política
Abel Reis: Mentiras sobre as fake news
Não é verdade que todas as propostas para combatê-las são bem-vindas
Verdade: nunca produzimos e consumimos tanta fake news. Mentira: todas as propostas para combatê-las são bem-vindas. Verdade: suas causas e efeitos estão sendo discutidos e analisados exaustivamente. Mentira: com tanto debate e reflexão, compreendemos cada vez melhor esse fenômeno.
Certeza absoluta: as fronteiras que definem fake news são tão nebulosas quanto elas próprias. Na dúvida, faça como Descartes (1596-1650), o filósofo cujo método era duvidar de tudo o que os sentidos lhe traziam. Sendo assim, desconfie do muito fácil, da ausência de contrapontos e da falta de serenidade —dessa forma, poderá evitar conclusões ou soluções apressadas.
Fake news não é uma “evolução” da fofoca. As candinhas de antigamente (de carne e osso ou de revistas especializadas) podiam causar sofrimento e até estragos a uma reputação. Mas a mensagem circulava em ambiente restrito, com impactos, idem.
Hoje, elege-se um presidente à base de informações distorcidas. Uma fofoqueira não tinha o poder: 1) das redes sociais, com sua velocidade e alcance ilimitados; 2) da tecnologia acessível a qualquer usuário de smartphone, para manipular e distribuir imagens e áudios maciçamente e 3) de guardar e disponibilizar um conteúdo eternamente, à revelia dos envolvidos nele.
Fake news também não se confunde com discurso de ódio ou política. Diariamente, celebridades da TV, música e esporte são falsamente declaradas mortas ou doentes. Mas nem precisa ser famoso para tanto.
Marcelo Aparecido (juiz que apitou a vitória do Corinthians sobre o Palmeiras na final do Campeonato Paulista) foi acusado de ter um bar frequentado por jogadores e dirigentes corintianos. O boato viralizou, seu endereço caiu na rede, ele sofreu ameaças e até contratou segurança particular. De concreto, há uma foto do seu bar com torcedores de vários times e um histórico profissional bem-sucedido na arbitragem.
Ainda: fake news não se resolve com censura. É perigosa a ideia de investigar veículos suspeitos, lançada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O que significa investigar e o que vem depois da investigação? O que são veículos: tanto jornais e revistas tradicionais quanto blogs e perfis no Facebook e Twitter? Que critérios definem suspeição em ano de eleições em um país profundamente polarizado? Conteúdos fanfarrões, que brincam com a realidade e induzem a erros de interpretação, escaparão dessa peneira?
Fechar um site que comprovadamente age de má-fé é o mesmo que mirar o traficante da esquina para acabar com o tráfico de drogas. Em breve, mais dez estarão em ação. Fake news se combatem estimulando postura e leitura crítica e consciente perante a realidade.
No Reino Unido, a BBC realiza uma ampla campanha nas escolas, utilizando um game que simula uma redação. No jogo, os estudantes atuam como jornalistas e são instigados a questionar, checar e compreender em profundidade diferentes temas.
O bom jornalismo, vale lembrar, é arma poderosa contra a desinformação. A natureza de um veículo de comunicação (que depende de credibilidade), a estrutura de uma redação (com vários departamentos e funções), a regra do contraponto (sempre ouvir várias fontes), a sistemática de autocrítica (erros de apuração ou conclusão devem ser abertamente compartilhados com os leitores, pelo próprio veículo que os cometeu) e o timing da equipe (maior do que o de um blogueiro que trabalha sozinho) favorecem a construção de histórias sólidas.
A verdade (ou o mais próximo que se pode chegar dela) tem um período de cura. Fato: nesses novos tempos, produtores e consumidores de conteúdo ávidos pelo próximo furo ou viral correm riscos. De queimar e de serem queimados.
Abel Reis é presidente da operação brasileira da Dentsu Aegis Network (DAN), terceiro maior grupo global de comunicação e mídia
Luiz Carlos Azedo: Pintados para a guerra
A decisão de Fachin amplia o foco da Lava-Jato em relação ao MDB, que estava concentrado no Palácio do Planalto, mas agora chegou à cúpula do Senado
O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator da Operação Lava-Jato, determinou a investigação dos repasses milionários de recursos da J&F para políticos do MDB, principalmente do Norte e Nordeste, na eleição de 2014, ou seja, na reeleição da presidente Dilma Rousseff, irrigando com recursos financeiros seus palanques regionais. São os mesmos políticos “golpistas” que depois apoiaram o impeachment da petista, mas já se reaproximaram do PT nas coligações regionais dos seus respectivos estados. Os repasses somam mais de R$ 40 milhões.
Segundo a procuradora-geral, Raquel Dodge, as investigações serão feitas com base nas delações premiadas do ex-senador Sérgio Machado, que presidiu a Transpetro, e de Ricardo Saud, ex-executivo da J&F, e miram os senadores Renan Calheiros (AL), Jader Barbalho (PA), Romero Jucá (RR), Eunício Oliveira (CE), Vital do Rêgo (PB), hoje ministro do Tribunal de Contas da União, Eduardo Braga (AM), Edison Lobão (MA), Valdir Raupp (RO), Dario Bergher (SC) e Roberto Requião (PR). Também serão investigados o ex-ministro da Integração Helder Barbalho (PA), o ex-ministro do Turismo Henrique Alves (RN) e o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, que teria determinado os repasses da J&F, a pedido do PT.
A decisão de Fachin amplia o foco da Lava-Jato em relação ao MDB, que estava concentrado no Palácio do Planalto, mas agora chegou à cúpula do Senado, hoje presidido pelo senador Eunício Oliveira. A Casa é um bunker para a legenda, cujo poder no Norte e Nordeste do país deriva muito dessa posição de força em relação ao Executivo, qualquer que seja o presidente da República. Nem mesmo o presidente Michel Temer tem ascendência sobre esse grupo de senadores, que é muito unido. A abertura do inquérito, às vésperas de uma eleição em que os envolvidos disputam a recondução ao Senado ou pretendem concorrer aos governos locais, fragiliza-os eleitoralmente e deve provocar alguma reação política contra o ministério Público Federal (MPF), em linha com a Câmara.
A mais provável retaliação será a tentativa de acabar com o foro privilegiado para juízes e procuradores, restringindo-o aos presidentes dos três poderes da República. Já existe uma articulação para isso na Câmara, que deve ganhar força com o engajamento dos senadores do MDB. Eles influenciam outras bancadas e, também, os deputados federais a eles ligados. A legenda funciona como uma federação de caciques regionais, que operam com maestria a política nos estados. A Lava-Jato é outro alvo desses senadores, que já tentaram inclusive retirar as garantias constitucionais que protegem os juízes em relação às suas sentenças. São todos políticos muito experientes, com grande capacidade de articulação e sobreviventes de várias crises políticas nacionais. Destacam-se, nesse aspecto, Renan Calheiros e Jader Barbalho, que já presidiram o Senado, e Romero Jucá, atual presidente da legenda, que foi líder dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Hoje, é o líder do governo Temer.
