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Folha de S. Paulo: Contra 'catástrofe', bloco apadrinhado por FHC prega união do centro

Segundo turno entre Bolsonaro e Ciro é visto no movimento como pior cenário possível

Joelmir Tavares, Thais Bilenky, da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Com aproximação da Rede, partido da presidenciável Marina Silva, e do Podemos, sigla do pré-candidato Álvaro Dias, o manifesto que pede união do centro foi lançado em São Paulo com um apelo para evitar o que se chamou de catástrofe na eleição presidencial.

O movimento em torno de um polo democrático e reformista, apadrinhado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), já havia sido apresentado em Brasília, no início do mês. Na ocasião, atraiu lideranças de partidos como PSDB, PPS, PSB, MDB, PV e PTB.

Relançado na noite desta quinta-feira (28), em um teatro na avenida Paulista, o bloco recebeu o apoio de Marina, que enviou como representante o coordenador do programa de governo de sua campanha, João Paulo Capobianco.

“Ela tem um compromisso inarredável com a democracia e está com todos aqueles que estejam trabalhando por isso”, disse Capobianco.

Uma sinalização da ex-senadora era esperada pelos articuladores da mobilização, já que ela hoje é a segunda colocada nas pesquisas, em cenários sem Lula (PT). Marina chega a empatar tecnicamente em primeiro com Jair Bolsonaro (PSL).

O militar da reserva é um dos símbolos do radicalismo que a coalizão pretende atacar. Em outra ponta está o ex-ministro Ciro Gomes (PDT). Os dois e o ex-presidente Lula (PT) são vistos no movimento como donos de posicionamentos extremistas.

Em discursos no palco, foi dito que um eventual segundo turno entre Bolsonaro e Ciro seria o pior cenário possível. “Uma fatalidade”, resumiu a senadora Rose de Freitas (Pode-ES), colega de partido do presidenciável Álvaro Dias.

Geraldo Alckmin (PSDB), Rodrigo Maia (DEM), Henrique Meirelles (MDB) e Flávio Rocha (PRB) também foram mencionados como lideranças que têm responsabilidade na soma das forças de centro.

“Não é fácil convencer partidos e líderes de que é preciso união”, disse Fernando Henrique sobre o principal objetivo do movimento, que é vencer a fragmentação do centro, hoje dividido em torno de dez candidaturas.

“Sozinhos nós vamos para o desastre. Estamos na iminência de uma catástrofe”, completou o ex-presidente, discursando contra “os aventureiros, os demagogos”.

O tucano pediu ainda aos aliados um rompimento com a inércia. “É necessário que o Brasil não perca mais tempo.”

Do PSDB, além de FHC, participaram lideranças como os deputados federais Marcus Pestana (MG), um dos idealizadores do documento, e Mara Gabrilli (SP) e o ex-governador Alberto Goldman (SP).

O ex-deputado Penna (PV-SP), a ex-vice-prefeita da capital Alda Marco Antônio (PSD), o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (MDB), e o deputado Roberto Freire (PPS-SP) também estiveram no ato em São Paulo.

“Precisamos buscar a unidade, porque a democracia está em risco”, afirmou Freire. “É sempre complicado [ter acordo]. Se não fosse, não estaríamos aqui.”

Não há, entre os apoiadores da coalizão, consenso sobre se e quando viria uma união de forças. Mas há um esforço para que pré-candidatos estejam dispostos a abrir mão da corrida presidencial em função de algum consenso.

“Não estamos aqui para discutir nomes, mas para construir um bloco”, afirmou Marcus Pestana.

Para FHC, a decisão virá dos eleitores, que apresentará uma decisão nas urnas. “Não seremos nós aqui que vamos dizer se será este ou aquele [candidato]. Será o povo”, disse o tucano.

“Espero que no primeiro [turno] se tenha capacidade de entender quem vai ter vitalidade para representar realmente o pensamento reformista, progressista, democrático e popular.”

Na saída, a jornalistas que o questionaram sobre um eventual segundo turno entre Ciro e Bolsonaro, o ex-presidente respondeu: “Eu não votaria nem por um nem por outro. No Bolsonaro eu não voto”.

Sobre a necessidade de discutir o nome que encabeçaria uma chapa fruto da união, FHC foi cauteloso.

“Acho que o Alckmin tem a vantagem de ser experiente, é simples, é decente. É o único? Tem outros aí. Todo mundo sabe que eu gosto da Marina, o Álvaro é respeitável”, disse.

O texto da mobilização, de oito páginas, tem políticos e intelectuais entre os signatários. Disponível na internet, o documento também está aberto para a adesão de cidadãos.


Luiz Carlos Azedo: Cunha livre?

