política

Luiz Carlos Azedo: Truco no Jardim do Éden

O ministro-relator Edson Fachin está em minoria na Segunda Turma do STF e perde quase todas as votações, embora conheça profundamente as investigações e os processos da Lava-Jato

O truco é muito popular entre paulistas e goianos. Apesar de parecer simples, é um jogo de cartas que exige muita astúcia e possui diferentes táticas, o que complica a vida dos iniciantes. A primeira delas é manipular o adversário. Para isso, o bom jogador precisa ser agressivo, fazer o máximo possível para intimidá-lo. O jogador truca gritando, com objetivo de assustar e prejudicar o desempenho do concorrente durante o resto da disputa. Outra tática importante é escolher bem o parceiro. É preciso ter confiança e química para que possam se comunicar com um olhar. Quando o parceiro é perfeito, metade do jogo está ganho. Conhecer a ordem das cartas também é fundamental para não trucar na hora errada. E, finalmente, ter confiança em si mesmo, para convencer os demais jogadores de que suas cartas são as melhores, mesmo que não sejam. Por isso, o bom jogador nunca reclama do jogo que tem nas mãos, mesmo quando ele é fraco. Se blefar com convicção, ganha o jogo.

A sessão de ontem da segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) foi como uma partida de truco bem jogada. Por 3 votos a 2, essa turma (chamada de Jardim do Éden pelos advogados) decidiu retirar trechos da delação de executivos da construtora Odebrecht que envolvem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da alçada do juiz Sérgio Moro, do Paraná, enviando esses depoimentos para a Justiça Federal de São Paulo. Os ministros Antônio Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes concluíram que as informações dadas pelos delatores da Odebrecht sobre o sítio de Atibaia e sobre o Instituto Lula não têm relação com a Petrobras e, portanto, com a Operação Lava-Jato. Votaram pela manutenção o relator da Lava-Jato, Edson Fachin, e o decano da Corte, Celso de Mello.

Segundo Toffoli, Lewandowski e Mendes, não há razão para os depoimentos dos delatores serem direcionados a Moro, que é o responsável pela Lava-Jato na primeira instância da Justiça Federal. Essa interpretação pode ter sérias consequências para a Operação Lava-Jato, em especial para os processos aos quais responde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sua defesa, que considera Moro “um juiz de exceção”, já anunciou que fará um pedido para retirar da Justiça Federal do Paraná os processos aos quais o ex-presidente responde. Tanto a força-tarefa da Lava-Jato quanto o juiz federal foram pegos de surpresa e ainda não se pronunciaram sobre a decisão.

Há uma profunda divergência de entendimento entre a maioria da segunda turma do STF e o Ministério Público Federal, uma vez que a delação premiada da Odebrecht tem origem no esquema de corrupção da Petrobras investigado pela força-tarefa da Operação Lava-Jato. Acontece que o ministro-relator Edson Fachin está em minoria na turma e perde quase todas as votações, embora conheça profundamente o andamento das investigações e os autos dos processos da Lava-Jato. O recurso de Lula estava sendo analisado desde março, quando o ministro Toffoli pediu vista e interrompeu o julgamento. Ao retomá-lo, encaminhou o voto que mudou o rumo do processo. O julgamento só não foi relâmpago (durava 20 minutos) porque aguardou o ministro Gilmar Mendes, que estava viajando, chegar ao STF, para desempatá-lo, num voto curto e grosso.

O bem e o mal
A segunda turma é chamada de Jardim do Éden pelos advogados por causa da maioria “garantista” formada pelos três ministros, que votam em bloco. Todas as decisões são na direção de circunscrever a Lava-Jato e conceder habeas corpus, ao contrário da primeira turma, apelidada de “Câmara de Gás” pelos advogados dos réus, porque joga mais duro com os acusados e manda prendê-los. No Jardim do Éden, segundo o relato judaico-cristão, por ordem divina, o homem podia comer os frutos de todas as árvores, exceto os da árvore do conhecimento. Ao desobedecer essa ordem e comer esse fruto proibido, Adão e Eva conheceram o bem e o mal, e do pecado nasceu a vergonha e o reconhecimento de estarem nus.

Os teólogos debatem muito o significado dessa passagem bíblica. Todas as questões morais eram objetivas e não subjetivas. Havia uma moralidade absoluta. Alguém poderia fazer a coisa errada, mas a escolha estaria clara. A árvore cria uma confusão moral. Comer da árvore seria confundir o certo e o errado. Quando Adão e Eva comem da árvore, porém, os sentidos se tornam mais poderosos do que o intelecto e cada pessoa se sente com poderes para decidir por si mesma entre o certo e o errado, e a confusão moral entra no mundo.

A propósito do certo e do errado, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve a condenação do ex-governador Eduardo Azeredo (PSDB) em segunda instância a 20 anos e um mês de prisão. A defesa do tucano pedirá embargos declaratórios, mas isso não muda mais a sentença, e pode recorrer a tribunais superiores. De acordo com a denúncia, o mensalão tucano teria desviado recursos para a campanha eleitoral de Azeredo, que concorria à reeleição ao governo do estado, em 1998. Ele nega envolvimento nos crimes.

 

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-truco-no-jardim-do-eden/

 


Eliane Cantanhêde: Pulga atrás da orelha

Ao tornar Demóstenes Torres elegível, o STF lança uma boia para salvar candidatura Lula?

Dúvida atroz: por que o Congresso não reagiu ao Supremo Tribunal Federal, quederrubou a inelegibilidade do ex-senador Demóstenes Torres, cassado e tornado inelegível pelo Senado? E a independência entre os Poderes?

Há a suspeita de que Demóstenes foi beneficiado pelo Supremo para abrir caminho para outros políticos que estejam ou venham a estar inelegíveis. Por exemplo, Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba. Se vale para Demóstenes, pode valer para outros. Se vale para outros, por que não para Lula?

Em 2012, o plenário do Senado cassou o mandato e tornou Demóstenes inelegível por 8 anos após o fim da atual Legislatura, ou seja, até 2027. Entretanto, a Segunda Turma do Supremo (a boazinha) acaba de manter a cassação do atual mandato, mas derrubando a inelegibilidade. Estranho, não é?

Procurador do Ministério Público de Goiás e acusado de ser uma espécie de funcionário de luxo do bicheiro Carlinhos Cachoeira no Senado, Demóstenes continua cassado, mas com direito a se candidatar em outubro de 2018. A Segunda Turma alegou que as provas contra ele haviam sido anuladas, porque ele tinha foro privilegiado e não poderia ser grampeado sem autorização do Supremo. E, se foram anuladas, está também anulada a inelegibilidade. Mas mantida a cassação (?!).

É o samba do Brasil doido e vale destacar que os votos para devolver a elegibilidade de Demóstenes foram, primeiro, uma liminar do ministro Dias Toffoli, acompanhado depois na turma por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. O resultado foi por 3 a 2, com votos contrários dos ministros Celso de Mello e Edson Fachin.