Lava-Jato
Há duas polêmicas envolvidas neste caso. A primeira é sobre o foro adequado, já que, no último dia 3, o Supremo decidiu que deputados federais e senadores só terão direito ao foro privilegiado em casos de crimes cometidos durante o mandato e em função da atividade parlamentar. Nesse caso, o Ministério Público argumenta que “há razão suficiente para, neste momento, reconhecer que os fatos ocorridos denotam especial interligação nas condutas atribuídas a parlamentares federais e aos demais envolvidos”. A segunda tem a ver com o fato de que as doações da J&F nas eleições de 2014 precisam ser caracterizadas, pelas investigações, como “solicitações de vantagens indevidas pelos agentes políticos, antes de serem definitivamente entregues, dependiam de prévios interlóquios entre o ex-executivo Joesley Batista e Guido Mantega, ministro da Fazenda à época dos fatos”.
Esses temas vão gerar grandes polêmicas no Supremo Tribunal Federal. De certa forma, o fim das doações privadas de pessoas jurídicas, determinada pela Corte, passou uma régua nesse assunto, mas o passado não pode ser revogado e a linha divisória entre doações legais e lavagem de dinheiro de propina pelos partidos ainda não foi traçada. Há depoimentos de testemunhas, delações premiadas e o fluxo financeiro das transações investigadas, mas a interpretação do Ministério Público Federal precisa ser aceita pelo Supremo, a quem caberá separar o joio do trigo. Ou seja, haverá uma longa batalha jurídica. No plano eleitoral, porém, o desastre é imediato, pois a Polícia Federal terá 60 dias para concluir as investigações e isso significa uma agenda muito negativa às vésperas das eleições.
Não é à toa que os caciques do MDB estão pintados para a guerra. As declarações dos principais investigados dão bem o tom da reação, na qual todos têm uma tribuna livre no Senado para se defender, a começar pelo presidente da Casa: “A narrativa dos delatores é falsa e caluniosa”, disse Eunício Oliveira, que negou ter recebido doações eleitorais de Sérgio Machado, “seu adversário político histórico”, ou do Partido dos Trabalhadores. Jader Barbalho chutou o balde: “Desafio esse marginal internacional, dono da JBS, a provar, de qualquer forma, que eu recebi algum dinheiro dele, por doação oficial ou não”. Todos argumentam que receberam doações legais, devidamente declaradas à Justiça Eleitoral.
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Luiz Carlos Azedo: Uma vírgula
Doa a quem doer, o combate à corrupção pela Lava-Jato se tornou uma prioridade para a sociedade, como foi a luta contra a inflação no Plano Real
Quando a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) completou 100 anos, em 7 de abril de 2008, lançou uma campanha em parceria com o Grupo ABC que tinha a “vírgula” como protagonista. Com produção da agência África, de Nizan Guanaes, e narração do ator Matheus Nachtergaele, a campanha fez enorme sucesso: “Vírgula pode ser uma pausa… Ou não. Não, espere. Não espere… Ela pode sumir com seu dinheiro. 23,4. 2,34. Pode criar heróis… Isso só, ele resolve. Isso só ele resolve. Ela pode ser a solução. Vamos perder, nada foi resolvido. Vamos perder nada, foi resolvido. A vírgula muda uma opinião. Não queremos saber. Não, queremos saber. A vírgula pode condenar ou salvar. Não tenha clemência! Não, tenha clemência! Uma vírgula muda tudo. ABI: 100 anos lutando para que ninguém mude uma vírgula da sua informação.”
O presidente Michel Temer é a nova vítima da vírgula. A peça antológica, que virou case nas escolas de propaganda e marketing, foi ignorada pelo Palácio do Planalto, ao lançar o slogan comemorativo dos 24 meses de seu governo: “O Brasil voltou, 20 anos em 2”, em tempos de fake news, virou um tremendo tiro no pé, porque basta retirar a vírgula para mudar radicalmente o sentido da frase. O que era pra ser uma afirmação das realizações de sua administração virou objeto de piada. É óbvio que Temer não passou recibo da mancada, ao fazer um balanço de suas realizações, mas o assunto mais comentado no Palácio do Planalto ontem era a danada da vírgula.
Temer forçou a barra ao comparar seu governo com o de Juscelino Kubitschek, o construtor de Brasília, cujo slogan de governo foi “50 anos em 5”. O Plano de Metas de JK era um projeto de desenvolvimento nacional com 31 objetivos, um dos quais a transferência da capital federal. Baseava-se em estudos realizados pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos entre os anos de 1951 e 1953, cuja missão foi identificar os pontos cruciais de estagnação da economia brasileira que inviabilizavam o crescimento econômico do país em um viés capitalista e liberal.
Para promover “50 anos de progresso em 5 anos de realizações”, Juscelino escolheu cinco setores: energia, transportes, indústrias de base, alimentação e educação. Os três primeiros receberam 93% dos recursos, e educação e alimentação contaram apenas com 7%. Houve crescimento de 100% na indústria de base nacional, mas também um grande desequilíbrio monetário. Em contrapartida, o país esbanjou otimismo, num ambiente de liberdade, sem estado de sítio nem censura à imprensa, apesar da guerra fria.
O saldo de realizações do governo JK foi positivo, mas nem por isso ele deixou de ser atacado pela esquerda, após a renúncia de seu sucessor, Jânio Quadros, e a posse do trabalhista João Goulart, que acabou deposto por um golpe militar, em 1964. Liberal conservador, o PSD de Juscelino, Amaral Peixoto e Tancredo Neves é que dava equilíbrio de centro-esquerda à aliança com trabalhistas e comunistas que garantiu a posse de Jango, que logo se rompeu.
Juscelino era considerado entreguista pela esquerda e sua política de conciliação, uma ameaça de retrocesso, caso voltasse ao poder em 1965. Isso jogou o ex-presidente da República no colo das forças que depuseram João Goulart; quando se arrependeu do apoio aos militares, que suspenderam as eleições presidenciais, já era tarde: foi cassado e obrigado a se exilar. Morreu num desastre de automóvel, em 1976.
Futebol e política
Outra mancada foi misturar o velho slogan reciclado com o grito das torcidas de futebol em “O Brasil voltou”, uma alusão à entrada em campo de jogadores que estavam contundidos ou foram recontratados por suas equipes. Há certo mito em relação ao impacto do desempenho da seleção brasileira em copas do mundo nos anos de eleição. Isso vem da Copa de 1970, no México, quando o Brasil foi tricampeão e a Arena, partido governista do regime militar, obteve uma esmagadora vitória eleitoral. O slogan “Pra frente, Brasil” fez enorme sucesso àquela época, na qual o país vivia a euforia provocada pelas altas de taxas de crescimento do chamado “milagre brasileiro”, acima de 10%. Tanto que na Copa do Mundo de 2014, o traumático vexame da seleção, que perdeu por 7 a 1 para a Alemanha, não impediu a reeleição da presidente Dilma Rousseff.
