política

Luiz Carlos Azedo: Revirando o lixo da História

A condição humana é dada não pela atividade laboral, um meio de sobrevivência, mas pelo agir e pensar politicamente, em regime de plena liberdade

Exumei das redes sociais um velho texto (lá se vão três anos) publicado nessas “Entrelinhas” para analisar o colapso do governo Dilma. O título da coluna era “A lata do lixo da História”, o nome de uma peça dos anos 1970 do sociólogo Roberto Schwartz, então professor de teoria literária da Universidade de São Paulo (USP), na qual fazia uma sátira ao regime militar. A expressão “vai para a lata do lixo da História” era muito usada por setores de esquerda na época, servia para menosprezar o papel dos liberais na luta pela democracia; hoje, serve aos liberais que consideram toda a esquerda ultrapassada e não apenas os setores ligados ao PT. É um erro. O Brasil precisa de uma esquerda moderna que dialogue com os liberais para reconstruir o centro democrático.

Essa lembrança veio a propósito do discurso do presidente da China, Xi Jinping, ao comemorar o bicentenário do nascimento de Karl Marx, no Grande Palácio do Povo: “O marxismo, como um amanhecer espetacular, ilumina o caminho da humanidade na sua exploração das leis históricas e na busca da sua própria libertação”. Em resumo, disse que os comunistas chineses precisam voltar às origens. Entretanto, Karl Marx é um dos sujeitos mais mal interpretados de todos os tempos, por esta razão: seus escritos partem do princípio de que a ação política não pode estar descolada do pensamento intelectual.

Após sua morte, em 14 de março de 1883, a teoria de Marx foi simplificada e instrumentalizada para a luta política, inclusive por seu amigo Frederico Engels e seu genro, Paul Lafargue. Social-democratas, socialistas e comunistas usaram sua crítica como estratégia política, mas Marx nunca teve uma fórmula para construir um mundo diferente do capitalismo. Mesmo assim, os conceitos de “valor” e “fetichismo”, suas grandes contribuições à compreensão do capitalismo, perderam espaço e influência para o conceito de “luta de classes”.

Grande exemplo é um livro de Josef Stalin intitulado Problemas econômicos do socialismo na URSS, de 1953, com o qual o líder comunista puxou as orelhas dos economistas da Academia de Ciências: “Por isso, estão absolutamente errados os camaradas que declaram que, uma vez que a sociedade socialista não liquida as formas mercantis de produção, então todas as categorias econômicas próprias do capitalismo deveriam alegadamente ser restabelecidas no nosso país: a força de trabalho como mercadoria, a mais-valia, o capital, o lucro do capital, a taxa média de lucro etc.”

Stálin varreu para debaixo do tapete problemas que mais tarde levaram ao colapso a antiga União Soviética: “Além disso, penso que precisamos igualmente abandonar alguns outros conceitos, retirados de O Capital, no qual Marx procedeu à análise do capitalismo, e que são artificialmente apensos às nossas relações socialistas. Refiro-me, entre outros, a conceitos como trabalho necessário e sobretrabalho, produto necessário e sobreproduto, tempo necessário e suplementar. A conta chegou para Gorbatchov na década de 1990: quando o líder comunista quis retomar a discussão, na Perestroika, o socialismo real já era. Talvez Xi Jinping esteja diante do mesmo debate no seu país, onde os operários são superexplorados e florescem uma nova burguesia e uma robusta classe média.

Parêntesis: na teoria de Marx, valor é aquilo que permite comparar duas mercadorias. A quantidade de trabalho que foi incorporada à mercadoria é que determina o seu valor. Já o fetiche é uma consequência disso: uma cortina que nos impede de ver a mercadoria em si. No caso de um celular, por exemplo, não conseguimos perceber todo o processo produtivo que está por trás da sua fabricação — na China, por exemplo —, mas somente o produto final, como se o aparelho, em si, tivesse vida própria na loja.

Grande jogo

A gênese dos partidos operários é velha tese marxista da centralidade do trabalho na luta política, que parte da ideia de que a contradição entre o trabalho e o capital é o motor da história e o eixo de atuação política do partido, ou seja, a luta de classes. Vem daí o glamour perdido do PT e o fascínio de intelectuais e artistas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A filósofa alemã Hanna Arendt, uma democrata radical, via nessa concepção que absolutiza o trabalho uma das raízes do totalitarismo. Para ela, a condição humana é dada não pela atividade laboral, um meio de sobrevivência, mas pelo “agir e pensar politicamente”, em regime de plena liberdade, o que tanto o fascismo como o stalinismo não permitiram. Essa crítica “racionalista” hoje faz ainda mais sentido, porque o trabalho humano está sendo substituído pelo “não trabalho” dos robôs e sistemas de inteligência artificial.

A China hoje é o nosso principal parceiro comercial, seguida dos Estados Unidos. Ambos disputam o controle do comércio mundial, cujo eixo se deslocou do Atlântico para o Pacífico. O “grande jogo” da política mundial e a globalização, porém, para muitos setores da esquerda, continuaram sendo vistos na óptica dos velhos paradigmas, ou seja, o inimigo principal é o imperialismo norte-americano; o capitalismo de Estado, após a tomada do poder, é a antessala do socialismo. Não importa que os Estados Unidos sejam uma democracia e a China, uma ditadura. Nunca é demais lembrar que o colapso do governo Dilma se deveu às ideias políticas e econômicas fora de lugar, que apostavam numa aliança com a China, a Rússia, a África do Sul e a Índia como aliados principais, contra os Estados Unidos e a Comunidade Europeia, seguidas por práticas patrimonialistas estimuladas por Lula, que enlamearam toda a esquerda e jogaram as lideranças do PT na cadeia. Todas essas ideias velhas não morreram, estão vivíssimas nestas eleições de 2018. E não na lata do lixo da história.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-revirando-o-lixo-da-historia/


O Estado de S. Paulo: ‘Barbosa vai ter de se apresentar e dizer o que pensa’, diz Paulo Câmara

Paulo Câmara afirma que setores do PSB estão ansiosos pela definição e acham que ex-ministro do STF está ‘muito silencioso' 

Por Eduardo Kattah e Pedro Venceslau, de O Estado de S.Paulo

O governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), disse que o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa “precisa se apresentar”, pois “o povo não vai eleger um presidente sem conhecer suas ideias”. O PSB ainda aguarda a definição de Barbosa, que se filiou ao partido e poderá ser o candidato da legenda na disputa pelo Palácio do Planalto.

Herdeiro político de Eduardo Campos, o governador pernambucano tenta atrair o PT para uma aliança em torno de sua futura candidatura à reeleição. Segundo ele, os projetos regionais do PSB não impedem uma candidatura própria à Presidência da República. Câmara concedeu entrevista nessa sexta-feira, 4, ao Estado em um hotel da região sul de São Paulo.

O sr. teve um encontro recente com o ex-ministro Joaquim Barbosa, que se filiou ao PSB e é um possível candidato à Presidência. O que conversaram? Qual foi sua impressão?

O PSB saiu do seu congresso (em março) com três entendimentos para 2018: candidatura própria, alianças com partidos de centro-esquerda ou liberação nos Estados para apoiar candidaturas próprias. Dentro desse contexto apareceu a filiação do ex-ministro Joaquim Barbosa. Tive um encontro com ele antes da filiação e outro depois, fora a reunião do partido em Brasília. Ele está muito consciente das bandeiras das quais o PSB não abre mão. Há ansiedade em muitos setores do partido em resolver logo isso, mas há um movimento acertado de esperar um pouco mais. Existe um tempo político e eleitoral. Vamos definir isso nos próximos 60 dias. Pode haver alguns setores que acham que está muito silencioso.

Barbosa representa o novo na política?
Ele sempre foi um ministro com uma visão de justiça social. Passa a impressão de que tem determinação de fazer o que precisa ser feito, mas precisa se apresentar. Se for caminhar para uma candidatura será muito questionado. Vai ter que dizer o que pensa em relação ao Brasil. O povo brasileiro não vai eleger nenhum presidente sem conhecer suas ideias e ter um mínimo de confiança.

O que acha das ideias dele para economia?
Ele sabe da necessidade de reformas, tem preocupação com desenvolvimento social e desigualdade social. Tem uma estratégia de conversar com todas as alas da economia. Esse é um dever de casa que ele se propôs a fazer.

Barbosa devia se expor um pouco mais? Ele demonstrou pouco traquejo político naquela reunião com o PSB...
Temos que respeitar o tempo que ele pediu. É óbvio que, se tiver a candidatura, ele vai ter que expor e falar. Não se faz campanha eleitoral sem estar nas ruas. Esse é o passo seguinte. Nós também não podemos sair com uma candidatura própria sem conversar com os campos com que nos identificamos, de centro-esquerda. Vai precisar acontecer uma discussão com os demais partidos de centro-esquerda. Isso é fundamental. Precisamos de uma estratégia para o primeiro e o segundo turno.

No plano regional, o PSB procura o apoio do PT. No nacional, o candidato pode ser o ministro que foi relator do mensalão que condenou a cúpula do PT. Uma eventual candidatura do Barbosa pode atrapalhar seu plano regional?
Temos uma ampla aliança em Pernambuco. Sempre houve a possibilidade de termos palanques variados, mesmo com candidatura própria. Já passamos por isso em outros momentos. O importante é o projeto, e o PSB tem um muito claro, que foi feito com Eduardo Campos em 2014.