“Estamos indo de encontro à decisão do Senado Federal”, disse Fachin com todas as letras, ao discordar de Toffoli, Gilmar e Lewandowski – que, aliás, presidiu a sessão do impeachment de Dilma Rousseff no Senado, que criou uma nova forma: cassação do mandato, mantida a elegibilidade. Ninguém entendeu nada, a não ser que houve um acordão entre as forças políticas, articulado pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros, e ratificado pelo então presidente do Supremo – o próprio Lewandowski.

Se a Segunda Turma do STF agora desautoriza uma consequência natural da cassação de Demóstenes (a inelegibilidade), por que senadores e deputados não se impregnaram de indignação e de brios institucionais para reclamar e clamar por autonomia?

Por que os atuais presidentes do Senado, Eunício Oliveira, e da Câmara, Rodrigo Maia, não questionaram a decisão da Segunda Turma – agora do próprio Supremo –, alegando interferência entre Poderes? A resposta parece constrangedora, mas é razoavelmente simples: porque assim como “pau que dá em Chico dá em Francisco”, também funciona o contrário: decisões pró-Demóstenes hoje podem muito bem ser pró-Lula amanhã e depois, consolidadas, de todos os implicados que tenham se tornado inelegíveis.

A diferença entre Lula e Demóstenes, neste caso, é que o ex-presidente está automaticamente tornado inelegível pela Ficha Limpa, depois de condenado por um colegiado, o TRF-4. Se, e quando, ele registrar sua candidatura, ela será alvo de questionamento e a chapa deverá ser indeferida pela Justiça Eleitoral.

Quanto a Demóstenes, ele foi cassado em 2012 e tornado automaticamente inelegível com base na Lei Complementar 64, de 1990, que estabelece causa e efeito: cassado, o político se torna inelegível por 8 anos.

Lula é ficha-suja, Demóstenes caiu na Lei 64, mas o fato é um só: assim como houve um jeitinho para Dilma e outro para Demóstenes, por que não haveria um para Lula e para sabe-se lá quantos depois? A Lava Jato não está com uma, mas com várias pulgas atrás da orelha.


Merval Pereira: Todo cuidado é pouco

Amanhã pode ser armada uma tempestade perfeita no Supremo Tribunal Federal, quando estarão em julgamento dois temas delicados para o futuro institucional do país. É provável que não haja tempo para tratar dos dois assuntos na mesma sessão, ou outra circunstância impossibilite o julgamento de um deles, mas é sempre bom ficar alerta.

Trato da votação do fim do foro privilegiado da maneira como o conhecemos hoje, que já tem oito votos favoráveis e foi liberada para a pauta depois de um pedido de vista do ministro Dias Toffoli que durou cinco meses, e da nova Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) apresentada pelo PCdoB com o intuito de abrir a porta da cadeia para o ex-presidente Lula. Outra ação, aquela que o Partido Nacional Ecológico (PEN) tentou retirar, também está pronta para ser votada.

Embora o ministro Marco Aurélio já tenha anunciado que levará a ação à mesa para votação do plenário, não é mais certo que o fará, pois essa iniciativa do PCdoB ficou muito marcada como uma manobra para favorecer Lula, desde a propositura de um partido político satélite do PT quanto pelo patrono da ação, o advogado Celso Antônio Bandeira de Mello, empenhado há muito tempo em denunciar o que chama de arbitrariedades do juiz Sergio Moro e dos procuradores de Curitiba.

Caso o tema vá a votação no plenário amanhã, não é certo que se confirme a nova maioria que é apontada na ação como sua justificativa. Isso porque, mesmo que o ministro Gilmar Mendes mude seu voto de 2016, como vem apregoando, de a favor da prisão em segunda instância para apoiar o início do cumprimento da pena só após condenação no Superior Tribunal de Justiça (STJ), não é certo que outros ministros apoiem a nova ação, seja porque ela ficou muito caracterizada como um caso específico a favor de Lula, quanto pela necessidade de manter a jurisprudência atual por mais tempo, dando segurança jurídica às decisões do STF, como defende a ministra Rosa Weber.

Já a questão do fim do foro privilegiado nos termos em que ele hoje está colocado, a maioria já está formada em favor da visão de que ele só se aplica a casos acontecidos durante o mandato, e por causa dele. Essa nova versão do foro, proposta pelo ministro Luís Roberto Barroso, já tem oito votos favoráveis, e caso nenhum ministro mude de opinião, deve ser aprovada. Como se sabe, um ministro pode mudar de opinião até a proclamação do resultado, que só acontece ao final da votação.

Há, porém, uma questão de conflito de poderes que pode provocar mais uma vez a paralisação da discussão. O Congresso também está estudando um Proposta de Emenda Constitucional (PEC) sobre o tema, que é muito mais abrangente que a do Supremo. Pela proposta que estava tramitando, o foro privilegiado acabaria para todos que o detém hoje, cerca de 50 mil servidores públicos, inclusive os próprios ministros do STF. Somente os chefes de Poderes teriam direito a ele.

A discussão no Congresso foi paralisada pela intervenção na segurança pública do Rio, pois nesse período é proibido mudar a Constituição. Como em tese a intervenção terminará em dezembro, só depois disso será possível retomar a discussão.

É provável que outro ministro peça vista do processo, justamente para dar tempo ao Congresso de legislar sobre o tema. A aprovação do fim do foro privilegiado é um avanço institucional, mas se combinada com uma eventual decisão de colocar um fim na permissão para o início do cumprimento da pena após condenação em segunda instância, se tornará um retrocesso.

Nessa combinação, a maioria dos políticos que está sendo processada no STF veria seus casos retornando à primeira instância, e a partir daí teriam todos os recursos à disposição, até chegar novamente ao STF, de onde vieram, num círculo vicioso prejudicial à democracia.

Como a experiência já nos demonstrou, os processos levariam anos para terminar, e quase ninguém iria para a cadeia, se não pela reforma da sentença em uma das várias instâncias da Justiça, no mínimo pela prescrição das penas.


Demétrio Magnoli: O partido que não temos

Uma muralha separou FHC de Lula. O resultado foram as alianças sucessivas do PSDB e do PT com o PMDB — e o colapso do sistema político da Nova República

FHC disse, há pouco, que se arrepende de, no passado, não ter se aproximado de Lula. Em entrevista recente, Fernando Haddad, possível candidato lulista à Presidência, reconheceu o avanço econômico e institucional obtido pelo Plano Real. As duas declarações reinstalam uma questão histórica especulativa, mas relevante num sentido tão atual quanto inesperado: o que teria sido o Brasil se o PSDB e o PT tivessem optado pela aliança, no lugar da letal rivalidade?