Não faltam os “causos” de insucesso em relação à mistura de futebol com política. No antigo estado do Rio de Janeiro, um dos mais conhecidos era o da entrega de uniformes completos para um dos times de Niterói, pelo então candidato a governador do PSD, Getúlio de Moura. Depois que começou a partida, a charanga da torcida atacou: “Roberto Silveira, deu camisa e deu chuteira!”. O político trabalhista é que se elegeu governador, mas morreu precocemente num desastre de helicóptero, em 1961.
Voltando ao tema original, há que se reconhecer: diante da recessão que herdou de Dilma Rousseff, o presidente Temer realmente recolocou a economia do país nos trilhos, com o controle da inflação, a redução dos juros e a retomada do crescimento. Mas não resolveu o problema fiscal, porque a reforma da Previdência não foi aprovada, e o governo continua transbordando a Esplanada dos Ministérios. O maior problema do governo, porém, não é nem o desemprego. É a crise ética. Quem quiser que se iluda, doa a quem doer, o combate à corrupção se tornou uma prioridade para a sociedade, como foi a luta contra a inflação no Plano Real.
Vírgula – Campanha dos 100 anos da ABI
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Gil Castelo Branco: O dinheiro dos partidos políticos é da sua conta
São precárias as declarações de despesas e a identificação dos prestadores de serviço, em nível municipal, estadual e federal
Os partidos políticos terão nas próximas eleições R$ 2,6 bilhões provenientes de recursos públicos. O valor corresponde à soma dos Fundos Partidário (R$ 888,7 milhões) e Eleitoral (R$ 1,7 bilhão). Além disso, se considerado o montante que o governo abre mão de arrecadar em impostos por conta da veiculação do horário eleitoral gratuito na televisão e no rádio (R$ 1 bilhão), o dinheiro público que sai do Orçamento ou que deixa de entrar no caixa da União ultrapassa R$ 3,6 bilhões.
Os R$ 3,6 bilhões equivalem às despesas integrais somadas dos ministérios do Meio Ambiente e do Turismo em 2017. É muito dinheiro repartido sempre entre os mesmos. Nos últimos dez anos, os partidos brasileiros renovaram apenas um de cada quatro dirigentes, segundo análise da consultoria Pulso Público. A empresa avaliou a composição das Executivas e Diretórios Nacionais das legendas registradas na Justiça Eleitoral neste período. Como diziam as avós, muda a marmelada, mas as moscas são as mesmas.
Há dois meses, o Movimento Transparência Partidária divulgou relatório com balanço sobre o nível de transparência dos partidos no Brasil. O resultado foi contundente. Dos 35 partidos registrados na Justiça Eleitoral, o mais bem colocado no ranking obteve a nota 2,5 em escala que vai de 0 a 10. São precárias, por exemplo, as declarações de despesas e a identificação dos prestadores de serviço, em nível municipal, estadual e federal, e a publicação de dados em formato aberto, de forma a permitir que os cidadãos possam analisar as informações. Também não há clareza na relação dos filiados com os respectivos dados pessoais e no histórico de dirigentes, com as datas de ocupação dos cargos e a forma de escolha. Além disso, é difícil descobrir quais são as regras para ocupação de cargos nos partidos e como se dá a escolha dos candidatos nas eleições. São raras as listas de funcionários, suas funções, salários, agendas de atividades etc.
Pela legislação atual, os partidos são obrigados a declarar suas contas para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), uma vez por ano. Mas a análise e o julgamento dessas contas são bizarros. Há poucos dias, foram julgadas pela Corte, pasmem, as contas referentes ao ano de 2012. A defasagem é tal que sobre essas contas pairavam o risco e o vexame da prescrição, já consumada em anos anteriores. Os processos relativos aos anos subsequentes avolumam-se no TSE. Há cerca de 1.200.000 páginas pendentes de julgamento.
Ainda que tardios, os julgamentos trazem à tona enormes absurdos. Nas contas de 2011, analisadas em 2017, estavam notas fiscais de barris de chope, vinhos, caipirinha, uísque, jatinhos, banda de rock e até o pagamento a uma consultoria, pertencente a um funcionário do partido, para a realização de um “estudo”, copiado da internet.
Ao julgar as contas de 2012 no início deste mês, o TSE determinou que os partidos devolvam mais de R$ 13,3 milhões em virtude de irregularidades na aplicação de recursos do Fundo Partidário. Os maiores ressarcimentos ao Erário terão de ser feitos por PSDB (R$ 5,4 milhões), PT (R$ 1,53 milhão), DEM (R$ 1 milhão), PMN (R$ 922 mil) e PP (R$ 726 mil).
Vale lembrar que para diminuir a papelada, aprimorar e agilizar as análises, em 2006 a Justiça Eleitoral tentou implementar um sistema eletrônico para prestação de contas partidárias, semelhante ao utilizado pela Receita Federal para a declaração do Imposto de Renda. A proposta acabou engavetada devido à forte resistência das legendas. Os partidos continuaram a enviar suas prestações de contas em papel, usando classificações genéricas para justificar os gastos, como “serviços técnicos”, “manutenção da sede” ou “transporte”, dificultando a identificação exata de como os recursos foram utilizados.
No ano passado, finalmente, as receitas e despesas dos partidos políticos passaram a ser informadas ao TSE por meio do chamado Sistema de Prestações de Contas Anuais (SPCA). Ainda assim, em 3 de abril deste ano, em reunião no TSE, os partidos políticos solicitaram ao presidente do tribunal a suspensão do uso do sistema eletrônico, com o que, felizmente, não concordou o ministro Luiz Fux. Além de manter a ferramenta como obrigatória, o ministro manteve o prazo — que se esgotou em 30/4 — para que os partidos completassem as declarações no sistema.
Pessoalmente, entendo que as informações prestadas pelos partidos devem ser imediatamente divulgadas na internet, em formato que facilite a pesquisa, inclusive em dados abertos.
Afinal, o dinheiro dos partidos políticos é da nossa conta.
* Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não-governamental Associação Contas Abertas (gil@contasabertas.org.br)
Luiz Carlos Azedo: Ossos da abertura
Durante os governos Lula e Dilma, a Comissão de Verdade teve oportunidade de passar tudo a limpo, mas não revirou os porões do regime militar
A divulgação pelo pesquisador Matias Specktor, da Fundação Getulio Vargas (FGV), de memorando da CIA sobre reunião de 30 de março de 1974, entre o presidente Ernesto Geisel e três subordinados dos órgãos de segurança do Estado (generais Milton Tavares de Souza, Confúcio Danton de Paula Avelino, respectivamente o chefe que sai e o que entra do Centro de Informações do Exército (CIE), e João Baptista Figueiredo, chefe do SNI) reabriu o debate sobre a anistia na opinião pública.
O documento teve grande repercussão no Brasil e no exterior. “Desconstrói” a imagem do general Geisel, o presidente militar que ampliou a estatização, apostou na exploração de petróleo em alto mar, criou o Proálcool, assinou o acordo nuclear com a Alemanha e reconheceu o governo de Agostinho Neto (MPLA), em Angola, até mesmo antes de a União Soviética fazê-lo. A “distensão” de Geisel permitiu a espetacular vitória do antigo MDB nas eleições de novembro de 1974, quando a oposição renasceu das cinzas, depois do fiasco eleitoral de 1970, momento em que a Arena, o partido do regime, venceu as eleições de ponta a ponta, menos no Rio de Janeiro. Em resposta, Geisel mudou as regras do jogo eleitoral com o Pacote de Abril de 1977, que criou o “senador biônico”, mas nem assim evitou nova derrota acachapante da Arena no pleito de 1978.