Então para Barbosa ser candidato pelo PSB, ele precisa se adequar à plataforma de centro-esquerda do partido, e não o partido se adequar a ele...
Isso é evidente. Não temos um projeto eleitoral, mas de governo. Não abrimos mão. Se a pré-candidatura do ex-ministro for para frente, ela tem que se incorporar a esse programa e às ideias do partido, que tem 70 anos. O PSB não apareceu agora. Tem história. Está no campo de centro-esquerda. Qualquer candidato do partido vai ter que ter coerência com o que nós pensamos.

A morte do Eduardo Campos deixou o partido fragmentado. A candidatura presidencial não é importante para isso?
Isso sempre existiu. As diferenças regionais existem. Mas, mesmo com a morte de Eduardo, conseguimos um ponto de equilíbrio, que foi a ida do Carlos Siqueira para a presidência do PSB. No final, o PSB sempre mostra unidade.

O ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) esteve muito próximo do PSB, mas a aliança com ele não foi para frente. Ele destoa muito do pensamento do partido?
A gente tem muito respeito pelo ex-governador Geraldo Alckmin. Tivemos uma convivência muito boa. Aqui em São Paulo o PSB é um aliado dele. Mas o Brasil é grande e o partido tem um programa de governo. Muitas bandeiras que Alckmin defende, o partido discorda. As reformas, por exemplo. Não defendemos a reforma da Previdência que foi exposta pelo governo federal, e o ex-governador Alckmin defendeu.

Alckmin e outros candidatos de centro vão ter dificuldade de conseguir votos no Nordeste?
O candidato a presidente que quiser ter votos no Nordeste vai tem que apresentar um programa com ações efetivas, como o presidente Lula teve capacidade de fazer.

O Nordeste é lulista?
O Nordeste tem muita gratidão pelo que o presidente Lula fez pelo desenvolvimento da região. Isso está muito presente na cabeça do povo nordestino, que rejeita a forma como o Brasil está sendo governado pelo presidente Temer. As pesquisas e avaliações mostram isso.

Qual será o reflexo da prisão do ex-presidente Lula na campanha à Presidência e na disputa em Pernambuco?
A população ainda está assimilando isso. Não tenho uma opinião formada sobre isso. A própria decisão do STF sobre a prisão do Lula foi dividida, 6 a 5. Há muita divisão no País, mas a população nordestina tem muita solidariedade e gratidão (a Lula). Isso pode pesar nas eleições de 2018.

Como avalia a estratégia do PT de manter a candidatura do Lula, mesmo preso?
O ideal era que todos os partidos e forças políticas de centro-esquerda conversassem mais e tivessem uma estratégia que pudesse resultar em uma candidatura única ou aliança no segundo turno. Fazemos parte de uma frente de partidos e assinamos um manifesto pela democracia. Estamos dispostos a dialogar. Temos até julho para discutir isso e ver a melhor estratégia.

Marina Silva foi a candidata do PSB após a morte do Campos, mas saiu do partido. O que houve com essa relação?
O afastamento veio da própria Marina, e não do PSB, que sempre esteve aberto a conversar com ela. A Rede participou do meu governo por três anos, com pessoas próximas a Marina, em pastas importantes, como o Meio Ambiente. O ex-secretário Sérgio Xavier era muito presente na vida de Marina Silva. Ela simplesmente se afastou do PSB, especialmente em Pernambuco, onde tinha uma identificação muito grande comigo e com a família de Eduardo Campos. Infelizmente, a política tem isso. A gente só quer estar junto de quem quer estar junto de nós. Se ela quiser conversar, o PSB está de portas abertas, mas não basta só um lado querer dialogar.

Quanto pretende gastar na campanha?
O limite de gastos da legislação é em torno de R$ 9 milhões, menos da metade do que gastamos em 2014. Pretendo gastar o que a legislação permitir. Mas o partido ainda não definiu a distribuição. O PSB tem muitas candidaturas majoritárias.

Nesse aspecto, uma candidatura presidencial não drena recursos dos palanques estaduais?
Prejudica, mas vamos ter que nos adaptar se tivermos candidatura. Uma campanha presidencial puxa voto.

A intervenção federal na segurança do Rio tem sido criticada. Pernambuco também sofre coma questão da violência. Como avalia esse processo? Pode ser válido para Pernambuco?
Eu, como governador, não aceitaria uma intervenção. Cabe ao governante tratar a questão da segurança do Estado. A União tem um papel a cumprir, mas não cumpre bem há muito tempo.

Renata Campos tem um papel central na política de Pernambuco?
Ela sempre esteve presente na trajetória de Eduardo. Tem uma vivência e experiência. Mas, com o falecimento de Eduardo, decidiu não entrar na vida partidária. Gosta da política, mas não será candidata. É uma pessoa que sempre é ouvida.

O João Campos, filho de Eduardo, assumiu esse papel mais partidário?
Ele se formou aos 21 anos em engenharia e definiu que queria entrar na vida pública. É um talento. Foi meu chefe de gabinete. Vai disputar agora um mandato de deputado federal.

Mas a família está dividida. Marília Arraes, prima de Eduardo, é pré-candidata pelo PT, o irmão, Antonio, está no Podemos...
Dr. Arraes sempre deixou muito claro que não tinha herdeiros na política. Eduardo caminhou com suas próprias pernas.

Como foi sua relação com o governo Dilma Rousseff? Como é a relação com Michel Temer?
A relação foi difícil com Dilma. Já éramos oposição em 2015. Ela quis fazer um ajuste naquele ano sem consequências que paralisou o Brasil. É muito difícil, de uma hora para outra, sem planejamento, parar com os investimentos federais no Brasil. O governo Temer tem prioridades totalmente contrárias ao que a gente entende que é melhor para o Brasil. Isso gera muito conflito. É um governo sem legitimidade que acabou trazendo a ampliação das desigualdades. Nós fomos um dos Estados que mais sofremos. A falta de acesso ao crédito em Estados que têm níveis baixos de endividamento dificultou muito. Podíamos estar gerando emprego e renda com nossas próprias pernas.

O PSB vai ter candidatura própria?
A gente tem um período de maturação. Não dá para ter uma definição. Hoje, o partido nem pré-candidato ainda tem.

A educação será a principal bandeira do senhor?
Ser governador tem muito sofrimento e algumas alegrias. Mas a gente tem algumas alegrias realmente. A educação dá muita alegria, porque você vê meninos pobres que se dedicam, passam o dia nas nossas escolas de tempo integral, estudam, aí já estão ganhando o mundo nesse programa que manda para o exterior. Meninos que nunca viram o mar, que não conhecem o Recife, vão para o Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Estados Unidos, Espanha, e voltam sabendo que só depende deles. Eu estou motivando (esses jovens) a fazer universidade, principalmente os que não têm renda, eu dou uma bolsa, para quem é da escola pública, tem baixa renda e que passa na universidade pública, de dois anos para se manter até conseguir um estágio, arrumar emprego. E esses meninos estão passando em todas as universidades, estão vindo para São Paulo estudar Direito na USP, estão indo para a UnB estudar Relações Internacionais, indo para o Recife estudar na Federal. Educação a gente vê que transforma a vida. Em 2007, quando Eduardo assumiu, Pernambuco estava lá atrás, a pior educação do ensino fundamental, último lugar, 21º no ensino médio. Em 11 anos, se tiver foco, gestão, prioridade, se faz uma transformação como a gente está fazendo.

Quanto o sr. investe em educação?
Eu invisto 27% das nossas receitas, o limite é 25%. Mas a gente consegue ter um (gasto) per capita, por aluno, muito menor do que todos os Estados, porque nós temos merenda, fardamento escolar, tudo devidamente dado. E tem gestão. Acho que o grande salto que nós demos foi na gestão, priorizamos escola em tempo integral, escolas regulares. Em dez anos é possível transformar. O que o Brasil precisa é de planejamento. Se qualquer presidente deixar de ficar quatro anos pensando em reeleição, se pensar em plantar sementes, a gente transforma. Isso é possível fazer. O Brasil tem tudo para avançar, mas precisa de gestão, de priorização, de regras claras, de mais entendimento.


Maria Helena RR de Sousa: Noam Chomsky falou, mas nada disse…

O professor pensa que Lula está preso pela virtude de suas reformas

Um respeitado linguista, filósofo, professor celebrado e reverenciado no âmbito universitário norteamericano como “pai da linguistica moderna”, resolveu atuar também como brazialinista para isso se valendo de suas relações com políticos brasileiros. Se fosse um jovem professor, suas palavras não teriam peso algum, mas ele está com 89 anos, é Professor Emérito do MIT e foi o criador da chamada Hierarquia de Chomsky.

(Hierarquia de Chomsky é a classificação de gramáticas formais descrita em 1959 pelo linguista Noam Chomsky. Esta classificação possui 4 níveis, sendo que os dois últimos níveis (os níveis 2 e 3) são amplamente utilizados na descrição de linguagem de programação e na implementação de interpretadores e compiladores. Wikipedia.)

Além de seus trabalhos sobre linguística, Chomsky ficou bastante conhecido por suas posições políticas: é esquerdista e crítico acerbo da política externa dos EUA. Ele se identifica como socialista libertário. Há quem o considere um “anarcocomunista” ou “anarcosindicalista”.

Parabéns, Dr. Chomsky. Bela carreira, a sua. Mas… e nós com isso?

Pois é, nada.

Mas como ele resolveu tomar as dores do Lula numa entrevista dada neste início de maio ao jornal Folha de São Paulo, publicada sob o título “Lula é alvo de ataque da elite, mas esquerda precisa fazer autocrítica”, resolvi que posso pedir ao professor que procure melhor se informar que ele verá que se enganou em dois pontos essenciais. Lula, segundo o próprio ex-presidente, nunca foi de esquerda; Lula governou por dois mandatos sob o beneplácito das elites brasileiras.

O professor pensa que Lula está preso pela virtude de suas reformas, pelo apoio que deu à massa da população que antes dele era reprimida: “O fato de “essa gente” ter voz na determinação dos rumos do governo, em vez de ficar em seu lugar na base da pirâmide social, é ainda mais intolerável para as classes dominantes. O objetivo mais imediato é impedir Lula de se candidatar em uma eleição que ele certamente venceria, de acordo com pesquisas recentes”, disse Chomsky.

O professor, nessa mesma entrevista, afirma que o PT se corrompeu e que precisa fazer uma autocrítica para voltar a ser o que foi quando de sua fundação. Como ele resolve esse enigma? Ou bem Lula, presidente e “dono” do partido corrompido, foi vítima das elites; ou bem Lula e seu partido resolveram se corromper para pertencer à elite. Das duas, uma.

Quem será que municia Noam Chomsky com informações tão fora da realidade?

* Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa é professora e tradutora, escreve semanalmente para o Blog do Noblat desde agosto de 2005. www.facebook.com/mhrrs


Luiz Carlos Azedo: O lado B do câmbio

A operação de “dólar-cabo” é utilizada, para remessa ilegal de divisas ao exterior, por um sistema que funciona na base da confiança: o doleiro recebe o dinheiro no Brasil e entrega no exterior

A Operação “Cambio, Desligo” mirou no que viu, o esquema de lavagem de dinheiro do ex-governador fluminense Sérgio Cabral (MDB), e acertou no lado oculto do mercado de câmbio no Brasil, que envolve não só os políticos, executivos e operadores da propina da Operação Lava-Jato, mas também toda a rede de lavagem de dinheiro da economia informal, ou seja, o caixa dois de empresas que recorriam ao esquema e a grana dos “barões” do contrabando, dos “chefões” do tráfico de drogas, dos “coronéis” das milícias. Dos 45 mandados de prisão expedidos pelo juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, ontem, foram executados 33, com as prisões de 13 doleiros no Rio, oito em São Paulo, cinco no Rio Grande do Sul, dois em Minas Gerais, dois no Distrito Federal, e outros três no Uruguai.

Dário Messer, apontado como o doleiro mais influente no país, seria o centro das conexões, segundo os investigadores, porque era o “chefão” da rede de doleiros desbaratada ontem com apoio de autoridades uruguaias, mas que envolve 3 mil empresas offshore, que operam em 52 países e movimentaram US$ 1,6 bilhão (R$ 5,6 bilhões). Os suspeitos integravam um sistema chamado Bank Drop, no qual doleiros remetem recursos ao exterior através de uma operação chamada de “dólar-cabo”, completamente fora do controle do Banco Central. Ele foi denunciado pelos doleiros Vinícius Vieira Barreto Claret, o “Juca Bala”, e Cláudio Fernando Barbosa, o “Tony”, que estavam presos havia mais de um ano e ontem foram liberados para cumprir prisão domiciliar, depois de entregarem o esquema.

A operação de “dólar-cabo” é amplamente utilizada, para remessa ilegal de divisas ao exterior, por um sistema que funciona na base da confiança: o doleiro recebe o dinheiro no Brasil e compensa no exterior, apagando os rastros da operação em paraísos fiscais. Dario está foragido, não foi encontrado no seu apartamento no Leblon, Zona Sul do Rio, nem no Paraguai, onde também há um mandado de prisão contra ele. Após o caso Banestado — maior escândalo de lavagem de dinheiro do Brasil —, Messer passou a operar do Uruguai e do Paraguai. Messer foi dono do banco EVG, de Antígua e Barbuda. Entre os nomes supostamente ligados a ele estão Alexandre Accioly e Arthur César de Menezes Soares Filho, o “Rei Arthur”, acusado de pagar propina a Cabral. Messer deixou a sociedade no banco em 2012, após desentendimento com Enrico Machado, outro dono do banco que também firmou delação premiada.

Outro peso-pesado envolvido na Operação “Câmbio, Desligo” é o chinês Wu-Yu Sheng, apontado como responsável por obter dinheiro em espécie do comércio da 25 de Março, no Centro de São Paulo, para a empreiteira Odebrecht, ou seja, a grana da propina em espécie. Segundo o Ministério Público Federal, a Odebrecht teria movimentado cerca de R$ 90 milhões entre 2011 e 2014, e R$ 110 milhões entre 2014 e 2016, por meio de Wu-Yu, que se mudou para Miami. O chinês teria feito acordo de delação premiada com as autoridades norte-americanas depois da delação premiada de Marcelo Odebrecht, o que pode dificultar sua extradição.

O colapso
Mas o que deixou em colapso o lado B do câmbio foi a ofensiva contra a família Matalon (Marco Ernet, Ernesto Patrícia e Bella Kayreh Skinazi), que atua no câmbio ilegal em São Paulo desde a década de 1990, em parceria com os Messer, do Rio. Os patriarcas Mordko Messer, dono da Antur Turismo, e Marco Matalon, dono da Rosetur, são velhos amigos. Até 2003, com a transferência das operações para o Uruguai, as duas famílias movimentaram grandes montantes de dólar paralelo no país. O famoso relatório da CPI do Banestado, que não chegou a ser votado, apontou a evasão de US$ 30 bilhões (cerca de R$ 99 bilhões) de uma agência de Foz do Iguaçu (PR) para contas do antigo banco estatal no exterior, ao final da década de 90, via CC-5, contas utilizadas por empresas multinacionais para transferir dinheiro para fora do país.

As operações feitas pela família Matalon eram liquidadas no Uruguai por Claret e Barbosa, cujos depoimentos deram base à operação desta quinta. Os dois operavam o dólar-cabo desde a década de 1980, em agências de turismo, mas os Matalon supostamente optaram por encerrar sua estrutura em São Paulo e terceirizar a entrega, recolhimento e pagamento das operações. Patricia Matalon, sobrinha do patriarca Marco Matalon, chegou a fechar acordo de colaboração premiada no âmbito do Banestado, mas voltou a operar com Barbosa. Entre 2014 e 2017, ela teria movimentado mais de US$ 2 bilhões (cerca de R$ 6,6 bilhões), servindo clientes que possuíam dólares no exterior e precisavam obter reais em espécie no Brasil para corromper agentes públicos.

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Ricardo Noblat: Dilma deve sobrar em Minas

Pimentel aumenta sua oferta para ter o apoio do PMDB à reeleição

A interrupção do processo de impeachment contra o governador Fernando Pimentel (PT) tem a ver com a renovação de uma oferta feita por ele ao deputado Adalclever Lopes, presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e maior cacique do MDB.

Por meio de um advogado amigo dos dois, Pimentel prometeu a Lopes que a vaga de vice-governador em sua chapa e as duas de senador serão do MDB se o partido apoiar sua reeleição. E acrescentou mais um mimo: uma vaga para o MDB de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

Quanto a Dilma Rousseff, que transferiu para Minas seu título de eleitora e quer ser candidata ao Senado, Pimentel mandou dizer a Lopes que dará um jeito de convencê-la a desistir da ideia. Dilma poderá, se muito, ser candidata a deputada federal, mas isso ela não quer.

Se candidata a deputada, ela ajudaria a eleger deputados do MDB. E Dilma não perdoa o partido por tê-la despejado da presidência da República. É pegar ou largar para Dilma. A não ser que o MDB prefira se aliar ao PSDB e apoiar a candidatura ao governo de Antônio Anastasia.

Nesse caso, a candidatura de Dilma ao Senado seria mantida. Ela até poderia virar candidata ao governo se o impeachment de Pimentel fosse aprovado, o que parece improvável. Lopes tem o controle da convenção do MDB, mas não dos votos dos 13 deputados estaduais e dos 5 federais.

A maioria dos deputados é a favor da aliança com Pimentel.


Roberto Macedo: O golpe dos cursos sobre o ‘golpe’

É um atentado contra o pluralismo que deve pautar as discussões nas universidades 

Algumas universidades passaram a oferecer cursos que questionam a legitimidade do impeachment, em 2016, da então presidente da República, Dilma Rousseff. O assunto segue no noticiário na forma de matérias e artigos de opinião. Recentemente, chamou-me a atenção uma reportagem no site de O Globo (24/4) intitulada UFRJ oferece curso sobre ‘o golpe de 2016 e o futuro da democracia’. UFRJ é a Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A matéria traz um bom histórico do assunto. Em resumo, ele começou em fevereiro, quando a Universidade de Brasília (UnB) anunciou a criação de disciplina sobre “o golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”. Na sequência, o Ministério da Educação acionou vários órgãos, entre eles a Advocacia-Geral da União e o Ministério Público Federal (MPF), para apurar eventual improbidade administrativa dos responsáveis pela disciplina.

