política

Eliane Cantanhêde: 'Mudar para quê? Mudar para quem'

O julgamento dessa quarta-feira do Habeas Corpus para evitar a prisão do ex-presidente Lula consolidou a percepção de um acordão para tentar “estancar a sangria” e salvar a pele não só de Lula, mas de todo o mundo político envolvido na Lava Jato. A “prova” desse acordão foi a aliança surpreendente, apesar de não inédita, entre três velhos adversários na corte: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello.

Gilmar antecipou seu voto para voar de volta para Portugal e para pavimentar o caminho para Rosa Weber conceder o HC de Lula, dando-lhe o argumento de que não estava em jogo só um HC, mas um decisão de repercussão geral. Rosa é contra a tese de prisão em segunda instância, mas votou contra todos os HC de réus neste caso, com exceção de um, para seguir o entendimento da maioria do plenário em 2016. Derrotada, mas fiel à maioria.

Discretíssima, Rosa fez suspense até mesmo durante seu longo voto e só desfez esse suspense no finzinho da sua leitura. Contra Gilmar, ela considerou que o que estava sendo julgado era um HC concreto, específico, não a mudança geral da norma. Logo, prestigiou de novo o entendimento vigente da maioria.
Marco Aurélio e Lewandowski deram um pulo, mas era tarde demais. Como disse a presidente Carmen Lúcia, Rosa tinha sido claríssima contra o HC e a garantia de liberdade de Lula. Deixou, assim, um placar de 4 a 1 e a perspectiva de derrota de Lula.

“Mudar por quê? Mudar para quem?”. A dúvida manifestada por Luís Roberto Barroso resumiu a longa sessão de ontem e já vinha sendo repetida por Carmen Lúcia e pelo relator da Lava Jato, Edson Fachin, argumentando que o tribunal já votou três vezes a prisão em segunda instância, a última vez em 2016, e não houve fato novo nenhum que justifique uma revisão tão prematura.

A conclusão, sobretudo na subjetiva “sociedade”, seria de que o Supremo Tribunal Federal da República estaria mudando seu próprio entendimento para favorecer um único réu todo poderoso, ou seja, rendendo-se à força política de Lula e às pressões de seus aliados, que se autointitulam “de esquerda”.

Desse no que desse, porém, havia duas certezas dentro e fora do plenário do Supremo. A primeira é que qualquer resultado geraria fortes reações. A segunda é que a guerra para livrar Lula e os políticos da Lava Jato continua. E vai longe.


Luiz Carlos Azedo: A rosa e a náusea

Lula está inelegível, todas as tentativas de desmoralizar o juiz federal Sérgio Moro fracassaram. Esse é um sinal de que nenhum político enrolado na Operação Lava-Jato estará acima das leis

“Um inseto cava / Cava sem alarme / Perfurando a terra / Sem achar escape / Que fazer, exausto / Em país bloqueado / Enlace de noite / Raiz e minério? / Eis que o labirinto / (oh razão, mistério) / Presto se desata: / Em verde, sozinha / Antieuclidiana / uma orquídea forma-se.” Esse poema de Carlos Drummond de Andrade se chama Áporo, faz parte da coletânea de poemas A Rosa do Povo, publicada em 1945. São poesias marcadas pela II Guerra Mundial e o Estado Novo, mas que transcendem àquele momento e ao lirismo social da época.

Na Rosa do Povo, o indivíduo aparece fragmentado, perturbado por seus dilemas pessoais, mas engajado nas questões sociais. Drummond também brinca com as palavras, pois áporo, que denomina um inseto, também é usado na filosofia e na matemática como um problema sem solução, uma espécie de beco sem saída. É uma espécie de continuação de outro poema, intitulado a Flor e a náusea: “Não, o tempo não chegou de completa justiça / O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera / O tempo pobre, o poeta pobre / Fundem-se no mesmo impasse / Em vão me tento explicar, os muros são surdos / Sob a pele das palavras há cifras e códigos / O sol consola os doentes e não os renova / As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase / Uma flor nasceu na rua!”

O voto da ministra Rosa Weber no julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi como a flor que nasceu no asfalto. Todas as pressões políticas sobre o Supremo Tribunal Federal, desde a Páscoa, convergiram para ela, cuja posição parece uma esquizofrenia jurídica para o cidadão comum. A ministra é a favor do princípio de que a prisão deve obedecer ao chamado “transitado em julgado” nas quatro instâncias do Judiciário, porém, como existe uma jurisprudência determinando a execução imediata da pena após a condenação em segunda instância, desde 2016 (quando se firmou esse entendimento na Corte), tem rejeitado todos os habeas corpus nesses casos, fiel ao decidido pela maioria dos seus colegas. Assim, recusou o habeas corpus de Lula. Não aceitou a tese de que a decisão era de repercussão geral, ou seja, que discutia-se o princípio e não o caso específico, tese também rechaçada em plenário pela presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia.

Foi um banho de água fria nos ministros liderados por Gilmar Mendes (que mudou seu posicionamento anterior), que esperavam a formação de uma nova maioria, contra a prisão de Lula, condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com execução imediata da pena. Rosa Weber rechaçou a tese da defesa de que o Superior Tribunal de Justiça havia errado ao indeferir o pedido. Seguiu os votos dos ministros Edson Fachin, o relator, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e foi acompanhada por Luiz Lux, todos favoráveis à rejeição do habeas corpus. Gilmar Mendes havia proposto uma solução “intermediária”: a execução da pena se desse após condenação em terceira instância, ou seja, pelo STJ.