Àquela época, qualquer militante de esquerda engajado numa das organizações de oposição ao regime sabia que havia uma política de extermínio de líderes e dirigentes políticos da oposição, estivessem envolvidos com a luta armada ou não. O alto clero católico e a cúpula do regime militar, também, tanto que criaram uma comissão bipartite para tratar das violações de direitos humanos e dos sequestros praticados pelos órgãos de segurança, encabeçada pelo arcebispo do Rio de Janeiro, cardeal Dom Eugênio Salles, e pelo general Antônio Carlos Murici, católico praticante. A comissão teve atuação discreta, mas cumpriu um papel relevante, salvando vidas.
O documento sobre a reunião é horripilante, mostra que o general Milton detalhou o trabalho do CIE durante o governo Médici, revelou a execução de 104 pessoas pelo CIE nos dois anos anteriores. Figueiredo apoiou e insistiu em sua continuidade. Geisel disse que pensaria sobre o assunto no fim de semana. No dia 1ª de abril, disse a Figueiredo para continuar com a política. Relatório da Comissão Nacional da Verdade constatou que 401 pessoas foram mortas ou desapareceram nos 21 anos de ditadura (1964-1985), a maioria no governo Emílio Médici (1969-1974). Já nos governos Geisel e Figueiredo morreram ou desapareceram 89 pessoas (1/4 do total desde o início do regime).
O jornalista Eumano Silva, que pesquisa a atuação dos órgãos de segurança durante o regime militar, pelo Twitter, destaca o impacto imediato da decisão: em 3 de abril de 1974, ou seja, dois dias depois da reunião, foram presos os dirigentes do Comitê Central do PCB João Massena Mello, Luiz Inácio Maranhão Filho e Walter de Souza Lima. Massena era metalúrgico e ex-deputado estadual cassado da antiga Guanabara, havia acabado de cumprir dois anos de prisão. Jornalista e professor universitário, Maranhão era ex-deputado estadual do Rio Grande do Norte, atuava junto ao clero católico, era amigo e interlocutor de Eugênio Salles. Ribeiro era jornalista e ex-tenente do Exército, expulso da Força por se opor ao envio de tropas brasileiras à guerra da Coreia; trabalhou com a equipe de Oscar Niemeyer na Terracap, na construção de Brasília, até o golpe de 1964. Era responsável pela montagem dos “aparelhos” da direção do PCB. Os três foram executados, seus corpos nunca foram localizados, como outros da lista.
Anistia recíproca
Diante dessas revelações estarrecedoras, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, que presidiu a Comissão da Verdade em 2013, cobra do Supremo Tribunal Federal (STF) a rediscussão da anistia dada aos agentes da ditadura: “A tortura era uma política de Estado, comandada pela Presidência, e Geisel foi coautor dos homicídios praticados”, argumenta, para concluir: “Neste momento em que corremos o risco de voltarmos à ditadura pelo voto, é importante demonstrar o que ela foi no Brasil”.
Esse é o ponto. A anistia recíproca foi a moeda de troca para a democratização, numa longa transição pacífica, iniciada em 1979 e somente concluída nas eleições diretas de 1989. Na Espanha, o acordo incluiu a restauração da Monarquia; na África do Sul, foi uma das condições para o fim do apartheid e a entrega do poder a Mandela. Aprovada pelo Congresso, fazia parte da estratégia de abertura do regime, que pretendia se institucionalizar via colégio eleitoral. À época, políticos exilados, como Leonel Brizola (PDT), Miguel Arraes, Luiz Carlos Prestes e Hebert de Souza (Betinho), o irmão do Henfil, voltaram ao Brasil.
A abertura de Figueiredo possibilitou o surgimento de partidos, inclusive o PT, mas não a legalização do PCB e do PCdoB. Viabilizou a transição, cujo ponto de ruptura com o regime foi a eleição de Tancredo Neves, um político liberal e moderado, que morreu sem assumir. Não foi à toa que os militares envolvidos nos assassinatos e torturas exigiram a anistia: as ordens vieram da Presidência. Durante os governos Lula e Dilma, a Comissão de Verdade teve oportunidade de passar tudo isso a limpo, mas não revirou os porões do regime militar, nem mesmo em relação à identificação dos ossos do cemitério de Perus nem sobre a atuação dos infiltrados nas organizações de esquerda. Sem embargo de que toda verdade é bem-vinda, e as famílias merecem toda reparação, por que mexer com a anistia recíproca?
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Julianna Sofia: Temer completa dois anos no Planalto enfraquecido e impopular
Presidente subsiste no cargo desde 17 de maio de 2017, quando foi solapado pela delação da JBS
A festança motivacional da Caixa Econômica Federal para 6.000 gerentes no Mané Garrincha, na próxima semana, é quase uma metáfora da gestão de Michel Temer —o presidente, sem voto, que completa dois anos no cargo neste 12 de maio.
O estádio de R$ 1,6 bilhão simboliza o legado superfaturado e corrompido da Copa, um elefante branco hoje subutilizado pelo governo local. Envolta em operações da Polícia Federal por desvios, a Caixa enfrenta um processo de enxugamento operacional (corte de agências e de pessoal) e de busca por eficiência, ao passo que é alvo sistemático dos ataques com fins eleitoreiros da ala política do governo do emedebista. Seu presidente é indicação do PP.
Enfraquecido e impopular, Temer subsiste no cargo desde 17 de maio de 2017, quando foi solapado pela delação da JBS e passou a drenar energia diária esquivando-se de denúncias de corrupção.
Com nomes incensados em sua equipe econômica original, obteve avanços na economia, ao tirar o país da pior recessão do período recente e derrubar a inflação e a taxa básica de juros a mínimas históricas. Conquistas ainda relativas diante do desemprego elevado, do crédito caríssimo para o tomador final, do inexistente investimento público e do quadro fiscal assustador —com teto de gastos e regra de ouro a ruir.
Retrocedeu na agenda ambiental, social e de costumes. É sintomático que nos dois anos de sua administração a Funai tenha hospedado três presidentes (um deles, militar), que regra flexibilizando trabalho escravo tenha sido vista —depois revista— e que mulheres no comando de ministérios sejam fato inusual.
Sob o emedebista, Executivo e Legislativo fizeram avançar uma pauta de interesse do empresariado e de setores de viés conservador. Investida recente tenta enfraquecer o controle de agrotóxicos, que serão nomeados “produtos fitossanitários”.
Um hábito singular de Temer no Palácio do Planalto é recuar (em qualquer tema). Na metáfora da festança, a Caixa ainda pode voltar atrás.
* Julianna Sofia é secretária de Redação da sucursal em Brasília. Atuou na cobertura de temas econômicos.
