma foi feito fora da lei e da constitucionalidade vigente, implicando a “ruptura da democracia”, o “retrocesso nos direitos” e a “restrição às liberdades”.
Alimentaram, assim, uma fogueira que, a essa altura, já deveria estar apagada.
Foi o que bastou para que o ministro da Educação se encrespasse, mostrando sua dificuldade de conviver com o contraditório. Nem ele, nem o governo que integra, nem os que apoiaram o afastamento de Dilma aceitam ser vistos como “golpistas” e nem pensam que o processo violentou as normas legais do país. Nenhum “golpe” de fato aconteceu, a não ser no sentido genérico de “manobra política” ou de “golpe parlamentar”. Mas ninguém tem o direito de vetar as atividades dos que pensam de outro modo.
A declaração de Mendonça Filho de que se deve “lamentar que uma instituição respeitada e importante como a Universidade de Brasília faça uso do espaço público para promoção de militância político-partidária” é, no mínimo, inadequada. Tanto que a Comissão de Ética Pública da Presidência o intimou, no prazo de dez dias, a prestar esclarecimentos em processo que apura se cometeu abuso de autoridade no exercício do poder. É uma declaração-bumerangue, que se volta contra o ministro e dá fôlego aos que ele gostaria de atingir, permitindo-lhes denunciar o contexto “autoritário” em que se estaria viver. Ajuda a consolidar a imagem de um governo receoso, que teme o que se passa no recôndito de auditórios universitários e salas de aula.
Como tudo anda fora do eixo no debate político nacional, aquilo que deveria ser rotina virou caso extraordinário, ganhando uma dimensão excepcional e uma partidarização desnecessária. Com a elevação artificial da temperatura, as disciplinas passaram a ser vistas como sendo parte da tática petista de denunciar “golpes” para justificar a derrota política do partido.
Enquanto a sociedade exibe suas chagas e espera respostas, abrem-se discussões diversionistas para descobrir se houve ou não um “golpe” no Brasil, se professores podem ou não debater os acontecimentos recentes de nossa vida política, se um governo tem autoridade para questionar o que se passa dentro das universidades.
É muita perda de tempo.
Deveríamos todos deixar o barco navegar. Nada ocorrerá de grave se alguns estudantes participarem de debates falando de “golpes” e de “retrocesso democrático”, até porque a maioria deles, nas faculdades de Humanas, já pensa assim e os que não pensam poderão contra-argumentar ou simplesmente não assistir ao curso. Não dá para saber como as aulas transcorrerão e não há porque dizer, de antemão, que elas darão ensejo à “doutrinação” dos meninos e meninas ou que não passarão de mera manifestação “panfletária”.
A razão – nesse caso e em vários outros – pega carona nas asas da coruja de Minerva, que só alça voo ao entardecer.

Luiz Carlos Azedo: Mera coincidência

A ida de Jungman para o Ministério da Segurança Pública é uma solução natural, tipo “prata da casa”. Entretanto, não é natural um general como ministro da Defesa, pasta criada para o poder civil

No livro O 18 Brumário de Luís Bonaparte, já citado aqui a propósito da conjuntura eleitoral que vivemos, Marx se inspira no golpe de estado de Napoleão Bonaparte, em 9 de novembro de 1799, para descrever o golpe de seu sobrinho Luís Napoleão, 50 anos depois. Presidente em final de mandato, em 2 de dezembro de 1851 dissolveu a Assembleia e convocou um plebiscito que restituiu o Império; um ano depois se proclamou Napoleão III. O livro foi escrito entre dezembro de 1851 a março de 1852, em Londres, com o propósito de mostrar as circunstâncias nas quais “Napoleão, o pequeno”, como Victor Hugo o chamava, pôde desempenhar o papel de herói e tomar o poder.

Luís Bonaparte foi um reformador, admirador da modernidade britânica, e promoveu considerável desenvolvimento industrial, econômico e financeiro, mas seu maior legado foi a reforma urbana de Paris, sob comando do prefeito Georges-Eugene Hausmann, um dos símbolos da modernidade. Somente deixou o poder em setembro de 1870, quando surgiu a Terceira República, após a derrota francesa na batalha de Sedan, na Guerra Franco Prussiana. Depois de deposto, exilou-se na Inglaterra, onde morreu em 1873.