Lava-Jato
O ministro Dias Toffoli insistiu na tese de que a decisão deveria ter repercussão geral, mas já era voto vencido no julgamento; de igual maneira, Ricardo Lewandowski. Faltavam ainda votar os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, o decano da corte, ambos favoráveis ao habeas corpus. Havia hipótese de um pedido de vista, que interromperia novamente o julgamento, como tentavam articular os advogados de defesa, entre eles o ex-presidente da própria Corte Sepúlveda Pertence, o que não se concretizou. Ambos votaram a favor do habeas corpus. A tese de Toffoli era a mesma de Gilmar Mendes. Trocando em miúdos, a decisão da maioria do tribunal estava dependendo apenas do voto da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo, que a defesa tentou embargar, sem sucesso. Cármen votou contra. Agora, a prisão de Lula é apenas uma questão de tempo. Sua defesa deve apresentar um novo recurso ao TRF-4. Somente após a rejeição desse recurso, o juiz federal Sérgio Moro, que condenou Lula na primeira instância da Justiça Federal, comunicada a decisão, poderá mandar a Polícia Federal prender o ex-presidente.

Lula está inelegível, todas as tentativas de desmoralizar o juiz federal Sérgio Moro fracassaram. Esse é um sinal de que nenhum político enrolado na Operação Lava-Jato estará acima das leis. “Façam completo silêncio, paralisem os negócios / Garanto que uma flor nasceu / Sua cor não se percebe / Suas pétalas não se abrem / Seu nome não está nos livros / É feia. Mas é realmente uma flor / Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde / E lentamente passo a mão nessa forma insegura / Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se / Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico / É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”.

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Merval Pereira: Maioria de um

O julgamento de hoje no Supremo Tribunal Federal (STF) gira em torno de dois ministros que, pela polarização do plenário, tornaram-se formadores de maiorias ou, como na definição usada nos Estados Unidos, “a maioria de um”.
O ministro Gilmar Mendes é o único dos ministros que mudou de posição desde a votação de 2016, dando a maioria virtual hoje aos que eram contrários à permissão para prisão após condenação em segunda instância.
O falecido ministro Teori Zavascki, que votou a favor da prisão em segunda instância, foi substituído por Alexandre de Moraes, que tem a mesma posição e não alterou a maioria. Já a ministra Rosa Weber, que votou a favor da prisão somente após o trânsito em julgado, tem dado um exemplo de comportamento num colegiado, acatando a maioria que ficou estabelecida naquela votação de 2016.
Dos 28 habeas corpus de condenados em segunda instância que teve de julgar desde então, Rosa recusou 27, mesmo contra sua opinião pessoal. O constitucionalista Gustavo Binenbojm, pela circunstância de fazerem parte de uma Corte radicalmente polarizada, vê uma proximidade entre as experiências da justice Sandra Day O’Connor, a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Suprema Corte dos Estados Unidos da América, e as de Rosa, a terceira mulher em nossa História a integrar o STF.
Como hoje no plenário do STF, por razões distintas, a divisão da Suprema Corte entre juízes republicanos e democratas conduzia as votações a virtuais empates em quatro a quatro, colocando a justice Sandra O’ Connor na posição de decidir sozinha grandes questões nacionais, mesmo quando isso significava votar contra a posição dos republicanos. Nomeada por Ronald Reagan, foi criticada por ser contrária ao aborto e acabou acusada de ser a favor, tal a independência intelectual com que agia. Para Gustavo Binenbojm, certo desapego pragmático a qualquer rigidez dogmática na aplicação do Direito transformou O’Connor em swing vote, ou seja, no voto decisivo em inúmeras votações importantes.

Não há no Brasil, como se pode atestar nas principais votações, pelo menos a partir do mensalão, a identificação político-partidária da maioria dos ministros do STF nos mesmos moldes norte-americanos, o que depõe a favor da nossa Corte. Basta ver que na votação de hoje do habeas corpus para o ex-presidente Lula, pelo menos metade dos votos que se supõe sejam dados contra ele virá de ministros nomeados na era petista. E o próprio Gilmar Mendes se valeu de sua posição favorável a Lula para dizer que não pode ser acusado de ser petista.
O constitucionalista Binenbojm define nosso cenário como mais complexo e nuançado, além de marcado por um sério problema de instabilidade jurisprudencial e insegurança jurídica. Essa polarização, analisa ele, coloca Rosa Weber na posição de swing vote: embora tenha votado no julgamento das ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) pela impossibilidade de execução provisória da pena na condenação em segunda instância, tem denegado quase todos os habeas corpus a pacientes nessa situação, “curvando-se, respeitosamente, ao entendimento da maioria de 6 a 5 formada no julgamento preliminar das ADCs”.
À semelhança da atuação de Sandra O’Connor, a Rosa não parece exercer a judicatura vinculada por laços de lealdade aos interesses do grupo político que a nomeou para o STF, ressalta Binenbojm. Ele considera que o fato de ser uma juíza do Trabalho de carreira a deixa à vontade para fazer escolhas doutrinárias sobre questões constitucionais sem o peso de uma vida dedicada matéria.
Por saberem dessa independência é que ministros que querem mudar a jurisprudência tentarão hoje fazer com que o julgamento do habeas corpus de Lula seja considerado “de repercussão geral”, transformando-se em um caso abstrato em que o mérito estará em julgamento, e não o caso concreto de Lula.
Rosa Weber se sentiria à vontade, nesse caso, para reafirmar sua posição contra a prisão em segunda instância. No caso concreto, ela seria incoerente pela primeira vez diante de um habeas corpus, desistindo de seguir a maioria que ainda prevalece no plenário do Supremo.
A manobra dos que querem mudar a jurisprudência aproveitando-se do caso de Lula é difícil de realizar, pois seria preciso que os dois relatores, Edson Facchin e Marco Aurélio, entrassem em um acordo nesse sentido. Mas uma contramanobra pode surgir, assim como foi uma surpresa a ministra Cármen Lúcia ter colocado o habeas corpus de Lula em julgamento, para evitar que Marco Aurélio pedisse que as ADCs fossem julgadas antes.
A presidente do STF pode antecipar-se e marcar o julgamento das ADCs para mais adiante. Dessa maneira, o plenário terá que enfrentar o caso de Lula sem subterfúgios. E Rosa terá a oportunidade de manter sua coerência. Seja como for, o julgamento do HC impõe a Rosa a responsabilidade de decidir. Na visão de Binenbojm, “a democracia brasileira depende da maioria de um”.