Luiz Carlos Azedo: O passado que assusta
Documento mostra que havia uma lista de condenados à morte, que foram executados com prévio conhecimento e autorização de Figueiredo e Geisel
Um documento divulgado ontem pelo pesquisador Matias Specktor, da Fundação Getulio Vargas (FGV), lança por terra todas as versões de que o então presidente Ernesto Geisel não endossou a tortura e os assassinatos de oposicionistas nos quartéis, em razão da demissão sumária do comandante do 2º Exército, Ednardo D’Ávila Mello, após morte do operário Manoel Fiel Filho nas dependências de uma unidade do Exército na Rua Tutóia, em São Paulo.
O metalúrgico morto vivia na capital paulista desde os anos 1950. Havia sido padeiro e cobrador de ônibus antes de exercer a função de prensista na Metal Arte, no bairro da Mooca. Em janeiro de 1976, foi preso por dois agentes do DOI-Codi, na fábrica, sob a acusação de pertencer ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). No dia seguinte à sua prisão, os órgãos de segurança emitiram nota oficial afirmando que Manuel havia se enforcado em sua cela com as próprias meias. Porém, de acordo com colegas, quando preso, usava chinelos sem meias.
As circunstâncias da morte são muito semelhantes às de Alexandre Vannucchi Leme e Vladimir Herzog, que geraram grandes protestos à época. Segundo relato da esposa, no dia seguinte à prisão, um sábado, às 22h, um desconhecido, dirigindo um Dodge Dart, parou em frente à casa e, diante dela, das duas filhas e de alguns parentes, disse secamente: “O Manuel suicidou-se. Aqui estão suas roupas”. Em seguida, jogou na calçada um saco de lixo azul com as roupas do operário morto. A mulher dele, então, teria começado a gritar: “Vocês o mataram! Vocês o mataram!”. A vida e a morte de Manuel são a base do documentário Perdão, mister Fiel — o operário que derrubou a ditadura no Brasil, dirigido pelo jornalista Jorge Oliveira, que mostra a atuação dos Estados Unidos na caça aos comunistas e nas ditaduras militares na América do Sul.
O episódio da demissão do comandante do Exército foi um momento de inflexão na repressão à oposição e, de certa forma, humanizou a passagem do general Geisel pela Presidência da República, tanto em razão da versão relatada no livro do jornalista Élio Gáspari, como também de sua entrevista autobiográfica a Maia Celina DÁraujo e Celso Castro, historiadores, na qual o episódio também é abordado.
Política de Estado
“Este é o documento secreto mais perturbador que já li em 20 anos de pesquisa”, comentou Matias Specktor. O memorando é um relato da CIA sobre reunião de março de 1974 entre o General Ernesto Geisel, presidente da República recém-empossado, e três assessores: o general que estava deixando o comando do Centro de Informações do Exército (CIE), o general que viria a sucedê-lo no comando e o General João Figueiredo, indicado por Geisel para o Serviço Nacional de Informações (SNI). O primeiro, o quinto e parte do sexto parágrafos do documento permanecem em sigilo:
“2. Em 30 de março de 1974, reuniu-se presidente do Brasil, Ernesto Geisel, com o general Milton Tavares de Souza (chamado de general Milton) e o general Confúcio Danton de Paula Avelino, respectivamente o chefe que sai e o que entra do Centro de Informações do Exército (CIE). Também esteve presente o general João Baptista Figueiredo, chefe do SNI.
3. O general Milton, que falou durante a maior parte do tempo, detalhou o trabalho da CIE contra os alvos subversivos internos durante a administração do ex-presidente Emílio Garrastazu Médici. Ele ressaltou que o Brasil não pode ignorar a ameaça subversiva e terrorista e que os métodos extralegais devem continuar sendo usados contra subversivos perigosos. A esse respeito, o general Milton disse que cerca de 104 pessoas nessa categoria foram sumariamente executadas pelo CIE durante o ano passado, ou pouco antes. Figueiredo apoiou essa política e insistiu em sua continuidade.
4. O presidente, que comentou a seriedade e os aspectos potencialmente prejudiciais dessa política, disse que queria refletir sobre o assunto durante o fim de semana antes de chegar a qualquer decisão sobre sua continuidade. Em 1º de abril, o presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que muito cuidado deveria ser tomado para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados. O presidente e o general Figueiredo concordaram que, quando o CIE prender uma pessoa que possa se enquadrar nessa categoria, o chefe do CIE consultará o general Figueiredo, cuja aprovação deve ser dada antes que a pessoa seja executada. O presidente e o general Figueiredo também concordaram que o CIE deve dedicar quase todo o seu esforço à subversão interna e que o esforço geral do CIE será coordenado pelo General Figueiredo.
6. Uma cópia deste memorando será disponibilizada ao secretário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos. [1½ linha não desclassificada]. Nenhuma distribuição adicional está sendo feita.”
Esse documento mostra que havia uma lista de condenados à morte, que foram executados com prévio conhecimento e autorização de Figueiredo e Geisel, ao mesmo tempo em que ambos operavam uma política de distensão cujo objetivo era a transferência do poder para um civil ligado ao regime e a retirada em ordem dos militares do poder para os quartéis. O primeiro objetivo foi frustrado pela eleição de Tancredo Neves, em 1985, mas o segundo foi alcançado plenamente, com a anistia recíproca.
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Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro e Lula
A tática do PT para evitar um desastre eleitoral em 2018 facilita a vida do ex-militar, que consolidou a imagem do antipetista
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou ontem um pedido de liberdade apresentado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa votação virtual que está em 4 a 0. Votaram contra o pedido os ministros Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato, e Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandovski. Falta votar o ministro Celso de Mello. Conhecida como Jardim do Éden, porque tem uma maioria de ministros garantistas, que frequentemente concede habeas corpus aos réus, a decisão de ontem é uma pá de cal nas pretensões do petista de concorrer à Presidência da República até que a sua inelegibilidade tenha transitado em julgado no Supremo. Sinaliza que não sairá da cadeia antes da eleição.
No mesmo dia em que Lula sofreu mais uma derrota acachapante na Justiça, seu principal concorrente, o deputado Jair Bolsonaro, foi entrevistado pelos colegas Leonardo Cavalcanti, editor de Política do Correio, e a colunista Denise Rothenburg (Brasília-DF), no programa CB Poder, da TV Brasília. Acompanhado em tempo real no Facebook, a entrevista teve 7,9 mil comentários, 1,7 mil compartilhamentos e 79 mil visualizações, a maioria esmagadora em apoio às declarações do ex-militar (veja o resumo na edição de hoje do Correio) e atacando os dois jornalistas. Qualquer declaração estapafúrdia do entrevistado era veementemente endossada por seus apoiadores. É um fenômeno semelhante ao que aconteceu na eleição de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos, que derrotou a democrata Hilary Clinton. Qualquer desatino de Trump fazia sucesso entre seus eleitores.