“Opção” não é o termo apropriado. A rivalidade é fruto de escolhas anteriores dos dois principais partidos que nasceram na transição à democracia. Na sua complexa trajetória ideológica, o PT roçou a social-democracia para, imediatamente, trocá-la pela tradição populista da esquerda latino-americana. O PSDB, por sua vez, afastou-se da social-democracia para conduzir as reformas liberais de estabilização da economia e, depois daquela etapa heroica, dissolveu seus ensaios programáticos na mera pregação da ortodoxia econômica e num defensivo antipetismo. Uma muralha separou FHC de Lula. O resultado foram as alianças sucessivas do PSDB e do PT com o PMDB — e o colapso do sistema político da Nova República.

A crise política brasileira inscreve-se, como singularidade, na crise mais ampla das democracias ocidentais. Na Europa e nos EUA, sob formas distintas, regridem os grandes partidos de centro-esquerda e centro-direita. Na América Latina, o “Extremo-Ocidente”, o esgotamento do neopopulismo não parece abrir caminho a uma nova onda sustentada de reformas liberais. O traço marcante do cenário brasileiro é a fadiga do centro político: Lula e Bolsonaro emergem como relevos notáveis na planície desolada. As escolhas do PSDB e do PT têm forte responsabilidade pela desolação.

A “fórmula Macron” tornou-se, com boas razões, uma obsessão entre os que investigam saídas para o declínio do centro político no Brasil. Contudo, de modo geral, como atesta a fracassada “operação Luciano Huck”, não se entendeu que a ascensão de Emmanuel Macron nada tem a ver com a rejeição da política ou dos políticos. O presidente francês deflagrou seu movimento por um gesto de ruptura, com o Partido Socialista, e um de construção, de um novo partido com nítida definição ideológica.

O “Em Marcha”, de Macron, ergueu-se sobre dois pilares que se completam e se contestam: o socialismo democrático e o liberalismo progressista. Nenhum deles é uma novidade no universo das democracias ocidentais. A novidade está na fusão de tradições ideológicas aparentemente inconciliáveis. O primeiro é o que o PT poderia ter sido; o segundo, o que o PSDB poderia ter sido.

O liberalismo progressista nasce da herança liberal, mas rejeita sua massacrante carga conservadora. Os liberais clássicos puseram o acento nas liberdades econômicas e políticas — isto é, na limitação do arbítrio estatal. Mas, oriundos dos sistemas políticos elitistas do passado, desprezaram a importância das liberdades públicas — isto é, do direito de reivindicar salários e proteções sociais. O liberalismo progressista, um fruto das democracias de massas, abraça a luta contra a pobreza, a exclusão e a discriminação.

O socialismo democrático emana da herança social-democrata, mas distingue-se pela sua abordagem do tema da igualdade. Na social-democracia tardia, o “bem público” tornou-se quase indistinguível dos interesses corporativos: a inflexível regra trabalhista, a aposentadoria precoce, os subsídios aos “campeões nacionais”, os privilégios das castas superiores do funcionalismo. O socialismo democrático, em contraste, sublinha o valor dos direitos sociais universais e dos serviços públicos: o hospital, a escola, o metrô, a água limpa, o teatro, a biblioteca, a praça e o parque.

As duas tradições são estranhas à história política latino-americana. No “Extremo-Ocidente”, o liberalismo importado da Europa revestiu sociedades patriarcais, patrimonialistas, assentadas na propriedade fundiária. O DEM e o MBL, cada um a seu modo, explicitam a natureza corrompida do liberalismo caboclo. Já o socialismo, também importado, contaminou-se com os metais pesados do caudilhismo, do populismo e, mais depois, do stalinismo em versão castrista. O PT e sua pobre dissidência psolista evidenciam o caráter farsesco do socialismo brasileiro.

Mas a fórmula dual de Macron oferece respostas para nossos impasses crônicos que, na campanha em curso, manifestam-se pela fragmentação de candidaturas situadas entre a centro-esquerda e a centro-direita. A régua do liberalismo progressista descortina um horizonte além do capitalismo de estado de raízes varguistas e atualização lulopetista. O compasso do socialismo democrático propicia uma reinterpretação das políticas sociais, afastando-as da armadilha corporativista.

Os caminhos do PSDB e do PT se desencontraram. Seguindo trilhos divergentes, os dois partidos nucleares da “Nova República” consumiram totalmente seu combustível ideológico. Mas, sem qualquer nostalgia, vale a pena imaginar o que poderia ter sido: o exercício servirá, talvez, para reinventar o presente.

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Demétrio Magnoli é sociólogo


Eliane Cantanhêde: Joaquim

 

Ex-STF tem de conquistar eleitores antes de anular condições negativas

Joaquim Barbosa tem todas as condições subjetivas para se tornar a maior novidade da eleição, mas ainda lhe faltam as condições objetivas para virar o primeiro negro presidente da República, assim como foi o primeiro a ocupar uma cadeira no Supremo e a presidi-lo. A diferença é que, agora, seria pelo voto popular.

Síntese dos principais candidatos, Joaquim tem os seus predicados sem ter seus “defeitos”, mas não tem um partido organizado como o PT, ou simpático à elite como o PSDB ou com ramificação e tempo de TV como o MDB.

A exemplo do ex-presidente Lula e de Marina Silva, se identifica com a maioria do povo brasileiro e é uma referência, pois saiu de família humilde e “subiu na vida”. E, como Marina, tem uma sinceridade rara na política. Se ela diz que será “um milagre do povo e de Deus” se vencer com segundos de TV, Joaquim admite que ainda “não se convenceu” de ser candidato.

Mas, diferentemente de Lula, ele não está preso, não sofre oito inquéritos, não é acusado de promiscuidade com empreiteiras nem de ter fatiado a Petrobrás entre os partidos, e os fundos de pensão entre sindicalistas. Ao contrário, carrega a marca do julgamento do mensalão, tal como Sérgio Moro, a do petrolão.

E, ao contrário de Marina, ele nunca foi testado numa campanha política, nunca se expôs às provocações de adversários, a investigações e a perguntas espinhosas da mídia. Pelo menos, não na mesma intensidade de Marina. Sabe-se muito de suas qualidades e pouco dos seus defeitos.

Joaquim disputa com Bolsonaro a imagem de “não-político”, verdadeira no caso do ex-ministro e falsa no do ex-militar, que não só faz política há um quarto de século como pôs a ex-mulher e os três filhos na política. E dá para comparar o seu temperamento com o de Ciro Gomes: explosivos, não levam desaforo para casa. Mas a coleção de atritos e desaforos de Ciro (ainda) é muito maior.

Talvez o único dos principais candidatos a não ter nada a ver com Joaquim, para o bem e para o mal, seja Geraldo Alckmin, que está em pleno inferno astral, com uma péssima notícia por dia para o PSDB. Enquanto um é um médico paulista branquelo, com ares de almofadinha, sem identidade, por exemplo, com o nordestino médio, o outro é um procurador mineiro negro e afirmativo que espelha o povo de todas as regiões.