Luiz Carlos Azedo: Depois do julgamento

Alguém já disse que os extremos se encontram. O problema é quando eles se juntam para desestabilizar o processo democrático. A história está cheia de exemplos dessa ordem

Nunca o Supremo Tribunal Federal (STF) motivou tantas manifestações populares e atos de protesto; normalmente, os alvos das mobilizações são o Congresso, em votações importantes, e o Executivo, em razão de medidas impopulares. É o julgamento de um polêmico pedido de habeas corpus preventivo, interrompido ao meio numa manobra prosaica — dois ministros alegaram que não poderiam perder o avião —, que provoca a radicalização do cenário político nacional, com manifestações em todo o país. Estão até sendo tomadas medidas para impedir o acesso de manifestantes à Praça dos Três Poderes.

O STF abriu exceção ao julgar o pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal das 4ª Região (TRF-4), com execução imediata da pena. É uma situação inédita na República, cuja tradição de não julgar integrantes da elite política em exercício de mandato, protelando os julgamentos até prescreverem, é secular. Esse histórico de impunidade começou a ser contrariado no julgamento do Mensalão. E estava sendo erradicado pela Operação Lava-Jato.

Ocorre que a delação premiada dos executivos da Odebrecht teve os efeitos da “Teoria do Caos”: uma pequena mudança no início de um evento qualquer pode trazer consequências enormes e absolutamente desconhecidas no futuro. A amplitude da delação levou à formação de uma ampla coalizão de lideres políticos do governo e da oposição que operam nos bastidores, diretamente ou através de seus advogados, para interromper “a sangria” da Lava-Jato. A expressão é do líder do governo, Romero Jucá, em conversa gravada pelo ex-senador Sérgio Machado, que também fez delação premiada, e está causando a maior celeuma por que foi citada por certo personagem da série O mecanismo, de José Padilha, sucesso do canal de cinema a cabo Netflix. Lula meteu a carapuça e os petistas resolveram boicotar a série.

Mas voltemos ao tema do título. Não importa o poder de mobilização de um lado ou outro hoje e amanhã, o que interessa é o julgamento do habeas corpus, que colide com decisão anterior do Tribunal Superior de Justiça e a própria jurisprudência do Supremo, favorável à execução da pena após julgamento em segunda instância. Lula dispõe de um salvo-conduto que impede sua prisão, porque o julgamento foi interrompido.

Há três possibilidades. A primeira é um ministro pedir vista, o julgamento ser interrompido novamente, e Lula continuar solto, fazendo caravanas pelo país para protestar contra as decisões judiciais e forçar a barra para ser candidato a presidente da República. É quase uma chicana, mas é do jogo regimental. Lula está inelegível por causa da Lei da Ficha Limpa, uma emenda constitucional que não pode ser alterada pelo Supremo. Entretanto, a jurisprudência pode.

Segunda possibilidade: vamos supor que o habeas corpus seja negado. Acredita-se que essa decisão depende da ministra Rosa Weber, que discorda da jurisprudência mas tem tomado decisões respeitando o entendimento consagrado na Corte, até agora, quanto à execução da perna em segunda instância. Lula iria para a cadeia, o PT faria um grande esperneio, mas teria que arranjar outro candidato a presidente da República. Jair Bolsonaro (PSL-RJ) assumiria a liderança da disputa eleitoral, mas sem a polarização anterior, o que possibilita o surgimento de uma candidatura ao centro.

O terceiro cenário é a concessão do habeas corpus, o que implicaria na revisão da jurisprudência. O passo seguinte de Lula seria tentar o registro de sua candidatura em caráter provisório, enquanto aguarda a revisão da condenação criminal pelos tribunais superiores, ou seja, uma candidatura sub judice. Nesse caso, dificilmente surgirá uma alternativa ao centro, a polarização Lula versus Bolsonaro se consolidará.

Poder moderador

Alguém já disse que os extremos se encontram. O problema é quando eles se juntam para desestabilizar o processo democrático. A história está cheia de exemplos dessa ordem, na Europa e na América Latina. Aqui no Brasil já passamos por momentos dessa natureza. O STF foi inexoravelmente arrastado para o olho do furacão da crise ética. Bem ou mal, os políticos deram uma resposta à crise do governo Dilma Rousseff, que perdeu o controle da economia e sustentação do Congresso. Mesmo no caso das denúncias contra o presidente Michel Temer, que foram rejeitadas pela Câmara, a solução política não desestabilizou as instituições do país.

Agora, a situação é mais grave. Dependendo da decisão que tomar, o Supremo agravará o cenário de radicalização política. Há todo um debate sobre o princípio da presunção da inocência e o transitado em julgado, mas a verdade é que o julgamento em curso é casuístico demais. A Corte até aqui atuou como poder moderador e moralizador na crise. Agora, corre o risco de perder essa condição.