Tendo o ex-presidente Lula como inimigo principal, Bolsonaro construiu uma campanha cujas características principais são um discurso duro e reacionário, que agora começa a derivar contra a centro-esquerda, tipo todo mundo é farinha do mesmo saco; segundo, uma agenda focada na segurança pública e de conteúdo conservador nas questões de gênero; terceiro, uma base de apoio radicalizada, que se organizou nas redes sociais e tem poder mobilização onde quer que seu candidato vá. Bolsonaro é um gênio fora da garrafa; não volta mais. Os seus eleitores, digamos assim, não têm vergonha de ser feliz e pensam igualzinho ao seu candidato.
Há pelo menos duas razões robustas para o enraizamento da candidatura de Bolsonaro, ambas têm a ver com os governos Lula e Dilma Rousseff. A primeira é o hegemonismo petista no campo da esquerda, que passou a ser sinônimo de incompetência e corrupção. Quanto mais o PT desqualifica os demais partidos de esquerda, mais fortalece essa tendência. A segunda é a captura dos governos petistas pelo patrimonialismo, o fisiologismo e a corrupção, o que agora permite que o foco de Bolsonaro derive com força para a questão ética, no estilo do velho “udenismo”. De certa forma, a antiga oposição também preparou o terreno para isso, embora agora também esteja em chamas.
Alianças
De certa maneira, a tática desesperada adotada pela cúpula do PT para evitar um desastre eleitoral em 2018 com a inelegibilidade de Lula, mantendo sua candidatura inviável, mesmo que o líder petista já esteja preso, facilita a vida de Bolsonaro, que consolidou a imagem do anti-Lula. E acaba complicando a vida do próprio PT, porque abre espaço para a transformação de um dos demais candidatos no anti-Bolsonaro. Essa será a corrida do primeiro turno, entre Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede), à esquerda, Geraldo Alckmin (PSDB) e Álvaro Dias (Podemos) e Rodrigo Maia (DEM), mais ao centro; descartada a candidatura de Joaquim Barbosa (PSB), que desistiu da disputa antes mesmo de entrar, embora já aparecesse nas pesquisas como um grande azarão da eleição.
O grande problema de Bolsonaro é que o discurso contra tudo o que está aí tem um preço: o isolamento político, que pode ser fatal por causa do tempo de televisão. Nas redes sociais, Bolsonaro vai muito bem, obrigado; na tevê aberta, porém, será um fiasco. Nesse aspecto, contudo, está no mano a mano com a Marina. O problema é o que pode acontecer se essa desvantagem estratégica, em termos de televisão, se mantiver como nas eleições passadas. Bolsonaro pode minguar e os candidatos com mais tempo de televisão, crescer.
Essas são as grandes apostas de Alckmin e Maia. O primeiro começa a se reaproximar do MDB, apesar do ônus que isso pode trazer num momento em que o presidente Michel Temer e seus principais auxiliares são a bola da vez da Operação Lava-Jato. O segundo tenta uma aproximação com o Solidariedade e o PP, o que lhe daria uma bancada numerosa e barulhenta na Câmara e paridade estratégica com Alckmin em termos de tempo de televisão.
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Luiz Carlos Azedo: Música para profissionais
Desta vez, a esfinge é que foi devorada. Com a saída de Barbosa, que seria o grande outsider nas eleições deste ano, o jogo voltou a ser exclusivamente dos políticos, com seus defeitos e qualidades
Já virou lugar-comum a frase famosa do compositor e maestro Antônio Carlos Jobim: “O Brasil não é para principiantes”. Serve como uma luva para a decisão do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa de não concorrer à Presidência da República. O ex-ministro, depois que se filiou ao PSB, apareceu em todas as pesquisas como um candidato competitivo, mas em nenhum momento anunciou a candidatura. Nem a cúpula do PSB. Ontem, pelo Twitter, comunicou a desistência; os governadores do PSB agradecem.
Barbosa é orgulhoso de ter chegado aonde chegou pelo esforço pessoal; nas peladas ou nas sessões do Supremo, não era de levar desaforo para casa. Notabilizou-se como relator do mensalão, a ação penal que levou à cadeia o ex-presidente do PT José Genoíno, o tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex-ministro José Dirceu, entre outros caciques da legenda. Entretanto, não era um antipetista de carteirinha. Não só havia votado no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como se manifestou contra o impeachment de Dilma Rousseff.
A candidatura de Barbosa empolgou os militantes do PSB, mas não seus governadores, principalmente o de Pernambuco, Paulo Câmara; muito menos o de São Paulo, Márcio França, o vice que assumiu o lugar de Geraldo Alckmin (PSDB) com o compromisso de apoiar o tucano à Presidência. No encontro que teve com a Executiva do PSB, ficou patente a falta de empatia entre os caciques do partido e o jurista cascudo. Fizeram um pacto de não-agressão: Barbosa saiu falando que não havia se decidido ainda e, a Executiva do PSB, que avaliaria a candidatura.
Mesmo assim, o suspense mexeu com o posicionamento dos demais candidatos. As candidaturas de Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e Alckmin foram abaladas. Barbosa também era uma ameaça para Jair Bolsonaro. A seguir, o ex-ministro passou a ser fustigado na mídia e nas redes sociais como se fosse candidato. O questionamento era sobretudo em relação às suas ideias políticas. Grosso modo, Barbosa é um democrata com ideais liberais sobre o Estado, mas muito pouco se sabe sobre o que pensa em relação à economia e à política propriamente dita. Nesse período de lusco-fusco, comportou-se como um grande mudo. E foi muito cobrado por isso.
Barbosa permaneceu assaltado pelas dúvidas em relação à candidatura, em razão de certa ojeriza pela política tradicional, que exige muita inteligência emocional para administrar conflitos, fazer alianças complexas, suportar traições e frustrações de toda ordem. Desta vez, a esfinge é que foi devorada. Com a saída de Barbosa, que seria o grande outsider nas eleições deste ano, o jogo voltou a ser exclusivamente dos políticos profissionais, com seus defeitos e qualidades.
Novo cenário
Ainda há muita indefinição no cenário eleitoral. Até agosto, com uma Copa do Mundo no meio do caminho, muita coisa pode acontecer. Mas algumas tendências já estão mais ou menos definidas. A primeira é a ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva do pleito. Preso em Curitiba, dificilmente sairá da cadeia até as eleições. Isso significa que não possa transferir votos para outro petista? Não, ainda tem prestígio eleitoral e conta com a resiliência dos militantes do PT. A insistência em manter sua candidatura, porém, fragiliza a campanha de seu substituto. Aparentemente, Lula está mais preocupado com a sua imagem do que com o desempenho eleitoral do seu eventual substituto. Entretanto, tudo dependerá da cabeça do eleitor.
Uma consequência imediata da não candidatura de Lula é o favoritismo de Bolsonaro (PSL), cuja campanha ganhou características de massa, embora não consiga ampliar suas alianças e tenha pouco tempo de televisão. A mesma coisa acontece, num quadrante à esquerda, com Marina Silva (Rede), que vive o mesmo dilema do isolamento político e da falta do tempo de televisão. Outra tendência é o fortalecimento da candidatura de Ciro Gomes (PDT), que herda os votos de Lula no Nordeste e pode vir a ser um candidato apoiado pelo próprio PT, como alguns petistas importantes já defendem nos bastidores. Álvaro Dias (Podemos) também se fortalece no Sul, avançando pela franja paulista da fronteira do Paraná.