Entendo que tal improbidade estaria na criação de um curso cujo título evidencia proselitismo político, numa universidade pública e com seus recursos. A iniciativa da UnB foi replicada noutras universidades, as estaduais de Campinas (SP) e da Paraíba, e as federais da Bahia, do Amazonas, de Goiás e do Ceará. Estes dois últimos casos também passaram a receber atenção do MPF.

Na UFRJ o curso, com título que repete o da UnB, surgiu no seu Instituto de Economia (IE), na forma de 11 seminários sobre o assunto em dias diferentes, todos ministrados por professores do instituto, exceto um. Pela primeira vez vi um instituto de economia tomando iniciativa semelhante à da UnB, o que me despertou interesse ainda maior, e formei minha opinião.

Entendo que o ambiente universitário deve pautar-se pelo pluralismo de opiniões, o que também atua como estímulo à busca do conhecimento. Nada teria contra debates, disciplinas, cursos e programas de seminários sobre o impeachment de Dilma desde que respeitado esse pluralismo. O título de um deles poderia ser, por exemplo, “O impeachment de Dilma foi golpe?”. Esse ponto de interrogação vem sendo omitido, o que é um golpe contra o pluralismo que deve pautar as discussões nas universidades.

“Certezas” desse tipo são comuns em universidades brasileiras, em particular nas públicas e nas ciências humanas. Há professores que ao lecionar pregam suas convicções ideológicas, tratando suas hipóteses como teses. E na pesquisa focam em evidências seletivas que sustentam tais hipóteses, havendo também “evidências” apenas discursivas. Vertente importante dessa pregação é conhecida como marxismo gramsciano. Não tenho espaço para descrevê-la aqui, mas quanto a isso o leitor poderá consultar texto muito esclarecedor de outro articulista desta página, Ricardo Vélez Rodríguez, da Universidade Federal de Juiz de Fora, em www.ecsbdefesa.com.br/fts/MGPFIREP.PDF.

Diante do tema - e insisto, com ponto de interrogação - minha resposta seria não, fundamentada na análise dos fatos que sustentaram o impeachment e na pertinência do processo jurídico então seguido. Como economista, observei muito as questões de finanças públicas envolvidas no caso. Estão muito bem esclarecidas no parecer do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), documento que sustentou a decisão do Senado que afastou Dilma. Anastasia discutiu argumentos pró e contra no processo de que era o relator e o texto pode ser encontrado no Google digitando “impeachment Dilma parecer do senador Anastasia”. A referência que virá em primeiro lugar remete ao site do Senado, que dá acesso ao documento, de 126 páginas. Sua leitura pode servir como terapia para quem fala em golpe.

Em resumo, o parecer conclui pela demissão de Dilma pelas seguintes e justas causas: “a) ofensa aos art. 85, VI e art. 167, V da Constituição Federal, e aos art. 10, item 4, e art. 11, item 2 da Lei no 1.079, de 1950 (a chamada Lei do Impeachment, acrescento), pela abertura de créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional; e b) ofensa aos art. 85, VI e art. 11, item 3 da Lei nº 1.079, de 1950, pela contratação ilegal de operações de crédito com instituição financeira controlada pela União”.

Essas operações de crédito envolveram várias instituições, o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, e ficaram conhecidas como pedaladas fiscais. O parecer contém vários gráficos mostrando que no governo Dilma elas cresceram abruptamente nessas instituições. Da mesma forma caíram em dezembro de 2015, quando expressivo valor delas, R$ 56 bilhões (!), foi quitado pelo Tesouro Nacional, mas só depois de o Tribunal de Contas da União apontar que eram ilegais.

Uma decisão do Senado é sempre política, mas o impeachment seria improvável se Dilma não estivesse na situação vulnerável em que ficou por seus próprios atos. Punida por questões de finanças públicas federais, entrou na história pelo golpe com que prostrou o equilíbrio dessas finanças.

Voltando ao IE da UFRJ, ao buscar seu site no Google, ele é informado seguido da missão desse instituto: “O IE-UFRJ desenvolve atividades de ensino de graduação e pós-graduação, pesquisa e extensão na área de Economia. Seu principal compromisso é apresentar e discutir, de forma aprofundada e crítica, as principais vertentes do pensamento econômico, sempre cultivando a pluralidade de visões e abordagens.” Muito bem!

Quem organizou o citado seminário talvez argumentasse, para justificar a ausência dessa pluralidade, que ele trata do pensamento político. Mas, aberto o site (www.ie.ufrj.br), logo no início é dito com destaque: “Singular porque plural” - sem nenhuma restrição.

Ignoro se o Instituto de Economia já organizou ou pretende realizar outros eventos sobre o assunto, em linha com sua missão pluralista. Se não, estaria em dívida com ela.

*ROBERTO MACEDO - ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR


Luiz Carlos Azedo: A torre e o palacete

O prédio era uma das joias da coroa do movimento dos sem-teto de São Paulo, que cresceu verticalmente durante a gestão do ex-prefeiro Fernando Haddad e se beneficiou do corpo mole da União

O incêndio do edifício Wilton Paes de Almeida é emblemático da degradação das cidades brasileiras e seus conflitos sociais, tendo como epicentro a ocupação predatória do espaço urbano. Tombado desde 1992, era considerado o pioneiro das novas tendências arquitetônicas da década de 1960. Projeto do arquiteto Róger Zmekhol para a sede da Cia. Comercial Vidros do Brasil (CVB), a torre de 24 andares, com lajes de concreto, estrutura metálica e fachadas de vidro, contracenava com a velha Igreja Luterana em estilo neogótico no Largo do Paissandu, no Centro de São Paulo, também parcialmente destruída pelas chamas. Juntos, o moderno e o tradicional dividiam o mesmo espaço público na maior metrópole do país, cuja Centro entrou em decadência, inclusive aquela região da confluência da Rua Antônio de Godói com a Avenida São João, vizinha à Cracolândia.

Quando ficou pronto, em 1966, era um dos edifícios mais modernos de São Paulo. Para projetá-lo, o arquiteto Róger Zmekhol, nascido em Paris, filho de refugiados cristãos da Síria, formado na primeira turma de arquitetura da FAU-USP, se inspirou no minimalismo do alemão Mies van der Rohe, um dos mestres da escola de design Bauhaus. Com sistema de ar condicionado embutido, pisos de ipê e divisórias móveis nos escritórios, seu hall de mármore e aço inoxidável era grandioso, assim como sua belíssima escada caracol, que utilizava os mesmos materiais. O projeto encantou a geração de arquitetos paulistas dos anos 1960.

Suas características arquitetônicas foram copiadas em centenas de prédios comerciais das grandes cidades brasileiras, inclusive Brasília, com banheiros, circulação vertical, infraestrutura hidráulica e elétrica na parte central, com ampla possibilidade de distribuição dos espaços internos até sua “pele de vidro”. Antes de abrigar o INSS, serviu como sede da Polícia Federal em São Paulo, de 1980 a 2003. Ali, o falecido delegado e senador Romeu Tuma anunciou a prisão do mafioso italiano Tommaso Buscetta e a descoberta da ossada do nazista Josef Mengele. Em 13 de dezembro de 1982, levou para o prédio todo o Comitê Central do antigo PCB, que tentara realizar um congresso no centro de São Paulo na semilegalidade. Vazio há 16 anos, o prédio de 11 mil m², desde setembro de 2002, pertencia à União. Por ironia do destino, o responsável pelo Patrimônio da União em São Paulo é Robson Tuma, seu filho.

No governo Dilma, em 2015, com o Brasil em recessão, o ministro Nelson Barbosa autorizou que a propriedade fosse a leilão, mas ninguém quis pagar R$ 21,5 milhões ao governo, que gostava de arbitrar a taxa de lucro de seus parceiros em operações desse gênero, o que geralmente resultava em fracasso. O Sesc, uma organização francesa e o governo federal ainda tentaram transformá-lo num centro cultural, mas a iniciativa não vingou. Em 2012, a Secretaria de Patrimônio da União cedeu o prédio para a Unifesp, que instalaria ali o Instituto de Ciências Jurídicas. O projeto também não foi à frente.

Joia da coroa
O prédio era uma das joias da coroa do movimento dos sem-teto de São Paulo, que cresceu verticalmente durante a gestão de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo e se beneficiou do corpo mole da União quanto à situação dos edifícios públicos federais abandonados. Dezenas de imóveis públicos e privados no Centro de São Paulo estão invadidos e reproduzem a mesma situação do Wilson Paes de Almeida, com a diferença de que não são uma torre de vidro. Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que cadastrou 248 pessoas de 92 famílias que morariam no prédio incendiado. Após a tragédia, o jogo de empurra entre as autoridades é o de praxe: o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), argumenta que o município não podia obrigar as famílias a sair nem pedir a reintegração de posse porque o prédio é da União.

O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão alegou que o prédio “foi cedido provisoriamente pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU/MP) à prefeitura do município de São Paulo, em 2017, e a previsão é que seria utilizado para acomodar as novas instalações da Secretaria de Educação e Cultura de São Paulo”. O ex-prefeito João Doria, em campanha para o Palácio dos Bandeirantes, disse que o imóvel havia sido controlado por pessoas ligadas a uma facção criminosa, o PCC, com a conivência do movimento de moradores, supostamente ligado do PT.

Os moradores que sobreviveram ao incêndio, cujo número de vítimas é baixo, mas ainda desconhecido, se recusam a ir para albergues da prefeitura e têm um discurso pronto: alegam não que não vivem na rua e reivindicam um lugar para morar. No Centro de São Paulo, onde a força da grana ergue e destrói coisas belas, como diz a canção Sampa, de Caetano Veloso, verdadeiras joias da arquitetura e do urbanismo estão abandonadas, como o centenário palacete em estilo art nouveau que pertenceu ao presidente Rodrigues Alves, em Higienópolis. O imóvel serviu de sede do Dops paulista e pertence ao INSS. Está desocupado desde 2003 e pode ser invadido em qualquer madrugada fria.

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Luiz Carlos Azedo: Não tem volta!

Com o impeachment de Dilma e as reformas do governo Temer, principalmente o fim do imposto sindical, a capacidade dos sindicatos influírem nas decisões do governo e do Congresso definhou

Uma boa maneira de aferir a capacidade de mobilização do movimento sindical é observar as comemorações do Dia do Trabalhador mundo afora. A data comemorativa surgiu como marco de luta para que a relação entre trabalho e capital deixasse de ser um caso de polícia para se tornar uma questão social. No Brasil, isso somente veio a acontecer com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, após a Revolução de 1930, quando foi criada a legislação trabalhista e os sindicatos foram oficializados, sob o manto protetor e vigilante do Ministério do Trabalho. Nossa estrutura sindical, ainda hoje, tem viés corporativista. Não se pasmem, sua origem é a Carta Del Lavoro, de inspiração fascista.

Esse viés sobreviveu ao ciclo democrático do pós-Segunda Guerra Mundial e ao regime militar. Parecia que haveria uma ruptura após a democratização do país, em 1985, mas não foi o que ocorreu. Os novos sindicalistas, tão logo assumiram o controle, gostaram do que tinham nas mãos: uma estrutura assistencialista e financiada pelo imposto pago por todos os trabalhadores, sindicalizados ou não, arrecadados pelo governo direto na folha de pagamento e repassado às entidades sindicais.

As disputas entre as diversas correntes político-sindicais, que geraram meia dúzia de centrais, entre as quais a CUT e a Força Sindical, não chegaram à base de arrecadação dos sindicatos, porque aí se manteve a unicidade da representação. A divisão se deu em razão de uma “indústria” de criação de sindicatos cartoriais, principalmente de servidores públicos, seccionando as categorias por critérios cada vez mais corporativos. Até sindicatos de aposentados foram criados. Em contrapartida, com esses recursos, montou-se uma enorme estrutura sindical, com ativistas profissionalizados e fora da produção, que resultou no sindicalismo cupulista, apelegado e de baixo poder de mobilização nas campanhas salariais que temos hoje.

A chegada do PT ao poder, sob a liderança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (que hoje está preso), foi como se a classe operária atingisse o paraíso. Houve o coroamento de uma estratégia bem-sucedida de “pacto social” seletivo, a partir do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, com enorme impacto na economia do país e na vida de nossas cidades. O chamado “acordo automotivo”, celebrado durante o governo de Itamar Franco, pôs fim ao ciclo de greves metalúrgicas, garantiu o regime de pleno emprego para a categoria durante um bom período e aumentos constantes de salário real, ao mesmo tempo em que manteve o setor como polo mais dinâmico da indústria brasileira, graças a incentivos e renúncias fiscais. Também nas cidades, o setor automotivo manteve-se como eixo dinâmico das economias locais.

Surgiu ali uma nova elite sindical “empoderada”, uma espécie de aristocracia operária, que viria a ocupar um papel de destaque nos governos Lula e Dilma Rousseff. Com a crise mundial de 2008 e a guinada da política econômica do governo em direção à nova “matriz econômica”, esse processo se esgotou. O país foi lançado na sua pior recessão, o padrão de mobilidade urbana ditado pelo acordo automotivo provou grandes manifestações de protesto em março de 2013 e o desemprego em massa desarticulou o movimento sindical. Com o impeachment de Dilma Rousseff e as reformas do governo Michel Temer nas relações capital-trabalho, principalmente o fim do imposto sindical, a capacidade dos sindicatos influírem nas decisões do governo e do próprio Congresso definhou. Além disso, o fim do imposto lançou-os em sua a sua maior crise de financiamento.

Novos meios
Essa crise do movimento sindical, porém, não se restringe a isso. Os metalúrgicos vivem o drama particular da automação e da robotização, que também se reproduz em outros setores importantes, de grande tradição de luta. De igual maneira, o setor bancário vive o impacto da informatização acelerada. Não é muito diferente a situação entre os trabalhadores rurais, mesmo entre os sem-terra, cujo peso relativo na economia rural é inversamente proporcional aos ganhos de produtividade e renda no campo com a tecnologia embarcada nos equipamentos agrícolas. No setor petrolífero, os sindicatos fizeram vista grossa à roubalheira na Petrobras e agora amargam o preço de reestruturação da empresa e da desorganização da exploração do petróleo da camada pré-sal, que somente agora começa a ser retomada. Os sindicatos também fizeram vista grossa, por exemplo, à má gestão dos fundos de pensão.

Hoje, teremos um grande teste nas manifestações de Primeiro de Maio. Os sindicatos vivem um dos seus piores momentos desde a democratização. Com o passar dos anos, esses atos sindicais se tornaram eventos festivos, com shows milionários e distribuição de brindes de alto valor, como automóveis, por exemplo. Digamos que esse seja um novo momento de luta dos trabalhadores, no qual ocorrem grande mudanças na estrutura produtiva e na relação entre o capital e o trabalho, com o desaparecimento de velho “ser operário” como classe geral, ou seja, que representava os interesses dos demais trabalhadores e tinha grande poder de mobilização graças à grande indústria mecanizada. Essa realidade não existe mais, com os sistemas flexíveis de produção, a automação, informatização e robotização em curso na indústria, nos serviços e na agricultura, que caracterizam a globalização e a revolução tecnológica em curso. De certa forma, a palavra de ordem “Lula livre”, que unifica os sindicatos, é compreensível. Ele é o símbolo de uma época que ficou para trás. E não tem volta. Os sindicatos terão que se reinventar.

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Marco Aurélio Nogueira: A política dos políticos e a dos cidadãos (diálogo com Paulo Fábio)

O cientista político Paulo Fábio Dantas Neto, professor da UFBa, além de meu amigo, é de longe um dos melhores analistas da conjuntura política brasileira. Os textos com que cumpre essa função são preciosos e vão sempre ao centro da problemática, num esforço dedicado a compreender os fios que movem o processo político, muitos dos quais não se mostram de imediato. Ele deseja, digamos assim, capturar o processo em pleno voo, para expô-lo como uma plataforma preparada para a ação política inteligente.

Paulo é, também, um desvelador das ilusões e aparências que bloqueiam o acesso à realidade, um democrata empenhado, que valoriza a política como caminho para a gestão e a transformação da vida. A “grande política” é o seu foco, mas ele também sabe, por um lado, que a “pequena política” existe como instância incontornável, a ser devidamente considerada, e por outro, que política é luta, divergência, conflito e busca de consensos mediante negociações permanentes e mediante o debate público, no qual palavras e “narrativas” são determinantes.

Em seu mais recente texto, publicado no site do movimento Roda Democrática, Paulo Fábio nos dá uma aula de como a postura firme, realista, e as ferramentas da teoria política são indispensáveis para a compreensão do que se passa hoje no Brasil.

É um texto tão provocativo e bem argumentado que me incentivou a propor a ele um diálogo.

Consensos e acúmulos
Quero começar problematizando sua hipótese inicial, segundo a qual há hoje uma diferenciação entre os democratas: uma ala mais “radical” bate-se em defesa de “consensos já constituídos” e vislumbra uma saída da crise via “mobilização da sociedade civil”, ao passo que outra ala, composta por democratas mais realistas, busca consensos “racionalmente possíveis” mas que “exigem altos riscos políticos para serem concretizados”. Enquanto a primeira ala seria mais “idealista” e “empolgada” (as expressões são minhas), a segunda é mais “ponderada” e “paciente”. A primeira não entende a política como acúmulos progressivos e pensa o combate à crise como uma sucessão de “rupturas”, enquanto a segunda compreende que a saída é mais penosa e valoriza “alianças e a competição eleitoral entre atores da política institucional, sempre visíveis e expostos em instituições representativas”.

Para ele, os consensos do primeiro tipo são justificados pela filosofia e pela ciência da política. Já a concretização dos segundos requer o “exercício da política in natura, de fluxo contínuo”.

Paulo Fábio deixa de lado a questão de saber se os “consensos constituídos” não poderiam ser os mais adequados ou se não poderiam funcionar para dar base de sustentação aos “consensos racionalmente possíveis”. Ele parece acreditar que os primeiros seriam equivocados por definição, ao passo que os segundos seriam corretos simplesmente por nascerem de cogitações racionais feitas em nome da “grande política”. Não há qualquer indicação dos caminhos pelos quais os “consensos racionalmente possíveis” poderiam ser alcançados, quem seriam seus agentes e promotores.

Este é, a meu ver, o ponto falho de sua argumentação.

Não consigo compreender a contraposição sugerida por Paulo Fábio como sendo expressão de duas formas antagônicas de pensar a saída da crise. Ao contrário, vejo-as como complementares. Não há conflito entre elas e é perfeitamente possível ativar consensos “já constituídos” na sociedade civil como base para que se construam consensos “racionalmente possíveis” na sociedade política. O inverso talvez seja mais difícil, mas não descartaria liminarmente a sua possibilidade.

Do que se trata, aqui, é de encontrar um equilíbrio entre a política in natura e a política normativa, coisa que integra o próprio programa de trabalho dos democratas, ou ao menos dos democratas mais consistentes, “radicais” ou não. Trata-se, para falar de outro modo, de enfrentar o desafio de articular sociedade civil e sociedade política, articulação que alimenta e faz viver o Estado democrático. O problema político por excelência, hoje, no Brasil, é encontrar uma instância que possa funcionar como motor de uma reorganização da sociedade e do Estado, caso em que, a rigor, não seria adequado trabalhar com disjunções entre sociedade civil e sociedade política.

Política e sistema político
Hoje, no Brasil, aquilo que Paulo Fábio chama de “política in natura” choca-se com um sistema pouco potente, que não consegue enfrentar nem sequer sua própria crise e muito menos construir saídas que tragam consigo um programa reformador para o conjunto da sociedade. Os partidos estão em frangalhos, a elite política perdeu qualidade e o “corporativismo” de seus integrantes corroeu o Congresso. A “grande política” ficou, assim, comprimida, sem um adequado ambiente institucional para fluir. A “pequena política” tomou conta do palco, girando fora de qualquer controle e entregando-se por inteiro à defesa de seus próprios interesses.

Nessa situação, é difícil sustentar que a política possa se autocontrolar, fluir e produzir resultados sem um mínimo de pressão social organizada, ainda que não faça sentida vê-la como completamente impotente.

A opção que se tem é dupla: por um lado, ativar o que há de vida saudável na política instituída, mobilizando suas energias e seus interesses; por outro lado, ativar as forças democráticas da sociedade civil para que forneçam à política instituída parte da energia com que se poderá conseguir alguma superação. E, mais importante, fazer isso tendo como farol a Constituição e a democracia política.

Paulo Fábio sabe disso, como mostra sua longa trajetória de militância política e reflexão intelectual. Quero crer, portanto, que sua construção inicial serve a ele sobretudo como elemento de provocação ao bom debate, não como uma carta de navegação. Ele, no fundo, quer alertar contra os perigos de uma espécie de “maximalismo” despolitizado, que troca um “prudente pessimismo atento ao potencial explosivo da conjuntura” por um “otimismo prospectivo” voltado para a sociedade civil como “terreno promissor para uma ação reformadora contra o “patronato” político em geral”. Os “otimistas” estariam desatentos tanto aos “riscos institucionais que toda faxina política comporta” quanto a um “eleitorado que subjaz à aclamação do discurso moralizador”.

Suas “cautelas céticas” fazem com que ele questione tudo o que “atiça pretensões fundantes”, atalhos que “podem nos atrasar, aos nos afastar do mundo real, de sólidas rotas e caras tradições”. O exemplo por ele mobilizado é o do “súbito sucesso que faz a retórica demiúrgica do ministro Luiz Barroso”.

São ponderações importantes e corretas, mas não resolvem o problema que desafia Paulo Fábio: como fazer a “política in natura” vibrar quando suas ferramentas e seus atores não estão a dar conta da situação, parecendo alheios a ela? E se tal vibração não ocorre, como formular uma saída para a crise? O incrementalismo de Paulo Fábio, levado às últimas consequências, pode, no caso, produzir mais paralisia que ação construtiva.

Patronato e oligarquias
Paulo Fábio implica com o uso abusivo do termo “patronato”, filho dileto do “idealismo constitucional” de Raymundo Faoro. Inclui-me entre os que cometem tal falha, vendo-me como um “democrata radical” hostil ao Estado patrimonialista e defensor do uso “ecumênico” do termo de Faoro. Aqui também, Paulo Fábio está querendo “salvar” a política, preservando-a dos ataques idealistas contra “tudo o que está aí”, em particular as casas legislativas, os governos, a elite política, agindo como se a sociedade fosse mais liberal e progressista do que seu Estado.

É um alerta justo, mas que em algum ponto da estrada perde contato com a realidade dura da política, cometendo o mesmo crime “idealista” atribuído a terceiros. Porque Paulo Fábio parece convencido de que é possível sair da crise tão-somente mediante tentativas de fazer vibrar as cordas da política, que são geradoras de uma mutação social que “é lenta e em nada se assemelha a uma ruptura fundadora”. Ele não admite que se substitua a frieza analítica por “vislumbres” que terminam por um “dar-de-ombros ao Brasil que já era, mas ainda é”. Ele sabe que o “patronato político” existe no Brasil, mesmo que o conceito de Faoro não deva ter livre curso: há uma “elite” que tem, desde sempre, segurado as rédeas do jogo político, atualizando-se com o passar do tempo. O “patronato” não é sempre o mesmo (donde ser possível incluir Lula, entre outros, como fazendo parte dele), mas seu estilo de atuação pode ser visto como reiterativo, compondo um dos nossos grandes problemas. Não pode ser visto como um núcleo de poder direcionado para a “corrupção”, não é expressão de um “patrimonialismo necessariamente corrupto”, mas dá curso a uma “oligarquia” que mistura pedaços inteiros do Brasil tradicional com partes do Brasil moderno, formando esse país que já era sem deixar de ter sido, “que já era mas ainda é”.

Fazer a crítica do patronato e do patrimonialismo não significa – não pode significar – desqualificar o Estado e seu papel. Não há, rigorosamente falando, qualquer relação de causalidade entre patrimonialismo e tamanho da máquina pública ou ineficiência estatal, nem muito menos entre patrimonialismo e corrupção. Acho que nem Faoro pensou assim. São coisas diferentes, que precisam ser analisadas em sua diferenciação. Mas é verdade que muitos críticos atacam o patrimonialismo para desse modo atacar o Estado. A vertente mais criativa dessa polêmica – a de Faoro, Florestan Fernandes e Sérgio Buarque de Holanda – vai em outra direção e acredita que o patrimonialismo é um “mal” vinculado a uma base material de desigualdade e a uma tradição perversa, cheia de sinuosidades, sendo que o combate a ele precisa tanto do Estado quanto da democracia política. Poderíamos dizer, em outro registro teórico, que o “patrimonialismo” é parte de um “bloco histórico” (Gramsci) que tem conseguido se reproduzir de forma contínua no Brasil.

Modos de pensar e agir
Nos alertas e ponderações de Paulo Fábio, quero crer, há um convite para que os democratas de esquerda busquem se reaproximar, rever seus procedimentos e recuperar suas inflexões intelectuais mais fortes. A discussão por ele proposta é importantíssima e deve ser aceita por todos os democratas e, particularmente, pelos que se perfilam no campo do comunismo democrático.

Dado o quadro de dificuldades e dissonâncias em que se vive, isso significa que estamos obrigados a travar uma batalha teórica entre nós, partindo do suposto de que nossas “verdades” (teóricas e políticas) podem ser revisitadas e atualizadas.

Atualizar tradições nunca foi e nunca será algo fácil. Sempre será possível aceitar um “sábio modo político de pensar”, incremental e construtivista, que forjou uma tradição (como, por exemplo, a do comunismo democrático), e ao mesmo tempo divergir em termos de encaminhamentos práticos. Paulo Fábio, por exemplo, está convencido de que o modo construtivista de pensar deveria levar os reformistas democráticos de esquerda a “moderar voz e dedos” e a ficar “mais atentos, menos indiferentes e nunca refratários às tentativas do governo atual de produzir alianças capazes de levar forças políticas que pariram a pinguela a sustentarem-na até outubro para propor ao país um programa eleitoral comum”. Para ele, estaria nisso o “fluxo contínuo da política”: cumulativo, gradual, sem rupturas.

Mas quem não vê a conjuntura desse modo, com o MDB contratado como um condottiere, estaria propondo “um novo modo de pensar”, que não é renovador mas somente “estranho” a uma tradição? Todos os que pensam diferentemente estariam cedendo a um “conservadorismo” que nos põe “em harmonia com um consenso já existente em torno da economia” e com os clamores moralistas da sociedade civil, mas nos faz “mandar politicamente às favas e, portanto, às calendas da filosofia, necessidades políticas que, dramaticamente, são requerimentos de hoje”?

A dura e implacável crítica é a um “idealismo antigo, entre nós inédito”, que “ensaia script para um agir pragmático sem vocação para tanto”. Paulo Fábio exagera, com certeza, o que talvez reflita a dificuldade que tem de definir com clareza seus adversários. Acaba, por isso, deslocando pessoas para o outro lado, sem buscar o que há de comum no horizonte de uma esquerda reformista, democrática e republicana, que de certo modo deita raízes numa mesma tradição política.

Façamos um pequeno exercício para explicitar algumas divergências que vicejam nos ambientes democráticos de esquerda, incluída a “Roda Democrática”.

Convite à reflexão
Estamos todos convencidos, por exemplo, de que precisamos nos aproximar do campo liberal, celeiro de ideias importantes para a formatação do mundo moderno. Não devemos jogar todas as fichas em alianças na política prática, mas buscar o diálogo também em termos de pensamento, nos modos de pensar. É uma estrada ampla, sinuosa, que foi trilhada pelo comunismo democrático há tempo, dentro e fora do Brasil. Não estamos todos convencidos, porém, de que a melhor tradução dessa aproximação seja um cerrar fileiras com o governo Temer ou vê-lo como o articulador possível no Brasil atual.