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Merval Pereira: A sociedade se mexe

A proposta que está sendo esboçada de um pacto político para garantir a realização de eleições em clima de tranquilidade esbarra no cumprimento da lei. Não é aceitável um pacto que pressuponha a anistia a políticos, de que partido forem, que estejam condenados ou sendo investigados por crimes que não são de opinião, mas crimes comuns de corrupção.
Um pacto político deste nível não seria nada além do que aquele grande acordão proposto nas negociações espúrias grampeadas, onde o senador Romero Jucá mostrava-se ansioso por “estancar essa sangria”, referindo-se à Operação Lava-Jato.
A tentativa de bloquear as investigações através da mudança da legislação em vigor é o que está mobilizando mais uma vez a sociedade civil, organizada ou não, nos protestos marcados para hoje em mais de cem cidades brasileiras. A ideia é “iluminar as trevas sobre o Supremo Tribunal Federal” com lanternas dos celulares e fazer uma invocação ao STF.
A tentativa é promover um show democrático, como já visto em manifestações populares como espetáculos de rock ou jogos de futebol, mas nunca em mobilizações de rua. Estão programadas manifestações em pelo menos quatro outros países: nos EUA, na praça da Universidade Harvard; no Chile, diante da embaixada brasileira em Santiago; no Reino Unido e na Itália, na entrada dos consulados do Brasil nas capitais.
A disputa já começou ontem, com a entrega de manifestos contra e a favor da prisão em segunda instância, que é o que está em jogo na sessão de amanhã do plenário do Supremo. O esquema de segurança vai separar os manifestantes na Esplanada dos Ministérios, como aconteceu em outras ocasiões, já que o ambiente político acirrado não permite a convivência dos contrários.
A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, decidiu enviar uma mensagem aos cidadãos por meio da TV Justiça, em que defende a democracia brasileira dos ataques que vem sofrendo: “Gerações de brasileiros ajudaram a construir uma sociedade que se pretende livre, justa e solidária. Nela não podem persistir agravos e insultos contra pessoas e instituições pela só circunstância de se terem ideias e práticas próprias”.
“Diferenças ideológicas não podem ser inimizades sociais. A liberdade democrática há de ser exercida sempre com respeito ao outro. A efetividade dos direitos conquistados pelos cidadãos brasileiros exige garantia de liberdade para exposição de ideias e posições plurais, algumas mesmo contrárias”.
“Repito: há que se respeitar opiniões diferentes. O sentimento de brasilidade deve sobrepor-se a ressentimentos ou interesses que não sejam aqueles do bem comum a todos os brasileiros. A República brasileira é construção dos seus cidadãos. A pátria merece respeito. O Brasil é cada cidadão a ser honrado em seus direitos, garantindo-se a integridade das instituições, responsáveis por assegurá-los.”
O tom do pronunciamento de Cármen Lúcia dá bem a gravidade do momento, mas parece inócuo diante do que se arma no Tribunal que preside, para transformar o julgamento do habeas corpus a favor de Lula em uma ação subjetiva e não objetiva, isto é, tentar fazer com que uma mudança de jurisprudência com efeito vinculante altere o entendimento do Supremo sobre a prisão em segunda instância, em vez de ser apenas uma decisão sobre o caso individual do ex-presidente.
No entendimento do ministro Gilmar Mendes, durante o julgamento o STF pode ir além dele e mudar o entendimento geral sobre o cumprimento da pena. “No plenário, o Tribunal pode fixar nova orientação em qualquer processo”. O que o ministro Gilmar Mendes explicitou em uma declaração a Míriam Leitão ontem já estava sendo tramado há dias, pois os ministros que querem mudar o entendimento da Corte temem serem vistos como protetores do ex-presidente, pretextando estarem defendendo uma tese em abstrato.
Os protestos que vêm acontecendo desde aquela sessão do Supremo, na qual os ministros concederam a Lula um salvo-conduto para não ser preso após a decisão do TRF-4, e as manifestações marcadas para hoje demonstram claramente que a sociedade não está disposta a acatar silenciosamente essa manobra jurídica.

Gaudêncio Torquato: A nova policromia social

A competição este ano deverá se valer de pactos e compromissos que candidatos e partidos assumirão com uma sociedade mais organizada 
As eleições deste ano terão como um dos seus pilares a articulação com a sociedade. Diferentemente de pleitos passados, conduzidos pelas tradicionais lideranças políticas, a competição este ano deverá se valer de pactos e compromissos que candidatos e partidos assumirão com uma sociedade mais organizada. Os grupamentos sociais reivindicam, apontam caminhos, numa mobilização centrípeta (das margens para o centro da política), mudando a feição centrífuga (do centro para a sociedade organizada).
Uma força emergente se origina nesses grupos, formando uma “nova classe” que abriga segmentos do empresariado médio, principalmente do setor terciário, em fase de expansão; nichos de comércio de cidades polos; servidores públicos; correntes de trabalho voluntário e núcleos religiosos, acenando com mensagens de esperança e renovação. A polarização entre extremos ainda continuará com suas militâncias, mas é visível a vontade geral de buscar o “elemento novo”, perfis e propostas factíveis.
Em Assim falou Zaratustra, Nietzsche radiografa o estado de espírito da disposição social emergente: “novos caminhos sigo, uma nova fala me empolga; como todos os criadores, cansei-me das velhas línguas. Não quer mais, o meu espírito, caminhar com solas gastas”. O fato é que o sapato esburacado da elite tradicional é abandonado, junto com a linguagem de instituições que parecem caducas, como a Fiesp e seus patinhos amarelos, as centrais sindicais sugando as tetas do Estado, ou os partidos bolorentos dominando feudos estatais. Novas motivações acendem a chama social.
O que se constata é a saturação das formas de operação política e o esgotamento dos velhos líderes. A política carece de oxigênio, o que explica a ascensão de figuras menos identificadas com a “parede cheia de bolor”. Nova consciência se instala. Partidos tradicionais perdem substância ante o declínio das ideologias e a extinção das antigas clivagens partidárias. O antagonismo de classes esmaece. A expansão econômica, a diminuição do emprego no setor secundário e sua expansão no setor terciário estiolam a força das grandes estruturas de mobilização sindical e negociação. A defesa corporativa ganha força na micro-política, nas demandas de setores, regiões e comunidades.
A democracia representativa começa a ser praticada também pelo universo de entidades intermediárias – associações, sindicatos, grupos, movimentos. Perfis que chamam a atenção são os funcionais-assépticos, descomprometidos com esquemas corrompidos. A impopularidade dos políticos combina com sua roupa desgastada.
O povo já não suporta a sensação de que estamos sempre recomeçando. Daí o desânimo, o descrédito, a frustração – e ele se refugia em entidades que acolhem suas expectativas. A mulher e o jovem querem mais destaque. Há uma nova policromia social no cenário político. E apenas uns poucos a enxergam.
*Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação

Arnaldo Jordy: Quem quer justiça no Brasil?