E onde está o centro? A candidatura de Michel Temer à reeleição não passou de sonho de uma noite de verão. Encurralado pela Lava-Jato, o presidente da República não tem como manter o MDB unido em torno de seu nome por causa da impopularidade. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), que também se lançou candidato, não vive o drama da rejeição astronômica, mas também não consegue emplacar a candidatura. Quem resiste é Alckmin, muito mais pelo estoicismo do que pela sua força eleitoral. Fora do Palácio dos Bandeirantes, dedica-se a montar os palanques do PSDB nos estados e tenta uma aproximação com o MDB. A vantagem estratégica que tem na eleição é o tempo de televisão e esses palanques; mas ninguém sabe se isso funcionará como rampa de decolagem na eleição.
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Luiz Carlos Azedo: Boff e a ideia
A narrativa glauberiana do ex-franciscano não é gratuita, mira a punição imposta pela Justiça. Lula é tratado como um messias, que surge para anunciar a boa nova
O teólogo Leonardo Boff, após visitar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, comparou o petista a dois ícones mundiais, o indiano Mahatma Gandhi, que liderou a independência da Índia com sua “resistência pacífica”, e Nelson Mandela, que comandou da prisão a luta contra o apartheid na África do Sul, que teve um braço armado. Boff disse que Lula é candidatíssimo e se coloca “acima das brigas jurídicas”.
Boff havia tentado visitar o ex-presidente em 19 de abril, mas o pedido foi negado. Entretanto, Lula foi autorizado a receber “assistência espiritual” às segundas-feiras, além de visitas de dois “amigos” às quintas. Aproveita essas oportunidades para fazer campanha. “Se ganhar, vou não só repetir aquelas políticas sociais que fiz, mas fazer com que sejam políticas de Estado, que entrem no Orçamento, que sejam o centro do poder econômico e político orientado para aqueles que sempre foram excluídos”, disse Lula ao teólogo.
Ao sair do encontro, Boff afirmou que o petista está “muito bem” e “tem uma indignação justa, de quem sofre por causa de falsificações, distorções e mentiras com o objetivo de liquidar a candidatura dele e enfraquecer o mais possível o PT”. A narrativa é puro messianismo, do tipo “dragão da maldade” contra o “santo guerreiro”, corroborada por um teólogo da libertação. Como se sabe, na década de 1960, Boff exerceu grande influência na Igreja Católica, não somente no Brasil, mas em toda a América Latina.
A Teologia da Libertação se baseou em três correntes teológicas: o Evangelho Social, a Teologia da Esperança e a Teologia Antropo-política, que inspiraram o teólogo Harvey Cox, em 1965, a contestar a obra clássica de Santo Agostinho, De Civitate Dei. No lugar da clássica divisão entre a cidade dos homens (o mundo terreno) e a cidade de Deus (o mundo espiritual), a cidade dos operários oprimidos (o mundo proletário), a cidade dos donos do poder (o mundo geopolítico) e a cidade dos capatazes opressores (o mundo burguês).
Na obra Uma teologia da esperança humana (cujo título original era Em direção a uma Teologia da Libertação, sua tese de doutoramento no Princeton Theological Seminary), o então pastor presbiteriano e teólogo brasileiro Rubens de Azevedo Alves, no exílio, estabeleceu o que pode ser chamado de “afinidade eletiva” entre as teses de Cox e o marxismo: a dualidade mundo terreno/mundo espiritual teria sido superada pela dualidade mundo proletário/mundo burguês. O passo seguinte, a criação das chamadas “comunidades eclesiais de base”, teve grande apoio do alto clero católico latino-americano que fazia oposição aos regimes militares.
Na Igreja Católica, os principais teólogos latino-americanos foram o peruano Gustavo Gutiérrez, dominicano, recentemente recebido pelo Papa Francisco, numa espécie de “reabilitação”, e Leonardo Boff, que era franciscano. As críticas de Boff à hierarquia da Igreja, no livro Igreja, Carisma e Poder, acabaram provocando forte reação de Roma. Foi punido pela Congregação para a Doutrina da Fé, então dirigida por Joseph Ratzinger, mais tarde o Papa Bento XVI.
Sem batina
O próprio Cardeal Ratzinger concluiu que as opções de Boff “são de tal natureza que põem em perigo a sã doutrina da fé, que esta mesma Congregação tem o dever de promover e tutelar”. Em 1985, o franciscano foi condenado a um ano de “silêncio obsequioso”, perdendo sua cátedra e suas funções editoriais na Igreja Católica. Em 1986, recuperou algumas funções, mas sempre sob observação de seus superiores. Em 1992, ante novo risco de punição, pediu dispensa do sacerdócio. Uniu-se, então, à educadora e militante dos direitos humanos Márcia Monteiro da Silva Miranda, divorciada e mãe de seis filhos, com quem mantinha uma relação amorosa em segredo desde 1981.
A Igreja Católica dedicou dois documentos à Teologia da Libertação na década de 1980, considerando-a herética e incompatível com a doutrina católica, mas o movimento se manteve vivo, com reuniões a cada dois anos. No Brasil, sob a liderança de outro teólogo, Frei Beto, que é amigo de Lula e de Boff, as “comunidades eclesiais de base” derivaram para a construção do PT, o que garantiu ao partido sua base popular fora do âmbito do movimento sindical, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Sem esse apoio, o PT jamais seria um partido nacional e de massas; e Lula também não seria uma “ideia”, pois o petista nunca defendeu uma doutrina política, sempre se considerou “uma metamorfose ambulante”.
A narrativa glauberiana de Boff não é gratuita, mira a punição imposta pela Justiça. Lula é tratado como um messias, que surge para anunciar a boa nova e trazer a esperança de volta àqueles que não a têm, uma espécie de cristo dos desvalidos, em torno do qual os excluídos e oprimidos devem se reunir. A ideia de que o petista está “acima das brigas jurídicas” é perigosa, pois subordina o Supremo Tribunal Federal (STF) à ambição de poder do PT.
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João Pereira Coutinho: Profetas da desgraça
Nos 200 anos do nascimento de Marx, um homem livre não precisa de falsos profetas
Karl Marx nasceu 200 anos atrás e ainda não morreu. Eis, em resumo, a tese da efeméride. Lemos ensaios, de esquerda ou de direita, e todos parecem convergir nesse ponto: hoje, somos filhos de Marx e a sua análise do sistema capitalista não envelheceu uma ruga.
Respeito a sabedoria alheia. Mas desde já confesso a minha incapacidade para avaliar cientificamente Marx. Essa incapacidade não lida apenas com o fato óbvio de Marx ter servido de inspiração para regimes criminosos. Meu problema com Marx é outro: olho para ele como um profeta, não como um filósofo e muito menos como um cientista.
A culpa não é minha. É de Raymond Aron, que dinamitou a ponte marxista para sempre. Mas, antes de Aron, apareceu Adam Smith com uma observação que nunca entrou na cabeça estreita de Marx: a “sociedade comercial” (expressão de Smith), antes de ser o mais eficaz mecanismo de produção de riqueza que a humanidade já conheceu, começa por ser uma resposta à própria natureza humana.