Porém, Alckmin governou São Paulo três vezes, assim como Ciro governou o Ceará, Fernando Haddad (plano B do PT) foi prefeito de São Paulo e ambos foram ministros, como Marina. O que Joaquim já administrou na vida? Aliás, e Bolsonaro? O que os dois entendem de gestão, de comando de equipe, de negociação com o Congresso e de economia, com o País saindo de sua crise mais perversa?

Além disso, Joaquim não tem um partido, só um terço dos seus caciques. O presidente do PSB, Carlos Siqueira, quer lançá-lo, mas o governador de São Paulo, Márcio França, está com Alckmin e o de Pernambuco, Paulo Câmara, agarrado ao PT para tentar se reeleger. Portanto, Joaquim é um ótimo candidato, que já encanta os mais ricos e escolarizados do Sudeste, mas é um péssimo candidato, sem experiência, partido confiável, estrutura e capacidade, por enquanto, de atrair apoios de outras legendas e tempo de TV.

Suas condições subjetivas têm de se impor e conquistar o principal: o eleitorado e as pesquisas, que anulem as condições objetivas negativas e tornem sua candidatura apetitosa para os agentes políticos e econômicos, num cenário em que não há “o” candidato. Ou seja: tudo depende de Joaquim se tornar a novidade, a onda, a moda, e assim arrastar o PSB, alianças fortes e confiança dos formadores de opinião. E isso, por sua vez, depende mais dele do que de qualquer outra coisa.


Míriam Leitão: As incertezas de 2018

Nos últimos 20 anos, ou cinco eleições, o principal embate foi entre PT e PSDB. Neste ano, os dois partidos mais competitivos do país nas eleições presidenciais, nessas duas décadas, estão feridos pelas investigações de corrupção. A incerteza será a marca desse processo e ela pode persistir até a boca da urna, os cenários eleitorais estão em aberto.

O cientista político Jairo Nicolau tem sustentado que é errado comparar a atual eleição com a de 1989 como costumeiramente tem sido feito. Argumenta, com gráficos que tem postado em suas contas nas mídias sociais, que o ex-presidente Fernando Collor liderou as intenções de votos durante a campanha. Ele começa seu gráfico faltando 165 dias para a eleições. Hoje faltam 168 e não há um favorito claro. O ex-presidente Lula, que lidera as pesquisas, será, provavelmente, declarado inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Em 1989, a disputa que houve foi em torno do segundo lugar. Collor estava com 43% das intenções de voto em junho. Caiu, após o início do horário eleitoral, mas foi para o segundo turno com 28,5% dos votos. Lula estava com 8% e Brizola com 15%. Lula cresceu, com o programa eleitoral e, no final, com 16,08%, ultrapassou Brizola. A grande incerteza, portanto, era quem disputaria com Collor. “O quadro de 2018 é de uma imprevisibilidade nunca vista em nenhuma eleição brasileira", disse Jairo Nicolau no Twitter.

De fato, visto por esse ângulo, 1989 não parece tão incerto. Mas houve mudanças e momentos dramáticos. Em março, Collor estava com 9%, Lula com 16% e Brizola, com 19%, segundo o livro “A Era Collor”, de Rodrigo de Carvalho. No segundo turno, houve um momento de empate nas intenções de voto. Faltavam três dias para as eleições, quando o Datafolha registrou 46% para Collor e 45% para Lula. A votação foi no dia 17 de dezembro. Ou seja, a eleição de 1989 foi suficientemente incerta. O que Nicolau está dizendo é que esta será ainda mais. De igual entre 1989 e 2018 o que há é a alta rejeição do presidente em exercício. Na véspera das eleições, 65% consideravam o governo Sarney ruim ou péssimo, segundo o Datafolha. Hoje, 70% têm essa avaliação de Temer.

O combate à corrupção será um fator relevante na formação do voto este ano. Hoje, parece haver uma dissonância entre os 84% que apoiam a Lava-Jato e o bom índice nas pesquisas do ex-presidente Lula, preso e condenado por corrupção. Como o processo anticorrupção não está restrito a um partido, ele deve afetar o desempenho eleitoral das grandes siglas, principalmente o PT, PSDB e PMDB. Isso aumenta a chance de candidaturas com pequenas estruturas partidárias, ou que apareçam diante do eleitor como uma novidade. E eleva o grau de incerteza eleitoral.

A economia sempre jogou um papel importante. Em 1989, a demanda era por quem tivesse uma solução rápida contra a inflação. Collor convenceu parte do eleitorado com sua promessa vã de abater a inflação com “um tiro”. Os outros candidatos não tinham propostas claras. Brizola falava nas “perdas internacionais” e Lula falava em acordos de preços e salários e não pagamento da dívida.

A eleição de 1994 foi o caso mais forte de casamento entre o voto e a economia. O resultado foi determinado pelo Plano Real e por isso o grande beneficiário foi o ministro da Fazenda, Fernando Henrique, que conduziu o plano na sua etapa preparatória e apareceu como o seu formulador. Mas aquela eleição foi única e sua dinâmica não pode ser reproduzida.

A economia está melhorando e saindo da crise extrema que viveu, quando foi jogada na recessão e inflação alta, no governo Dilma. Em 1986, a inflação começou o ano em 10,7% e o PIB teve queda de 3,5%. Este ano o país vai crescer em torno de 2,5% e a inflação está abaixo de 3%. Mas há uma dissonância entre os indicadores e a sensação de conforto econômico. Além disso, como mostrei na coluna de quinta-feira, há várias temperaturas na economia. Em Santa Catarina a produção industrial cresce 5%, e em Pernambuco encolhe 1,8%. Produtos de maior valor têm avanço nas vendas, enquanto bens de menor valor patinam. Em março, 70 mil empregos formais foram criados no Sul, Sudeste e Centro-Oeste e 13 mil foram fechados no Norte e Nordeste. O reflexo da economia nesta campanha não será de compreensão trivial. Por tudo isso, a eleição de 2018 pode vir a ficar com o título da mais incerta da nossa história.

(COM MARCELO LOUREIRO)


Merval Pereira: O papel dos advogados

Num momento em que os advogados estão na berlinda, tão criticados quanto necessários nesses tempos de Lava Jato, o advogado José Roberto Castro Neves não faz por menos. Em livro recém lançado, ele simplesmente defende a tese de que os advogados salvaram o mundo, como está explicitamente no título da obra.

Na opinião arrebatada de outro advogado, Técio Lins e Silva, o livro é uma legítima defesa dos advogados, que os magistrados e membros do Ministério Público deveriam ler. Embora não fale da Lava Jato, José Roberto a considera obra de advogados idealistas, jovens que decidiram enfrentar o sistema, como tantos outros advogados idealistas no passado, que buscavam um mundo mais justo e correto.

No fundo, avalia José Roberto, os valores que animam os procuradores, membros do Ministério Público, delegados da Polícia Federal e juízes, a fim de desbaratar a corrupção no país, são os mesmos que motivaram Calvino, Cromwell, Jefferson, Danton, Gandhi ou Mandela, todos advogados, contra injustiças que encontraram. “A mensagem é de esperança”, acredita o autor.

José Roberto tem uma visão humanista de sua profissão, vê como indispensável ao bom advogado a literatura, a história, as artes, sobretudo define o advogado como aquele que, além de falar pelo outro, deve colocar-se no lugar do outro que representa.

Especialista em Shakespeare, tem um estudo sobre a comédia Medida por Medida em que analisa o Direito à luz dos desdobramentos da peça. E participou de uma antologia de textos de advogados sobre Shakespeare, escrevendo sobre os canalhas que aparecem em suas pecas e como eles são nossos conhecidos até os dias de hoje.

“Como os Advogados Salvaram o Mundo” busca retratar a contribuição da advocacia para a Humanidade e não deixa por menos: os advogados não apenas formaram e modelaram a civilização, mas “salvaram o mundo”. O livro trata, a rigor, de como o homem se relaciona com o arbítrio. A tese, na definição do autor, é a de que os advogados, pela sua atividade, são os primeiros a se confrontar com um estado autoritário.

Em função disso, historicamente, lideraram os movimentos que visavam a assegurar as garantias fundamentais, como a liberdade, a possibilidade de manifestar as opiniões, a isonomia do tratamento, assim como evitar os desmandos dos poderosos (opondo-se, também, à corrupção).

Foi assim com a Revolução protestante – pois Lutero estudou direito e Calvino era advogado. Foi assim com o movimento iluminista – Descartes estudou Direito. Montaigne e Montesquieu também. Nas revoluções que movimentaram a Inglaterra, os advogados estavam à frente: Cromwell era advogado, assim como toda a sua família. A revolução americana foi toda obra de advogados.

José Roberto lembra ainda que, tirando Washington – um militar, pois era necessário expulsar os Ingleses –, todos os demais “founding fathers” eram advogados. Adams, Jefferson, Madison, Hamilton. A Declaração de Independência é um documento jurídico – um libelo contra o rei inglês. A Constituição americana – a primeira desse tipo e a mais longeva – é outro instrumento jurídico que moldou toda a civilização.

A Revolução francesa serve de outra prova de que os advogados estavam no comando desses movimentos: Robespierre, Danton, Saint-Just entre muitos outros advogados comandaram os acontecimentos. A Declaração dos Direitos Universais segue um modelo jurídico. Mais recentemente, outros advogados, como Gandhi e Mandela fizeram toda a diferença, sempre partindo de modelos jurídicos.

José Roberto Castro Neves inclui o Brasil em sua história da advocacia, lembrando advogados importantes como José Bonifácio de Andrada, o Patriarca da Independência, formado em direito em Coimbra, destino da elite na colônia. Aliás, lembra ele, antes, todos os poetas e líderes da Inconfidência Mineira também eram advogados formados em Portugal, pois não havia universidades no Brasil colonial, quando nos Estados Unidos já havia várias.

A classe se envolveu mais no movimento abolicionista e nas campanhas civilistas, nas quais Ruy Barbosa teve posição proeminente. Prudente de Moraes deixou a presidência para reassumir sua banca de advogados em Piracicaba. Getúlio Vargas também era advogado. Hoje – depois de um hiato – temos outro advogado no poder.

Embora não houvesse uma participação direta de advogados na nossa formação, José Roberto Castro Neves lamenta que somos chamados – de forma depreciativa – de o país dos Bacharéis. E registra a seguinte estrofe de autoria desconhecida:

Quando Deus voltou ao mundo,
Para castigar os infiéis,
Deu ao Egito gafanhotos
E ao Brasil deu bacharéis...


Folha de S. Paul: Mario Vargas Llosa analisa os pilares intelectuais do liberalismo

A economia de mercado, argumenta Llosa, traz desenvolvimento material e progresso

Ivan Martínez-Vargas, da Folha de S. Paulo

Único ainda vivo entre os escritores de língua espanhola a vencer o Nobel de Literatura, Mario Vargas Llosa dedica seu livro mais recente a fazer uma ode ao liberalismo clássico.

"La llamada de la Tribu", ainda sem tradução, é um manual no qual o peruano esmiúça os pensamentos de sete grandes liberais: Adam Smith, Fredrich von Hayek, Ortega y Gasset, Karl Popper, Raymond Aron, Isaiah Berlin e Jean-François Revel.

O ideário desses intelectuais é defendido como a receita contra o que Vargas Llosa nomeia "chamado da tribo" —o impulso humano de voltar à sociedade primitiva, em que o coletivo se sobrepunha ao individual e as decisões eram tomadas pelo líder tribal.

Entre os maiores riscos, está a tentação dos discursos de caudilhos carismáticos, quase sempre nacionalistas, que prometem às massas um paraíso terreno inviável e, na prática, eliminam a individualidade e a democracia.

Os pressupostos liberais, no argumento do autor, são o antídoto contra isso.

Estão presentes no ensaio ideias como a de que a diversidade de talentos na sociedade gera uma desigualdade econômica não necessariamente problemática, desde que haja um nível mínimo de oportunidades a todos.

Aparece também a defesa de que o livre mercado, associado ao Estado de Direito, garante o desenvolvimento e combate a miséria.

Os pensadores que protagonizam o livro são os que determinaram a conversão do escritor, ao longo dos anos 1970, de simpático ao socialismo e entusiasta da Revolução Cubana a liberal militante.

O peruano conta que começou a admirar a literatura liberal por meio dos discursos da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, que citavam nomes como Hayek (1899-1992), economista expoente do liberalismo.

Ao longo de 256 páginas, "La Llamada de la Tribu" reitera críticas agudas à esquerda marxista, que identifica com o recorte às liberdades individuais, a intolerância à divergência e o autoritarismo.

Ao mesmo tempo, busca distanciar o "verdadeiro liberalismo" do conservadorismo.

Defende que aquele não deve ser considerado "como mais uma ideologia, com esses atos de fé laicos tão propensos à irracionalidade, às verdades dogmáticas".

Estaria mais para "uma doutrina que não tem respostas para tudo, como pretende o marxismo, e admite em seu seio a divergência e a crítica".

O liberalismo exclusivamente econômico é incompleto e nem sequer deve ser considerado liberal de fato, afirma.

A economia de mercado, argumenta, traz desenvolvimento material e progresso, mas a liberdade precisa ser "o valor supremo" também da política, da cultura e da vida social.

O respeito aos direitos humanos, o racionalismo, o pluralismo e a democracia, portanto, são itens cruciais dessa filosofia, segundo Vargas Llosa.

O princípio da igualdade de oportunidades, diz, também é profundamente liberal, "ainda que isso seja negado por pequenas gangues de economistas dogmáticos intolerantes e frequentemente racistas".

O livro tem o grande mérito de se debruçar sobre intelectuais que, embora relevantes, estão quase sempre ausentes de discussões na esfera pública atual. Como destaca o peruano, eles não recebem a mesma atenção que figuras como Sartre, Foucault, Simone de Beauvoir e Marx, seus antípodas ideológicos.

Apesar dos elogios a cada um dos intelectuais sobre os quais se debruça, Vargas Llosa critica de maneira pontual, mas incisiva, o que considera falhas de suas referências.

Entre os "erros garrafais" de Hayek, destaca seu alinhamento com o regime ditatorial de Pinochet, no Chile.

Ainda critica Aron por ter se dedicado a analisar somente a Europa e os EUA e, consequentemente, ter deixado dois terços do mundo de lado.

Ao contrário do filósofo político leto-britânico Isaiah Berlin (1909-1997), porém, que deixava aberta a possibilidade de que os marxistas estivessem corretos, Vargas Llosa vê as ideologias de esquerda sempre como autoritárias.

Assim, tanto quanto o polo ideológico que critica, o escritor parece crer que suas ideias detêm o monopólio da virtude.

Por que, afinal, a defesa de Pinochet por Hayek não diminui a relevância da obra do austríaco, mas a do regime soviético por Sartre, sim? É uma pergunta que o autor não responde.


Luiz Carlos Azedo: Na rota da Lava-Jato

O eixo da disputa eleitoral deste ano deslocou-se dos problemas que afetam o dia a dia da população — saúde, segurança, educação, transportes, habitação, etc. — para o tema da corrupção

Os fatos mais importantes do dia de ontem, em circunstâncias normais, seriam o embargo das importações de frango de 20 frigoríficos brasileiros pela União Europeia, que representa 35% das nossas exportações do setor, e o decreto assinado pelo presidente Michel Temer que autoriza os estudos para a privatização da Eletrobras, a holding brasileira de energia elétrica. Mas o noticiário foi tomado pela Operação Lava-Jato, que motivou pelo menos meia dúzia de decisões da Justiça, a começar pela concessão de habeas corpus ex ofício ao deputado afastado Paulo Maluf, pelo ministro Edson Fachin, depois de dois dias de sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) só para discutir o caso do ex-prefeito de São Paulo.

O eixo da disputa eleitoral deste ano deslocou-se dos problemas que afetam o dia a dia da população — saúde, segurança, educação, transportes, habitação, etc. — para o tema da corrupção. Por 6 votos a 5, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) negaram o pedido de Maluf, atualmente em prisão domiciliar, para apresentar mais um recurso contra a condenação que sofreu no ano passado por lavagem de dinheiro. O pano de fundo da discussão era a dilatação das possibilidades de recurso e protelação do chamado “transitado em julgado”.

Depois de dois dias de sofisticados debates sobre o processo penal e a Constituição, o assunto foi encerrado como poderia ter começado: “de ofício” (por iniciativa própria), Fachin permitiu ao deputado, em razão do estado de saúde, continuar cumprindo em casa a pena de 7 anos, 9 meses e 10 dias de prisão que se iniciou em dezembro do ano passado. Maluf está internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, e corria o risco de ter que voltar para o Presídio da Papuda, em Brasília, para cumprir pena em regime fechado. Ele foi condenado por usar contas no exterior para lavar dinheiro desviado da Prefeitura de São Paulo quando foi prefeito da capital paulista, entre 1993 e 1996.

Quem corre mais risco de voltar para a cadeia é o ex-ministro José Dirceu, que cumpre pena em regime domiciliar, com tornozeleira eletrônica. O ministro Dias Toffoli negou liminar para impedir a volta do histórico líder petista à prisão. Dirceu pretende continuar em liberdade após o julgamento de recurso contra sua condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), ontem, no qual teve mantida a pena de mais de 30 anos de prisão. Com a prisão de Lula, é praticamente impossível que isso ocorra.

Em meio a notícias de que a Polícia Federal pedirá a prorrogação do inquérito que investiga a corrupção no Porto de Santos, no qual estão envolvidos amigos do presidente Michel Temer, e de que o ministro Gilmar Mendes já ampliou por 60 dias o inquérito que investiga o senador Aécio Neves (PSDB-MG), o ministro Marco Aurélio Mello assoprou o braseiro das divergências no Supremo. Pediu que o plenário da Corte julgue uma ação sobre prisão após condenação em segunda instância apresentada pelo PCdoB, que pleiteia liminar para impedir a prisão de condenados antes do trânsito em julgado, ou seja, antes de condenação definitiva pelo próprio STF. Na semana passada, pela quarta vez em dois anos, o STF discutiu e manteve a jurisprudência que determina a prisão. Segundo o ministro, porém, o entendimento firmado em 2016 pelo STF poderá mudar em uma nova análise pelo plenário da Corte. E tome Lava-Jato!

Eleições
Fora da agenda oficial, o presidente Michel Temer recebeu, no Palácio do Planalto, o juiz Ali Mazloum, que atua como juiz instrutor do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. É quem o auxilia a ouvir testemunhas e interrogar réus. Nem o Palácio do Planalto nem o magistrado deram informações sobre a conversa. Temer e Mazloum são amigos e fazem parte da comunidade árabe de São Paulo. Hoje, Temer fará um pronunciamento à nação, a propósito do aniversário da morte de Tiradentes: 21 de abril de 1792. Não pretende tratar da Lava-Jato, mas do sucesso de sua política econômica, ancorado nas últimas análises do Fundo Monetário Internacional (FMI).

É a tal história: não se fala de corda em casa de enforcado. O Palácio do Planalto não descarta uma terceira denúncia contra Temer, que poderia ser uma espécie de pá de cal nos esforços do governo para melhorar a aprovação popular. A anunciada candidatura presidencial à reeleição corre risco de ser abatida na pista. Esse não é um problema somente do presidente da República e seu partido, o MDB. O PSDB também vive um inferno astral, com a aceitação da denúncia contra Aécio Neves (PSDB) e o escândalo do Metrô de São Paulo, que estão respingando no ex-governador Geraldo Alckmin, pré-candidato a presidente da República. Mesmo não estando diretamente envolvido na Lava-Jato, o tucano sente o drama da crise ética. Sua candidatura está isolada e não ganha aderência popular.

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El País: Candidatos de centro-direita já negociam pacto de não-agressão e união futura

Com propostas parecidas e menos de 10% de intenções de voto cada um, PSDB, MDB, SD, DEM e PODE negociam acordo. Rodrigo Maia é o primeiro que deve fundir candidatura

Por Afonso Benites, do El País

Enquanto a esquerda brasileira discute se caminhará unida para disputar a eleição presidencial, a centro-direita se antecipa e já costura dois acordos: um de não agressão entre seus pré-candidatos e outro para que os que estiverem piores colocados nas pesquisas desistam da disputa a partir de julho e declarem apoio aos outros concorrentes. Os planos estão sendo discutidos por aliados de Geraldo Alckmin (PSDB), Rodrigo Maia (DEM), Michel Temer (MDB), Henrique Meirelles (MDB), Aldo Rebelo (SD) e Álvaro Dias (PODE).

Conforme oito políticos que participam das negociações ouvidos pelo EL PAÍS, o primeiro pacto é mais certo de ser cumprido. O cálculo é, se num cenário com tantas candidaturas houver essa autofagia entre personagens que pensam a política de maneira semelhante e até agora não chegaram aos 10% de intenções de voto, nenhum representante da centro-direita chegará ao segundo turno. Outra razão que motivou o acordo entre esses pré-candidatos é a extrema dispersão de pré-candidaturas. Ao menos 18 partidos sinalizaram que terão concorrentes ao Palácio do Planalto. Desses, seis estão no espectro da centro-direita, mas que tenderiam a se aglutinar em torno de um dos nomes que mais agrade o eleitor conforme a campanha evolua. Assim, cinco deles serão meros espectadores de uma disputa entre a extrema direita, representada por Jair Bolsonaro (PSL), e algum outro candidato da centro-esquerda, entre eles Marina Silva (REDE), Joaquim Barbosa (PSB), Ciro Gomes (PDT) e um nome do PT, tendo em vista que a candidatura do líder das pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é incerta. Lula está preso pela operação Lava Jato com uma condenação em segunda instância, o que o impediria de concorrer, conforme a Lei da Ficha Limpa.

O principal desafio dos que negociam o pacto seria o de convencer os piores classificados nas pesquisas a desistirem da disputa. Neste pelotão dos sem-voto estão os dois nomes do MDB, Temer e Meirelles, além do representante do DEM, Maia. Nenhum deles passa de 2% das intenções de voto. E os três sabem que o tempo é curto para subir nas enquetes, menos de quatro meses. Entre os dias 20 de julho e 5 de agosto ocorrem as convenções partidárias em que são definidos os candidatos e as coligações que os apoiam. Até o dia 15 de agosto, todas as candidaturas deverão estar registradas na Justiça eleitoral.

Dos seis pré-candidatos de centro-direita citados, o ex-deputado e ex-ministro Aldo Rebelo, recém-filiado ao Solidariedade não foi testado nas pesquisas. A estratégia de sua nova legenda é apresentá-lo à militância, formada principalmente por sindicalistas, e sentir se tem potencial de crescimento. Nos bastidores, o fiador da candidatura Aldo, o deputado federal Paulo Pereira da Silva (SD), já negocia uma coligação com Rodrigo Maia. O que estiver melhor posicionado entre os dois seria o cabeça de chapa, o outro, candidato a vice-presidente. O discurso entre eles é de que será a união de um liberal, Maia, com um socialista, Aldo – que já foi filiado ao PCdoB e ao PSB.

O articulador e o empecilho
O principal articulador desses acordos é Marcus Pestana, deputado federal e secretário-geral do PSDB. Aliado do senador Aécio Neves (PSDB), que tem se aproximado cada vez mais do presidenciável Alckmin, ele tem bom trânsito com várias bancadas do Congresso Nacional.

Quem, em um primeiro momento, tem colocado empecilhos a essas coligações é Álvaro Dias, do Podemos. Os políticos ouvidos pela reportagem dizem que, apesar de ele atingir no máximo 6% das intenções de voto, tentará se manter afastado da ligação com partidos que foram citados na operação Lava Jato. É algo semelhante ao que ele relatou ao EL PAÍS em uma entrevista publicada no dia 1º. Na ocasião, ele foi questionado se ele aceitaria apoio de algum partido citado na investigação. A resposta: “Eu não buscarei apoios partidários em um segundo turno porque a relação será mais direta entre o cidadão e o candidato. As siglas serão dispensadas.”

Especialistas como o filósofo e cientista político Marcos Nobre, da Universidade de Campinas, entendem que a difusão de candidaturas da centro-direita deve se reduzir, em breve, em torno de um só candidato já certo. “Desde sempre eu acho que elas vão acabar se unindo a um único candidato, que é o Geraldo Alckmin, senão não conseguem ganhar a eleição”, afirmou em entrevista publicada pelo EL PAÍS, no dia 9. As demais entraram no páreo, segundo ele, para negociar apoios futuros.

Como essa é uma campanha de tiro curto – serão apenas 35 dias de propaganda oficial no rádio e na TV – as idas e vindas dos candidatos são certas. Só não se sabe a que ritmo elas ocorrerão.


Luiz Carlos Azedo: E la nave va

No Supremo Tribunal Federal (STF), seus ministros se digladiam para decidir se concedem a Paulo Maluf (PP-SP), em prisão domiciliar, o direito de apresentar mais um recurso

Parece uma espécie de ópera bufa. Em Porto Alegre, os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região rejeitaram ontem o último recurso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra sua condenação a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado, o que levou o advogado do petista, Cristiano Zanin Martins, a qualificar a decisão de ilegal: “Mesmo levando em consideração os fatos analisados pelo TRF-4, colide com a lei e com a Constituição Federal”, disse. Lula está preso em Curitiba e mantém sua candidatura a presidente da República, mesmo estando inelegível.

O protesto do advogado está em linha com a entrevista concedida à rede de televisão do mundo árabe Al Jazeera pela presidente do PT, senadora Gleisi Hoffman (PR), também enrolada na Operação Lava-Jato. Ela denuncia a condenação de Lula, ataca a Justiça brasileira, faz um apelo à solidariedade do mundo árabe, a pretexto de que teria havido um golpe de Estado no Brasil, e afirma que Lula é um preso político. É o caso de perguntar: que tipo de apoio ela está querendo da esquerda árabe, notoriamente ligada ao terrorismo?

Enquanto isso, no Supremo Tribunal Federal (STF), trava-se mais uma batalha ao vivo e em cores entre seus ministros, desta vez para decidir se concedem ao deputado afastado Paulo Maluf (PP-SP), atualmente em prisão domiciliar, o direito de apresentar mais um recurso contra a condenação que sofreu no ano passado por lavagem de dinheiro. Votaram contra os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux, enquanto Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski manifestaram-se a favor. O julgamento será concluído hoje, quando votarem os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cármen Lúcia.

Condenado em maio, o ex-prefeito de São Paulo teve um primeiro recurso negado em outubro pela Primeira Turma do STF. Em dezembro, o ministro Edson Fachin rejeitou um segundo recurso e determinou o cumprimento da pena em regime fechado, mas seu colega Dias Toffoli, a pedido da defesa, concedeu prisão domiciliar a Maluf por razões humanitárias. O episódio é a síntese das divergências na Corte, cujas turmas foram apelidadas pelos advogados de “Câmara de Gás”, a primeira, liderada por Barroso, que manda prender; e “Jardim de Éden”, a segunda, na qual Gilmar é o grande protagonista, que manda soltar.

Caso a Corte derrube a decisão de Fachin, Maluf poderá responder ao processo em liberdade; caso seja recusado, os ministros decidirão se permanecerá em prisão domiciliar ou voltará para o regime fechado. A votação é importante porque pode mudar a jurisprudência da Corte contra os recursos infringentes, ampliando as possibilidades de protelação dos julgamentos e de prescrição das penas. Os políticos enrolados na Operação Lava-Jato, sem distinção, torcem por Maluf.

Cortejo fúnebre

Para os que já estão enfadados de acompanhar os julgamentos, uma boa pedida é ver ou rever o clássico de Frederico Fellini, que empresta o título à coluna. Último grande filme desse mestre do cinema, E La Nave Va foi lançado em 1983, inspirado na mais original criação artística italiana: a ópera. Numa de suas passagens mais antológicas, os passageiros cantam um trecho de La Forza del Destino, de Giuseppe Verdi. Recortes das obras de Bellini, Tchaikovsky e Rossini tecem a trilha sonora, numa homenagem ao compositor Nino Rota, responsável pelas trilhas originais de todos os seus filmes anteriores, que havia falecido.

O navio Glória N. parte com a nata do mundo artístico clássico em direção à Ilha de Erimo, com o propósito de jogar no mar as cinzas da grande diva Edmea Tetua, inspirada em Maria Callas, a célebre cantora grega que foi casada com o magnata Aristóteles Onassis. Matronas fellinianas, palhaços, tenores, sopranos, gente de todas as inclinações sexuais, e uma equipe de jornalismo que registra a viagem, além de um rinoceronte, são os passageiros da nave louca. Acabam surpreendidos pela dura realidade da Primeira Guerra Mundial quando resgatam um náufrago sérvio.

Durante a viagem, as personalidades, os temores e os defeitos dos passageiros são revelados por uma câmera onipresente, que mostra uma verdadeira guerra de egos entre eles. O jornalista ironiza o próprio trabalho: “Dizem: faça a crônica, conte o que acontece… Mas quem é que sabe o que acontece?” A guerra, porém, muda o rumo da história. Os temas da política e da diplomacia roubam a cena com a chegada de mais náufragos. A elite do navio desdenha do que acontece no convés, enquanto os miseráveis observam tudo pelas janelas do salão principal. É uma bela alegoria para o que está acontecendo na política brasileira, às vésperas de mais uma sucessão presidencial.

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Merval Pereira: PSDB sem rumo

A decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de, por unanimidade, aceitar a denúncia contra o senador Aécio Neves, tornando-o réu de uma ação penal por corrupção ativa e obstrução da Justiça devido a um suposto empréstimo recebido em malas de dinheiro de Joesley Batista é um duro golpe não apenas no ex-candidato tucano à presidência da República como em todo o PSDB.

No plano regional, fica quase impossível Aécio Neves tentar a reeleição ao Senado, e até mesmo uma cadeira na Câmara dos Deputados em Brasília parece fora de seu alcance neste momento. Além disso, a pré-candidatura ao governo de Minas do senador Antonio Anastasia deve naufragar.

O ex-governador mineiro aceitou o encargo como uma missão partidária, para dar um palanque forte a Geraldo Alckmin em Minas, o segundo maior colégio eleitoral do país. Com essa carga que representa o processo contra Aécio Neves no Supremo, dificilmente ele manterá sua candidatura, pois a esta altura não há mais serventia para os tucanos nesse sacrifício.

Se continuar será por um dever partidário, mas não há mais razão para acreditar na possibilidade de os tucanos mineiros serem competitivos em Minas. Sem contar que o ex-presidente do partido Eduardo Azeredo pode ser condenado em segunda instância nos próximos dias pelo chamado mensalão mineiro.

O candidato tucano Geraldo Alckmin estará enfraquecido em Minas e também em São Paulo, onde o atual governador Marcio França prepara-se para uma guerra com o tucano João Dória pelo governo do Estado e terá provavelmente um candidato a presidente a apoiá-lo que não será Alckmin, mas o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa.

O ex-governador paulista Geraldo Alckmin ainda tem contra si o perigo de uma delação premiada de Paulo Preto, tido como operador do PSDB, e a indefinição do centro político, fragmentado em diversos candidatos. Ele já está perdendo votos no Sul-Sudeste para o ex-tucano Álvaro Dias, e até mesmo em São Paulo Jair Bolsonaro tira nacos consideráveis do eleitorado tucano, sem falar no centro-oeste, onde o pessoal do agronegócio tende a preferi-lo devido a uma campanha agressiva contra as invasões do MST.

No nordeste Alckmin perde condições de se recuperar para Marina Silva, que herda parte do eleitorado de Lula e disputará o eleitorado tucano nacional decepcionado com o partido. Também o PSB tem força regional no nordeste a partir de Pernambuco, e se tiver um candidato como Joaquim Barbosa terá condições de entrar no mercado de votos lulista.

Sem contar com a popularidade na região de Ciro Gomes, que vem herdando parte do espólio de Lula, mesmo à revelia do PT. Para piorar a situação dos tucanos, o presidente Michel Temer, aconselhado por Sarney, faz questão de ter um candidato para defender seu governo. Se ninguém se dispuser, pois até o momento a tarefa é rejeitada por todos os partidos, que, na frase de Temer, querem namorar o MDB, mas nenhum quer casar, o próprio presidente se dispõe a essa tarefa.

Segundo a análise de Sarney, seu maior erro foi não ter um candidato que pudesse chamar de seu, para defendê-lo dos ataques, que vieram de todas as direções. O mesmo acontecerá a Temer se ele não conseguir ser representado nessa eleição presidencial, muito parecida com a de 1989.

A diferença fundamental até agora não mostrou sua influência intuída pelos políticos tradicionais: a força das coligações partidárias, das máquinas eleitorais, o tempo de televisão e o fundo partidário. O cientista político Alberto Carlos de Almeida fez um balanço do nível de rejeição dos candidatos a presidente e explica porque esse índice converge para um mesmo patamar.

Para ele, a razão é prosaica: o fato de Lula ter passado para a oposição. Na série, fica claro que ele chega ao máximo da rejeição no mês anterior ao impeachment, e partir do momento em que deixa de ser governo, começa a cair a rejeição.

Como ele assumiu a proa da oposição ao governo, ofuscou os demais, saindo de 45% para 35%, enquanto os outros subiram de 15% para 25%. Uma explicação complementar, segundo Alberto Carlos de Almeida, é que a rejeição é a todos os que se colocam na política, inclusive Lula, que continua sendo o mais rejeitado.

O aumento da rejeição de Bolsonaro se explica pela maior exposição. Alberto Carlos de Almeida ainda acha que a polarização PT – PSDB pode ser repetida, e pega uma declaração de Alckmin para reforçar sua tese: “Bolsonaro no segundo turno é um passaporte para o PT”, disse ele.

Do lado dos tucanos, ele ressalta que quando se somam os votos de Alckmin e de Álvaro Dias, que tem DNA tucano, o PSDB chega a 12%. Se as coisas andassem normalmente, também o DEM estaria na aliança com os tucanos. Ele continua achando que o tempo de televisão e a maior parcela do Fundo Partidário darão vantagens aos grandes partidos.