A entrevista do juiz Sérgio Moro no programa Roda Vida, da TV Cultura, nesta segunda-feira, 26, não apenas bateu recordes de audiência e de comentários nas redes sociais, como serviu para relembrar aos brasileiros a importância da operação Lava Jato e do combate à corrupção sistêmica para o país. Essa chaga é responsável por desvios que chegam a 220 bilhões por ano, dinheiro que sai dos cofres públicos para os bolsos dos corruptos. Somente as operações escandalosas perpetradas na Petrobras e desvendadas pela Lava Jato causaram prejuízo de seis bilhões aos cofres da estatal.

O dilema que se coloca é muito claro: temos a opção de continuar a apoiar a Lava Jato para o bem do Brasil e a recuperação da sua imagem, ou concordamos que somos tolerantes a corrupção e iremos afundar cada vez mais na barbárie, no vale-tudo, no desprezo às leis e ao Judiciário. Nesse caso, vamos passar a achar normal que um gerente da Petrobras devolva 98 milhões de dólares após ser flagrado pelas investigações, ou que uma grande empreiteira como a Odebrecht tenha um departamento estruturado apenas para pagar propina, não só no Brasil, como também no exterior, onde suas operações fora da lei já foram responsáveis pela queda de um presidente, Pedro Pablo Kuczynski, do Peru, que renunciou após escândalo de compra de votos com dinheiro da empreiteira brasileira.

Ao admitir sua culpa e renunciar, Kuczynski mostrou muito mais dignidade do que políticos brasileiros envolvidos até o pescoço com a corrupção, mas que insistem em fingir que são vítimas, ao invés de fazer a necessária autocrítica e deixar o caminho livre para que a justiça seja feita, pelo bem do país.
É inaceitável a pressão sobre o Supremo Tribunal Federal para que reveja a regra da prisão em segunda instância. É bom salientar para os desavisados que desde o Código Penal de 1941 prevalece a regra da prisão em segunda instância, que veio até 2009, quando se decidiu pela prisão em última instância, por conta do mensalão. A partir de 2016 se restabeleceu a regra original da prisão em segunda instância. É preciso lembrar que 191 dos 194 países da ONU adotaram a prisão em primeira ou segunda instância, entre eles, França e Estados Unidos, berços de democracias duradouras e estáveis.
Alterar isso por um casuísmo eleitoral, para beneficiar um candidato que corre o risco de ser preso, de fato avilta o Judiciário. Infelizmente, essa pressão parte não só de fora, mas também de dentro da Corte. É também uma pressão a favor da impunidade para o andar de cima, para o criminoso de colarinho branco, que sempre se beneficiou da lentidão do grau recursal da Justiça no Brasil, onde quem tem bons advogados dificilmente vai para a cadeia.
Sem falar que a revisão esdrúxula dessa regra tiraria da cadeia centenas de condenados que já cumprem pena após condenação em segunda instância, também na área criminal, incluindo pedófilos e assassinos. Seria a celebração da impunidade e a volta de uma regra que permitiu a protelação de prisões de condenados até a prescrição do crime ou a chegada do criminoso a uma idade avançada, que o impede de pagar pelos seus crimes na cadeia, como vimos agora com Paulo Maluf, que, logo no começo da sua pena, ganhou direito a prisão domiciliar, por questões humanitárias, porque já tem 86 anos.
Concordo com o juiz Sérgio Moro quando ele diz que a mudança da jurisprudência sobre prisão em segunda instância seria um retrocesso terrível para os avanços da operação Lava Jato, responsável por 188 condenações contra 123 pessoas, que somam 1.861 anos e 20 dias de penas, em um país onde a impunidade para crimes de colarinho branco sempre foi a regra. Em janeiro deste ano, foi divulgado um balanço informando que a Lava Jato já havia condenado, na primeira instância e segunda instância, ao longo de quatro anos, no Paraná e no Rio de Janeiro, um total de 144 pessoas, a maioria delas, 113, em Curitiba, onde atua o juiz Sérgio Moro. O quadro muda de figura quando os denunciados têm foro privilegiado e são julgados pelo STF. Das 100 pessoas incluídas em 36 denúncias da Lava Jato ao STF, nenhuma foi condenada até agora.
Não é a toa que a Lava Jato é aprovada pela imensa maioria dos brasileiros, grande parte dos quais está disposta a ir às ruas para defender a punição dos corruptos, em uma mudança da cultura que sempre privilegiou o jeitinho e as tentativas de se dar bem em tudo. Essa é uma conduta que precisa mudar também no cotidiano de cada um, para o bem do país. Cada um quer pergunte à sua consciência: que justiça queremos no Brasil?

* Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS-PA


Luiz Carlos Azedo: Lembrai-vos de 1964

Caso a investigação resulte em nova denúncia contra o presidente da República, devido à proximidade das eleições, estará criado um quadro de grande instabilidade política

No dia primeiro de abril de 1964, as cidades brasileiras amanheceram com suas praças e ruas mais importantes ocupadas por soldados e tanques. Não era piada. Apoiado por importantes líderes políticos e pelos Estados Unidos, o golpe de Estado durou 21 anos. Somente com a eleição de Tancredo Neves, em 1985, no colégio eleitoral, voltamos à democracia. Sempre é bom lembrar o que aconteceu naquele ano, assim como os militares lembram a tentativa de assalto ao poder dos comunistas em 1935. Nos dois episódios, Luís Carlos Prestes, o lendário líder do movimento tenentista que aderiu ao Cominter, teve grande protagonismo. Foram momentos de irracional radicalização política esquerda versus direita.

Por isso mesmo, é importante refletir à luz da história. Nunca os militares estiveram tão presentes na vida nacional. Seu protagonismo contrasta com o desprestígio, a incompetência e a má fama dos políticos. As Forças Armadas estão em todo lugar, prestando serviços à população na Amazônia, no Nordeste e, agora, no Sudeste, por causa da violência. Segundo as pesquisas, estão entre as instituições mais confiáveis e de maior prestígio do país, em meio à crise ética que afasta o Executivo e o Legislativo da maioria da sociedade. O Supremo Tribunal Federal (STF) está sendo arrastado para o redemoinho da radicalização política, devido ao pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Condenado a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, fosse um cidadão qualquer, já estaria a cumprir pena, mas não pode ser preso porque obteve um salvo-conduto do Supremo. A Corte interrompeu o julgamento do seu caso ao meio porque dois ministros estavam com passagem marcada e não queriam perder o avião. Será concluído na próxima quarta-feira.

Trancos e barrancos
O cenário não é mais grave porque o país saiu da recessão e as instituições, aos trancos e barrancos, ainda funcionam. O governo federal mantém certa capacidade de governança, tem base parlamentar majoritária no Congresso, mas não tem a menor chance de reverter os desgastes causados pelas denúncias contra seus integrantes, a mais recente no círculo de amigos mais próximos do presidente Michel Temer. Caso a investigação resulte em nova denúncia contra o presidente da República, devido à proximidade das eleições, estará criado um quadro de grande instabilidade política. Ainda mais diante da radicalização do processo eleitoral, que ameaça descambar para a violência política, tal o fanatismo dos partidários do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), homem assumidamente de extrema-direita, e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que insiste em manter sua candidatura, mesmo sabendo que a Lei da Ficha Limpa o impede de concorrer à Presidência.

Só não vê quem não quer. Estão sendo criadas as condições para uma intervenção militar, que seria aplaudida por parcela expressiva da maioria da população. Alguns dirão: o golpe de 1964 foi resultado da guerra fria e da intervenção do imperialismo norte-americano. Não, apesar disso, o golpe era evitável. O país tinha eleições marcadas para 1965 e Juscelino Kubitschek era franco favorito na disputa, mas a esquerda considerava sua volta ao poder um retrocesso. O problema não eram os governadores da Guanabara, Carlos Lacerda, ou de Minas, Magalhães Pinto, que articularam o golpe. Prestes articulava a candidatura de Jango à reeleição, era uma saída golpista para a crise política. O marechal Castelo Branco deu o golpe primeiro.

“A verdade é filha do poder. Nós, militares, nunca fomos intrusos na história”, disse certa vez o ex-ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves, aos 94 anos. O general liderou a retirada em ordem do poder e a volta dos militares aos quartéis, onde permanecem. Até agora, em meio à crise ética, os militares estão demonstrando mais compromisso com a Constituição de 1988 do que a maioria dos nossos políticos. Oxalá o Supremo não decepcione a sociedade.

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Míriam Leitão: O dia que inventou a noite

Falsificadores de passado inventam virtudes para a ditadura de 64

Foi exatamente há 54 anos que começou a noite de 21 anos sobre o Brasil. Hoje, mais de meio século depois, o país que guarda mal sua memória é vulnerável aos falsificadores de passado e vai se espalhando a ideia de que foi um tempo sem corrupção, com segurança e com crescimento econômico. Não é verdade, na ditadura houve corrupção sem apuração e crise econômica.
É triste ter que recontar os ocorridos daqueles anos do regime militar como se fosse preciso ainda convencer de que houve o que houve. Tortura, morte, desaparecimentos políticos, exílio, censura, cassação de mandatos de parlamentares pelo crime de opinião, aposentadoria forçada de ministros do Supremo e catedráticos, proibição de que estudantes frequentassem a universidade, suspensão do direito de reunião e manifestação, anulação do habeas corpus e de outros direitos constitucionais, fim das eleições diretas para presidente, governadores e prefeitos das principais cidades. Era um tempo horrível.
Hoje há um esforço deliberado de se reescrever esse passado com mentiras para convencer os jovens de que aquele foi um tempo de paz interna, contestada apenas por alguns poucos “comunistas”. Há um grupo que inclusive escolheu como seu líder o torturador símbolo Brilhante Ustra, proclamado herói de certo candidato. Houve recentemente até um assessor do candidato que propôs que as versões do torturador e de seus torturados são equivalentes. Qual dos dois lados falou a verdade? Perguntou. Ora, ora. É preciso poupar-se de todos os fatos ocorridos para ter essa dúvida, inclusive a evidência de que 40 dos torturados morreram no Doi-Codi de São Paulo comandado por Ustra. Se morreram, não foi por bons tratos.

É triste ter que voltar mais de meio século e recontar a história como a história foi, para ter que lutar de novo contra a narrativa dos militares daquele tempo construída com censura à imprensa. Deveríamos estar inteiramente dedicados a pensar o futuro e a superar os muitos desafios do presente. Nossa democracia é imperfeita, passa por crises e isso cria o ambiente fértil para se edulcorar esse passado, desprezível em todos os aspectos.
Na democracia ideal muita coisa que nos acontece hoje não deveria estar ocorrendo. Não haveria tiros ou pressões contra a caravana de um candidato, como acaba de acontecer com Lula. As decisões da Justiça seriam entendidas como decisões da Justiça, e não como golpe. O foro privilegiado não deveria ser o escudo no qual bandidos se abrigam. Não se discutiria se um condenado em dupla instância deveria ou não cumprir pena. Não haveria cenas de pugilato verbal no Supremo. Principalmente não ocorreria o assassinato de uma jovem e promissora vereadora no mesmo centro do Rio, onde, na ditadura, foi morto o jovem Edson Luís há 50 anos.
Em qualquer democracia há divisões. É da natureza das democracias serem cheias de diversidade. O pensamento único só cabe numa ditadura em que as vozes discordantes são caladas pela violência política. Mas é doloroso ver que os debates naturais se transformaram em agressões grotescas entre grupos que têm projetos e versões diferentes. Mas será na democracia que corrigiremos seus erros e temos tido muitos progressos, como o de, pela primeira vez na história, o país estar enfrentando a corrupção com extrema coragem.
O dia 31 de março, há 54 anos, inventou uma noite que durou duas décadas. Nela não era possível divergir, combater os crimes de poderosos, protestar contra a crise econômica. No começo da década de 1980, nos últimos anos daquela noite, o Brasil estava quebrado, com dívida externa impagável, em recessão, desemprego alto, a inflação subia estimulada pela correção monetária criada nos governos militares. Foi a democracia que tirou o país desse buraco, desarmou a bomba inflacionária, renegociou e pagou a dívida. Precisou de 10 anos para superar esse difícil legado. Nos anos seguintes, a democracia se dedicou a resgatar brasileiros da pobreza extrema.
Os dias podem nascer nublados, chuvosos ou ensolarados. Mas é neles que o país construirá o futuro. Mesmo que pareça tão desconcertante e difícil o tempo atual. A noite, aquela noite, passou. E tem que ficar no passado.
* Foi o ministro Celso de Mello que votou pela prisão domiciliar de Jorge Picciani, e não Ricardo Lewandowski.

Mario Sergio Cortella: Páscoa, comunismo, política e democracia no #ProgramaDiferente

Filósofo, escritor, professor e doutor em Educação, Mario Sergio Cortella fala com exclusividade ao #ProgramaDiferente sobre a Páscoa, a relação entre os princípios da religião e do comunismo, o atual momento da democracia e a crise política no Brasil. Assista.


Luiz Carlos Azedo: Tiros na noite

Depois da revelação de que a família do ministro do STF Edson Fachin,sofreu ameaças, os tiros contra o ônibus da caravana de Lula  fornecem ingredientes de um thriller policial às eleições presidenciais

 

O escritor norte-americano Dashiell Hammett (Maryland, 27 de maio de 1894; Nova York, 10 de janeiro de 1961) abandonou a escola com 14 anos e passou a trabalhar como mensageiro, entregador de jornal, escriturário, apontador de mão de obra e estivador na Filadélfia e Baltimore, até completar 20 anos, quando foi trabalhar na Agência Pinkerton de detetives. Em 1918, alistou-se no Corpo de Ambulâncias do Exército; voltou tuberculoso da guerra, tentou retomar a antiga profissão de detetive, mas acabou escritor de histórias policiais. Entre um porre e outro, foi o criador do noir americano, o gênero literário que surgiu nas revistas e jornais populares, a partir de contos e folhetins.

Autor de Seara vermelha (1929), O falcão maltês (1930), A chave de vidro (1930), Mulher no escuro (1933) e Continental OP (1945), Hammett trabalhou para o cinema em Hollywood. Na década de 1930, conheceu Lillian Hellman, jovem escritora e líder feminista, uma paixão até a morte. Ao lado de John dos Passos, Ernest Hemingway e Arthur Miller, entre outros intelectuais norte-americanos, destacou-se na luta contra o nazismo nos EUA, que somente entrou na II Guerra Mundial em 1941, após o ataque japonês a Peal Harbor, no Havaí. Hammett se alistou novamente e serviu como sargento do exército americano.

Homem de esquerda, o escritor foi vítima da “caça às bruxas” promovida pelo senador Joseph McCarthy no início da década de 1950. Não colaborou com a comissão que investigava atividades supostamente subversivas na indústria cinematográfica, foi preso e incluído na lista que impedia os artistas de trabalharem em Hollywood. Hammett morreu doente e frustrado, mas deixou uma legião de seguidores.

“Estava imóvel — os olhos amarelos acinzentados sonhadores —, quando ouviu o grito. Era um grito de mulher, agudo e estridente de terror. Spade estava atravessando a porta quando ouviu o tiro. Era um tiro de revólver, amplificado, reverberando pelas paredes e pelos tetos”, seus contos inspiram cenas recorrentes no cinema, como no clássico Um tiro na noite, de Brian de Palma, de 1981.

O sonoplasta Jack Terry (John Travolta) prepara a trilha sonora de um filme B sobre assassinatos em uma universidade. Na gravação de um áudio, em local ermo, salva a mocinha (Nancy Allen) de um acidente automobilístico. Ao resgatá-la, Jack descobre que ela estava em companhia do governador George McRyan (John Hoffmeister), um dos candidatos à Presidência dos EUA. Depois do incidente, na conferência do material sonoro, constata que o acidente pode ter sido um crime encomendado; percebe que o som do estouro do pneu, na verdade, era de um tiro de revólver.

Lava-Jato
Depois da revelação de que a família do ministro relator da Operação Lava-Jato, Edson Fachin, sofreu ameaças, os tiros disparados contra o ônibus da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fornecem ingredientes de um thriller policial às eleições presidenciais. Só foram descobertos por causa dos buracos de bala. Os tiros precisam ser investigados, tal qual nas histórias noir.

Condenado em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, Lula desafia a Justiça e força a barra para manter a candidatura a presidente da República, com uma retórica de radicalização política no gogó e um salvo-conduto do Supremo Tribunal Federal nas mãos, enquanto aguarda a conclusão do julgamento de seu polêmico pedido de habeas corpus pela Corte, suspenso porque dois ministros não poderiam perder o avião. Seu adversário, Jair Bolsonaro (PSL), como já reiteramos, com discurso truculento e reacionário, retroalimenta a radicalização. É um ambiente que começa a sair do controle, como a segurança pública no Rio de Janeiro.

No Brasil, até agora, não houve atentados ou mortes na Operação Lava-Jato. Aparentemente, todos os envolvidos são pessoas de índole pacífica. Nem um pouco parecida com a dos responsáveis pelo assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSol), há duas semanas, executada com quatro tiros na cabeça, logo após sair de uma reunião de mulheres negras, supostamente uma resposta à intervenção federal na segurança pública daquele estado.

Na Itália, a Operação Mãos Limpas, deflagrada em fevereiro de 1992, com a prisão de Mario Chiesa, que ocupava o cargo de diretor de instituição filantrópica de Milão (Pio Alberto Trivulzio), em dois anos, resultou em 2.993 mandados de prisão e 6.059 pessoas sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros. Mas houve 12 suicídios e os juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino foram assassinados pela máfia.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-tiros-na-noite/


Míriam Leitão: As dúvidas da Justiça

O ministro Gilmar Mendes disse que pedófilos e traficantes já poderiam ser presos mesmo antes da decisão, de 2016, de prisão após condenação em segunda instância, porque se admitia “a prisão provisória sempre que justificada”. Contesta o que disse o juiz Moro sobre o risco de possível mudança no STF. Sendo assim, se houver mudança no Supremo será benefício endereçado aos condenados por corrupção?
Essa é a dúvida que fica. Se os outros criminosos continuarão podendo ser presos, após a condenação em segunda instância, então por que esta discussão agora?
O ministro avisou que discorda do que o juiz Sérgio Moro disse ao Roda Viva e que reproduzi na coluna de ontem. Moro contou que em menos de dois anos a 13ª Vara Federal executou ordem de prisão de 114 condenados em segunda instância. Número bastante expressivo se for considerado que se refere apenas a uma única vara. São condenados pelos mais variados crimes: 12 são da Lava-Jato e de casos como tráfico de drogas, peculato e pedofilia. Gilmar argumenta que o entendimento do STF de 2009, que estabelecia o cumprimento da pena só após a última instância, já autorizava a prisão nesses casos.
— A propósito, pedófilos, traficantes e outros ficavam presos pela jurisprudência de 2009, pois ali se admitia a prisão provisória sempre que fosse justificada, sempre que presentes os pressupostos da prisão provisória — disse o ministro.
O ministro registrou dois casos em que houve isso. Um deles, um condenado a 44 anos por tráfico de drogas, pena que foi reduzida para 38 anos.
— A prisão está devidamente justificada pois o paciente é o responsável pelo transporte da droga e pela liderança de membros de organização criminosa — disse o ministro Gilmar.
O outro, também condenado por tráfico de drogas, apanhado com quase uma tonelada de maconha e cuja pena foi de 11 anos em regime inicial fechado. Gilmar disse que manteve a prisão porque havia risco de “reiteração delitiva”.
Esses casos mostram na verdade o acerto da decisão de prisão após a condenação em segunda instância, e não o contrário. Porque terão que ser analisados caso a caso os que poderão cumprir pena. E os políticos certamente terão a vantagem da tramitação prolongada dos processos.
Aliás, esta foi uma semana dos benefícios para alguns. Ganharam no STF os deputados Jorge Picciani, Paulo Maluf, o senador Romero Jucá e o ex-senador Doméstenes Torres. Cassado pelo plenário do Senado em 2012, e sem direitos políticos até 2027, Demóstenes recebeu do ministro Dias Toffoli uma liminar que permitirá que ele se candidate.
O ex-senador foi acusado de receber vantagens indevidas do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Em 2016, a Segunda Turma do STF considerou ilegais as escutas da Polícia Federal durante a Operação Monte Carlo, porque elas não foram autorizadas previamente pela corte e teriam que ser porque Demóstenes tinha foro privilegiado. Como as provas foram anuladas, o ministro Toffoli devolveu a Demóstenes o direito de se candidatar já nas eleições deste ano. O advogado do ex-senador, Pedro Paulo Medeiros, explicou que, se as gravações foram consideradas ilegais, é como se elas nem tivessem existido.
Ontem, Toffoli também mandou para a prisão domiciliar o ex-deputado Paulo Maluf, que se queixou de dores nas costas na prisão. Maluf trocará o presídio da Papuda pela sua luxuosa residência nos Jardins, em São Paulo. Quem também ganhou prisão domiciliar foi o ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio Jorge Picciani, que também alegou motivos de saúde. Segundo a defesa, ele tem câncer de próstata e não recebe os cuidados devidos na prisão. Toffoli concordou e foi seguido por Ricardo Lewandowski. A divergência ficou com o ministro Edson Fachin, voto vencido.
Romero Jucá conseguiu escapar de uma das muitas denúncias que pesam contra ele. Por unanimidade, a Segunda Turma rejeitou a acusação de ter recebido propina do empresário Jorge Gerdau. Segundo a procuradoria, ele teria favorecido o grupo com alterações em MPs que tramitavam no Congresso.
Aumentam os temores de que esteja se formando uma verdadeira operação de desmonte de tudo o que o Brasil construiu nos últimos anos na luta contra o crime dos poderosos.