Existe nos seres humanos uma propensão para “negociar, permutar ou trocar uma coisa por outra” de forma a “melhorarem a sua condição”.
Naturalmente que esse “sistema de liberdade natural” (outra expressão de Smith) pode ser subvertido e corrompido —basta olhar ao redor. Mas os abusos do sistema não provam a iniquidade desse sistema; provam, apenas, a iniquidade de vários agentes do sistema, para os quais devem existir leis gerais e punições exemplares.
Marx nunca entendeu essa necessidade básica da nossa natureza comum. Mas entendeu outra necessidade, provavelmente mais forte: somos seres religiosos por definição. O que significa que o declínio da fé tradicional deve ser compensado por outra fé —ou, como diria Raymond Aron, por uma “religião secular”.
Lemos os textos de Marx e é impossível não vislumbrar na prosa uma espécie de mimetismo teológico da mensagem judaico-cristã.
Primeiro, a condenação de um mundo corrupto, onde o pecado original é substituído pela exploração capitalista sob a forma da mais-valia.
Depois, a certeza milenarista de que esse mundo alienante irá soçobrar sob o peso das suas próprias contradições.
Finalmente, a adoração do proletariado como rosto do messianismo redentor.
O apelo de Marx é religioso, não racional. Com uma vantagem sobre as religiões tradicionais: o paraíso será na Terra, não no distante reino dos céus. Como resistir a essa profecia?
Muitos não resistiram —e Lênin, a partir dos textos sacros, ergueu a primeira igreja. Outras se sucederam —com as suas liturgias, heresias e fogueiras.
Mas a derrota do marxismo não se explica apenas pelos trágicos resultados. Nos países realmente capitalistas, onde Marx antecipava o início da revolução, o proletariado preferiu um papel mais modesto no grande drama da humanidade. Para que destruir o sistema quando era possível se beneficiar dele?
A social-democracia respondeu à pergunta, chamando os trabalhadores para o jogo democrático; ampliando o papel do Estado nas áreas sociais; e redistribuindo a riqueza disponível.
O proletariado de Marx só existiu na imaginação dele. Na realidade, o que existiu foi uma classe de escravos nas “democracias populares” —e uma nova classe burguesa nas democracias liberais.
Aliás, se dúvidas houvesse, bastaria citar outra efeméride do ano corrente. Falo do Maio de 68. Ou, como defende Mitchell Abidor, dos vários maios de 68.
Em artigo para o jornal The New York Times, Abidor relata a sua experiência como autor de uma história oral sobre o período. Entrevistou todos os atores principais: trabalhadores, estudantes, agricultores. E concluiu que todos desejavam coisas diferentes.
Os estudantes, com o mesmo fervor religioso dos marxistas, desejavam a reinvenção do mundo em termos vagos, delirantes, violentos.
Os trabalhadores que Abidor escutou desejavam “o pão e a manteiga”: as coisas tangíveis que permitem a cada um “melhorar a sua condição”.
Como afirma uma das trabalhadoras fabris que o autor entrevistou, era doloroso ver os estudantes a incendiar carros quando o verdadeiro “proletariado” sabia que eram precisas muitas horas de sacrifícios para comprar um.
Nos 200 anos do nascimento de Marx e nos 50 anos do Maio de 68, talvez a conclusão seja a mesma: um homem livre não precisa de falsos profetas. Apenas de lucidez e coragem para enfrentar e reformar o mundo sem esperar o paraíso na Terra.
* João Pereira Coutinho é escritor português e doutor em ciência política.
Reis Friede: Foro especial, um contraponto
Diferentemente do que pensam aqueles que pugnam pelo fim da prerrogativa de foro, a solução reside em aprimorar o sistema de Justiça criminal
Não obstante a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que restringiu o foro por prerrogativa de função inerente aos senadores e deputados federais, o tema deve ser analisado com prudência.
Efetivamente, o instituto em questão não pode ser extinto com base em argumentos desconectados das razões de sua criação histórica. Conforme se observou, há quem defenda a extinção do foro para qualquer autoridade, tais como ministros de Estado, governadores, juízes e promotores, sob o argumento de que o atual modelo ofende o princípio da isonomia e serve de estímulo à corrupção e à impunidade.
Tal raciocínio confunde a razão do instituto com o tema ineficiência —problema que, invariavelmente, atinge o Judiciário como um todo.
Diferentemente do que pensam aqueles que pugnam pelo fim da prerrogativa de foro, a solução reside em aprimorar o sistema de Justiça criminal, criando-se as estruturas necessárias para o cumprimento das respectivas competências, como o estabelecimento de varas federais especializadas e vinculadas aos tribunais superiores para o processamento de tais ações penais.
Tudo isso é possível sem que se altere profundamente o modelo previsto na Constituição.
Quando senadores e deputados federais são julgados por ministros do STF, o que se objetiva é assegurar que o julgador não sofra influência no desempenho de sua função jurisdicional. Afinal, sabe-se que determinadas pessoas dotadas de poder tendem a pressionar, ainda que veladamente, os juízes.
Para tanto, elas são capazes de lançar mão dos mais sórdidos expedientes, inclusive o de monitorar a rotina diária de um magistrado e de seus familiares. O próprio juiz federal Marcelo Bretas foi alvo de investidas intimidatórias.
Da mesma forma, seria estranho imaginar que um juiz pudesse julgar, com independência, um desembargador, pois aquele depende do voto deste para inúmeras questões, inclusive para eventual promoção na carreira. Igualmente, como um desembargador poderia julgar, com isenção, uma apelação criminal interposta por um ministro do Superior Tribunal de Justiça junto a um Tribunal Regional Federal, uma vez que o mencionado apelante, em seguida, participará da sessão destinada a escolher, dentre os desembargadores, aquele que integrará o STJ?
Subsiste, ainda, uma questão que precisa ser analisada com precaução. Refiro-me à falta de maturidade apresentada por certas pessoas que exercem cargos de elevada importância no cenário estatal.
Efetivamente, haverá casos em que juízes inexperientes vão se ver diante da incumbência de decidir questões relevantes para o país. Por sorte, os juízes que estão à frente da operação Lava Jato —Sergio Moro e Marcelo Bretas—, além de serem experientes e competentes para o mister, são magistrados com mais de 40 anos de idade e ostentam mais de 15 anos de carreira.
A prevalecer a tese pela extinção da prerrogativa de foro, não haveria impedimento para que julgamentos de autoridades fossem conduzidos por juízes de primeiro grau com pouquíssima experiência, notadamente quando, na condição de substitutos e recém-empossados, precisassem decidir temas de grande repercussão, tendo em vista o titular da vara se encontrar de férias ou de licença médica.
Um julgamento de impacto conduzido por um juiz inexperiente poderia levar a um resultado processual não apenas tecnicamente equivocado mas, especialmente, influenciado pela mídia ou pela opinião pública.
* Reis Friede é mestre e doutor em direito, é desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) e professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército