política

Luiz Carlos Azedo: Vinte minutos

Aécio é acusado de pedir propina de R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, dono da J&F, em troca de favores políticos; e também de tentar atrapalhar o andamento da Operação Lava-Jato

Uma conversa pelo telefone volatilizou o projeto político do senador Aécio Neves (PSDB-MG) — “tudo o que é sólido se desmancha no ar” —, iniciado há 32 anos, sob a proteção de um dos políticos mais hábeis, probos e sagazes da história republicana, o presidente Tancredo Neves, que faleceu antes de tomar posse. Seu sonho era resgatar o mandato do avô e se tornar presidente da República. Por unanimidade, os cinco ministros da primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber e Alexandre de Moraes, admitiram a abertura de processo contra o tucano por corrupção; por 4 votos a 1, por obstrução de Justiça, graças ao voto contrário de Moraes.

Aécio é acusado pela Procuradoria-Geral da República de pedir propina de R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, dono da J&F, em troca de favores políticos; e também de tentar atrapalhar o andamento da Operação Lava-Jato. Uma conversa de 20 minutos entre os dois foi gravada pelo empresário. Agora, o tucano é mais um político seriamente enrolado na Operação Lava-Jato, embora sustente que o pedido de dinheiro a Joesley era uma operação pessoal: “Não houve dinheiro público envolvido, ninguém foi lesado nessa operação. O que houve foi uma gravíssima ilegalidade, no momento em que esses empresários, réus confessos de inúmeros crimes, associados a membros do Ministério Público, o que é mais grave, tentaram dar impressão de alguma ilegalidade em toda essa operação, repito, privada, para se verem livres dos inúmeros crimes que cometeram”, disse o tucano em entrevista logo após a decisão.

A aceitação da denúncia era pedra cantada até para o advogado de Aécio, Alberto Zacharias Toron: “Não vejo como um revés. Como nós dissemos e como disse o ministro Luiz Fux, com muita propriedade, neste momento, a decisão se faz pró-sociedade. Então é um momento muito peculiar do processo penal. Na dúvida, não se decide a favor do réu, se decide a favor da sociedade. É isso que o Supremo Tribunal Federal, por sua primeira turma, entendeu. Portanto, vamos aguardar o desenvolvimento do processo”. Como todo político, Aécio acredita em ressurreição: “Não esmorecerei enquanto não provar minha inocência. Vou fazê-lo em respeito à minha vida pública, à minha família e aos milhares de brasileiros, e especialmente mineiros, que confiaram em mim durante 32 anos de mandatos consecutivos”.

Até a divulgação do acordo de delação premiada da JBS, Aécio Neves era a bola da vez na disputa pela Presidência da República. Derrotado por Dilma Rousseff no segundo turno das eleições de 2014, praticamente bateu na trave, com 51 milhões de votos (48,36%). Com o impeachment de Dilma Rousseff, do qual foi um dos artífices, seria um candidato natural às eleições deste ano, com a vantagem de não ter que enfrentar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Pau que dá em Chico dá em Francisco”, como disse o ex-procurador-geral da Republica Rodrigo Janot. Aécio caiu na armadilha de Joesley Batista, em condições ainda piores do que as do presidente Michel Temer, que também foi gravado, em conversa tête a tête no Palácio do Jaburu, mas que dá margens a dúvidas quanto à interpretação de seu teor por causa do formalismo institucional, enquanto a do tucano escandaliza pela linguagem mundana, completamente fora do padrão que ele próprio utiliza nas conversas em público.

Lava-Jato

Com a decisão de ontem, já são seis os senadores enrolados na Lava-Jato: Agripino Maia (DEM-RN), Fernando Collor (PTC-AL), Gleisi Hoffmann (PT-PR), Romero Jucá (MDB-RR) e Valdir Raupp (MDB-RO), além de Aécio. As investigações derivadas do escândalo da Petrobras também tiraram da disputa presidencial o senador José Serra (PSDB-SP) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; quase levaram de roldão o presidente Michel Temer, que escapou de duas denúncias na Câmara e aguarda uma terceira a qualquer momento, mas fazem de seu governo um dos mais impopulares da história. Sobra também para o ex-governador Geraldo Alckmin, que deixou o Palácio dos Bandeirantes para ser candidato a presidente da República, mas não consegue decolar. O tucano não está na Lava-Jato, mas responde à denúncia de uso de caixa dois na Justiça Eleitoral.

A Lava-Jato fez um strike na elite política do país, que ficou desarvorada. Esta é uma variável poderosa do processo eleitoral: a corrupção, ao contrário de eleições passadas, ocupa o primeiro lugar entre as grandes preocupações da população, desbancando a saúde, a educação, a segurança e até o desemprego. O resultado é a roleta-russa na qual se transformou as eleições para a Presidência de outubro próximo, na qual se destacam Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede), Joaquim Barbosa (PSB), Ciro Gomes (PDT) e Álvaro Dias (Podemos). A histórica polarização entre tucanos e petistas ainda não pode ser descartada, mas, para que isso ocorra, tanto Alckmin quanto o substituto de Lula, provavelmente o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad ou o ex-governador baiano Jaques Wagner, terão que desencabular e se livrar do estigma da Lava-Jato.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-vinte-minutos/


Eliane Cantanhêde: Ao deus-dará

Alckmin está espremido entre Joaquim, a novidade, e Bolsonaro, que bate no teto

Todo dia aparece um presidenciável novo, Henrique Meirelles, João Amoêdo, Flávio Rocha, Guilherme Boulos, Manuela d’Ávila... Mas nenhum deles embaralhou o tabuleiro da eleição como o recém-chegado Joaquim Barbosa. O foco está nele.

Mas, afinal, que apito Joaquim toca? Ele é de esquerda, direita ou centro? Está preparado para combater a crise fiscal? Na verdade, ninguém sabe, ele continua calado, longe da campanha e contando com uma aura que anima amplos setores da classe média escolarizada e pode vir a encantar a baixa renda.

O PSB, já tão rachado, tem de correr atrás de recursos, tempo de TV e palanques estaduais. A questão é saber de onde virão esses reforços, já que Joaquim não é político, nunca teve partido nem fez campanha e não se sabe o que pensa. Esses fatores atraem eleitores, mas afastam aliados políticos.

A história de Joaquim é tão emocionante quanto a de Lula, de menino negro que saiu de um lar modesto, estudou, passou em concursos de ponta e virou ministro e presidente do Supremo. Mas que chance ele tem de levar o apoio do PT e de Lula? Joaquim presidiu a fase final do julgamento do mensalão, que expôs as entranhas do governo Lula e levou o mito petista José Dirceu à prisão.