Uma das melhores reportagens políticas já escritas, nela Marx descreve o surgimento do partido social-democrata (Montanha): “Quebrou-se o aspecto revolucionário das reivindicações sociais do proletariado e deu-se a elas uma feição democrática; despiu-se a firma puramente política das reivindicações democráticas da pequena burguesia e ressaltou-se seu aspecto socialista. Assim surgiu a social-democracia”. E mostra também que legitimistas e orleanistas, frações monárquicas do Partido da Ordem, se uniram no regime parlamentar republicano porque cada uma dessas correntes considerava a república uma solução mais aceitável do que a opção monárquica preferida pela outra, uma espécie de jogo de perde-perde da aristocracia restauradora francesa.

Mas um pedido de impeachment de Luis Bonaparte, apresentado por uma ala radical da Montanha, pôs a república a perder. Derrotados no parlamento, os radicais resolveram abandoná-lo e ameaçaram recorrer às armas, o que não passou de um blefe. Não houve apelo às armas da parte da Montanha, ao contrário do que o partido dava a entender pouco antes de sair do parlamento. A passeata da Guarda Nacional, que estava desarmada, se dispersou ao se deparar com as tropas do exército, convocadas pela Assembleia Francesa, composta majoritariamente pelo Partido da Ordem. Foi nesse contexto que Luís Bonaparte deu o golpe e assumiu o poder. Uniu o Partido da Ordem ao se colocar acima de suas correntes.

Bandeira

Não se deve subestimar a bandeira da ordem, que sempre foi eficiente para soluções autoritárias, como no golpe militar de 1964. É graças a ela que o deputado Jair Bolsonaro (PSC) desponta como forte candidato a presidente da República, com índices de intenção de votos que muitos analistas consideram já consolidados. Acontece que o presidente Michel Temer resolveu tomar-lhe a bandeira das mãos, com a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, a cargo do comandante militar do Leste, general Braga Neto, logo após o carnaval. A cartada decisiva, porém, é a criação do Ministério da Segurança Pública, para o qual foi deslocado o ministro Raul Jungman, da Defesa.

O general Joaquim Silva e Luna, atual secretário-executivo, deve assumir interinamente o comando do Ministério da Defesa. A ida de Jungman para a nova pasta é uma solução natural, tipo “prata da casa”, por estar envolvido diretamente no assunto, desde o agravamento da crise de segurança pública no país, devido a diversas operações de Garantia da Lei e da Ordem já realizadas pelas Forças Armadas. Entretanto, não é natural um general como ministro da Defesa, a pasta foi criada para afirmar o poder civil. Não há a menor semelhança da nossa conjuntura com a restauração de Luís Bonaparte, mas isso não significa que Temer e Bolsonaro não possam se unir nas eleições.

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Renato Janine Ribeiro fala sobre o atual momento do Brasil no #ProgramaDiferente

O professor Renato Janine Ribeiro, filósofo, cientista político, escritor e ex-ministro da Educação da presidente Dilma Rousseff entre abril e setembro de 2015, fala com exclusividade ao #ProgramaDiferente das suas impressões sobre os novos movimentos cívicos que se integram ao processo eleitoral de 2018, além de opinar sobre o atual momento do Brasil e as expectativas para o próximo governo. Assista.


Debate no #ProgramaDiferente: É possível renovar a política brasileira?

É possível renovar a política brasileira? Como fazer política em uma sociedade fragmentada? Foram essas perguntas que três especialistas se propuseram a responder nesta semana na Fundação FHC, num debate exibido pelo portal Quebrando o Tabu e retransmitido pelo #ProgramaDiferente. O presidenciável do PV nas eleições de 2014, Eduardo Jorge, a cientista política Ilona Szabo de Carvalho e o filósofo Pablo Ortellado discutiram os rumos (e a polarização) da política no país, com mediação de Sérgio Fausto, cientista político e superintendente da Fundação FHC. Assista.


MV Bill recita os versos de Ficha Suja: "Tio Bill na área / A corrupção não tem cor partidária"

 

No lançamento da plataforma “2018: Brasil do Amanhã, série de encontros e debates que tem como objetivo o desenvolvimento de agendas propositivas para o país, realizado nesta semana no Museu do Amanhã, no centro do Rio de Janeiro, o ponto alto do evento foi quando MV Bill - rapper, escritor, ator, apresentador e ativista, nascido e criado na Cidade de Deus - recitou os versos da sua composição Ficha Suja (veja aqui o clipe oficial, que logo na abertura anuncia: "Tio Bill na área / A corrupção não tem cor partidária"). Assista.

[Verso 1]

Rouba, rouba, ih!, só ladrão

Privilégios são mantidos com o dinheiro da nação

Que, há muito tempo, paga a conta da baderna

Aumento da dívida interna por alguém que desgoverna

Eles são milionários (foda!)

Nos fazem de otários (foda!)

São ladrões, vilões roubando escondido

O que se leva na mão grande não é devolvido

Por trás de vários mandatos se esconde bandido

Apropriação do estado pra enriquecimento ilícito

A base é sempre o toma lá dá cá com comportamento implícito

Ocupando cargo público tem um montão

Que devia ter na testa tatuado "Eu sou ladrão e vacilão"

Sufocando a brava gente brasileira

Eles nos usam pra atender o interesse de empreiteira

Querem manter o foro privilegiado só para depois

Botar mais dinheiro na conta usando a grana que vem do Caixa 2

Propina institucionalizada

É esquema de quadrilha muito bem organizada

É o exemplo que nós tem que vem do Planalto Central

Uma mão sujando a outra desde os tempos de Cabral

[Refrão]

A delação é premiada, não pega nada

Quem caguetou fica solto por aí

Cuspindo na nossa cara, impunemente

Sem constrangimento na hora de pedir

O seu voto de novo, outra vez, outra vez e de novo

Tá no poder, não quer mais sair

Continua pedindo o seu voto outra vez e de novo

Quando é que a gente vai reagir?

[Verso 2]

A luta contra os porcos no poder não pode ser pela aparência

Isso divide a força e nos enfraquece como consequência

Veja bem quem tá metendo a mão no dinheiro e pegando de banco

Não é preto, não é pobre, não é favelado, é branco

E rico, muito rico, e nós pagando mico

Muita merda sendo falada e nosso ouvido virando penico

O gigante dormiu, fechou os olhos de vergonha

Nem coxinha, nem mortadela, nós é tudo pamonha

O mandatário sob a pecha de ladrão

Ser brasileiro é muito mais que vestir a camisa da Seleção

Tem que tá ligado, tem que tá ciente

Que a cada nova lista de acusados sobra menos inocente

Não precisamos de heróis nem de mitos

Apenas de novatos que ouçam nossos gritos

E analisem a puta crise federal

Financeira e social, política, ética e moral

Os cães não vão querer largar o osso

Jurando inocência mesmo no fundo do poço

Eles vão te procurar na próxima eleição

Não seja tão positivo com quem sempre te deu não

[Refrão]

São vários da mesma turma, pensando em urna

Somente o burro que vai se iludir

Cuspiram na nossa cara, impunemente

Sem constrangimento na hora de pedir

O seu voto de novo, outra vez, outra vez e de novo

Tá no poder, não quer mais sair

Continua pedindo seu voto outra vez e de novo

Quando é que a gente vai reagir?


Luiz Carlos Azedo: Projeto continuísta

Temer não precisa se desincompatibilizar para concorrer e tem até agosto para decidir o que fará na eleição

Desde que foi lançado o documento “Uma ponte para o futuro” pela Fundação Ulysses Guimarães, o grupo em torno do presidente Michel Temer, nucleado pelos ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e Eliseu Padilha (Casa Civil) e pelo senador Romero Jucá (MDB-RR), líder do governo no Senado e presidente do MDB, tem um projeto de poder que não se restringe ao mandato- tampão decorrente do impeachment de Dilma Rousseff. A tese da candidatura à reeleição de Temer é uma decorrência natural desse projeto, a não ser que o governo não consiga reverter minimamente os índices de impopularidade que anulam completamente a possibilidade de chegada ao segundo turno.

Na avaliação desse grupo, reverter essa situação é tudo uma questão de tempo, ou melhor, de percepção pela população dos resultados obtidos pelo governo no combate à recessão e à inflação. A decisão de dar um cavalo de pau na reforma da Previdência, que estava encruada na Câmara, faz parte desse movimento. O governo mudou de agenda e resolveu jogar para a arquibancada na questão mais premente do ponto de vista da sociedade: a segurança. É uma aposta de alto risco, mas capaz de gerar resultados positivos para o governo no curto prazo. As primeiras pesquisas de opinião são a prova disso: no primeiro momento, 83% apoiaram a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.

Enquanto o prestígio popular não vem, apesar do fim da recessão, da inflação abaixo de 3% e da taxa de juros em 6,75%, o Palácio do Planalto opera no sentido de ganhar tempo e inibir o surgimento de qualquer candidatura competitiva do chamado “centro democrático”. É uma velha tática de general chinês, para quem a melhor das estratégias numa guerra é neutralizar os adversários, a ponto mesmo de desistirem de ir à luta. É mais ou menos isso que Temer vem fazendo, com a habilidade que adquiriu ao longo de três mandatos à frente da Câmara e uma longeva presença no comando do seu partido.

No momento, as duas ameaças a serem neutralizadas são as candidaturas do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A maneira de neutralizar os concorrentes é mantê-los isolados, utilizando a força do governo federal e o poder do MDB para embaralhar e dificultar suas alianças. Essa movimentação vem sendo feita com relativo sucesso, mas irrita os antigos aliados, que percebem os movimentos de Temer.

Quando surge um nome alternativo fora da política nacional, como foi o caso de Luciano Huck, e pode voltar a ser o do prefeito de São Paulo, João Doria, o grupo palaciano comemora. É mais confusão para o PSDB e/ou DEM, que acabam divididos e paralisados pelo diversionismo. Huck já é carta fora do baralho, mas Doria está costeando o alambrado, como diria o falecido governador Leonel Brizola (PDT).

Mas não são apenas os adversários que têm problemas. O MDB continua dividido, embora Temer tenha muito mais poder para unificar a legenda com a caneta cheia de tinta. A velha aliança entre os caciques nordestinos da legenda e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já foi restabelecida, só não é irreversível porque o petista está inelegível e em vias de ser preso, além do fato de que o PT não tem a mesma força de antes, estando fora do poder. Temer, porém, precisa alavancar sua aceitação popular e vencer as resistências internas para ser candidato.

Em tese, o tempo correria contra o projeto continuísta do Palácio do Planalto, principalmente se a reforma da Previdência fosse derrotada na Câmara, o que decretaria o fim do seu governo. Com a mudança de agenda, esse divisor de águas evaporou. Temer não precisa se desincompatibilizar para concorrer e tem até agosto para decidir o que fará na eleição. Uma coisa é certa, mesmo que não seja candidato, o projeto de poder pode se manter com o lançamento de outra candidatura. O problema é saber quem vai se filiar ao MDB correndo risco de na hora agá não ser o candidato.

Luta de classes
A greve dos juízes federais anunciada ontem, em defesa do auxílio-moradia, é um tiro no próprio pé. É recibo de papel passado do corporativismo da magistratura brasileira e abre a guarda para o recrudescimento das críticas aos juízes de primeira instância. Fragiliza principalmente os juízes responsáveis pelos processos da Operação Lava-Jato, que já estão sob forte ataque de advogados, políticos e até mesmo de integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF).

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Luiz Carlos Azedo: O sobrevivente

Com a saída de cena de Luciano Huck, a ala tucana insatisfeita com o estilo de Alckmin também já começa a ensaiar o coro “Doria, presidente!”

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, começou articulações para montar seus palanques regionais a partir de entendimentos com os caciques do PSDB. Ontem, em Brasília, ele se reuniu com senadores e deputados da legenda e manifestou a intenção de iniciar as conversas sobre a situação eleitoral de cada estado, a começar por Minas Gerais, onde o “candidato natural” é o senador Antônio Anastasia (PSDB). Alckmin, porém, não conseguiu unificar o seu palanque em São Paulo.

O problema chama-se João Doria, o prefeito da capital, no exercício do cargo há 14 meses. É uma ironia, pois sua eleição se deve à ousadia de Alckmin nas eleições municipais de 2016. A relação entre os dois é de desconfiança, desde quando Doria aproveitou o embalo da própria vitória eleitoral e saiu pelo país como possível candidato a presidente da República. A movimentação agastou a relação entre ambos e somente não foi à frente porque administrar a maior cidade do país não é um passeio pela Avenida Paulista. A queda de popularidade do prefeito nas pesquisas de opinião provocou um recuo de Doria, que também perdeu a possibilidade de se candidatar a presidente pela legenda quando Alckmin assumiu o comando do PSDB.

O sonho de Alckmin era um palanque unificado em São Paulo, que viabilizasse sua aliança com o PSB, a partir do apoio dos tucanos paulistas à reeleição de Márcio França (PSB), o vice-governador do estado. Mas os tucanos paulistas optaram por lançar a candidatura de Doria ao Palácio dos Bandeirantes, o que dificultou a vida de Alckmin. França promete passar o rodo em quem não apoiá-lo e também não pretende sair do PSB. A alternativa que restou foi a dos dois palanques, que costuma ser um foco permanente de crises nas campanhas.

A presença de França como vice de Alckmin é fruto de um cálculo político que deu errado, com a morte do governador Eduardo Campos (PSB), num desastre aéreo, na campanha eleitoral de 2014. Era uma jogada para unir os dois partidos no segundo turno contra Dilma Rousseff, fosse em torno de Campos ou de Aécio Neves (PSDB). França foi um aliado leal e, desde a eleição, não fez outra coisa que não fosse tentar atrair o seu partido para a aliança com Alckmin. Agora, cobra a fatura.

A chave da aliança, porém, é a situação em Pernambuco, onde o PT lançou como candidata uma das netas do ex-governador Miguel Arraes, Marília Arraes. O governador Paulo Câmara (PSB) e a viúva de Eduardo Campos, Renata Campos, sentiram o golpe e tentam se reaproximar do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Marília, porém, é pasta fora do tubo; já cresceu nas pesquisas. Minas pode jogar um papel importante na aliança se o PSB apoiar o ex-governador Anastasia e indicar o ex-prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, para vice de Alckmin. O governador do DF, Rodrigo Rollemberg, o ex-governador Renato Casagrande e o ex-deputado Beto Albuquerque são simpáticos à aliança.

Até agora, Alckmin é um sobrevivente entre os caciques do PSDB. Por causa da Lava-Jato, os senadores Aécio e José Serra (SP) mergulharam. O desgaste do envolvimento da legenda nas delações premiadas da Odebrecht e da JBS são enormes. As investigações chegaram ao Metrô de São Paulo e ao Rodoanel, grandes obras realizadas no estado onde o cartel das empreiteiras alimentou o caixa dois eleitoral. Nenhuma denúncia atingiu diretamente o governador paulista, que se manteve longe dos holofotes nacionais, embora seja muito criticado por isso.

Asas

Mas é bom o governador paulista fritar o peixe com um olho no ninho e o outro no gato, no caso, João Doria e o presidente Michel Temer. O prefeito de São Paulo dá sinais de que pode bater asas a qualquer chamado, principalmente se vier do Palácio do Planalto. Por ora, o candidato dos sonhos do grupo palaciano é próprio presidente Michel Temer se a economia mantiver o rumo de retomada do crescimento e a intervenção no Rio de Janeiro der os frutos que esperam. O próprio Temer faz tudo o que pode para embaraçar a candidatura de Alckmin e já andou dizendo que poderia apoiar um “nome novo” na política.

Com a saída de cena de Luciano Huck, a ala tucana insatisfeita com o estilo de Alckmin também já começa a ensaiar o coro “Doria, presidente!”. E o prefeito tem passagem fácil entre os jovens empresários do mercado financeiro que estimulavam o apresentador a se candidatar a presidente da República. Em Brasília, velhas raposas políticas que tiveram um papel importante no impeachment e apoiam o governo não veem essa alternativa com maus olhos, muito pelo contrário. Mas foi por essa razão que Alckmin aceitou a tese dos dois palanques em São Paulo, já que Doria não aguenta mais a prefeitura de São Paulo, melhor que seja candidato a governador.

 


Luiz Carlos Azedo: O drible a mais

A intervenção federal no Rio de Janeiro agastou ainda mais as relações entre o presidente Michel Temer e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que não digeriu até hoje o fato de ter sido atropelado pela decisão, que somente aceitou a pedido do governador Luiz Fernando Pezão. Apesar de ter viabilizado a aprovação da intervenção na Casa, numa votação que entrou pela madrugada, Maia ontem abriu as baterias contra o pacote de 15 medidas econômicas que o governo pretende aprovar, entre as quais a autonomia do Banco Central: “Não li, nem vou ler”.

“Foi um equívoco, foi desrespeito ao parlamento, já que os projetos já estão aqui e nós vamos pautar aquilo que nós entendermos como relevante, no nosso tempo”, afirmou Maia. “Este anúncio precipitado de ontem (segunda), sem um debate mais profundo, eu acho que não colabora e essa não será a pauta da Câmara. O governo não precisa ficar apresentando pautas de projetos que já estão aqui. Isso é um café velho e frio que não atende à sociedade”, garantiu.

Vamos aos bastidores: Maia estava numa posição confortável em relação à política fluminense, cada vez mais poderoso em razão do colapso do governo de Luiz Fernando Pezão e do fortalecimento do ex-prefeito carioca César Maia, seu pai, como alternativa ao Palácio Guanabara. A intervenção virou o jogo na política estadual, devido ao crescente protagonismo do secretário-geral da Presidência, Moreira Franco, ex-governador do estado, que tenta resgatar o MDB fluminense da crise em que mergulhou depois da Operação Lava-Jato. Os altos índices de aprovação da intervenção federal na segurança pública do estado pela opinião pública praticamente anularam sua capacidade de resistência à medida.

O governo, porém, deu um drible a mais ao anunciar o pacote de medidas econômicas sem consulta a Maia. Uma coisa foi a aprovação da intervenção, com apoio maciço em plenário, outra é pautar a agenda da Câmara sem negociar com seu presidente. Não tem a menor chance de dar certo. Por duas razões: Maia tem o poder de pautar ou não as matérias que vão à discussão em plenário, a não ser que sejam adotadas por medida provisória, o que agravaria o estresse; segundo, o presidente da Câmara exerce uma liderança muito compartilhada com o colégio de líderes, onde a negociação pressupõe a formação de maioria antes de qualquer matéria ir a plenário para ser votada.

Já havia uma tensão entre o presidente da Câmara e o Palácio do Planalto na questão da reforma da Previdência. O ministro Carlos Marun, da Secretaria de Governo, responsável pela articulação política, pressionava Maia para pôr a PEC em votação mesmo sem garantia de que o governo teria maioria para aprová-la. Maia refugava, não queria queimar a reforma numa derrota anunciada. De uma hora para a outra, o governo deu um cavalo de pau e enterrou a bandeira da nova Previdência. Maia ficou com um mico na mão.

Do outro lado do Congresso, o presidente do Senado, Eunício de Oliveira (MDB-CE), que também pautou para votação a intervenção no Rio de Janeiro, endossou as críticas de Maia. Afirmou que a pauta do Congresso é definida pelo Congresso e não pelo Palácio do Planalto. Eunício reagiu a declarações do líder do governo, Romero Jucá (MDB-RR), a favor da aprovação da agenda econômica de Temer pelo Congresso.

Presas
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu prisão domiciliar a presas gestantes sem condenação ou que forem mães de filhos com até 12 anos. Serão beneficiadas 4,5 mil detentas, cerca de 10% da população carcerária feminina. Cada tribunal terá 60 dias para implementar a medida, que valerá também para mães que tiverem crianças com deficiência. Relator da ação, o ministro Ricardo Lewandowski foi o primeiro a votar favoravelmente ao pedido.

Destacou que apenas 34% das prisões femininas contam com dormitório adequado para gestantes, só 32% dispõem de berçário somente 5% dispõem de creche. “Partos em solitárias sem nenhuma assistência médica ou com a parturiente algemada ou, ainda, sem a comunicação e presença de familiares. A isso se soma a completa ausência de cuidado pré-natal”, destacou o ministro.

O relator foi acompanhado por Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Edson Fachin divergiu parcialmente, para que fosse feita análise mais rigorosa da situação das mulheres presas, considerando apenas o interesse da criança. A decisão se deu com base em um habeas corpus coletivo, o que reforça a tendência no Supremo Tribunal Federal (STF) de aceitação de mandados de busca e apreensão coletivos, como pleiteia o governo para combater o tráfico de drogas no Rio de Janeiro.


Sergio Augusto de Moraes: Carnaval e política

De alguns anos para cá o fenômeno já despontava: nos blocos de rua milhões de cariocas, paulistanos, soteropolitanos, recifenses e cidadãos de centenas de outras cidade brasileiras dançam e pulam durante três dias ( no mínimo) ao som das mais diversas músicas, do samba ao funk, em boa parte recheados de críticas às autoridades, aos políticos, às mazelas do Brasil . Mesmo no Rio, com a ameaça da violência e as ausências do Prefeito e do Governador, o povo caiu na folia criticando em particular o Prefeito que havia fugido para a Europa com despesas pagas com nosso dinheiro.

Se nos anos anteriores já despontava em muitos destes blocos alguma crítica política, em 2018 a coisa ganhou outra dimensão. Esta atitude foi generalizada. Algo novo no Brasil.

E não foi só nos blocos, algo mais natural tendo em vista sua independência das autoridades. As grandes escolas de samba também entraram nesta dança, a começar pela Beija-Flor de Nilópolis, campeã do Carnaval Carioca.

Em entrevista dada à revista online “Carnavalesco”, Jack Vasconcelos, responsável pelo bom desfile da Paraíso de Tuiuti, explicou por quê:

“Eu acho que é positivo a gente poder se posicionar. Muito disso tem relação com a troca de governo. Hoje somos oposição e antes éramos parceiros do poder e não podíamos arranhar a relação. Enredos mais críticos não eram incentivados. Agora com uma guerra declarada tem essa abertura maior. Os dirigentes nos deixam livres, e temos mais é que fazer”.

Mesmo com alguns fatos violentos, inaceitáveis, em geral puxados pelos vândalos de sempre, parece que o povo na rua estabeleceu uma outra ordem na cidade. Não a ordem das armas e do temor, a ordem da alegria coletiva. As pessoas caminhavam mais tranquilas, crianças participavam da festa, jovens varavam a noite sem medo dos bandidos. Para a dimensão do evento, com um policiamento pífio, quem estabeleceu a ordem foi a multidão. Uma contribuição à democracia.

Parece que foi um ensaio para outubro de 2018. Os candidatos que se preparem

 


Luiz Carlos Azedo: Um dia de cada vez

Para os militares, não se trata de esperar o traficante atirar para reagir, mas de matar o bandido que estiver ostensivamente armado na primeira oportunidade

“Só por hoje” é o lema dos dependentes químicos que participam de grupos de autoajuda, como Alcoólicos Anônimos. É a síntese do famoso método dos Doze Passos, criado nos Estados Unidos, em 1935, por William Griffith Wilson e pelo doutor Bob Smith, conhecidos pelos membros do AA como “Bill W” e “Dr. Bob”. Muito difundido no Brasil, é utilizado também por instituições que trabalham com recuperação de outras dependências, como a da cocaína, por exemplo. Começa sempre pelo reconhecimento da impotência para enfrentar a dependência. É mais ou menos essa a estratégia que será adotada pelo Palácio do Planalto na intervenção federal no Rio de Janeiro. Reduzir os indicadores de violência enfrentando o crime organizado com ações a cada dia.

Começou ontem, com as operações de bloqueio e fiscalização das fronteiras e pontos estratégicos do estado, com objetivo imediato de inibir o roubo de cargas, o contrabando de armas e a entrada de drogas. Domingo, no Palácio do Planalto, na reunião com ministros e assessores, entusiasmado com os resultados da pesquisa do Ibope que constatou 83% de aprovação para a intervenção federal, Temer decidiu que as ações deveriam buscar a redução dos crimes que mais geram insegurança na cidade, com ações nos locais de maior incidência e nos setores mais atingidos da economia. Na avaliação do governo, a reestruturação das forças policiais e o combate à banda podre das polícias Civil e Militar somente terão êxito se vierem acompanhados de resultados mensuráveis, que possam ser divulgados à população.

A estratégia “um dia de cada vez” tem tudo a ver com o calendário eleitoral, o projeto de reeleição do grupo palaciano que defende a candidatura de Temer e a necessidade de o presidente da República dar um cavalo de pau na agenda do governo, com o fracasso anunciado do esforço para aprovação da reforma da Previdência. Isso explica os desencontros entre o Palácio do Planalto e o general Braga Netto, comandante militar do Leste, nomeado como interventor federal para comandar a área de segurança, que abrange as polícias Civil e Militar, os bombeiros e o sistema penitenciário. O general interventor foi pego no contrapé pela rebelião no presídio de Japeri, no domingo, que acompanhou a distância. Na segunda-feira, em nota, explicou que ainda aguardava a aprovação do decreto pelo Congresso antes de assumir o comando efetivo do sistema de segurança fluminense.

Foi preciso que o ministro da Defesa, Raul Jungmann, viesse a público explicar a situação. Político, o ministro deixou claro que o cargo de interventor é civil e que o emprego das Forças Armadas em operações de Garantia da Lei e da Ordem obedecerá aos comandantes militares. Disse também que a escolha do general se deveu ao fato de que a intervenção se limitou à segurança pública; se fosse mais abrangente, como chegou a ser cogitado, talvez fosse um economista, porque se pensou em intervir nas finanças do Rio de Janeiro. Numa situação dessa, aí seria o caso de o governador Luiz Fernando Pezão, já tão desmoralizado, entregar as chaves do Palácio Guanabara para o presidente da República.

Nos bastidores das Forças Armadas, como nos revelou o editor de Política do Correio, Leonardo Cavalcanti, há muita pressão para que o governo ofereça mais garantias legais para o emprego de forças do Exército, Marinha e Aeronáutica no combate direto aos traficantes. Mesmo com a mudança da legislação, que garante julgamento pela Justiça Militar em casos de processos penais, os militares consideram as salvaguardas insuficientes. Há dois raciocínios embutidos aqui: primeiro, a intervenção é um recurso extremo, que não pode fracassar como missão (há um exagero nisso, pois trata-se de uma ação de curto prazo e emergencial para um problema crônico, que demanda ações estruturantes de quase todas as políticas públicas); segundo, a lógica de guerra, na qual não existe o princípio de proporcionalidade do emprego da força, mas sim o da superioridade e letalidade. Trocando em miúdos, para os militares, não se trata de esperar o traficante atirar para reagir, mas de matar o bandido que estiver ostensivamente armado na primeira oportunidade. Essa salvaguarda não existe. O que pode haver, além do que já existe, é o mandado de busca e apreensão coletivo, pleiteado para permitir que as tropas façam revistas em busca dos esconderijos das armas dos traficantes.

Sucessão
Em meio a essa situação, o Alto Comando do Exército se reuniu ontem para discutir o futuro da Força. Na prática, iniciou-se a sucessão do comandante Eduardo Villas Bôas, que está muito doente, embora exerça plena liderança intelectual e comando efetivo das tropas. Serão escolhidos os substitutos de quatro generais que passarão à reserva em março: Juarez de Paula Cunha (Ciência e Tecnologia), Antônio Mourão (sem função), Theófilo Oliveira (Logística) e João Campos (comandante militar do Sudeste). Agora, o mais antigo oficial do Alto Comando é o general Fernando Azevedo e Silva, chefe de Estado-Maior, que passa a ser o sucessor natural de Villas Bôas, por ser o mais antigo. Ambos são amigos e afinados politicamente, ao contrário de Mourão, que estava afastado da tropa e sem poder de mando desde quando deu declarações admitindo uma eventual intervenção militar, numa reunião da Maçonaria em Brasília.