Temos muitos consensos quanto à influência do reformismo democrático. Estão todos hoje receosos tanto das dificuldades de proposição de uma candidatura que possa se mostrar competitiva e seja, ao mesmo tempo, democrática e aberta ao reformismo, quanto dos riscos da adesão popular a candidaturas antidemocráticas tipo Bolsonaro. Mas há os que entendem que uma postulação de “centro” precisa conter uma clara energia social (uma “inclinação à esquerda”, como já afirmei) e há os que pensam que o centro democrático é um valor em si, construído no âmbito do sistema político e sustentável sem maiores inflexões sociais.

Os democratas de esquerda não podem associar mecanicamente a corrupção ao “patronato político”, nem vislumbrar a “refundação moral da política do país”. Precisam dar atenção à corrupção e descobrir a melhor maneira de combatê-la, até porque isso ajuda à política e aos políticos. Varrer a corrupção para baixo do tapete, ou naturalizá-la, é tão deletério quanto colocá-la num pedestal de salvação da pátria. O desafio é dar à corrupção o justo peso na questão democrática e da justiça social, sem converter a luta contra ela no motor da dignidade e da moral pública. Mas há os que pensam que se deve dar um tratamento pontual à corrupção e outros que acreditam que a corrupção é um problema a ser subordinado ao jogo político e por ele resolvido, quando possível. Há, ainda, quem veja a corrupção como o maior problema nacional e quem entenda que a desigualdade é o verdadeiro complicador da vida nacional.

Hoje, a luta contra a corrupção sensibiliza vastos setores da sociedade e da sociedade civil, mas não recebe tratamento adequado na sociedade política. Devemos ajudar a alterar esse quadro e a reduzir a distância entre esses dois decisivos planos do Estado democrático. A “política dos cidadãos” não é antagônica à “política dos políticos”, mas é um vetor decisivo para fazer com que ela possa se completar. E vice-versa.

Há também a questão do Judiciário. Hoje, o Estado está “desequilibrado”, suas instituições não conseguem fornecer os ingredientes para “pacificar” o país e pavimentar um caminho de reorganização política. O Judiciário é o único poder que, a rigor, consegue se salvar, mesmo estando imerso em muitos desentendimentos. Apoiá-lo, a meu ver, não é celebrar um “compromisso radical com a punição”, nem muito menos “antepô-la, em ritmo e métodos, ao que pode nos oferecer a eleição”, como escreveu Paulo Fábio. É, ao contrário, dar forças a um agente que pode, por usufruir de uma posição circunstancial melhor que a dos demais poderes, defender a Constituição, a democracia e a lisura eleitoral.

O STF, e a rigor todo o Judiciário, age quando há vazios e omissões dos demais poderes, ou para legislar, ou para compensar a impotência dos políticos ou ainda para abrir espaços para causas estratégicas da sociedade civil. A “judicialização” é mais resultado de uma “despolitização”, de uma perda de potência do sistema político, do que uma deliberada usurpação voltada contra a política.

Isso tem a ver com a Lava Jato e com as interpretações jurídicas por ela impulsionadas, como é o caso, por exemplo, da prisão em segunda instância e da “presunção de inocência”. A divergência, aqui, pode aparecer tanto no que diz respeito ao maior ou menor respeito à letra da Constituição, quanto no que se refere ao embate entre “garantistas” e “punitivistas” ou à interpretação que se pode fazer do papel do Ministério Público e do próprio juiz Sergio Moro. Há quem veja neles a expressão bem acabada de um “tenentismo togado” – portanto, uma corporação destinada a enquadrar e rebaixar a política – e há quem os veja como uma “oportunidade” para que se recomponham os termos de convivência entre os brasileiros e se oxigene a atividade política no país.

Trata-se de uma divergência que pode ser processada de modo a produzir um entendimento comum, que certamente excluirá qualquer adesão “salvacionista” e demiúrgica ao que quer que seja.

O artigo de Paulo Fábio nos oferece um eixo para esse esforço de convergência: “No horizonte dado pelas duras circunstâncias dessa crise, Constituição e eleição são balizas que resumem os limites politicamente possíveis do nosso querer. Tudo o que as ameaçar, ou que limitar os seus poderes, deve nos acautelar, não animar”.

O ciclo que se abrirá com as eleições de 2018, seja qual for o vencedor, não trará consigo, automaticamente, a reorganização política do país nem entronizará uma forma categórica de reformismo. Forças se movimentarão e os desafios permanecerão em aberto. No mínimo por isso, estamos num momento excelente para superar divergências tópicas e ativar debates e reflexões, como tentei fazer aqui e como Paulo Fábio sempre faz.

* Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política da Unesp


O Globo: Fim do foro privilegiado deve reduzir em 95% ações no STF

Julgamento a ser retomado 4ª feira pode agilizar punições de políticos

Por Cleide Carvalho, de O Globo

Pela primeira vez, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) vai se debruçar, na próxima quarta-feira, sobre a restrição do foro privilegiado a políticos, atingindo 594 parlamentares da Câmara e do Senado. Pelo novo entendimento da maioria dos ministros, o foro especial deve passar a valer apenas para atos praticados durante o mandato e em decorrência dele. Apenas o ministro Alexandre de Moraes votou até agora pela inclusão também de crimes comuns.

O caso em discussão na Corte é o de Marcos da Rocha Mendes (PMDB), três vezes prefeito de Cabo Frio. Ele é acusado de distribuir carne às vésperas da eleição de 2008, e seus correligionários foram flagrados trocando notas de R$ 50 por votos. Desde então, Mendes foi prefeito e deputado federal e a denúncia transitou entre o Tribunal Regional Eleitoral (TSE) e o Supremo.

O relator do processo de Mendes no STF é o ministro Luís Roberto Barroso, que viu no caso uma oportunidade de mudar a questão do foro.

— O sistema é feito para não funcionar. Mesmo quem defende a ideia de que o foro por prerrogativa de função não é um mal em si, na sua origem e inspiração, não tem como deixar de reconhecer que, entre nós, ele se tornou uma perversão da Justiça — escreveu o ministro Barroso.

O julgamento da Ação Penal 937 no STF dura um ano. A proposta de Barroso foi apresentada em maio do ano passado. Dos oito ministros que votaram, seis acompanharam o relator. Dois ministros pediram vista — Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. O ministro Marco Aurélio Mello apenas divergiu quanto à parte final da tese. Para ele, caso a autoridade deixe o cargo, a prerrogativa cessa e o processo-crime permanece, em definitivo, na primeira instância da Justiça.

O STF tem hoje cerca de 500 processos contra parlamentares. De acordo com o quinto relatório Supremo em Números, da Fundação Getúlio Vargas, apenas 5% das ações penais contra autoridades que tramitaram de 2007 a 2016 permaneceriam na corte caso o plenário confirme a tese de Barroso.

FUGINDO DE MORO

A decisão, porém, alcança apenas uma fração dos mais de 54 mil detentores de foro privilegiado no país. O foro é, em si, uma fonte inesgotável de manobras de políticos para atrasar processos. O ex-deputado João Alberto Pizzolatti Junior (PP-SC) tem um caso sui generis. Logo no início das investigações da Lava-Jato, ele surgiu como um dos beneficiários do esquema de propina da Petrobras. Foi denunciado pelo Ministério Público Federal por ter amealhado R$ 460 milhões em propina, em conjunto com os colegas de partido como Pedro Corrêa, Pedro Henry, Mário Negromonte e Nelson Meurer.

Quatro anos depois do início da Lava-Jato, apesar das várias provas acumuladas, a situação de Pizzolatti está indefinida. Ele não tentou se reeleger em 2014, perdeu o foro, mas conseguiu ser nomeado secretário extraordinário do governo de Roraima, onde nunca morou, apenas para escapar do juiz Sérgio Moro.

Nem precisou. Seu caso nunca saiu do Supremo, mas pouco andou. No último dia 20, foi enviado à seção judiciária do Distrito Federal, por determinação do ministro Edson Fachin, que desmembrou o inquérito da cúpula do PP. O advogado de Pizzolatti, Michel Saliba, afirma que ainda não decidiu se vai ou não interpor recurso à decisão de Fachin. Mesmo sem cargo, Pizzolatti tem foro no Supremo porque seu caso está ligado ao de ex-colegas beneficiados.

A governadora Suely Campos, do PP, fez a nomeação, garantindo assim foro privilegiado em segunda instância — Tribunal Regional Federal da 1ª Região ou Tribunal de Justiça do Estado. Desde então, Suely nomeou Pizzolatti três vezes, mudando apenas o nome da secretaria. Seu salário era de R$ 23 mil. Pizzolatti já não trabalha para o governo de Roraima desde outubro de 2017.

Seu ex-colega Nelson Meurer não teve a mesma sorte. Deve ser julgado em 15 de maio pela Segunda Turma do STF. Meurer deverá ser, assim, o primeiro alvo da Lava-Jato sentenciado na Suprema Corte.


Luiz Carlos Azedo: Efeito Palocci

O acordo de delação premiada do ex-ministro da Fazenda com a Polícia Federal pegou de surpresa o Ministério Público, mas não surpreendeu a cúpula do PT, que sabia de sua intenção de assim sair da cadeia

Quanto mais o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reza, mais assombração lhe aparece. Tudo indica que seu ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, que também foi chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, realmente fez acordo de delação premiada com a Polícia Federal. Os termos da delação são desconhecidos, mas deverão cair no colo do juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. O acordo é o primeiro do gênero no âmbito da Lava-Jato e, de certa forma, atropela a força-tarefa do Ministério Público Federal, que havia recusado conceder o benefício a Palocci. Em tese, caberá a Moro homologar o acordo.