Se a regra fosse adotada para todos os presos, as cadeias brasileiras se esvaziariam em 40%, média de detidos em caráter provisório

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu ontem um habeas corpus para revogar a prisão preventiva do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), decretada pelo juízo da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte. Cunha continua preso, por causa de outros decretos de prisão em Brasília e no Rio de Janeiro, mas a decisão sinaliza mais uma vez que a confusão na Corte é grande, por causa das divergências de entendimento dos ministros em relação à própria jurisprudência. O Supremo parece uma biruta de aeroporto, desnorteia a opinião pública e gera instabilidade política, em meio à crise ética que desmoraliza a elite política do país.

Tecnicamente, a decisão de Marco Aurélio tem fundamento constitucional. Está em linha com as declarações recentes do ministro, entre as quais, suas reiteradas críticas ao fato de o Supremo não rediscutir o mérito da execução das penas em segunda instância. A prisão de Cunha foi decretada em junho do ano passado, com base em “evidências da atuação delitiva no favorecimento do grupo OAS na concessão de aeroportos”. Depoimento de colaborador e dados bancários atestam a transferência de R$ 4 milhões da Odebrecht ao diretório do PMDB no Rio Grande do Norte, utilizados na campanha eleitoral de Henrique Eduardo Alves ao governo do estado.

Em recentes decisões, a segunda turma do Supremo, apelidada de Jardim do Éden, mitigou o instituto da delação premiada, que foi apartado das provas, e desconsiderou doações legais como comprovação de corrupção e lavagem de dinheiro. Marco Aurélio participa da primeira turma, chamada nos bastidores do tribunal como “Câmera de Gás”. A existência das turmas no Supremo, jabuticaba criada para desafogar a Corte, está virando um problema institucional.

A defesa de Cunha alega, entre outros pontos, a invalidade dos fundamentos da custódia cautelar, por considerar inexistente risco à ordem pública diante da ausência de contemporaneidade entre os fatos, ocorridos entre 2012 e 2015, e a prisão. Destaca também que seu cliente não mais concorrerá a cargo eletivo, fato que impede possível atuação na arrecadação de fundos para campanhas eleitorais.

Na liminar, Marco Aurélio destacou que Cunha está preso há um ano e 19 dias, sem que tenha sido julgado pelos fatos em questão. Essa situação, segundo o relator, configura excesso de prazo da custódia. “Privar de liberdade, por tempo desproporcional, pessoa cuja responsabilidade penal não veio a ser declarada em definitivo viola o princípio da não culpabilidade”, afirmou. A manutenção da prisão preventiva, para o relator, seria autorizar a execução antecipada da pena, ignorando-se a garantia constitucional da não culpabilidade.

Se essa regra fosse adotada para todos os presos, as cadeias brasileiras se esvaziariam em 40%, média de detidos em caráter provisório. Os processos da esmagadora maioria dos presos não transitaram em julgado. No Brasil, o direito penal é originário das Ordenações Manuelinas, que estabeleciam penas distintas para os mesmos crimes, dependendo da condição social dos réus. Cortesãos, funcionários públicos e proprietários tinham privilégios em relação ao povo. Vem daí o foro privilegiado.

Cartas de seguro

O rei D. Manuel, o Venturoso (ou Felicíssimo), liderou a formação do Império Ultramarino português, de 1495 a 1521. Os preceitos jurídicos que estabeleceu foram organizados em cinco volumes, publicados de 1512 até a sua morte, ou seja, logo após o Descobrimento. Os réus ficavam à mercê das disparidades de tratamento, segundo suas condições e estado; da discricionariedade e arbitrariedade dos juízes, que não lhes davam conta das razões porque haviam sido condenados; e se sujeitavam às violências do sistema, açoites, mutilações, degredo para os limites mais distantes do reino, quando não à pena de “morte por zelo”.

Dois institutos sobrevivem até hoje na nossa legislação penal: as seguranças reais, que se solicitam à Justiça, não por criminosos, mas por inocentes “que temem com justa causa ser inquietados por outros” (Forais de Fresno); e as cartas de seguro, que consistiam no decreto pelo qual o juiz concedia ao réu pronunciado para captura a faculdade de comparecer em juízo e, sob certas condições, regressar solto do crime de que era acusado, permanecendo em liberdade, até que se concluísse a causa (Cortes d’Elvas, 1361).

Ontem, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu remeter ao plenário o recurso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que pede a suspensão da condenação de 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex do Guarujá. No agravo, a defesa de Lula sustenta que os dias em que ele é mantido em cárcere jamais lhe serão devolvidos. Afirma ainda que, por ser pré-candidato à Presidência da República, o petista corre sérios riscos de ter seus direitos políticos indevidamente cerceados, o que, em vista do processo eleitoral em curso, mostra-se “gravíssimo e irreversível”.

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Luiz Carlos Azedo: Só a vitória nos une

Quem quiser que se iluda, a libertação de José Dirceu em meio à Copa do Mundo é uma espécie de amostra grátis do que pode acontecer com a Operação Lava-Jato após o recesso do Judiciário

Uma das poucas coisas na vida nacional que ainda demonstram nossa coesão social é a seleção de futebol em jogos da Copa do Mundo, como ontem, em Moscou, quando a equipe brasileira derrotou a Sérvia, uma das nações mais antigas da Europa, originária de eslavos que migraram da Galícia durante o século VII.

Católicos ortodoxos (herança bizantina), durante 400 anos, o país foi dominado pelo Império Otomano. Somente no século XX, o sonho de grandeza dos sérvios atingiu seu apogeu, com a criação da Iugoslávia, que incorporou Montenegro, Croácia, Macedônia, Bósnia e Kosovo. Com o colapso do socialismo no Leste europeu, porém, o plano da Grande Sérvia deu lugar à recidiva de sua “balcanização”, após os bombardeios da OTAN, em 1999. Até hoje, Kosovo e Metohija estão sob ocupação da ONU.

Nossos problemas nem de longe se comparam aos da Sérvia. À medida que vai convencendo o país que tem qualidade técnica e garra para disputar o título de hexa campeão do mundo, a Seleção Brasileira nos une na vitória. Na derrota, é outra história: espalha baixo-astral. Por isso, vamos para o mata-mata contra o México com medo de um revés, embora o time de Tite tenha jogado bem melhor do que nas partidas anteriores, inclusive Neymar, que não simulou faltas nem reclamou do juiz. Tiago Silva, Paulinho e, mais uma vez, Phillipe Coutinho foram heróis em campo. A vitória de ontem funcionou como uma espécie de antídoto contra as nossas decepções.

De onde vem essa chama da Seleção Brasileira, que incendeia os corações brasileiros? A rigor, vem da vitória canarinha de 1958, na Suécia, quando Pelé e Garrincha assombraram o mundo, num time que tinha ainda Gilmar, De Sorti, Bellini, Mauro, Nílton Santos, Orlando, Didi, Vavá e Zagalo, entre outros craques. O Brasil perdeu o complexo de vira-latas adquirido desde a derrota para o Uruguai, na Copa de 1950, em pleno Maracanã. O time azul-celeste é estraga prazeres; agora, derrotaram os anfitriões russos na fase classificatória.

Em 1958, nem o gol sueco que inaugurou o placar abalou a equipe. Didi pegou a bola e foi andando com ela debaixo dos braços até o meio de campo. O Brasil virou o jogo, ganhou por 5 a 2. Naquela época, o país vivia em clima de bossa-nova. O governo de Juscelino Kubitschek era democrático, empreendedor e esbanjava otimismo. O Plano de Metas pretendeu atuar em cinco setores da economia nacional: energia, transportes, indústrias de base, alimentação e educação. Houve crescimento em 100% na indústria de base. Brasília já estava em construção.

A vitória da seleção deu ao país mais confiança no futuro e coesão social, embora de forma momentânea, porque a inflação e o desequilíbrio cambial logo esgarçaram as relações na sociedade e acirraram a radicalização política, o que resultou mais tarde na renúncia de seu sucessor eleito, Jânio Quadros, e na deposição do vice-presidente que assumiu em seu lugar, João Goulart, em 1964.

O clima de ontem, em razão do jogo da Seleção, ainda é um ponto fora da curva. O esgarçamento social e a radicalização política são muito preocupantes. Pode ser que fiquem congelados por causa dos jogos, mas assim que a Copa terminar, mesmo que o Brasil seja campeão, darão o tom no processo eleitoral. A não ser que haja um realinhamento de forças políticas, que rompa a polarização direita-esquerda protagonizada pelo deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa polarização, agora, está sendo alavancada por decisões contraditórias do Supremo Tribunal Federal (STF).

Iluminismo

Quem quiser que se iluda, a libertação de José Dirceu em meio à Copa do Mundo é uma espécie de amostra grátis do que pode acontecer com a Operação Lava-Jato após o recesso do Judiciário. A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também pleiteia sua libertação, que provavelmente teria ocorrido na terça-feira, se o ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato, não houvesse remetido o caso ao plenário da Corte. O argumento dos advogados de Lula é o mesmo que serviu de base para a libertação de Dirceu: a “plausabilidade recursal”. Eles querem suspender a execução da pena de 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado imposta ao ex-presidente da República, no caso do tríplex de Guarujá. Alegam cerceamento da defesa e exasperação da punição.

Uma mudança de rumo no Supremo, às vésperas das eleições, pode consolidar o cenário de radicalização política. O direito positivo aparta as decisões judiciais das questões morais, essa é a nossa cultura jurídica dominante. A Lava-Jato, entretanto, desnudou o patrimonialismo da nossa elite política e trouxe à luz uma grave crise ética, à qual os tribunais não têm como ignorar. O sujeito iluminista (“penso, logo existo”) é uma marca registrada da magistratura. Como ator político, porém, costuma ser um desastre, porque não é capaz de perceber nem liderar os movimentos da sociedade. Ainda mais uma sociedade como a nossa, com o cotidiano marcado pelas injustiças e pela desigualdade.

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El País: Lava Jato quer montar sua bancada policial no Congresso

Ao menos cinco ex-juízes também tentam chegar a cargos eletivos nesta eleição. Deputados apoiam CPI para investigar investigadores

Por Afonso Benites, do El País

Tentando aproveitar a onda de combate à corrupção e a operação Lava Jato, um grupo de policiais federais e juízes tenta obter nas urnas o apoio para se elegerem deputados e governadores. Ao menos 35 tentam viabilizar suas candidaturas para se colocarem como opção aos eleitores. Três deles são ex-juízes, que desistiram da toga para tentarem se eleger governadores de seus Estados. São eles: Odilon de Oliveira (PDT-MS), Márlon Reis (REDE-TO) e Wilson Witzel (PSC-RJ). Mais dois ex-magistrados tentarão concorrer ao Congresso, Julier Sebatião (PDT-MT) e Selma Arruda (PSL-MT). E outros 30, são policiais federais que disputarão vagas em Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados.

Esses agentes de segurança pública se uniram em uma frente que dá suporte às candidaturas. Participam, por exemplo, de um debate em que se comprometeram a defender as mesmas pautas no Legislativo com relação à segurança pública, assim como na defesa dos interesses da categoria policial. Um dos desafios será, por exemplo, lutar para impedir que sejam instaladas Comissões Parlamentares de Inquérito para investigar os investigadores. Nesta semana ganhou força em Brasília a CPI da Lava Jato, que já conta com 190 assinaturas. O objetivo é investigar supostos abusos da operação que minou a classe política brasileira. “Formamos essa frente Lava Jato para tentar aproveitar esse momento de combate à corrupção. Por mais que o nome provoque amores e desamores em parte da população, entendemos que há mais pontos positivos do que negativos”, afirmou o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Luis Boudens.

Na atual legislatura, dos 513 deputados federais, dois são PFs: Aluisio Mendes (PODE-MA) e Eduardo Bolsonaro (PSL-MA). O primeiro é agente aposentado da PF e foi eleito depois de ser secretário de Segurança do Maranhão. O segundo, que estava na polícia há apenas cinco anos, garantiu sua vaga no Congresso principalmente por causa do sobrenome de seu pai, o deputado federal e pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL-RJ). Ambos disputarão a reeleição. A meta para 2018 é eleger entre cinco e sete policiais federais.

Uma característica entre os candidatos policiais é o de se afastar de partidos pré-definidos como de esquerda. “Depois do mensalão e da Lava Jato o PT e os partidos ligados a ele ficaram marcados pela corrupção. Nossos policiais que eram filiados a uma dessas legendas ou se desligaram ou desistiram de concorrer”, afirmou Boudens.

Um dos rostos policiais mais marcados pela operação, o de Newton Ishii (o japonês da federal), não estará nas eleições deste ano. Apesar de ter se filiado ao Patriota, do Paraná, e ter recebido diversos convites, o agente aposentado decidiu não se candidatar neste ano. Diz que sua função é orientar os candidatos, por meio de palestras que profere.

Na eleição passada, de 2016, ao menos dois policiais federais já tinham se aproveitado da onda Lava Jato para se apresentarem como políticos. Ambos se elegeram vereadores em Campo Grande (André Salineiro, do PSDB) e em Três Lagoas (Renee Araújo, do PSD), no Mato Grosso do Sul. Agora, pretendem fazer uma “dobradinha” para tentarem chegar à Assembleia e à Câmara. “No legislativo o policial tenta levar a experiência que ele teve na rua”, completou Boudens.

Ao contrário dos policiais, os magistrados não são tão organizados enquanto classe. Depois que desistiram do Judiciário, apenas tiveram reuniões esporádicas com seus colegas e as entidades que os representam. Ainda assim, tentam usar suas experiências como profissionais que sentenciaram grandes criminosos para se elegerem. Um dos exemplos é Odilon. Pernambucano que fez a carreira no Mato Grosso do Sul, ele é reconhecido por decisões contrárias a narcotraficantes como Fernandinho Beira Mar e Jorge Rafaat.

Márlon Reis, do Tocantins, foi candidato na eleição suplementar que ocorreu no início deste mês, acabou em quinto lugar, mas deverá colocar seu nome novamente nas urnas em outubro. Ele é um dos autores da Lei da Ficha Limpa. Já Witzel, que presidiu a Associação dos Juízes Federais do Rio e do Espírito Santo, teve a carreira vinculada à área de execuções penais. Em seu discurso ensaiado costuma dizer que na política tentará evitar os erros que costumam ser corrigidos pelo Judiciário.

No Mato Grosso, dois ex-magistrados foram cotados para o Governo, cujo o titular é Pedro Taques (PSDB), ex-procurador de Justiça. Mas ambos desistiram. Julier tentará uma cadeira na Câmara e Selma Arruda, no Senado. Apesar de fugirem de comparações com a esquerda, todos esses antigos membros do Judiciário tentam obter o mesmo sucesso que o atual governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). Antes de se engajar na política partidária, ele foi presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros e, agora, tentará a reeleição contra o clã de José Sarney (MDB).

 


Bernardo Mello Franco: O último sobrevivente

Os golpistas já festejavam a vitória quando Waldir Pires se sentou pela última vez diante de sua Olivetti no Palácio do Planalto. Aos 37 anos, o advogado baiano era responsável pela forma jurídica de todos os atos do governo João Goulart. Na madrugada de 2 de abril de 1964, ele escreveu que o presidente havia voado para o Rio Grande do Sul, onde permanecia “à frente das tropas militares legalistas e no pleno exercício dos poderes constitucionais”.

O senador Auro de Moura Andrade ignorou a mensagem e declarou vaga a Presidência. Waldir tentou resistir no palácio com Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil. Às duas da manhã, ao ver os militares cercando a área, interpelou o comandante militar do Planalto, Nicolau Fico: “Mas general, o senhor traiu o presidente?”. Menos diplomático, Darcy chamou o oficial de “gorila”. Os dois se mandaram antes que fossem presos.

Nas 36 horas seguintes, Waldir e Darcy viveriam uma aventura de cinema. A primeira tentativa de sair de Brasília fracassou. A dupla quis embarcar num avião da FAB, mas foi informada de que a frota já estava sob comando dos golpistas. “Doutor Waldir, o que o senhor está fazendo aqui?”, surpreendeu-se um major. “Saia logo. Se virem o senhor, vão prendê-lo”, avisou.

No dia 3, o deputado Rubens Paiva começou a montar uma operação para levar os aliados até Porto Alegre. Na madrugada do dia 4, os dois rastejaram pela cabeceira da pista e correram até um monomotor. A torre tentou barrar a decolagem, mas Darcy obrigou o piloto a partir.

Na escala em Mato Grosso, outras más notícias. O combustível não chegou, e a aeronave teve que ser reabastecida com gasolina de caminhão. Pelo rádio, Waldir e Darcy souberam que a resistência havia fracassado. Jango estava em Montevidéu, era preciso mudar a rota para o Uruguai. Na tarde do dia 5, a poucos quilômetros do destino, os viajantes enfrentaram uma tempestade. O piloto precisou forçar o pouso no meio de um rebanho de ovelhas, conta Emiliano José no recém-lançado “Waldir Pires: A Biografia”.

Waldir era o último sobrevivente entre os dez primeiros cassados pela ditadura — a lista incluía Prestes, Jango, Jânio, Brizola, Darcy e Arraes. Mais tarde, seria governador da Bahia, deputado e ministro da Previdência, da CGU e da Defesa. Morreu na sexta-feira, aos 91 anos.


Luiz Carlos Azedo: A decantação da Lava-Jato

A divisão no Supremo Tribunal Federal (STF) entre “garantistas” e “punitivistas”, revela um choque de concepções jurídicas que veio para ficar

Está em curso a decantação da Operação Lava-Jato, com reflexos na disputa eleitoral deste ano. Embora sejam dois processos distintos, têm um ponto de convergência: a situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba, onde cumpre pena de 12 anos e 1 mês de reclusão em regime fechado.

Decantação é um processo da separação de substâncias líquidas ou sólidas que não devem ser misturadas. É o método utilizado para tratamento de esgoto e retirada das impurezas da água. Um processo simples, quase natural: a decantação ocorre devido à diferença da densidade e da solubilidade entre substâncias heterogêneas. No caso de dois líquidos – a água e o óleo, por exemplo —, a substância com maior densidade (óleo) tende a se acumular sob a menos densa (água).

A decantação também é usada para separar líquidos de sólidos, como a água e a areia. Em repouso, a força da gravidade fará pouco a pouco que as substâncias estejam visivelmente separadas. Também é possível acelerar esse processo. A centrifugação, por exemplo, faz com que a força da gravidade atraia a substância mais densa para o fundo do recipiente, como acontece com as roupas numa máquina de lavar.

No caso dos políticos com mandato envolvidos na Operação Lava-Jato, a decantação começou no Supremo Tribunal Federal (STF) com a absolvição da presidente do PT, Gleisi Hoffman, e o marido, o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo, por insuficiência de provas, pela segunda turma da Corte. Todos os ministros do chamado “Jardim do Éden” votaram contra a condenação por formação de quadrilha e corrupção passiva. O ministro-relator da Lava-Jato, Edson Fachin, porém, pediu a condenação da presidente do PT por falsidade ideológica (crime de caixa dois), mas foi acompanhado apenas por Celso de Mello, num voto de 100 páginas. Votaram contra a condenação os ministros Ricardo Lewandowski, presidente da turma, Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

A decisão aparta as delações premiadas das provas do processo; ou seja, decanta as denúncias do Ministério Público Federal (MPF) contra os políticos baseadas na delação premiada de Emílio e Marcelo Odebrecht. E deve servir de base para a jurisprudência do tribunal que norteará os demais julgamentos de envolvidos na Lava-Jato, principalmente os com direito a foro privilegiado.

Há cheiro de manjericão e orégano no ar, mas ainda não há pizza. Tudo vai depender das decisões do pleno do STF, no qual o voto derrotado de Celso de Mello pode servir de fio da meada para uma nova jurisprudência. Se o julgamento fosse na primeira turma, apelidada de “câmara de gás”, não haveria nenhuma surpresa se o resultado fosse o inverso e Gleisi acabasse condenada por uso de caixa dois. O plenário do Supremo terá que se pronunciar caso a caso, examinando as provas de cada acusação, daí a decantação.

Na terça-feira, haveria o julgamento na segunda turma de um recurso extraordinário da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Estavam em jogo duas questões: uma de natureza criminal, a condenação no processo do tríplex do Guarujá, pelo Tribunal Regional Federal; outra, eleitoral, a liberação da candidatura a presidente da República. O petista ainda aparece como franco favorito nas pesquisas de intenção de voto.

Divergências
Na sexta-feira, porém, a desembargadora federal Maria de Fátima Labarrère reconheceu o recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que fez naufragar a manobra dos advogados para chegar ao “Jardim do Éden”. O recurso acusa o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, de parcialidade, e a força-tarefa da Lava-Jato, de excesso de acusação. Com isso, o relator do caso, Édson Fachin, retirou o assunto em pauta e furou o balão. O pretexto do recurso ao STF era a omissão do TRF-4. Mais decantação.

A divisão no Supremo Tribunal Federal (STF) entre “garantistas”, encabeçados pelo ministro Gilmar Mendes, e “punitivistas”, liderados pelo ministro Luiz Barroso, revela um choque de concepções jurídicas que veio para ficar. Entretanto, o embate ganhou contornos maniqueístas por causa das idiossincrasias dos ministros. Por exemplo, Gilmar Mendes, em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do qual era presidente, chamou a primeira turma de “câmara de gás”. O ministro Herman Benjamin, do STJ, rebateu com o argumento de que o segundo colegiado seria, então, o “Jardim do Éden”. Uma festa para advogados, promotores e jornalistas.

Na verdade, nesse choque de concepções entre os ministros, os “garantistas” levam vantagem em relação a “punitivistas” se considerarmos os códigos de processo e a jurisprudência existente, que têm base no chamado direito germânico-romano, essencialmente positivista. Gilmar Mendes é expoente dessa corrente.

O neoconstitucionalismo, o novo direito constitucional que emerge na Corte, é protagonizado por Luís Roberto Barroso. Seus marcos são o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação do direito e da ética; e a força normativa da Constituição, com expansão da jurisdição e uma nova dogmática da interpretação constitucional. Esse embate será longo, em razão das mudanças em curso na relação entre Estado e sociedade.

O problema é que a divisão do Supremo está sendo um fator de instabilidade política e institucional, por causa de maiorias temporárias, que se formam a cada julgamento, devido à troca de ministros. Nesse cenário, a decantação da Lava-Jato é uma maneira de separar o joio do trigo, no caso das delações premiadas, e definir quem pode e quem não pode disputar as eleições de 2018, cuja realização é a premissa para que a ordem constitucional sobreviva a tantos solavancos.

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Mary Zaidan: O nome do jogo

PT comemorou como gol de placa a absolvição da presidente do partido, Gleisi Hoffmann

Com o dono do time na cadeia e sem qualquer notícia boa para incentivar a torcida, o PT comemorou como gol de placa a absolvição da presidente do partido, Gleisi Hoffmann, e de seu marido, Paulo Bernardo, ex-ministro de Lula e Dilma Rousseff, das acusações de corrupção. Na terça-feira, 19, a segunda turma do STF foi ainda mais longe: deu um pito na PGR por basear denúncias exclusivamente em delações.

A galera petista vibrou.

Mais do que livrar Gleisi, o PT viu nisso a possibilidade de inverter o jogo e colher um placar favorável ao ex-presidente preso na sessão marcada para o dia 26 pela mesma segunda turma, um dia antes do último jogo do Brasil na primeira fase da Copa da Rússia. Muitos chegaram a apostar que Lula poderia ver os jogos seguintes em casa, solto. Ou, pelo menos, com tornozeleira eletrônica.

O revertério começou já na quarta-feira, 20, quando o plenário do STF decidiu, por 10 x 1, pela legalidade das delações firmadas pela Polícia Federal, que, ao contrário do Ministério Público, enxerga nelas não a denúncia em si, mas o instrumento para investigações. Diga-se, uma posição mais apropriada e, consequentemente, mais efetiva quando se pretende apurar um crime.

Na manhã da sexta-feira, pouco depois de a primeira vitória da seleção poupar as sobras das unhas dos brasileiros, o PT se viu atropelado por reveses tão acachapantes como os 3 x 0 que a Argentina amargou no jogo contra a Croácia. Ou mais.

Antonio Palocci, o ex-todo poderoso ministro da Fazenda de Lula e chefe da Casa Civil de Dilma, teve sua delação homologada pelo Tribunal Federal de Recursos da Quarta Região (TRF-4). Foi o primeiro a se beneficiar do novo entendimento do STF.

O que ele disse à PF continua sob sigilo, mas só pelo conteúdo já antecipado na carta de desfiliação ao PT sabe-se do poder de fogo da sua fala, um arsenal pronto para detonar ex-companheiros de farra, políticos ou não.

Mais tarde, outro baque: a revisão da pena de Lula foi retirada da agenda do Supremo depois que o TRF-4 decidiu negar o recurso extraordinário da defesa.

Pelo menos por enquanto o ex continuará vendo os jogos na TV instalada na cela especial da PF de Curitiba, regalia autorizada por Sérgio Moro, juiz que Lula xinga e diz ser seu algoz.

O ex sempre adorou misturar futebol e política. Antes de se ver enredado no mensalão, elegeu o também condenado José Dirceu como “capitão do time”. Mantida a alegoria futebolística, a cadeia era tão inimaginável para ele quanto os 7 x 1 que a Alemanha impôs ao Brasil em 2014, ano em que sua sucessora começou a lançar o país na maior recessão da história.

Hoje, Lula joga com um time milionário de advogados para multiplicar recursos pós recursos. Mais do que um árbitro de vídeo, quer que a defesa tenha mando de campo. Se assim for, derrota o Brasil. Não o da Rússia, mas o que aqui está.

* Mary Zaidan é jornalista.


Foto: Beto Barata\PR

José Álvaro Moisés: As eleições e a reforma da política

Os brasileiros querem saber como o novo presidente enfrentará os gargalos da democracia

Um terço ou mais de eleitores deixarão de escolher governantes e programas de políticas públicas nas eleições deste ano. Isso não é fake news, mas reflexo da crise de confiança política que assola o País, podendo significar que o novo governo não terá apoio da maioria da população. A responsabilidade de reverter esse quadro é do governo e do Congresso Nacional, mas, sobretudo, dos candidatos à Presidência da República. Quem quer dirigir o Estado e a Nação precisa ser capaz de convencer a sociedade de que ela não é apêndice da equação democrática, mas peça importante do jogo.

Hoje, muitos brasileiros não se percebem assim, et pour cause, se alienam do processo ou escolhem soluções radicais que não ajudam o País a sair da crise. Mas na democracia o voto é o principal instrumento de que os cidadãos dispõem para exercer sua soberania e, dessa forma, garantir direitos, escolher representantes, defender interesses e preferências. Essa forma de participação envolve duas condições fundamentais que diferenciam a democracia de suas alternativas: primeiro, assegura os meios pelos quais o princípio de autogoverno dos cidadãos se pode realizar; segundo, cria o mecanismo designado como accountability vertical, um dos instrumentos mais efetivos de controle social de quem governa, pelo qual os eleitores confirmam seu apoio a políticos eleitos ou os mandam para casa por causa da qualidade do seu desempenho.