Para o eleitorado, Joaquim é um símbolo do combate à corrupção e abriu caminho para o juiz Sérgio Moro e a Lava Jato. Para o PT, que um dia monopolizou a bandeira da ética na política, ele é o algoz do partido. Sem o PT, ele não levaria, ou não levará, PCdoB, PSOL e os aliados MST e MTST. E quem à direita ou ao centro lhe daria base e sustentação?

A direita está com Bolsonaro, que bateu no teto de 17% no Datafolha, e o centro vai de mal a pior, com muitos nomes lançados e nenhum convincente. Basta olhar para Geraldo Alckmin: governador do principal Estado, candidato de um dos três maiores partidos, com recall da eleição de 2006, mas não sai do lugar. Ou não empolga.

Como é possível que Alckmin, com todos esses fatores a seu favor, esteja embolado com Joaquim, que nem assumiu ainda a candidatura? E com Ciro Gomes, que já começou com “pescotapas” antes mesmo de entrar na campanha? E os espaços de crescimento para o tucano parecem bloqueados.

No Norte, Alckmin enfrenta uma resistência ao PSDB que vem desde as sistemáticas críticas tucanas à Zona Franca de Manaus. No Nordeste, bate de frente numa muralha petista que não cede nem com a prisão de Lula. No máximo, o eleitor subiu no muro e os índices de brancos e nulos dispararam para em torno de 35%.

E as regiões mais simpáticas e acessíveis ao PSDB não são mais as mesmas. No Sul, o paranaense Álvaro Dias, ex-tucano, capitaliza a decepção com Aécio Neves, que deve se tornar réu hoje no STF. No Centro-Oeste, Bolsonaro tem não apenas intenção de votos como até um exército voluntário financiando e distribuindo outdoors e adesivos de carros. Uma campanha de geração espontânea.

Resta a Alckmin o Sudeste, onde Joaquim vai crescer. Rio é bagunça. São Paulo, que deu 66% de aprovação ao tucano em 2006, agora dá 36%. E Minas derrotou o mineiro Aécio no primeiro e no segundo turnos de 2014 e é outro Estado onde Bolsonaro chegou para ficar. Ou seja, Alckmin está espremido entre Bolsonaro e Joaquim. E, se não for ele, quem capitaneará o “centro”? Até agora, ninguém sabe, ninguém viu.

Odebrecht. Em mensagem à coluna, a defesa de Marcelo Odebrecht nega que ele tenha dito que transformou a empreiteira em “banco de operações estruturadas”. Sim, mas é o que se deduziu quando ele disse ao juiz Sérgio Moro que a Odebrecht mantinha uma conta exclusiva para Lula. Quem mantém conta para cliente não é banco?

 


Míriam Leitão: Incertezas até o voto

Faltam 173 dias para as eleições, e ainda não se sabe quem estará na urna. Mesmo assim a pesquisa do fim de semana do Datafolha mostra alguns pontos importantes. Geraldo Alckmin tem um baixo nível de intenção de votos para quem já governou por quatro vezes o maior colégio eleitoral do país. O ex-ministro Joaquim Barbosa teve boa pontuação para quem nunca concorreu e ainda nem definiu sua candidatura.

O ex-presidente Lula continua o favorito em qualquer cenário em que esteja, mesmo caindo de 37% para 31%. No meio, entre uma e outra pesquisa, ele foi preso e subiu o número dos que acham que ele não será candidato. Dentro do PT, havia quem tivesse expectativa de que ele crescesse ao ser preso, por uma reação da população. Lula transformou a exposição, que seria só negativa, em comício e mobilização. Caiu na pesquisa, mas permanece líder de qualquer cenário em que esteja.

O que é difícil de medir é o seu potencial de transferência de votos. Dos entrevistados, 30% dizem que com certeza votariam numa pessoa apoiada por Lula e 16% dizem que talvez votassem. Entre seus apoiadores, o índice dos que seguem a sua indicação chega aos dois terços. Mesmo assim, tanto Jaques Wagner quanto Fernando Haddad, que podem ser esse candidato, têm um percentual mínimo, de 2% a 3%, de intenção de voto. Nenhum dos dois é visto como o candidato que pode vir a ter o apoio de Lula. No comício antes de ir para a prisão, Lula falou pouco de Fernando Haddad, não citou o ausente Jaques Wagner, e destacou Manoela D’Ávila e Guilherme Boulos. Mas para o eleitorado consultado ele ainda não tem herdeiro. Quem de fato cresce na perspectiva de Lula não ser candidato, em todos os cenários, é Marina, seguida de Ciro.

Jair Bolsonaro teve um ligeiro aumento na pesquisa espontânea, para 11%, o que é um excelente número para espontânea, porém nas simulações de segundo turno ele não lidera cenário algum. Perderia de Lula e de Marina e aparece empatado com Ciro e Alckmin.
A campanha oficialmente não começou, mas alguns candidatos a fazem ruidosamente e nas barbas de uma Justiça Eleitoral inerte. Os dois que mais fizeram campanha, como se não houvesse impedimento legal, foram exatamente Lula e Jair Bolsonaro. Lula tratou a campanha como parte da sua estratégia de defesa.

Marina tem estado consistentemente com boa pontuação nas pesquisas apesar de ter tido anos de pouca exposição. Ciro Gomes também esteve por muito tempo longe dos holofotes. Mesmo assim tem pontuação igual à de Alckmin que esteve até dias atrás à frente do governo de São Paulo, endereço de 22% do eleitorado.

O presidente Michel Temer e o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles não saem do 1%, apesar da força da máquina e do que apresentam como legado a defender. Eles apostam na ideia de que a economia poderá carregar o candidato governista. Há vários problemas com essa ideia. A economia de fato melhorou. O país estava numa queda de 3,5%, e agora o que se discute é se estamos num ritmo de 2,5% ou de 3% de crescimento.

A inflação que chegou a dois dígitos no governo Dilma, está há nove meses abaixo do piso da meta. São vitórias, sem dúvida. O problema é que o desemprego é alto, a recuperação é lenta, a renda está estagnada, a inadimplência ainda aperta as famílias. Quem jogou o país nessa crise foi o governo do PT, e quem está tirando é a equipe de Temer. O problema é que não há ainda a sensação de bem-estar econômico que poderia render voto. O PT aproveitará o tempo que passou desde a queda da ex-presidente Dilma para jogar toda a culpa da crise no atual governo.

O tempo até a eleição é de menos de seis meses, mas a sensação é de que ela ainda está distante pela enorme indefinição que ainda existe sobre quem estará na lista oficial de candidatos. Isso sem falar no fato de que há uma Copa no meio do caminho. A campanha será curta, o dinheiro à disposição dos candidatos, bem menor, pela proibição da doação empresarial e da repressão ao caixa 2. Isso autoriza a esperança de que os truques e os efeitos especiais dos marqueteiros serão menos intensos e, portanto, o grau de manipulação seja menor. Os acontecimentos políticos do país são voláteis, o que eleva ainda mais a incerteza em torno do que acontecerá até o dia do voto.

 


Ricardo Noblat: Em breve, “pesquisa sem Lula é fraude”

 

Para não ser esquecido

Em nome do PT, sua presidente, a senadora Gleisi Lula Hoffmann (PR), protestou contra o fato de o nome de Lula só ter sido testado pela mais recente pesquisa Datafolha em 3 dos 9 cenários pesquisados.

Ora, ora, ora. Não deveria ter sido testado em nenhum. Simplesmente porque Lula foi condenado e está preso. Mesmo se for solto, candidato não será porque virou “ficha suja”. É o que está na lei.

Só falta, em breve, começarmos a ouvir que “pesquisa sem Lula é fraude”. O grito de “eleição sem Lula é fraude” parece ter sido arquivado. Primeiro porque perdeu sua força. Segundo porque o PT disputará a eleição.

Se eleição sem Lula fosse fraude, o PT, no mínimo para ser coerente, não poderia participar dela, por ilegítima. Alguns malucos do partido chegaram a propor isso. Levaram um chega pra lá.

A direção do PT estava convencida de que o espetáculo encenado em São Bernardo do Campo por ocasião da prisão de Lula teria sido mais do que suficiente para convulsionar o país.

E, assim, as futuras pesquisas de intenção de voto registrariam o crescimento de Lula. Não deu certo. Lula caiu seis pontos percentuais no Datafolha. Aumentou o índice dos que acharam justa sua prisão.

O empenho, doravante, é para que Lula permaneça sob os holofotes e possa chegar a agosto com a mesma capacidade atual de transferir votos, beneficiando quem por ele for indicado.

O Datafolha conferiu que um terço dos eleitores de Lula já se bandeou para outros candidatos. Se nada de positivo para Lula ocorrer até agosto, ele deverá perder mais uma fatia dos eleitores que ainda retém.

Eleitor é um sujeito pragmático. Costuma ser. E até lá, Lula possivelmente será condenado em mais um processo. Crescerá a percepção de que ele cometeu de fato crimes. E de que traçou o próprio destino.

Vida que segue.

https://veja.abril.com.br/blog/noblat/em-breve-pesquisa-sem-lula-e-fraude/


Murillo de Aragão: Democracia e instituições no Brasil

Pari passu com o processo de democratização no Brasil temos um processo de institucionalização que corre lentamente, com idas e vindas. A democratização sempre conta com o apoio da mídia e da academia, o que não acontece com a institucionalização. E esse descompasso no tratamento dessas duas questões não tem sido percebido de forma adequada.

A democratização sempre foi vista como um objetivo inexorável e erga omnes a ser atingido pelo País. Já a institucionalização, nem tanto. Qual a razão? Devemos olhar para o nosso passado, tempo em que as relações pessoais eram sempre mais importantes que as relações institucionais.

Mas, ao largo do interesse pontual de se relacionar com os Poderes por meio de conexões pessoais, a fragilidade das instituições no País decorre também da visão esquerdista, uma espécie de software residente da academia e de setores da imprensa para interpretar o Brasil.

O processo de “desinstitucionalizar” o Brasil se dá pelo enfraquecimento das instituições, por sua desmoralização e, também, pelo aplauso ao conflito institucional. Por exemplo, a criação de matérias acadêmicas sobre o “golpe” contra Dilma mostra o viés “desinstitucionalizante” de setores da academia.

Poderiam estudar, por exemplo, a desistitucionalização no governo Dilma, em que ministros eram bypassados por secretários e a hierarquia e o federalismo, repetidamente desvalorizados.

Para os esquerdistas mais obtusos, as instituições estão a serviço das classes dominantes. E quando não estão a serviço do seu projeto de poder (das esquerdas), devem ser fragilizadas. Pois, fortalecidas, favorecem o establishment.

Fazendo um exercício básico: a intervenção federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro é uma expressão do governo; o governo é inimigo das esquerdas por ter “derrubado a presidente Dilma Rousseff”; portanto, a intervenção deve ser fragilizada.

O fato de a imensa maioria da imprensa e da academia acreditar que os políticos são corruptos e a política é corrompida favorece a tese de que nada que venha do mundo político pode ser considerado legítimo. Mesmo que tenha amplo apoio popular.

Por isso qualquer iniciativa que fortaleça o establishment não interessa. Pois trabalha contra duas teses em voga: a total – e utópica – renovação da política e a volta do mundo esquerdista ao poder.

A desmoralização das instituições é amplificada por um vício de destacar o veneno e não a cura. Não cultivamos a reflexão a ponto de destacar que o governo e as instituições não são necessariamente e o tempo todo “do mal”. O que reflete um grave desconhecimento da sociedade sobre a necessidade da política.

Para tristeza dos marxistas, as teorias são frequentemente desmoralizadas neste recanto tropical. As instituições no Brasil não estão a serviço dos poderosos nem das classes dominantes.

As instituições, numa sociedade fraca como a nossa, estão a serviço dos próprios interesses daqueles que as controlam. E como o Estado é mais poderoso do que a sociedade, as classes dominantes são as corporações de burocratas. Cuja narrativa de fortalecimento do Estado visa, acima de tudo, fortalecer o domínio dessas corporações sobre o Estado e, por conseguinte, sobre a sociedade.

Daí vivermos sob o jugo do corporativismo de auxílios-moradia, seguros odontológicos, férias e recessos prolongados, aposentadorias precoces, sistemas diferenciados de aposentadoria, auxílio-paletó, burocracia excessiva, precariedade de serviços públicos e sistema tributário caótico, entre outros desvios.

A desmoralização das instituições também ocorre quando, no afã de atender a pressões midiáticas, se tomam decisões “não institucionais”, vulnerando a lei, violando a Constituição, estimulados pelo ativismo judicial. No processo de desmoralização das instituições, consideram-se aceitáveis os excessos do ativismo judicial e as frequentes soluções pela via da judicialização.

O establishment político não é apenas vítima de uma perversa conspiração para enfraquecê-lo e daqueles que submetem as instituições aos interesses das corporações. O comportamento dos políticos e as regras da política também são claramente desinstitucionais ao não combaterem a supremacia do Estado sobre a sociedade e terem promovido relações espúrias do capitalismo tupiniquim com empresas estatais, por meio de doações e propinas. Entre muitos outros desvios.

No Brasil, a Presidência da República também é, por excelência, um elemento de desinstitucionalização, por acumular poderes que desequilibram o federalismo e a relação com os outros Poderes.

Da mesma forma, a excessiva autonomia do Ministério Público Federal é um elemento que, sob a justificativa do bem comum, enfraquece as instituições, ao fomentar decisões não apenas transversais, mas com verticalidades que desmontam a hierarquia dentro e entre os Poderes.

Em suma, vivemos um quadro de grande desordem institucional que não é conjuntural. Decorre, como vimos aqui de forma sintética, de vários fatores históricos e estruturais de nosso sistema político.

Porém, ao final de tudo, o que mais espanta é o fato de não existirem grandes questionamentos sobre o tema. Predominam visões que sancionam ou descredenciam os movimentos a partir de interesses, e não de princípios.

No entanto, a construção de uma democracia de verdade impõe instituições fortes que operem dentro de marcos constitucionais e legais claros. Devemos, o quanto antes, retomar o caminho do fortalecimento de nossas instituições.

* Murillo de Aragão é consultor, advogado e cientista político, doutor em sociologia (UNB), é professor adjunto da Columbia University (Nova York)

 


Luiz Carlos Azedo: O racha no Supremo

A novidade do julgamento do pedido de habeas corpus de Palocci foi a adesão do decano da Corte, ministro Celso de Mello, à tese de que a sua prisão cautelar, apesar de longa, deve ser mantida

Começa a se consolidar no Supremo Tribunal Federal (STF) uma maioria favorável a que não se reexamine de imediato a jurisprudência sobre execução da pena de prisão após condenação em segunda instância, tema que deverá voltar à pauta da Corte na próxima semana, a pedido do ministro Marco Aurélio Mello. Esse é o significado da rejeição do pedido de habeas corpus do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, que foi o responsável pelo caixa dois da campanha à reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff, e está preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba.

A novidade do julgamento do pedido de habeas corpus de Palocci foi a adesão do decano da Corte, ministro Celso de Mello, à tese de que a prisão cautelar aplicada ao ex-ministro, apesar de longa, deve ser mantida porque, após a decretação da prisão preventiva e de bloqueio de bens, ele continuou adotando medidas para frustrar a total recuperação dos valores auferidos com o cometimento dos crimes. Dessa vez, a decisão não foi por diferença de um voto, mas por 7 a 4. Acompanharam o relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, seus colegas Antônio de Moraes, Luiz Fux, Rosa Weber e Cármen Lúcia. O grupo “garantista” formado por Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio foi derrotado mais uma vez. Os quatro votaram a favor de soltar Palocci, sendo que Toffoli sugeriu a adoção de medidas cautelares.

O ministro Celso de Mello enfatizou que, no primeiro semestre de 2017, R$ 415 mil foram transferidos dos planos de previdência privada de Palocci para a conta da esposa. Outros fatos e eventos ocorridos após a decretação da prisão cautelar reforçariam ainda mais a necessidade de manutenção da prisão. O ex-ministro da Fazenda, durante seu depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, admitiu a possibilidade de colaborar com as investigações, mas sua “delação premiada” não aconteceu até hoje. Pode ser que a rejeição do habeas corpus modifique essa situação.

A votação sinaliza para o mundo político e a sociedade que a Operação Lava-Jato será uma variável permanente do processo eleitoral deste ano. Aliás, a votação foi precedida de uma nova etapa das investigações, desta vez sobre o desvio de recursos dos fundos de pensão do Serpro, dos Correios e de 16 institutos de previdência municipais, nas quais fica mais ou menos evidente que os esquemas de desvio de recursos continuaram funcionando mesmo depois do início da operação. Várias prisões foram decretadas.

Em outro julgamento, sinais de alinhamento também foram emitidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, em decisão por unanimidade de sete votos. Foi negado o pedido de um candidato a vereador de Cabreúva (SP) para deixar de cumprir pena de prestação de serviços à comunidade com base em condenação por decisão de segunda instância. Os ministros Luiz Fux, presidente do TSE, e Luís Roberto Barroso defenderam a chamada “execução antecipada” da pena.

É um indicativo de que a Corte não aceitará mesmo o registro da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como pleiteia o PT. Foi significativa a ênfase com que a ministra Rosa Weber reiterou seu voto da semana passada contra a concessão de habeas corpus para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso em Curitiba: “Para repetir meu mantra nos últimos dias, eu vou repetir mais uma vez: que, em sede de habeas corpus, onde se examina a legalidade e a abusividade do ato apontado como coator, eu não tenho como assim reputar uma decisão judicial fundada na jurisprudência prevalecente do Supremo Tribunal Federal, ainda que o meu voto não tenha integrado a corrente majoritária.”

Candidatura
Os julgamentos de ontem representaram nova derrota jurídica para a estratégia do PT de caracterizar a prisão de Lula como um atentado à democracia, proclamando suposta inocência, cujo viés é fundamentalmente eleitoral. Não há como manter essa narrativa sem afrontar as mais altas Cortes do país, entre as quais o Supremo e o Tribunal Superior Eleitoral, ainda que a “fulanização” dos ataques se dê contra o juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba. A radicalização da militância petista tem a ver com o clima emocional estimulado por Lula no período em que permaneceu no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo antes de se entregar à Polícia Federal, o que complica a sua situação nos tribunais.

A transferência da sede da direção nacional do PT para Curitiba, o acampamento montado nas imediações da Polícia Federal e as “visitas” a Lula em Curitiba de altos dirigentes do PT, mesmo sabendo que elas estão proibidas, mostram que há muito de cálculo político para transformar Lula no cabo eleitoral dos candidatos do PT nessas eleições. Nesse quesito, porém, surgem as primeiras fissuras. Os dirigentes históricos da legenda, com mais experiência eleitoral, já começam a debater alternativas à candidatura do líder preso. Ontem, em Curitiba, o ex-governador da Bahia Jaques Wagner questionou a imposição da candidatura do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad aos aliados da frente que o PT pretende criar para disputar as eleições. Segundo ele, para tecer essa frente, é preciso aceitar a ideia de um candidato de outro partido.

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Merval Pereira: Choque de visões

Mais uma vez o Supremo Tribunal Federal explicitou uma disputa interna entre dois grupos com visões distintas do que seja a aplicação do Direito. Uma divisão quase filosófica. O julgamento do habeas corpus do ex-ministro Antonio Palocci acabou mais uma vez em 6 a 5, com a presidente Cármen Lúcia desempatando, e o que estava em jogo era justamente uma visão chamada garantista, que coloca o instrumento do habeas corpus como símbolo da liberdade individual, e a dos consequencialistas, que, sem desmerecer a importância do habeas corpus, consideram que ele não pode ser utilizado para interromper um processo, ou favorecer um condenado a sair da prisão quando isso pode representar um perigo à ordem pública.

Houve ontem uma discussão que reflete bem essas visões de mundo em conflito. O ministro Marco Aurélio disse que o tempo excessivo da prisão provisória de Palocci, cerca de um ano e meio, já era por si só uma razão para dar-se o habeas corpus.

O relator Edson Fachin rebateu a tese, mostrando que os fatos que basearam a prisão, a complexidade do processo, com inúmeras testemunhas espalhadas pelo país, e uma condenação no meio tempo justificavam plenamente o período que o ministro Gilmar Mendes chama de “alongado” das prisões provisórias da Operação Lava-Jato.

O próprio Gilmar hoje, corroborando com o jargão que o ministro Marco Aurélio cunhou — “tempos estranhos” — disse, às vezes até mesmo emocionado, que se estava criando um novo Direito no país, o “Direito de Curitiba”, que não respeita os direitos dos acusados e favorece o desrespeito ao devido processo legal.

Além de criar condições para práticas corruptas a pretexto de combater a corrupção, citando casos de procuradores envolvidos em acusações de negócios escusos. Outros rebatem que há uma nova ordem querendo surgir no país, e uma velha ordem que resiste com valores e práticas antigas, que não funcionam.

Esta nova ordem corresponderia a uma imensa demanda da sociedade, por integridade, idealismo, patriotismo, uma energia muita explícita nas ruas. A crítica de Gilmar Mendes, mais uma vez, foi também contra o que chama de “imprensa opressiva”, e em todos os votos recentes ele defende que um juiz, especialmente do Supremo, não pode se deixar pressionar pela opinião pública, ou opinião publicada, como gosta de dizer.

Os consequencialistas já veem a questão de outro modo: um juiz não deve decidir de acordo com o clamor público, muito menos em processo criminal, o que não quer dizer que um tribunal constitucional não deva ser capaz de interpretar o sentimento da sociedade e se alinhar a ele sempre que isso seja compatível com a Constituição.

O papel contramajoritário do Supremo, que os garantistas defendem, seria importante nessa outra visão, mas é usado no mundo inteiro muito raramente. O normal é que as decisões da Suprema Corte correspondam aos anseios da sociedade, porque os juízes vêm dessa sociedade e interagem com a população em diversos níveis de contato e incorporam o sentimento do meio social em que vivem.

Nessa perspectiva, o Tribunal se capitaliza porque ele é capaz de interpretar o sentimento da sociedade, e quando tem de ser contramajoritário, tem credibilidade. Na disputa aberta entre esses dois grupos, o ministro Marco Aurélio Mello deu indiretas para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e para o colega Luís Roberto Barroso, lamentando que se vá para o exterior dizer que a Justiça brasileira é seletiva — o que os dois afirmaram em seminários internacionais.

O fato é que plenário está dividido filosoficamente em relação à aplicação do Direito, uma divisão exacerbada pela Operação Lava-Jato. É mais explícita do que em qualquer outro tempo, os consequencialistas, pragmáticos no sentido não pejorativo do termo, querem julgar com base nos fatos, e não em teses idealistas. Não se apegam ferrenhamente a textos literais que podem significar a impunidade, como no caso da disputa entre a prisão em segunda instância e o trânsito em julgado.


Merval Pereira: Sem razão para mudanças

Tendo o ministro Marco Aurélio Mello aceitado o pedido de adiamento feito pelos novos advogados do Partido Ecológico Nacional (PEN), a questão da prisão em segunda instância provavelmente voltará à estaca zero.

Mesmo que a ação não possa ser sustada, a liminar pode, e, ao pedir esclarecimentos ao seu impetrante, o ministro Marco Aurélio demonstra que está preocupado em conhecer as razões do partido que, ao desistir da liminar, criou um fato novo neste processo.

O ministro, mesmo claramente empenhado em rever a decisão de permitir a prisão em segunda instância, está agindo com total imparcialidade ao lidar com essa questão excepcional. Quer se informar melhor para tomar a decisão de levar ou não à mesa a liminar que pede a suspensão de todas as prisões após condenação em segunda instância, até que as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) sejam votadas.

As manobras dos advogados originais do PEN, capitaneados por Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, não surtiram efeito, pois a segunda liminar, em nome de um instituto de advogados que era parceiro na ação original, não foi admitida pelo ministro Marco Aurélio, em mais uma demonstração de que age rigorosamente dentro da lei, sem beneficiar nenhum dos lados.

Do jeito que as coisas vão, fica muito difícil votar uma liminar cujo impetrante nega ter tido a intenção de fazê-lo, mesmo que legalmente a ação seja indisponível, quer dizer, tenha que prosseguir ativa. A vontade do impetrante principal de retirar o pedido fere a credibilidade da liminar e enfraquece seu poder de convencimento dos ministros, inclusive o próprio Marco Aurélio, que não tem nada a ver com a confusão montada pelo Partido Ecológico Nacional (PEN), mas provavelmente sente-se constrangido pela situação criada.

O Supremo Tribunal Federal (STF), que já estava em situação delicada ao ser instado a tratar do mesmo tema que, seis dias antes, decidira em favor da manutenção da jurisprudência atual negando o habeas corpus a Lula, ficará mais constrangido ainda caso mantenha a análise de uma liminar rejeitada pelo próprio impetrante, sejam quais razões forem para que tenha mudado de posição.

Deu-se nesse caso um estranho desentendimento entre o advogado original e o impetrante, um a favor da mudança da jurisprudência em qualquer situação, acusado de favorecer Lula, o outro querendo suspender a discussão do tema por não desejar que interpretem seu ato como um benefício ao ex-presidente.

Pior ainda: os novos advogados do PEN agora anunciam que o partido está a favor da prisão em segunda instância, e renega a própria ADC impetrada. A base do pedido de liminar que está na berlinda é uma suposta nova maioria que já estaria formada no plenário do STF, pela anunciada mudança de posição do ministro Gilmar Mendes, que em 2016 votou pela prisão em segunda instância e declara-se já há algum tempo disposto a adotar a tese do ministro Dias Toffoli de que a prisão possa ser decretada após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A procuradora-geral, Raquel Dodge, defendeu junto ao Supremo que não seja feita nenhuma mudança na jurisprudência, muito menos baseada em uma presunção que pode não ser confirmada. Ao mesmo tempo, na esteira da ministra Rosa Weber, parece haver um movimento no Supremo para manter a jurisprudência atual por mais tempo.

Para se ter uma ideia, quando ela foi mudada em 2009, a composição do plenário havia sido alterada radicalmente, com a nomeação de oito novos ministros entre 2002 a 2006. Mesmo assim, somente em 2009 é que o assunto foi tratado em plenário, mudando o entendimento que vigorava há muitos anos.

Agora, a única alteração que aconteceu na composição do plenário desde 2016, quando a jurisprudência voltou a permitir a prisão em segunda instância, foi a substituição por morte de Teori Zavascki pelo ministro Alexandre de Moraes, que manteve a posição a favor da prisão em segunda instância.

Depreende-se do voto da ministra Rosa Weber que, se na opinião dela e de muitos juristas, a mudança de composição não justifica a mudança de jurisprudência, muito menos uma alteração de voto anunciada por um ministro.

Correção - O eventual fim da possibilidade de prisão em segunda instância não atinge os réus que estão em prisão preventiva.


Jorge Oliveira: O Brasil não se comoveu com a prisão do Lula

Depois de renunciar em agosto de 1961, movido por forças ocultas, o ex-presidente Jânio Quadros, voltou para São Paulo e sobrevoou a cidade demoradamente até o avião descer no aeroporto. No saguão estava a esperá-lo o governador Carvalho Pinto (1959/1963) e mais alguns gatos pingados. Frustrado, Jânio perguntou, surpreso:

- Governador, onde está o povo?

- Que povo, presidente, está de porre? - respondeu o governador diante da irritação de Jânio.

O ex-presidente, “que se deu um golpe”, esperava voltar a presidência nos braços do povo depois de deixar o poder. O diálogo é lembrado pelo jornalista Mauro Ribeiro, autor do livro “Diário de um confinado”, que conta a história do retiro de Jânio Quadros em Corumbá, em 1968, por ordem dos militares, que ele cobriu para a Tribuna da Imprensa.

Esse episódio guarda semelhança com o que aconteceu no último fim de semana, quando o ex-presidente Lula desobedeceu a ordem de prisão do juiz Sérgio Moro e ficou confinado durante 26 horas no prédio do sindicato esperando que o povo aparecesse nas ruas para protestar contra a sua prisão. O que se viu, na verdade, foi a repetição da cena de Jânio. Lá, na porta no Sindicato dos Metalúrgicos, a plateia vermelha era tão manjada de outros carnavais que muitos foram cumprimentados com beijinhos do alto do palanque pelos personagens da ribalta.

Inconformado com a ausência do povo, Lula ainda tentou inflamar seus figurantes vermelhos horas antes da prisão: entrou e saiu do carro para mostrar as televisões que a multidão o impedia de deixar o prédio para acompanhar os agentes da Polícia Federal. No resto do país, os recrutas do Exército Vermelho do Stédeli ainda tentaram uma solidariedade ao ex-presidente à maneira antiga fechando as rodovias com pneus em chama. É uma forma tão velha de protestar que os policiais desinterditam os locais em pouco tempo com pá mecânica. O PT envelheceu nos métodos de fazer protestos. E o seu líder foi esquecido pelo povo, que no domingo, aqui no Rio, encheu às ruas para acompanhar o Botafogo ser campeão.

Os brasileiros não deram muita bola para o circo armado na porta do sindicato. Prova disso é que a Cinelândia e Copacabana, locais simbólicos de manifestações políticas, no Rio, estavam vazios. Em São Paulo, a Avenida Paulista também fechou os olhos para as firulas petistas, enquanto os carros da Polícia Federal desfilavam pelas ruas da cidade conduzindo Lula para cumprir pena em Curitiba. Se Lula queria comoção dos brasileiros, frustrou-se. Contentou-se mesmo com a proteção de antigos companheiros de sindicato e os figurantes do Boulos que deixaram o local horas depois da prisão do líder. Nem mesmo dois expoentes petistas apareceram por lá: Jacques Wagner e o governador petista do Ceará, Camilo Santana. Nenhum outro político de expressão esteve ao lado de Lula.

Acostumado a entourage que o cerca, Lula agora está sozinho, isolado, fechado entre quatro paredes. Os oito seguranças, os carros de apoio, o cartão corporativo ilimitado e outras mordomias a que tem direito como ex-presidente, por enquanto, ficam congelados. Para se ter uma ideia, Lula já gastou 7 milhões de reais do contribuinte desde que deixou o governo. A Dilma, outra privilegiada, só em 2017 torrou R$ 1 milhão e 400 mil reais em passagens para ela e assessores. A soma de despesas dos ex-presidentes, de 1999 para cá, já chega a R$ 36 milhões.

A exemplo de Jânio, Lula também perde a cabeça quando bebe e é capaz de qualquer ato intempestivo. Antes do discurso na porta do prédio do sindicato estava agarrado a uma garrafinha que resistiu largar, contrariando alguns assessores que insistiam em impedir que ele bebesse mais alguns goles antes de se apresentar aos militantes. Portanto, deve-se relevar as agressões dele a Justiça, a mídia, aos procuradores e o incentivo a invasão e a bandalheira que propôs no seu pronunciamento. O Lula sóbrio não é afeito a insultos nem tampouco de instigar atos de violência.

Lula desobedeceu a ordem judicial porque precisava fazer campanha política. Vitimizou-se para se mostrar perseguido e inocente das acusações. E ao se atrasar para se entregar estava consciente de que o seu ato criaria um certo suspense. Indiscutivelmente, a sua reação gerou uma das mais maiores audiências de TV no país. Ora, em um ano eleitoral, Lula soube tirar proveito de uma situação adversa para consolidar seus votos nas camadas mais populares contando a sua história de vida e fazendo um discurso populista para os mais humildes.

Esses mitos populistas, a história registra, não morrem politicamente, pois crava no inconsciente do povão que só ele, somente ele, é o messias salvador. E a bebida, ao contrário do que se pensa, é um instrumento de aproximação com o povão. Então, não se engane, a imagem que mostra o Lula resistindo em largar a garrafinha é também, para ele, um instrumento de campanha.

Então, só para lembrar: mesmo depois de renunciar a presidência da república, depois de um porre, Jânio ainda foi o que quis na política brasileira. Lula, portanto, ainda tem um grande caminho pela frente. E a sua prisão, não se engane, ele vai saber tirar proveito dela lá na frente.

O povão é carente de líder, infelizmente.

 


Sem Lula, esquerda ou se une ou estará fora do 2º turno, diz Lessa

'Neutralização da esquerda' começa com impeachment e acaba com prisão, diz professor

Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo

A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fecha o ciclo de neutralização da esquerda no Brasil.

"Esse processo começou com o impeachment da presidente Dilma Rousseff e termina com o impeachment preventivo de Lula", diz Renato Lessa, professor de filosofia política da PUC do Rio e investigador associado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Para Lessa, se os pré-candidatos da esquerda não compuserem uma frente, há o sério risco de a eleição de 2018 ser disputada entre um candidato de centro-direita e outro de extrema direita.

"Sei que vai predominar a discussão sobre a cabeça de chapa, mas essa visão de curto prazo vai ter que ceder lugar a uma conversa estratégica, ou teremos a perspectiva real de 35% da opinião política não ter expressão nas eleições de 2018, o que é ruim para a democracia".

Folha - Qual é o significado da prisão do ex-presidente Lula?
Renato Lessa - Trata-se de algo gravíssimo, de consequências imprevisíveis. E é um processo que se completa. Cada vez mais perde materialidade o fato inicial que teria levado ao impeachment de Dilma Rousseff, as pedaladas, que eram práticas triviais, embora juridicamente condenáveis, nos governos anteriores.

No contexto de perda de maioria parlamentar de Dilma, isso levou ao impeachment. No entanto, achava-se que esse processo se esgotaria com o impeachment e a virada de governo, a substituição pelo poder do outro grupo. Mas essa manobra para trocar o grupo no poder se completa é com a prisão de Lula.

Pensando historicamente: o governo de Getúlio em 1945 termina não porque Getúlio era um ditador. Ele tinha deixado de ser um ditador, os militares que o apoiaram enquanto ditador o depõem quando ele começa a democratizar o regime. O governo João Goulart acaba do jeito que acabou. E não o governo Lula, mas Lula como personagem político que poderia voltar também sai de cena. É algo para se pensar: como terminam os governos de extração popular no Brasil?
O que se produziu nos últimos dois ou três anos foi um processo de neutralização de um segmento importante da política brasileira, a esquerda.

Em que sentido a esquerda está neutralizada hoje?
Houve um deslocamento do governo de uma maneira heterodoxa e depois a neutralização política do provável sucessor, Lula. São dois impeachments. Esse processo começou com o impeachment da presidente Dilma Rousseff e termina com o impeachment preventivo de Lula. Quebrou o vínculo da esquerda com sua base eleitoral, popular, tirando o principal líder de cena, Lula.

Um aspecto importante desse processo é o eixo Curitiba-Porto Alegre, com um grau impressionante de coordenação. Ao mesmo tempo, do lado do Supremo Tribunal Federal, uma negação de habeas corpus por 6 a 5. É inusitada a mudança da pauta não tratar do caso genérico em primeiro lugar para depois tratar dos casos particulares. Se fosse outra pauta, o resultado era outro, Lula não seria preso, o jogo continuaria.

É um processo obscuro, que produz consequências graves. O país está sendo governado pelo sindicato dos deputados. Os representantes se representam no governo, não representam ninguém por trás deles.

Essa ideia de que justiça se faz com a punição, esses comentários panglossianos de que com a prisão de Lula está garantido o Estado de Direito. É a hegemonia do discurso da limpeza, de prender todo mundo. O brasileiro quer ter um preso para chamar de seu. Ficamos com essa concepção de justiça. Pode continuar com fome, desigualdade, pessoas seis horas por dia no ônibus para trabalhar. Tudo pode. Mas tem que haver lisura.

Quão eficiente foi a manobra de neutralização da esquerda?
Idealmente, configurada a impossibilidade prática da candidatura de Lula e, para mim, já está configurada, é preciso trabalhar com o modelo que os uruguaios têm há bastante tempo, uma Frente Ampla de recomposição da democracia.

Mas o PT aceitaria uma Frente Ampla sem ocupar a cabeça da chapa?
Por isso comecei o raciocínio dizendo idealmente. Seria interessante que o Ciro Gomes conversasse com o Fernando Haddad, a Manuela D'Ávila, e alguém um pouco mais para o centro. A criação de uma frente ampla voltada para a recuperação do ambiente democrático e sinalizando pautas de igualdade social. E Lula deveria deixar uma mensagem de convergência.

Os candidatos desse campo terão de convergir para que algum deles chegue com chance de vitória no segundo turno. Há o risco real de haver um segundo turno entre a centro direita e o inominável, a extrema direita. Na prática, sei que vai predominar a discussão sobre quem vai estar na cabeça de chapa, mas, em algum momento, essa visão de curto prazo vai ter que ceder lugar para uma conversa estratégica, ou então teremos a perspectiva real de 35% da opinião política não ter expressão nas eleições de 2018, o que é ruim para a democracia.

A prisão do Lula sinaliza que todos os políticos podem ser presos, ou há duas velocidades e duas medidas?
Mesmo que continuem a prender políticos, vão ser dois pesos e duas medidas, porque não vão conseguir prender, do outro lado, alguém com a estatura do Lula. Não existe um equivalente que desmonte o campo da centro direita brasileira, que represente um desafio brutal como a neutralização do Lula significa para o campo da esquerda.

Mesmo que a Lava Jato continue, ela vai pegar personagens periféricos, ou governadores como Sergio Cabral, que destruiu o próprio estado. O Aécio Neves não corresponde ao Lula em termos de estatura na organização e ele foi protegido. O próprio presidente Temer, até certo ponto, não é processado porque tem o sindicato dos deputados que garante a sua proteção. E mesmo que vier a perder o foro, sem mandato, o seu processo vai começar na primeira instância e sendo o presidente um especialista jurídico, vai transitar em julgado daqui 50 anos, mesmo se mantiverem a decisão de segunda instância.

Como fica a esquerda com Lula fora do jogo?
A esquerda tem um desafio enorme. Os nomes estão postos "“ Ciro Gomes, talvez Fernando Haddad e, com menor expressão eleitoral, mas com expressão política, a Manuela Dávila. Guilherme Boulos, pelo PSOL, vai numa linha completamente autonomista.

O PSOL tem a perspectiva de colher os despojos, não de cooperar numa frente comum.

Faria sentido esses três nomes conversarem e incluírem elementos de centro mais progressistas. Não sei se todos os tucanos estão satisfeitos com o que está acontecendo, talvez também o campo da Rede. É necessária uma conversa para a recomposição de um campo de centro-esquerda reformista moderno, capaz de dar segurança para a economia, mas, ao mesmo tempo, repor a perspectiva social.
Uma das questões é a dificuldade de encontrar o candidato de centro. Toda vez que se cita o candidato que seria de centro, em qualquer país do mundo, ele seria considerado de direita. Geraldo Alckmin (PSDB) não é de centro, tem valores conservadores. Não é um xingamento, e só uma topografia. Rodrigo Maia (DEM) também.

Qual é o impacto da comoção em torno da prisão do Lula? Qual é a força e durabilidade desse movimento?
Ela vai permanecer durante algum tempo. Mas vai depender muito de como a prisão vai ser feita, quanto tempo Lula vai ficar preso e qual é a capacidade que ele vai ter de falar da prisão, sua relação com o mundo aqui fora. A prisão produz efeitos, mas eles vão aos poucos se incorporando na rotina das pessoas, a menos que ele tenha um operador político aí ativando isso de alguma maneira.

O país hoje tem uma extrema direita aberta, com visibilidade, que representa o resíduo de boçalidade presente no Brasil, mas entrou no sistema político e tem um candidato competitivo. Não acredito que esse candidato vá perder votos porque o Lula vai sair. Esse candidato expressa demônios que estavam no fundo da garrafa e foram destampados a partir do processo de impeachment. Algo que mesmo os líderes do impeachment não imaginavam que pudesse acontecer. Os caciques do PMDB e PSDB não imaginavam que essa subcultura protofascista se disseminasse tanto.

Enquanto isso, não há discussão de uma agenda que precisaria ser discutida na eleição. Ninguém pode negar que a questão da Previdência precisa ser discutida, embora eu discorde da forma como o governo Temer fez isso. Uma boa hora para discutir é uma campanha eleitoral, com conteúdo, não só com marketing político.

Essa discussão não foi levada ao cidadão, tentou se passar essa agenda através de uma mudança heterodoxa no ciclo político.

Apesar de dizerem que Temer mantinha ótimo trânsito com o Parlamento, a mãe de todas as reformas, da Previdência, não vingou, a reforma trabalhista é uma medida provisória que vai vencer daqui a pouco. A única reforma que passou foi o teto de gastos, que fica prejudicado se a da previdência não passar.


Ricardo Noblat: Conivência com crime

Sobre nota do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo

Na tarde do sábado, em São Bernardo do Campo, no entorno da sede do Sindicato dos Metalúrgicos aonde Lula se refugiara para escapar à prisão, foram registrados pelo menos sete casos de hostilidade e agressões a repórteres e profissionais da imprensa que estavam por lá a serviço.

Em Fortaleza, manifestantes a favor de Lula quebraram as portas de vidro da sede da TV Verdes Mares, picharam muros e pintaram o prédio com tinta vermelha. Na noite do mesmo dia, equipes de televisão foram destratadas nas proximidades dos aeroportos de São Paulo e Curitiba.

Houve, como de hábito, notas de entidades e de associações de classes que condenaram “por inaceitável” o uso da força contra trabalhadores como quaisquer outros – é o que somos. Mas uma das notas, pelo seu conteúdo enviesado e pérfido, destacou-se das demais.

O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), repudiou as agressões, como estava obrigado a fazê-lo. Mas disse que “essa situação lamentável” deveu-se também “à política das grandes empresas de comunicação que apoiam o golpe”.

Aproveitou para acusá-las de adotar “uma linha editorial de hostilidade contra as organizações populares”. E frisou: “Para impedir que casos de agressão e tentativas de censura se repitam, é preciso que se retome a democracia, o que só será possível com Lula livre (…)”.

Quer dizer: condenou as agressões e justificou-as ao mesmo tempo. Imputou a culpa por elas a agressores e a agredidos. E condicionou o fim dos ataques à mudança da linha editorial das empresas de comunicação, à retomada da democracia e à libertação de Lula.

Absurdo, extemporâneo, abusivo para dizer o mínimo. Para dizer o que de fato é: conivência com crime. Ou agressão deixou de ser crime, não importa contra quem?


Eliane Cantanhêde: 'Mudar para quê? Mudar para quem'

O julgamento dessa quarta-feira do Habeas Corpus para evitar a prisão do ex-presidente Lula consolidou a percepção de um acordão para tentar “estancar a sangria” e salvar a pele não só de Lula, mas de todo o mundo político envolvido na Lava Jato. A “prova” desse acordão foi a aliança surpreendente, apesar de não inédita, entre três velhos adversários na corte: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello.

Gilmar antecipou seu voto para voar de volta para Portugal e para pavimentar o caminho para Rosa Weber conceder o HC de Lula, dando-lhe o argumento de que não estava em jogo só um HC, mas um decisão de repercussão geral. Rosa é contra a tese de prisão em segunda instância, mas votou contra todos os HC de réus neste caso, com exceção de um, para seguir o entendimento da maioria do plenário em 2016. Derrotada, mas fiel à maioria.

Discretíssima, Rosa fez suspense até mesmo durante seu longo voto e só desfez esse suspense no finzinho da sua leitura. Contra Gilmar, ela considerou que o que estava sendo julgado era um HC concreto, específico, não a mudança geral da norma. Logo, prestigiou de novo o entendimento vigente da maioria.
Marco Aurélio e Lewandowski deram um pulo, mas era tarde demais. Como disse a presidente Carmen Lúcia, Rosa tinha sido claríssima contra o HC e a garantia de liberdade de Lula. Deixou, assim, um placar de 4 a 1 e a perspectiva de derrota de Lula.

“Mudar por quê? Mudar para quem?”. A dúvida manifestada por Luís Roberto Barroso resumiu a longa sessão de ontem e já vinha sendo repetida por Carmen Lúcia e pelo relator da Lava Jato, Edson Fachin, argumentando que o tribunal já votou três vezes a prisão em segunda instância, a última vez em 2016, e não houve fato novo nenhum que justifique uma revisão tão prematura.

A conclusão, sobretudo na subjetiva “sociedade”, seria de que o Supremo Tribunal Federal da República estaria mudando seu próprio entendimento para favorecer um único réu todo poderoso, ou seja, rendendo-se à força política de Lula e às pressões de seus aliados, que se autointitulam “de esquerda”.

Desse no que desse, porém, havia duas certezas dentro e fora do plenário do Supremo. A primeira é que qualquer resultado geraria fortes reações. A segunda é que a guerra para livrar Lula e os políticos da Lava Jato continua. E vai longe.