Palocci havia sinalizado a intenção de fazer delação premiada ao prestar depoimento sobre o funcionamento do esquema de propinas pagas pela Odebrecht para agentes públicos “em forma de doação de campanha, em forma de benefícios pessoais, de caixa um, caixa dois”. Na ocasião, assumiu que era o “Italiano” das planilhas da empresa e que havia se reunido com Lula para tratar da obstrução à Lava-Jato. O acordo de delação premiada do ex-ministro da Fazenda com a Polícia Federal pegou de surpresa o Ministério Público, mas não surpreendeu a cúpula do PT, que sabia de sua intenção de assim sair da cadeia, desde quanto ele a revelou ao ex-ministro José Dirceu, quando ainda estavam juntos na cadeia. Condenado a 12 anos e 2 meses de prisão em regime fechado, Palocci está na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, mas não tem contato com Lula. Sua decisão tem a ver com o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF), por 7 votos a 4, no dia 12 de abril, ter rejeitado o habeas corpus que sua defesa havia impetrado.

Palocci foi uma peça-chave na eleição de Dilma Rousseff em 2010, sendo o grande responsável pela arrecadação de recursos para a campanha junto ao empresariado. Seu desempenho garantiu-lhe o cargo de ministro da Casa Civil, uma espécie de volta por cima depois de ter sido defenestrado do Ministério da Fazenda no governo Lula, por causa da quebra de sigilo bancário de um caseiro, suspeito de vazar informações para a imprensa. O ex-ministro foi ejetado da Casa Civil por causa de um novo escândalo: a compra de um apartamento nos Jardins, área nobre de São Paulo, por R$ 7 milhões em valores da época, em dinheiro vivo.

Estruturado

Na versão inicial de Palocci, a conta de propina da Odebrecht que administrava teria recebido um depósito de R$ 40 milhões como forma de compensá-lo por negócios vantajosos que garantiu para o grupo durante dois mandatos. Cinco anos antes de comprar o apartamento, havia declarado à Justiça Eleitoral possuir patrimônio no valor total de R$ 375 mil, cujos principais bens seriam uma casa de R$ 56 mil em Ribeirão Preto, um terreno e três carros. Na ocasião da compra do apartamento, o ex-ministro também comprou um escritório nas proximidades da Avenida Paulista; pagou R$ 882 mil em dinheiro vivo.

Sempre houve a suspeita de que Palocci havia criado a empresa de consultoria para administrar R$ 120 milhões em propina repassados pela Odebrecht. Conforme a confissão do executivo Marcelo Odebrecht, essa conta “estruturada” era administrada por Palocci, mas se destinava ao PT, com conhecimento pleno de Lula. Nos bastidores da Lava-Jato, porém, comentava-se que Palocci poderia provocar a anulação da delação premiada da Odebrecht, pelos mesmos motivos que levaram à revisão da delação premiada da JBS: a omissão de informações. Não por acaso, Marcelo Odebrecht continua passando informações para a força-tarefa da Lava-Jato, para complementar seus depoimentos anteriores.

Ontem, foi mais um dia agitado na Lava-Jato. O juiz Sérgio Moro decidiu que a ação sobre o sítio de Lula em Atibaia deve permanecer em Curitiba, até que seja julgada a chamada exceção de incompetência impetrada pela defesa do ex-presidente, há oito meses, na Justiça Federal do Paraná. O senador Aécio Neves (PSDB) prestou três horas de depoimento na sede da Polícia Federal em Brasília, no inquérito que apura se recebeu propina da Andrade Gutierrez e da Odebrecht para beneficiar essas empresas na construção da usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia. E a Polícia Federal pediu a prorrogação por mais 60 dias do inquérito que investiga o presidente Michel Temer, aliados dele e empresas do setor portuário.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-efeito-palocci/


José Serra: Para inglês não ver

Aprovado no Senado, PL 428 objetiva induzir a administração pública ao gasto eficiente

No Brasil de hoje prevalece grande insatisfação com a qualidade dos serviços públicos, notadamente nas áreas de saúde, educação e segurança. Não poderia ser diferente, pois, até agora, os recursos destinados a essas áreas têm sido insuficientes ou mal empregados, ainda que vultosos.

Por isso é fundamental promover – até para estabelecer prioridades – avaliações transparentes e sistemáticas, nas três esferas de governo, dos custos e benefícios das políticas sociais postas em prática. E, paralelamente, reconhecer que será preciso reforçar as ações do Estado, tornando-as mais fortes e eficientes.

Nesse contexto, conviria começar por uma avaliação das experiências internacionais bem-sucedidas, com o intuito de subsidiar a formulação e a implantação das reformas em nosso país. Foi com base numa dessas experiências que se introduziu na agenda legislativa do Congresso o Projeto de Lei 428/2017, que objetiva criar no País um instrumento de gestão de gastos semelhante ao adotado em várias democracias modernas: o Plano de Revisão Periódica de Gastos. Esse projeto, apresentado na semana passada, acaba de ser aprovado quase por unanimidade no Senado. A rapidez deveu-se não só a entendimentos políticos, mas, sobretudo, à compreensão pelas forças políticas da sua importância, o que aumenta o otimismo quanto a uma rápida tramitação na Câmara.

Com o objetivo induzir a administração pública ao gasto público eficiente, o PL 428 institucionaliza no País um sistema permanente de revisão dos gastos, conhecido internacionalmente como Spending Reviews. É um modelo que já tem sido testado em diversos países – Austrália, Canadá, Reino Unido, Holanda e Dinamarca –, especialmente depois da crise de 2008, com bons resultados.

Os planos de revisão de gastos adotados pelos países da OCDE são instrumentos para garantir sustentabilidade fiscal a partir de um objetivo bem específico: propor alternativas para redução de gastos ou para dar prioridade a gastos mais importantes. Segundo Marc Robson, renomado especialista no tema, os países que adotam Spending Reviews geram economias ou ganhos de eficiência persistentes, de 2% a 3%, mesmo nos gastos obrigatórios. No Brasil isso poderá significar economia de até R$ 40 bilhões.

A proposta aprovada no Senado foi inspirada pelo encontro dos Poderes Legislativo e Executivo que se realiza anualmente nos Estados Unidos – o famoso State of Union. Previsto na Constituição, esse evento político é dos mais relevantes na democracia americana. Na abertura dos trabalhos do Congresso, o presidente dos Estados Unidos apresenta aos membros do Parlamento as condições do país e o que precisa ser feito – tudo transmitido e até debatido pela maioria dos meios de comunicação.

A Constituição brasileira também prevê o encontro entre os Poderes. De acordo com seu artigo 84, cabe ao chefe do Poder Executivo “remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País”. Essa solenidade, entretanto, não suscita ainda maior interesse na sociedade. O próprio Congresso tende a encará-la como um ato de natureza cerimonial. Por seu turno, o governo prepara um documento formal, em geral desinteressante.

O que se impõe como medida prioritária é a apresentação pelo presidente da República, na abertura das sessões legislativas a cada ano, de um verdadeiro plano de revisão de gastos, que apresente avaliações de custo e benefício de cada programa governamental. Paralelamente, devem ser apresentadas as medidas necessárias para o aprimoramento das políticas públicas, incluindo uma agenda legislativa consistente com esse programa.

O documento elaborado pela Presidência deve consolidar as alternativas de economia de gastos com base em avaliação sistemática e no cenário fiscal – que demonstre as consequências de manter a inércia dos gastos. As propostas devem ser apresentadas de maneira transparente, com prioridades e medidas específicas de poupança ou eventual deslocamento de recursos para ações prioritárias. É esta a missão de um governo eficiente: privilegiar programas com maiores benefícios para a sociedade, reduzindo desperdícios e encerrando políticas públicas que não deem resultado.

A instituição do Spending Review, em lei, garantira ao País uma sistemática de revisão de gastos não associada a grupos políticos. Todos os presidentes da República, independentemente de ideologias e crenças, teriam a obrigação de mostrar à sociedade a situação das contas públicas e o que precisar ser revisado para preservar a sustentabilidade fiscal e o desenvolvimento do País.

A criação desse sistema permanente de revisão de gastos é essencial para a sobrevivência do novo teto de gastos, aprovado pelo Congresso em 2016, que impede o crescimento real da despesa pública nos próximos dez anos. Nesse novo regime fiscal, repriorizações, escolhas alocativas, economias orçamentárias e ganhos de eficiência têm de ser a essência do processo orçamentário.

A prática de Spending Reviews nos permitirá avançar na maneira de fazer políticas públicas. A sociedade poderá acompanhar melhor as ações do governo, a evolução dos principais gastos e a qualidade dos programas de ajuste fiscal. Trata-se de uma medida que reforça o espírito da responsabilidade fiscal: “Uma ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e se corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas”.

No Reino Unido, as revisões periódicas de gastos são a marca registrada das finanças públicas desde 1998. A grande vantagem do modelo é a ampla aceitação pública e política. No período de 2010 a 2014, o Tesouro daquele país economizou cerca de 81 bilhões de libras.

O Brasil pode fazer o mesmo: uma gestão fiscal que economize, de fato, e não um ritual “para inglês ver”.

* José Serra é senador (PSDB-SP)