política

Luiz Carlos Azedo: Execução foi recado

No Rio de Janeiro, as agências de coerção do Estado foram capturadas pelo crime organizado a partir do seu vértice, num pacto corrupto entre os donos do poder e o crime organizado

 

O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol) na noite de quarta-feira, crime que comoveu o país e mobilizou milhares de pessoas no Rio de Janeiro e outras cidades do país, entre as quais Brasília, desafia a intervenção federal no Rio de Janeiro. Não fosse o mandato popular e sua importância na luta contra a violência e em defesa dos direitos humanos, teria a mesma importância dada a outros assassinatos, assim como o de seu motorista Anderson Gomes, também executado. Ou seja, seria apenas um número a mais nas estatísticas de assassinatos não esclarecidos no Rio de Janeiro, estado no qual apenas 11% dos suspeitos de homicídio são denunciados à Justiça.

Marielle e Anderson foram mortos dentro de um carro na Rua Joaquim Palhares, por volta das 21h30 de quarta-feira. Segundo a polícia, bandidos emparelharam ao lado do veículo onde estava a vereadora e dispararam. Marielle foi atingida por quatro tiros na cabeça. A perícia encontrou nove cápsulas de balas no local. Não foi latrocínio, foi execução: os criminosos fugiram sem levar nada. O carro onde estava teria sido perseguido por cerca de quatro quilômetros.

“É triste, muito triste, mas essa condição da morte da Marielle não é uma novidade. Basta ver o que aconteceu com a juíza Patrícia Acióli, assassinada em Niterói por combater PMs corruptos. No Brasil é assim: qualquer um que lute contra a corrupção e defenda os direitos humanos está em risco. E as forças de segurança, é claro, não fazem nada”, disse o deputado federal Chico Alencar (PSol-RJ) no velório da vereadora.

As autoridades evitam declarações sobre as razões do crime, mas o assassinato abriu uma disputa política pela agenda da violência, que vinha sendo um monopólio do governo federal desde a decretação da intervenção. Marielle era contra a medida. O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, assumiu a responsabilidade de acompanhar pessoalmente as investigações.

Banda podre

A investigação está a cargo da Delegacia de Homicídios da Polícia Civil. Não será  surpresa se surgir uma versão de que a vereadora foi executada por traficantes. Nos bastidores da intervenção federal, porém, já havia a preocupação com uma possível retaliação da chamada “banda podre” das polícias Civil e Militar. O caso da juíza Patrícia Acióli citado pelo deputado Chico Alencar é exemplar. O assassinato da vereadora, porém, tem todas as características de retaliação política não somente às atividades desenvolvidas por ela contra as milícias e a violência policial. Os mandantes do crime têm plena consciência de que haveria repercussão política nacional e internacional, com poder de desmoralizar o interventor federal, general Braga Neto, e o recém-nomeado Jungmann.

Os dois estão na berlinda, depois de um mês de intervenção federal, com assassinatos diários de inocentes em assaltos, confrontos entre traficantes ou destes com a polícia. As operações diárias do Exército na Vila Kennedy, por exemplo, para retirada de obstáculos instalados nas ruas, e que são recolocados durante a noite, já estavam começando a ser ridicularizadas. Foram compensadas pela prisão de um delegado corrupto e a vistoria do Exército num quartel da Polícia Militar. As autoridades federais estão desafiadas a identificar os criminosos e puni-los exemplarmente.

Numa entrevista, o traficante Antônio Bonfim Neto, de 41 anos, o Nem da Rocinha, que está preso na penitenciária federal de Porto Velho, em Rondônia, ao jornal espanhol El Pais, pôs o dedo na ferida ao apontar associação entre o tráfico de drogas e a banda podre da polícia fluminense. Há um “cluster” de negócios nas favelas do Rio de Janeiro, do qual fazem parte as bocas de fumo, os gatos elétricos, as TVs piratas, a distribuição de gás e o achaque aos comerciantes e empreendedores a título de proteção. No Rio de Janeiro, as agências de coerção do Estado foram capturadas pelo crime organizado a partir do seu vértice, num pacto corrupto e perverso entre os donos do poder e o crime organizado. Será duro desalojá-los.

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Luiz Carlos Azedo: O caso Lula

Os advogados do petista querem que uma eventual ordem de prisão do TFR-4 seja suspensa até o Supremo julgar duas ações que tratam da execução da pena após segunda instância

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou um novo pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar a prisão do líder petista, cuja apreciação está a cargo do ministro relator da Operação Lava Jato, Luiz Edson Fachin. A Oitava Turma Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) está na iminência de julgar o embargo de declaração sobre a condenação de Lula a 12 anos e 1 mês, em regime inicialmente fechado, pena que deverá ser executada quando não couber mais recurso àquela própria Corte.

Agora, sob comando do ex-presidente do Supremo Sepúlveda Pertence, a defesa de Lula pretende forçar a mudança da jurisprudência e evitar a prisão de Lula. Pediu ao STF que a prisão só seja decretada após o processo transitar em julgado, ou seja, quando não couber recurso a mais nenhuma instância da Justiça. O passo seguinte, se Lula for mantido em liberdade pelo Supremo, será tentar evitar a aplicação automática da Lei da Ficha Limpa, forçando a aceitação do registro de sua candidatura pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até que o caso transite em julgado no Supremo. Nesse caso, o petista disputaria a eleição sub judice. Ocorre que se trata de uma norma constitucional, que somente pode ser alterada pelo Congresso. Não existe absolvição de condenação judicial pelas urnas. Lula está inelegível devido à condenação criminal.

O pedido de Lula já foi negado pelo ministro Édson Fachin, que remeteu o caso ao plenário do Supremo. A presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, porém, também avalia que a execução da pena após condenação em segunda instância é um assunto resolvido, que já foi debatido três vezes e a maioria dos ministros manteve esse entendimento. Por isso, não pretende aceitar pressões para pôr a matéria em discussão novamente.

Entretanto, os advogados de Lula querem que uma eventual ordem de prisão do TFR-4 seja suspensa até o Supremo julgar duas ações que tratam da execução da pena após condenação em segunda instância, que voltaram para a Segunda Turma por proposta do relator das ações, ministro Ricardo Lewandowski, na terça-feira passada. Caso Fachin rejeite o novo pedido, os advogados pleiteiam que a mesma Turma trate do caso Lula. Ou seja, colocaram um pé na porta para que a jurisprudência seja revista.

Constelação

Nos bastidores da batalha jurídica, há uma coalizão de políticos enrolados na Operação Lava Jato. Todos querem Lula fora da eleição presidencial, embora não o digam, mas nenhum deles deseja que Lula seja preso, por motivos óbvios. O mesmo pode acontecer com eles, se perderem as eleições e forem julgados em primeira e segunda instâncias. Até hoje, o Supremo Tribunal Federal condenou pouquíssimos políticos com mandato; dezenas de processos acabam prescrevendo porque não foram julgados em tempo hábil.

O julgamento de Lula, porém, é um nervo exposto. É o ápice da Operação Lava-Jato. Se um ex-presidente da República, que ainda é o político mais popular do país, for preso, ninguém mais estará a salvo. Esse é o raciocínio dos políticos enrolados nos escândalos de corrupção. Não se pode, porém, responsabilizar a Lava-jato e o Ministério Público Federal pela judicialização da política.

Na verdade, o protagonismo do judiciário brasileiro ao interagir com o sistema político é fruto da Constituição de 1988, que desatou um processo complexo, do qual participam os tribunais, sobretudo o STF; os governos e os partidos políticos; além das corporações de procuradores e magistrados, sem falar da opinião pública. Ministros do STF trocaram a discrição por declarações bombásticas. Partidos recorrem ao Supremo quando são derrotados no Congresso. O Supremo, com frequência indesejável , não hesita em derrubar decisões do Executivo e do Legislativo por influência da opinião pública.

A atuação do STF resultante do uso de garantias constitucionais, como o mandado de injunção (MI) e a ação direta de inconstitucionalidade (Adin), não se coaduna com a interação institucional estável. Entretanto, é parcimonioso o uso de garantias constitucionais de amplo alcance, limitando as medidas de impacto político mais visível a decisões liminares. A análise dos acórdãos do tribunal revela também que a produção rotineira do STF tem foco na proteção de interesses privados e impacto negativo nas políticas públicas, sobretudo na área tributária.

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Mauricio Huertas: A política vive dias sombrios. Triste Brasil

A execução a tiros da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro tão tristemente marcado pelo crime organizado, por mortos, milícias e balas perdidas, por governantes-assaltantes dos cofres públicos, pelo prédio vazado da Petrobras que acabou por se tornar símbolo involuntário dos rombos da corrupção, é o incessante cair num poço sem fundo em que desabou a política brasileira. Aonde vamos parar?

Às vésperas do Congresso Nacional do PPS, encontro partidário dessa legenda que busca sinceramente se manter moderna e respeitada, originária do velho, histórico e emblemático Partidão (da época em que se declarar de esquerda era revolucionário e motivo de orgulho), estamos vivenciando essa escuridão moral, esse apagão de esperança por dias melhores diante de acontecimentos tão horripilantes do cotidiano nacional, da vergonha na cara de quem ainda tem um pingo de caráter e honradez.

Que país é esse em que o noticiário da política e da polícia se misturam na mesma página? Em que os juízes da corte suprema são políticos e em que os políticos em sua maioria não tem nenhum juízo? Em que o humor da população é medido por patos e sapos de entidade patronal que reúne a elite liberal tupiniquim mas é ironicamente a maior beneficiária de recursos estatais? Em que o grande partido de esquerda da história recente trocou seus heroicos presos políticos por políticos presos comuns? Em que os verdadeiros democratas – que lutaram contra a ditadura militar – precisam apoiar uma intervenção federal comandada por generais para garantir um mínimo de ordem civil?

Como chegamos a esse ponto caótico depois de anunciadas novas e velhas repúblicas, de antigos e atuais movimentos sociais, de golpes e pseudo-golpes, do impeachment de dois presidentes, de ondas ora conservadoras, ora progressistas, mas que poderiam ter nos conduzido tranquilamente a um porto seguro, à estabilidade ao invés da tormenta? Por que vivemos em eterna transição?

As eleições de 2018, para onde vão levar o Brasil? De um lado e do outro, dois extremistas caricatos: um boçal da direita reacionária, parlamentar inexpressivo e até então inofensivo, contra um invasor profissional da propriedade alheia, neófito na política mas insuflado pela esquerdalha festiva órfã do seu mito que virou mico. Ao centro, de onde seria desejável e salutar despontar uma liderança para vencer a eleição e governar com equilíbrio, por enquanto vemos apenas uma enxurrada de candidatos medianos e limitados, seja por características pessoais ou por tibieza partidária.

É diante deste quadro deprimente que aumenta a nossa responsabilidade cidadã: como despertar a sociedade para a necessária (re)ação cívica? Como fazer com que gente de bem compreenda a urgência de dedicar parte do seu tempo e conhecimento para mergulhar nos problemas e buscar soluções eficazes e inteligentes para o país? Como eleger pessoas idôneas e bem intencionadas que se dediquem a construir uma nova agenda de políticas públicas? Como reunir homens e mulheres vocacionados para ‘servir’ à política – ‘ser útil’, ‘ajudar’, ‘zelar pelo bem-estar’ – contra os maus políticos que hoje se servem da política?

Muitas perguntas, poucas respostas. Quem aponta um caminho que não faça o Brasil adernar?

* Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente

 


Luiz Carlos Azedo: Supremas decisões

Depois de ferir de morte caciques de todos os grandes partidos e jogar na lona a imagem do presidente da República, a Lava-Jato acirrou as contradições, disputas políticas e idiossincrasias no Supremo

O vetor da crise ética continua sendo uma força dominante no processo político, com reflexos eleitorais de ordem objetiva. A Lei da Ficha Limpa promove um expurgo de milhares de políticos impedidos de disputar as eleições de 2018, em todo o país, a começar pelo mais popular, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas de opinião para a Presidência. Não há um só dia em que o noticiário não seja impactado pela Operação Lava-Jato, seja em razão de novas operações, como a de ontem, que defenestrou e prendeu um dos delegados da Polícia Civil mais poderosos do Rio de Janeiro e desmantelou um esquema de desvio de recursos do sistema prisional fluminense, seja em decorrência dos processos em curso no Judiciário, com a iminente prisão de Lula em decorrência de sua condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, a 12 anos e 1 mês de prisão.

Depois de ferir de morte caciques de praticamente todos os grandes partidos e jogar na lona a imagem do presidente da República, a Lava-Jato acirrou as contradições, disputas políticas e idiossincrasias no Supremo Tribunal Federal (STF). Ontem, enquanto a Primeira Turma do STF, por unanimidade, recebeu a denúncia e tornou réu o senador Romero Jucá (RR), líder do governo no Senado e presidente do MDB, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, a Segunda Turma do STF decidiu que duas ações que tratavam da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância não serão mais julgadas pelo plenário do tribunal. Voltarão a ser julgadas na própria Turma.

Foi uma resposta da maioria de seus integrantes à decisão da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, que se recusa a levar o assunto à rediscussão do plenário. Se compararmos o Supremo a uma embarcação em meio à tempestade, diríamos que se trata de um motim a bordo, que pode causar um grande naufrágio à Lava-Jato. A Turma é formada por Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Celso de Mello e Edson Fachin. A decisão foi tomada por 3 a 1 (Lewandovski, Gilmar e Toffoli contra Fachin), em reposta à presidente do Supremo, que ontem, em São Paulo, voltou a dizer que não se submete à pressão de políticos que querem que a Corte revise o entendimento sobre cumprimento da pena após condenação em segunda instância. “Eu não lido, eu simplesmente não me submeto à pressão”, declarou Cármen Lúcia.

Estupro

Uma das ações em análise no STF sobre prisão após condenação em segunda instância é relacionada diretamente ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os advogados do ex-presidente Lula questionam a prisão, com o argumento de que, segundo a Constituição, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O ministro Fachin havia negado o pedido e decidido que a palavra final sobre o caso caberá ao plenário do STF, no qual já aguardavam julgamento um habeas corpus e outras duas ações que poderão reverter o atual entendimento do STF.

Ontem, Ricardo Lewandowski, sugeriu a retirada de dois casos dos quais é relator. A recomendação foi aceita pela maioria dos demais colegas. No primeiro caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidira soltar o condenado, substituindo a pena de prisão por prestação de serviços à comunidade, o que provocou a perda de objeto da ação. No segundo habeas corpus, o ministro considerou que a situação era diferente: a decisão de primeira instância permitia que o condenado recorresse em liberdade até o trânsito em julgado, isto é, até a última e quarta instância. Lewandowski alegou que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), de segunda instância, havia contrariado a sentença do juiz e mandou prender o réu sem que houvesse pedido por parte da acusação.

Nesse caso, seria uma situação diferente e, por isso, deveria ser analisada pela própria Segunda Turma. O ministro adiantou que votará pela libertação do preso, condenado por estupro. Fachin votou contra por causa da semelhança com as outras ações sobre prisão após segunda instância, principalmente a de Lula, mas foi vencido. A decisão acirra ainda mais os ânimos na Corte. Porque força a rediscussão da jurisprudência sobre execução imediata da pena por presos condenados em segunda instância, caso do ex-presidente da República. É tudo o que Fachin e Cármen Lúcia não querem.

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Luiz Carlos Azedo: As cinco pontes

Um dos cases de reforma bem-sucedida na corrida para reinventar o Estado é o Deutsche Post AG, uma empresa alemã de serviços postais e de entregas com 467 mil empregados

Na corrida mundial para reinventar o Estado e modernizar a economia, a China comunista leva vantagem em relação aos Estados Unidos, assim como outros regimes da Ásia em relação às democracias do Ocidente em crise de representação, porque reprime duramente greves e protestos. É a face política mais obscura da globalização, na qual crescem a concentração de renda e as desigualdades, num processo no qual o regime de pleno emprego e os chamados exércitos industriais de reserva perderam a razão de ser. No Brasil, pela primeira vez, o contingente de trabalhadores do mercado informal suplantou o número dos com carteira assinada. As mudanças em curso provocam reações quase ludistas em relação ao surgimento de atividades que substituem as tradicionais, gerando milhares de postos de trabalho, como acontece na disputa entre taxistas e o Uber nas grandes cidades.

O ludismo foi um movimento social ocorrido na Inglaterra entre os anos de 1811 e 1812. Impactados pela Revolução Industrial, os ludistas protestavam contra a substituição da mão de obra humana por máquinas. O movimento ganhou esse nome por causa de seu líder, Ned Ludd. Com a participação de operários das fábricas, os “quebradores de máquinas”, como eram chamados os ludistas, fizeram protestos e revoltas radicais. Invadiram diversas fábricas e quebraram máquinas, por causa do desemprego e das péssimas condições de trabalho no período. O ludismo perdeu força com o surgimento das trade union, os sindicatos da época.

A briga entre taxistas e motoristas de Uber é um bom exemplo do choque de interesses provocado pelas mudanças em curso. Reproduz em escala global um episódio ocorrido na Baía de Vitória em 1927. Uma ponte de aço construída na Alemanha chegou à capital capixaba para permitir a primeira ligação da ilha com o Continente. É um patrimônio histórico e arquitetônico, um conjunto de cinco pontes ferroviárias de aço, interligadas. Tão logo ficou pronta, um açoriano empreendedor criou uma linha de lotação ligando Vila Velha a Vitória, mas houve violenta reação dos catraieiros que faziam a travessia do canal que separa as duas cidades. Ainda hoje é possível fazer a travessia do cais do Paul para o centro da capital do Espírito Santo de catraia, um barco a remo seguro, que transporta até oito pessoas e virou até atração turística. Mas a greve dos catraieiros não tinha a menor chance de dar certo. Assim é o progresso.

Correios
A greve por tempo indeterminado dos funcionários dos Correios pode ter o mesmo destino. Balanço da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), que engloba 31 sindicatos, mostra que a paralisação atinge os estados do Acre, Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo (regiões de Campinas, Ribeirão Preto, São José dos Campos, Santos e Vale do Paraíba), além do Distrito Federal. Amazonas e Amapá a qualquer momento podem aderir à paralisação. É uma rajada no próprio pé.

Um dos cases de reforma bem-sucedida na corrida para reinventar o Estado é o Deutsche Post AG, uma empresa alemã de serviços postais e de entregas expressas, a maior em todo o mundo. Com sede em Bona, a empresa tem 467 mil empregados em mais de 220 países. Surgiu em 1995 como resultado da privatização da empresa de correios alemã, Deutsche Bundespost. O escritório federal alemão de correios era um serviço postal e de telecomunicações fundado logo após o final da II Guerra Mundial. Inicialmente foi o segundo maior empregador federal durante seu tempo, mas seu pessoal foi reduzido para cerca de 543.200 funcionários em 1985. A empresa foi dissolvida em 1995 e dividida em três empresas de capital aberto: a Deutsche Post AG, a Deutsche Telekom e a Deustsche Postbank.

Com 5% do comércio mundial nas mãos, hoje a Deutsche Post não entrega apenas correspondências e outras encomendas. Com a subsidiária DHL, a Deutsche Post cobre não apenas as exportações da Ásia para a Europa ou América, mas também entre os países asiáticos. Opera na China com uma rede nacional de transporte com cerca de 300 pontos de apoio. Com a compra da Airborne, a Deutsche Post se tornou a terceira maior empresa de serviço de entrega “express” nos Estados Unidos. Na América do Norte e na do Sul, a companhia alemã de correios conta com mais de 40 mil funcionários. Nos países europeus, excetuando-se a Alemanha, são 75 mil funcionários e um faturamento de 10 bilhões de euros. Incluindo-se as atividades na Alemanha, a empresa movimentou 60 bilhões de euros no ano passado, obtendo um lucro líquido de 2,7 bilhões de euros.

 

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Luiz Carlos Azedo: O drama dos bons políticos

Os eleitores estão de partida. Mas não sabem para onde. Querem que alguém aponte um caminho no qual acreditem. É aí que mora o perigo do senso comum

O Brasil está mais ou menos como aquele cavaleiro descrito pelo escritor tcheco Franz Kafka, no conto A Partida:

— Para onde cavalga, senhor?
— Não sei direito — eu disse —, só sei que é para fora daqui, fora daqui. Fora daqui sem parar; só assim posso alcançar meu objetivo.
— Conhece então o seu objetivo? — perguntou ele.
— Sim — respondi — Eu já disse: “fora daqui”, é esse o meu objetivo.

É mais ou menos assim que vamos às eleições de 2018. As pesquisas mostram uma desorientação muito grande da maioria dos eleitores. Não é por causa da inelegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nem em razão da liderança resiliente do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ). O percentual de indecisos na eleição varia de 38% a 42%, considerando-se todos os candidatos pesquisados. Numa eleição relâmpago, com 45 dias de campanha, qualquer coisa pode acontecer, inclusive nada de extraordinário.
Comecemos, pois, pelo extraordinário.

Os projetos mais radicais à mesa são os de Bolsonaro e de Guilherme Boulos, o líder dos sem-teto lançado pelo PSol. Radicais de direita e esquerda, respectivamente. Ambos são regressistas do ponto de vista do papel do Estado e da relação do Brasil com o mundo. São projetos excludentes entre si, mas que têm em comum o anacronismo ideológico de direita e de esquerda. Eleitoralmente falando, Bolsonaro tem muito mais densidade do que Boulos. É beneficiado por uma certa reação conservadora de parcelas da sociedade à violência, ao desemprego e à corrupção, principalmente, o eleitorado evangélico. Boulos busca os órfãos de Lula com o antigo radicalismo petista, que não cola mais, por causa da Operação Lava-Jato.

Fora esses dois extraordinários, temos Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Álvaro Dias (Podemos), Geraldo Alckmin (PSDB) e Rodrigo Maia (DEM) com candidaturas formalizadas. O presidente Michel Temer ainda costeia o alambrado, como diria o falecido Leonel Brizola. E o PT não sabe ainda quem será o substituto de Lula, embora o nome mais cotado seja o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Os eleitores de esquerda, centro-esquerda, centro-direita e direita estão sendo disputados por essa turma. Por enquanto, todo mundo pode virar ou continar japonês.

O que pode fazer diferença na campanha para esses candidatos? Em primeiro lugar, o recall de campanhas anteriores. Casos de Marina, Ciro e Alckmin. Em segundo, os recursos financeiros e o tempo de televisão. Vantagens para Haddad, Alckmin e Maia. Em terceiro, as estruturas de poder e capilaridade partidária, idem. Quarto, a imagem do candidato em relação à Lava-Jato e às propostas que seduzam os eleitores. É aí que o jogo pode haver muita diferença. Finalmente, a proposta política. Nesse quesito, ninguém apresentou ainda um programa exequível. E, ademais, como diz o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a proposta precisa ser traduzida e “fulanizada” para seduzir os eleitores.

O rumo
De volta ao cavaleiro kafkiano, os eleitores estão de partida. Mas não sabem para onde. Querem que alguém aponte um caminho no qual acreditem. É aí que mora o perigo do senso comum. A saída pode ser um não caminho, um precipício. O ambiente facilita a vida dos demagogos e dos populistas, que oferecem soluções fáceis para uma situação difícil e complexa. Na eleição, todos são tentados a isso. Mas há os que acreditam nesse tipo de narrativa, como aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff, que deu com os burros n’água, e os que sabem que não é por aí. O caminho a percorrer é pedregoso, difícil, e não dará vida fácil para ninguém.

O Brasil precisa da estabilidade da moeda, de taxas de juros baixas, de crédito acessível e de investimentos maciços em infraestrutura. Mas não pode garantir um cenário dessa ordem com o governo gastando mais do que arrecada e sem a reforma da Previdência. O país precisa crescer e gerar empregos, mas não tem como fazer isso sem aumentar a produtividade. Para isso, precisa melhorar a qualidade da educação, de saúde da população e de segurança dos cidadãos. O rol de necessidades de um ciclo virtuoso de desenvolvimento não se resolve com mágica. Entretanto, é difícil vencer as eleições com esse discurso, depois de uma recessão que gerou 14 milhões de desempregados. Esse é o problema dos bons políticos.

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Luiz Carlos Azedo: Maia embola o centro

À frente da Câmara, Maia duplicou a bancada do DEM e somente não assumiu a Presidência da República, no ano passado, afastando o presidente Michel Temer, porque não quis

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, lançou-se ontem à Presidência da República, na convenção do DEM que também substituiu o senador Agripino Maia (RN) pelo prefeito de Salvador, ACM Neto, no comando da legenda. Consumou-se assim a renovação do antigo PFL, cujo “rejuvenescimento” político fora iniciado a fórceps pelo ex-senador Jorge Bornhausen, ainda durante o governo Lula. À frente da Câmara, Maia duplicou a bancada do DEM e somente não assumiu a Presidência da República, no ano passado, afastando o presidente Michel Temer, porque não quis. Havia votos suficientes para aceitar a primeira denúncia do então procurador-geral, Rodrigo Janot, contra o emedebista, mas o presidente da Câmara trabalhou para que isso não ocorresse.

Para os aliados, sua candidatura não tem a menor chance de vingar, segundo as pesquisas, mas embola completamente o jogo ao centro do tabuleiro político, tanto para o candidato do PSDB, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, como para o presidente Michel Temer, que acalanta o projeto de uma candidatura própria do MDB — de preferência, a sua própria reeleição — na cozinha do Palácio do Planalto. No lançamento, Maia adotou um discurso moderado, pregou a renovação política e a mudança na economia com base num projeto claramente liberal, com ênfase na reforma da Previdência e no equilíbrio fiscal.

“Há alguns que julgam tarefa impossível construir uma candidatura competitiva para mudar o Brasil. Mas vocês aqui presentes, democratas, me oferecem o desafio de liderar a nossa geração num projeto de renovação política e de reconstrução do Brasil”, afirmou Maia. A candidatura amplia o isolamento de Alckmin no plano nacional e demarca também uma posição de independência em relação ao Palácio do Planalto. Temer está condicionando a reforma ministerial decorrente da desincompatibilização de seus ministros, entre eles o da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE), um dos novos caciques da legenda, ao compromisso com uma candidatura do governo. É pagar para ver quem vai indicar o novo ministro.

Candidato a presidente da República, Maia terá uma agenda própria na Câmara, independentemente da proposta pelo governo. O primeiro sinal de que isso ocorrerá foi dado quando Temer retirou de suas prioridades a reforma da Previdência e anunciou uma agenda econômica para substituí-la, o que provocou dura reação de Maia. A resposta do governo foi a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, contra a qual o presidente da Câmara ameaçou se insurgir, mas recuou devido à grande aprovação popular à decisão de Temer.

A conta

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), remeteu a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, os ex-ministros Antônio Palocci e Guido Mantega e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, por organização criminosa, à Justiça Federal do Distrito Federal. Os processos da senadora Gleisi Hoffmann e do ex-ministro Paulo Bernardo, seu marido, continuarão no Supremo. A senadora possui foro privilegiado, só pode ser investigada e julgada no Supremo. O marido pegou carona no foro porque seu caso está diretamente interligado ao da senadora.

Segundo a denúncia, derivada das investigações da Lava-Jato, o esquema envolveu propinas no valor de R$ 1,485 bilhão por meio da utilização da Petrobras, do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) e do Ministério do Planejamento. O Ministério Público afirma que o PT formou uma organização criminosa para desviar dinheiro da Petrobras. Lula e Dilma são suspeitos, como os demais denunciados, de “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”, cuja pena é de 3 a 8 anos de prisão, além de multa. Chegou a conta da farra do pré-sal nas eleições de 2010 e 2014.

Para remeter o caso à primeira instância da Justiça Federal, Fachin levou em consideração decisão do Supremo que determinou o fatiamento de inquéritos para o Distrito Federal no caso que envolve o presidente Michel Temer e os líderes do MDB. O ex-tesoureiro do PT Edinho Silva, ex-ministro e atual prefeito de Araraquara (SP), porém, será julgado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com sede em São Paulo.

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Conheça a seleção de presidenciáveis de 2018 no #ProgramaDiferente

Faltam exatamente sete meses para a seleção brasileira de presidenciáveis entrar em campo para disputar o jogo decisivo de 7 de outubro. Em ano de Copa do Mundo, num país que idolatra o futebol e onde as metáforas da bola servem para tratar de qualquer assunto, nada como antecipar o esquema tático dos onze craques convocados por seus respectivos partidos para as eleições de 2018. Detalhe: o técnico é você, eleitor!

Escalamos uma espécie de "seleção do povo", com os 11 titulares mais lembrados nas sondagens pré-eleitorais, aqueles que já estão no aquecimento e vão sair agora do vestiário para o reconhecimento do campo. Não significa que todos terão condição de jogo, até porque já vemos jogador renomado buscando vaga no tapetão, novato de salto alto, veterano com pouco fôlego para enfrentar o adversário e perna-de-pau sem coragem de encarar a torcida.

O esquema é o tradicional 4-3-3 dos anos 80, até com ponta-direita e ponta-esquerda, apesar de estarmos muito longe do "futebol-arte" da seleção canarinho. O que se busca hoje é o feijão com arroz, o "futebol de resultados" onde 1x0 é tão festejado como uma goleada. Na analogia entre o futebol e as eleições, esperamos que o resultado que teremos para os mandatários a partir de 2019 não seja tão frustrante quando o 7x1 da Alemanha na última Copa.

Essa é uma brincadeira que fazemos, obviamente, para tratar de um assunto sério e essencial para a normalidade democrática, cívica e institucional do Brasil com leveza, ironia e bom humor. No link sobre o nome dos candidatos relacionados abaixo, o #ProgramaDiferente traz um discurso ou entrevista recente que mostra a essência do pensamento de cada um.

Vamos à escalação (e clique sobre o link para ver os vídeos):

1. Lula - Como Pelé nos velhos tempos, o craque petista também joga no gol nos momentos de necessidade. Vive da nostalgia do tetra (duas eleições dele e duas de Dilma), mas a única chance que tem para seguir como número 1 é mesmo sendo escalado no sacrifício para defender na mão grande o seu time do implacável ataque inimigo. O último resultado foi um 5x0 no campo do STJ. A esperança que resta para não ser cortado antes da final é uma virada de mesa no STF, como nunca antes neste país...

2. João Amoêdo - Na lateral direita, com habilidade para atuar também como líbero, está a aposta do Partido Novo. Fez sólida carreira no exterior, até voltar ao Brasil para ajudar a lançar um time sem tradição mas recheado de patrocinadores e gestores profissionais.

3. Temer - Na zaga situacionista, com fama de xerifão, joga o capitão do time, apelidado "Presidente". Queimado com a torcida, a dúvida é se pendura as chuteiras antes da final, como palpitam alguns analistas, ou se estica a carreira para prestigiar os cartolas do seu time, que tanto se empenharam para mantê-lo como titular.

4. Meirelles - Completando a dupla de zaga do governo, um verdadeiro beque-de-fazenda. Atua com desprendimento nos dois lados da área, segurando o ímpeto da equipe, mas tem dificuldade de subir para disputar bolas alçadas contra atacantes mais encorpados.

6. Manuela - Na lateral esquerda, com disposição para marcar de perto os adversários que se deslocam pela direita, ganhou a posição essa ex-juvenil acostumada a cruzar a bola na área para o atacante petista cabecear para o gol.

5. Ciro Gomes - É o típico cabeça de área, pronto para dar cobertura aos laterais, armar o meio-de-campo e sair jogando com a bola dominada sempre que houver um rebote (principalmente uma bola espalmada de Lula). Chuta forte com as duas pernas, mas é ruim de pontaria. Famoso pela passagem por vários clubes diferentes na carreira e pelos gols contra que já lhe custaram um campeonato onde despontava como favorito.

8. Álvaro Dias - Veterano meia-direita e ídolo no sul do país. No selecionado nacional sempre atuou como armador do time, mas agora prefere se arriscar mais como ponta-de-lança. Acredita que PODE dar certo, apesar das dificuldades e da descrença da mídia especializada.

10. Marina - Dona de um toque refinado, dá sustentabilidade e equilíbrio à equipe. Alguns críticos reclamam que falta mais ousadia e presença no ataque, mas os companheiros elogiam o ritmo cadenciado e a experiência de uma carreira com reconhecimento internacional. É a esperança de bola na REDE.

7. Bolsonaro - Joga avançado pela extrema direita, desafiando qualquer esquema tático. Aparece frequentemente impedido, tem dificuldade no domínio da bola e fragilidade em recompor o sistema defensivo. Adorado pela torcida pelo jeitão irresponsável, espontâneo e inconsequente. Geralmente se envolve em confusões.

9. Alckmin - Como centroavante, com o desfalque dos antigos titulares de estilo mais trombador, aparece o discreto "Xuxu" paulista. Administra bem a bola, dá segurança no meio-de-campo e atua como pivô para quem chega em bloco, por trás, pelo chamado "centro democrático". Aposta no "fair play" e na regularidade para conquistar a preferência da torcida.

11. Boulos - Pela extrema esquerda estreia o atacante de movimentação bastante ofensiva, acostumado a invadir a área adversária e ocupar os espaços vazios na defesa oposta. Dono de um estilo rebelde e desafiador, geralmente contesta a autoridade da comissão técnica e da arbitragem, além de ter relação conturbada com a imprensa não setorista e com a PM nos estádios.


Murilo de Aragão: O Brasil e o mundo

“O Brasil não perde a oportunidade de perder uma boa oportunidade.” A irônica frase do falecido embaixador Roberto Campos não exclui de sua abrangência a política externa brasileira. É de justiça reconhecer, entretanto, que, ao longo do governo do presidente Michel Temer (PMDB), algumas oportunidades foram aproveitadas e permitiram progressos evidentes.

A política externa do governo anterior, como é bem sabido, contrariou as melhores tradições do Itamaraty sem trazer nenhuma vantagem para o Brasil. Tal crítica não pode ser feita à política externa estabelecida pelo governo Lula (PT), que, apesar de aspectos contraditórios, elevou o perfil brasileiro no cenário internacional.

O processo de impeachment de Dilma Rousseff encontrou o Brasil enfraquecido na cena global, não apenas pelos equívocos de sua política externa – como o inexplicável alinhamento com a Venezuela e a Argentina de Cristina Kirchner, além da complacência nostálgica com Cuba –, como também pelo retumbante fracasso de sua política econômica, que resultou na pior recessão da História do País. Durante o impeachment, o governo petista tentou de todas as formas desqualificar o processo, parecendo não ver que nenhum passo estava sendo dado à margem do texto constitucional. Não conseguiu impedir a saída da presidente, mas causou dano à imagem do Brasil no exterior, o que foi, no mínimo, impatriótico.

Houve sérias tentativas de pôr a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), o Parlamento do Mercosul (Parlasul), o próprio Mercosul e a Organização dos Estados Americanos (OEA), entre outros organismos internacionais, contra o impeachment. Até hoje Cuba, de forma inacreditável, não reconhece o governo Temer como legítimo. O saldo final da gestão Dilma foi a dramática perda de prestígio internacional do Brasil e a imposição de preconceitos à gestão Temer, que, finalmente, têm diminuído de forma paulatina pela adoção de uma nova política externa.

A nomeação do senador José Serra como ministro das Relações Exteriores e, posteriormente, de Aloysio Nunes Ferreira (ambos do PSDB), ainda no cargo, fizeram o Itamaraty retomar seu veio tradicional de universalismo, pragmatismo e defesa do interesse nacional, além de um saudável distanciamento da Venezuela e de Cuba. Assim, pouco a pouco o Brasil recupera sua estatura internacional entre os países do Brics e encaminha, no âmbito do Mercosul, boas negociações com a União Europeia, superando amplamente as questões de reconhecimento. O volume crescente de investimentos estrangeiros no Brasil mostra a volta da confiança no País e atesta a solidez da política econômica adotada.

Mesmo assim, no ranking de soft power da revista Monocle ocupamos o 25.º lugar, a pior colocação do Brasil desde que a medição começou a ser feita. Não só por não termos aproveitado o potencial da Olimpíada, em 2016, mas também pelo impeachment e pela dramática situação do Rio de Janeiro, principal cartão-postal do País. E, sobretudo, por não sabermos comunicar-nos com o mundo exterior.

Evidentemente, não podemos tapar o sol com a peneira e esconder nossas graves deficiências. Mas por falta de visão estratégica, e pelo não emprego de táticas que rentabilizem a potencialidade do Brasil, terminamos apequenando a capacidade de influência positiva de nossa imagem em nível internacional. Bem como não utilizando todo o nosso potencial para atrair investimentos privados.

Uma abordagem estratégica da política externa poderia, sem dúvida, ampliar a imagem das boas iniciativas do governo, com repercussões internas e externas, consolidando o legado reformista do atual governo e expondo ao mundo a potencialidade do País. Recentemente, artigos do presidente Michel Temer tiveram boa repercussão no exterior. É o tipo de iniciativa que deve ser ampliado.

Em conversas em Nova York, onde fui dar aulas na Universidade Columbia, ouvi manifestações de investidores e especialistas de que o Brasil é subestimado e subavaliado. Sobretudo porque as notícias refletem mais o lado perverso de nossa realidade do que os avanços. Na melhor tradição de que bad news are good news.

Alguns interlocutores se revelaram surpresos com a agenda de reformas em curso e o agressivo programa de concessões. Bem como com o avanço das práticas de compliance no País e a atuação independente do Poder Judiciário. Como se não soubessem o que se passa por aqui.

Entre as maiores economias do mundo, o Brasil é um dos únicos países a não ter instrumentos de comunicação – como, por exemplo, canais de TV por assinatura – em inglês sobre o País, entre outras iniciativas. A verdade é que, embora sejamos um país de dimensões continentais, continuamos a ser um enigma para a maior parte do mundo.

Não somos um paraíso para investidores e temos sérios problemas de segurança pública, mas somos melhores do que parecemos e, lamentavelmente, não sabemos contar a nossa história de modo adequado. E se não contarmos a nossa história, alguém o fará. Quase nunca de forma favorável.

Por fim, devemos retomar a tradição de assumir posição com ênfase em questões de direitos humanos, que nos trouxe reputação positiva nas esferas diplomáticas internacionais. O Brasil reduziu sua exposição nesse tema por causa de alianças e entendimentos com países que não primam pelo respeito aos direitos humanos. Por sermos complacentes, perdemos credibilidade. E credibilidade em política externa é algo precioso.

Em Davos, na Suíça, onde realizou uma bem-sucedida visita, após um período de quatro em que o Brasil ali não se fez representar no mais alto nível, o presidente Temer sustentou que o Brasil está de volta. A hora é de fortalecer o Itamaraty, que detém um legado diplomático consistente e testado para pavimentar essa volta, deixando claros ao mundo os avanços que estão ocorrendo no País.

* Murillo de Aragão é advogado, consultor, cientista político, professor, é doutor em sociologia pela UNB

 


Luiz Carlos Azedo: Justiça seja feita

A taxa de resolução dos casos de homicídio é baixíssima; começa na hora de preencher o atestado de óbito e fazer a autópsia, sem os quais não existe sequer investigação

Uma das dificuldades para compreender o fenômeno da violência nas cidades brasileiras decorre da inversão do senso de Justiça. A noção positiva, do ponto de vista do cotidiano dos moradores das favelas e periferias urbanas, é o senso de “injustiça”, porque a Justiça passa ao largo de suas vidas, serve para proteger os interesses das camadas mais favorecidas e criminaliza transgressões que poderiam ser tratadas de outra maneira, como, por exemplo, a produção, comercialização e consumo de maconha ou aborto de adolescentes nos casos de gravidez involuntária ou indesejável, para entrar em temas muito polêmicos, que deveriam estar sendo discutidos e varridos para debaixo da tapete.

É daí que nasce a ética popular na hora de “julgar” as ações da polícia, das milícias e dos traficantes. Por exemplo, na “lei do morro”, quando um traficante corta o dedo de um assaltante que roubou alguém da própria comunidade, fez-se “justiça”; quando a polícia faz um “baculejo” num cidadão que ganha a vida honestamente, há humilhação e “injustiça”. As milícias transitam entre a “injustiça” e a “justiça”, respectivamente, quando arrocham comerciantes ou expulsam os traficantes de seus territórios.

Essas ética e moral próprias não são características apenas das comunidades pobres, porque há outras manifestações do gênero nas camadas mais favorecidas, nas quais o jeitinho, a propina, os privilégios e a busca de favores são parte do dia a dia. O mesmo sujeito que apoia a pena de morte contra os traficantes não hesita em subornar um servidor público para se livrar das multas de trânsito. A mesma família de classe média que defende a eliminação dos traficantes tolera que seus jovens fumem maconha e não vacila em providenciar um aborto seguro para a filha que engravidou por descuido. Muitos não veem problema na falsificação da carteira de estudante pelos filhos, para que frequentem ambientes de risco nos quais é proibida a entrada de menores.

É nessa fronteira que transita a discussão provocada pelo novo ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, ao criticar os que “durante o dia, clamam contra a violência e, à noite, financiam esse mesmo crime por causa do consumo de drogas”. O ministro acerta ao criticar a hipocrisia, mas peca pelo reducionismo ao tratar da questão. Na guerra das drogas, a criminalização generalizada e o endurecimento das penas estão mais ou menos como as tropas norte-americanas no Vietnã. Não têm a menor chance de vencê-la. Essa estratégia está sendo derrotada; é comprovado pela ampliação do tráfico. Em todo o mundo, o que tem provocado é o aumento da população carcerária e o fortalecimento do lobby da bala.

Dever de casa
Em contrapartida, estatisticamente falando, em Nova York, a legalização do aborto teve muito mais impacto na redução dos indicadores de violência do que a política de tolerância zero. Simplesmente porque reduziu a população de risco, possibilitando às famílias de baixa renda evitar que suas adolescentes fossem incorporadas à cadeia da violência pela desestruturação familiar. Mas há alternativas menos polêmicas para reduzir a população de risco, como a massificação de atividades esportivas entre os jovens, com melhor aproveitamento de espaços urbanos degradados, como praças e viadutos ocupados por consumidores de drogas, principalmente em horários noturnos, nos quais a iluminação é a chave para aumentar a sensação de segurança. O esporte é uma atividade estruturante do caráter e do espírito, de baixo custo e alto impacto, com efeitos imediatos para a saúde e o desempenho escolar. O problema da “territorialidade” não se resolve apenas com a presença coercitiva do Estado, indispensável neste momento, mas com a ocupação dos espaços públicos pelas famílias.

Mas há que se destacar: o dever de casa do sistema de segurança pública está ao largo da discussão. O principal indicador da violência são as mortes por causas externas, principalmente os homicídios. Esses são o tipo de crime mais cruel a ser combatido, é nele que a impunidade revela sua face mais perversa. A taxa de resolução dos casos de homicídio é baixíssima; começa na hora de preencher o atestado de óbito e fazer a autópsia, sem os quais não existe sequer investigação. Na economia informal das favelas e periferias, não existe título protestado em cartório. A cobrança é feita à bala, tanto pelos traficantes como pelas milícias. Não pagou, vai para o “micro-ondas”. A fronteira sinuosa entre o tráfico de drogas e o comércio das milícias é demarcada por esse ajuste de contas, que quase sempre envolve a banda podre da polícia.


Cacá Diegues: Uma jovem democracia

Apesar do excesso de alguns militantes de todos os lados, homens públicos que não estão na cadeia por ladroagem estão muito mais dispostos a aceitar as regras do jogo

Uma contribuição decisiva do pós-modernismo para o entendimento do tempo em que vivemos é a formulação da vida vivida como um espetáculo, tanto na esfera privada quanto, sobretudo, na pública. E esse mundo do espetáculo não poderia evitar a política, o espaço em que ele se movimenta por excelência.

Hoje, a ideia de “democracia representativa” corresponde muito menos a poderes eleitos livremente pelo povo para que o representem do que ao próprio conceito teatral de representação. O político contemporâneo, visto por um pensador pós-pós-modernista, será sempre muito mais um ator num palco diante de grande plateia ululante, do que um autêntico representante sereno dessa mesma plateia.

O fenômeno talvez possa acontecer menos em democracias mais antigas, meio cansadas desse exibicionismo que acaba sempre em algum populismo enganador. Mas, nas “jovens” democracias, aqueles regimes que vivem entrando e saindo de ditaduras com certa frequência, cada vez que suas elites decidem não acreditar na capacidade da população de escolher seu próprio rumo, nessas democracias inaugurais a “representação” é sempre uma ilusão que se desfaz antes que caia o pano e os atores possam ir relaxar nas coxias.

A gente se esquece de que no Brasil, por exemplo, vivemos grande parte do século XX debaixo de algum regime de força, mais ou menos disfarçado. Na virada do século, ainda dependíamos do poder dos senhores de terras, os cafeicultores que se vingaram da Abolição e do fim do trabalho sem custo fazendo proclamar a República. Uma sucessão de presidentes — eleitos através de atas falsas e o voto dos fazendeiros que também votavam por seus empregados — dominou um país sem opinião pública, durante a chamada República Velha.

Em 1930, uma revolução liberal, comandada por jovens oficiais que tentavam modernizar o Exército brasileiro, transformou-se em cruel e sangrenta ditadura burguesa, sob o comando de Getúlio Vargas. O Estado Novo de Vargas, nomenclatura política inspirada no regime fascista italiano de Benito Mussolini, foi inaugurado em novembro de 1937 e durou até 1945, quando o ditador é deposto por movimento civil e militar. Getúlio ainda volta ao poder, eleito democraticamente em 1950, como um líder popular e nacionalista de esquerda, o que pouca gente conseguiu até hoje entender completamente. Inclusive eu.

Arrependidos de seu neogetulismo, os líderes militares trataram de planejar a queda do regime democrático, o que começou a acontecer com o suicídio de Vargas em agosto de 1954, se consolidando finalmente com o golpe de 1964 e a consequente ditadura que durou até março de 1985. Agora façam as contas. Durante os cem anos do século XX, o Brasil viveu plenamente sua sempre jovem democracia por apenas 32 deles, bem menos da metade do século. E olhe lá!

Já o século XXI tem sido um pouco mais generoso conosco. Pelo menos até aqui. Apesar dos movimentos raivosos de boicote ao Plano Real, do terrorismo político contra a eleição de Lula e do próprio impeachment sofrido por Dilma, quase tudo, na medida do possível, vem sendo feito dentro da Constituição e das leis, à luz dos princípios democráticos. Apesar do excesso de alguns militantes de todos os lados, os homens públicos atuais que não se encontram na cadeia por ladroagem estão muito mais dispostos a aceitar as regras do jogo, a perder uma mão para não perder a partida.

Ótimo exemplo desse desprendimento cívico está na entrevista recente de Lula à “Folha de S.Paulo”. Mesmo os que desejam vê-lo na cadeia, mesmo os que tratam como um pesadelo a possibilidade de ele se tornar candidato e presidente, têm que reconhecer sua firme confissão democrática: “Quem sabe eu virasse um moleque de 16 anos e fosse dizer que só tem solução na luta armada. Não. Eu acredito na democracia, eu acredito na Justiça”.

O contrário dessa confiança no regime democrático está naqueles que, sem reflexão, demonizam a intervenção militar na segurança do Rio de Janeiro. Parece uma repetição de tudo que acabou com o projeto das UPPs, um projeto que precisava do apoio de todos para fazer com que o poder público o completasse com educação, saúde, saneamento, subindo os morros pelas portas abertas pela segurança. Em vez disso, as UPPs foram tratadas como uma ocupação militar das favelas, como agora fazem com a intervenção do Exército.

É ridículo considerar a intervenção como uma “jogada eleitoral”. E se for, o que é que tem? Toda ação positiva de um governo será sempre, por definição, uma “jogada eleitoral”. Ou então os governos ficam condenados a não fazerem nada de positivo, para não serem mal interpretados. Ainda não sei dizer se a intervenção no Rio é uma boa para a cidade, acho que é cedo para ter certeza sobre o assunto. Por enquanto, apenas torço para que dê certo.

* Cacá Diegues é cineasta

 


Merval Pereira: Cai a blindagem

Ao acatar o pedido da Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, de incluir o presidente Michel Temer na investigação sobre o suposto pagamento de R$ 10 milhões em propinas da Odebrecht para o PMDB, acertado em um jantar no Palácio Jaburu quando ainda era vice-presidente, o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin confirmou uma jurisprudência que havia sido interrompida na gestão de Rodrigo Janot.
Temer fora excluído do inquérito, que inclui os ministros palacianos Moreira Franco e Eliseu Padilha, porque o antecessor de Dodge argumentava que a Constituição proíbe a responsabilização do presidente por crimes cometidos antes do início do mandato.
Dodge é de uma linha diversa, que conta com o apoio de jurisprudência do Supremo segundo a qual o presidente pode ser investigado, mas não denunciado por crimes cometidos fora de seu mandato presidencial.
O ex-ministro Teori Zavascki, relator no Supremo da Lava-Jato na ocasião, concordou com Janot, mas voltou atrás meses depois, admitindo que o entendimento consolidado da Suprema Corte permitiria a abertura de investigação contra a então presidente Dilma Rousseff na Lava-Jato, caso houvesse indícios do envolvimento dela em irregularidades:

“Não se nega que há entendimento desta Suprema Corte no sentido de que a cláusula de exclusão de responsabilidade prevista no parágrafo quarto do artigo 86 da Constituição (o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções) não inviabiliza, se for o caso, a instauração de procedimento meramente investigatório, destinado a formar ou a preservar a base probatória para uma eventual e futura demanda contra o chefe do Poder Executivo.”
A principal proteção é a chamada “relativa e temporária irresponsabilidade” pela prática de atos estranhos ao exercício de suas funções, como está previsto no art. 86, § 4º da Constituição. Essa regra surgiu pela primeira vez no Brasil durante o regime do Estado Novo de Getulio Vargas na Carta Autocrática de 1937. As demais constituições republicanas jamais contemplaram a imunidade penal temporária, de tal modo que, sob todas as outras constituições, o presidente da República poderia ser processado até por fatos estranhos ao desempenho do mandato presidencial.
A Constituição de 1988 trouxe de volta esse dispositivo, que é compatível com a lógica autoritária do Estado Novo. No entanto, outras constituições de Estados democráticos também conferem ao chefe de Estado essa imunidade temporária. Na França, só é permitido que se instaure processo criminal contra o presidente da República na hipótese de crime de traição.
A posição que orienta a jurisprudência é a do decano do Supremo, ministro Celso de Mello, na época em que Fernando Collor era presidente da República, em que dizia que não poderia ser processado, a não ser por atos praticados durante seu mandato, mas ressaltava: [...] De outro lado, impõe-se advertir que, mesmo na esfera penal, a imunidade constitucional em questão [aquela do presidente da República] somente incide sobre os atos inerentes à persecutio criminis in judicio. Não impede, portanto, que, por iniciativa do Ministério Público, sejam ordenadas e praticadas, na fase pré-processual do procedimento investigatório, diligências de caráter instrutório destinadas a ensejar a informatio delicti e a viabilizar, no momento constitucionalmente oportuno, o ajuizamento da ação penal”.
Os que defendem a blindagem completa lembram que uma investigação, que eventualmente aponte crimes contra presidentes, pode gerar uma crise institucional, mesmo que não haja a condenação. Os defensores das investigações alegam que, muitas vezes, a prova se dilui com o passar do tempo, testemunhas morrem, documentos são destruídos, e é preciso preservar a capacidade de a Justiça obter informações no prazo certo, para usá-las mais adiante se for o caso.