As duas condições são indispensáveis para assegurar a qualidade da democracia. Mas a sua efetividade depende do funcionamento do sistema eleitoral, pelo qual a soberania dos eleitores pode ou não se realizar. Em última análise, a questão diz respeito a saber se esse sistema funciona de forma a traduzir os desejos e as aspirações dos cidadãos. Quando essa possibilidade está bloqueada, as pessoas se frustram com a política, retiram a sua confiança do sistema, passam a descrer das instituições e duvidam que a democracia possa resolver os problemas da comunidade. O efeito é a perda de legitimidade do regime e, em consequência, a possibilidade de surgimento de apoio a soluções autoritárias.

O sistema eleitoral brasileiro caracteriza-se por distorções que comprometem aspectos importantes das funções de representação. As falhas envolvem desigualdades no processo de escolha de representantes para a Câmara dos Deputados em razão da desproporcionalidade de tetos de cadeiras dos Estados: alguns eleitores têm mais peso que outros. E o sistema proporcional de lista aberta, com distritos que podem ter mais de 30 milhões de eleitores, além de encarecer as campanhas eleitorais, torna difícil a escolha ante o grande número de candidatos, estimulando a personalização do voto em detrimento de projetos coletivos, e favorecendo a competição entre candidatos do mesmo partido.

Esses fatores agravam o descrédito popular nas instituições de representação e estimulam a fragmentação partidária. Hoje há 35 partidos no Congresso e outros 50 requerem registro no TSE, mas eles significam pouco em termos de programas e filosofias políticas. Essa fragmentação agrava os problemas de governabilidade do presidencialismo de coalizão, pois desestimula a responsabilização dos partidos.

Outra distorção é o sistema de coligações para eleições proporcionais, que frauda a escolha do eleitor baseada em posições político-ideológicas do candidato ou partido, e pode fazê-lo eleger quem tem posição oposta à sua. O Congresso decidiu descontinuar as coligações para as eleições proporcionais, mas só a partir das eleições municipais de 2020, e a manutenção das coligações em 2018 protege as distorções.

Os déficits do sistema de representação não acabam por aí. Referem-se ainda à desigualdade de inclusão de segmentos como as mulheres, cuja representação no Parlamento, a despeito de serem maioria na população, é inferior a 9%. Os déficits também estão relacionados com o financiamento de campanhas eleitorais, cujos recursos serão distribuídos pelas oligarquias partidárias, favorecendo a sua continuidade na liderança dos partidos e bloqueando a renovação política do Congresso. O novo fundo de financiamento das campanhas atribuiu maior volume de recursos aos maiores partidos, dificultando a indicação e a eleição de nomes novos para o Legislativo.

Às vésperas das eleições, esse cenário tem algo de assustador. Se o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff criou expectativas de mudanças dos rumos do País, o desempenho do governo Temer, em que pesem medidas econômicas positivas, frustrou a população brasileira. Isso afetou a percepção dos eleitores sobre a democracia e eles ameaçam agora reagir com o não voto ou não participação. Sem falar que 70 milhões de brasileiros, como revelou o Datafolha, querem ir embora do País.

Mesmo os candidatos à Presidência sabendo que, eleitos, não vão poder resolver essa situação de uma vez por todas, precisam, contudo, mostrar como pretendem enfrentar esses problemas. Que forças pretendem mobilizar para criar a coalizão necessária para reformar e resgatar a política?

O País espera que o novo governo retome o crescimento econômico, crie empregos e enfrente o flagelo da violência e da insegurança. Mas os brasileiros também querem saber como o novo presidente vai enfrentar os gargalos da democracia. Nem tudo se resume às perspectivas econômicas e, como a sociedade apontou desde as manifestações de 2013, ao lado da melhoria da qualidade dos serviços públicos, os eleitores não querem mais ser apenas objeto da ação de governos, mas almejam assumir um novo protagonismo, facilitado pela era da internet e da tecnologia da informação.

Quem quer liderar o País tem dizer em que sentido as suas escolhas permitirão articular as necessárias políticas econômicas com a indispensável reforma da política. Até agora, não fizeram isso.

 

* José Álvaro Moisés é professor de Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP)


Luiz Carlos Azedo: Linhas tortas

Nossa Seleção ainda não é “a pátria de chuteiras”, na definição do saudoso Nelson Rodrigues. Na verdade, precisamos de uma vitória para chamar de nossa

Depois da derrota da Argentina para a Croácia, por 3 a 0, a empolgação dos brasileiros em São Petersburgo (ex-Petrogrado, ex-Leningrado) aumentou muito. Ninguém mais anda borocochô por causa da partida contra Suíça, na qual o Brasil empatou por 1×1. A torcida brasileira curte a desgraça dos “hermanos”, aposta numa vitória na manhã de hoje contra a Costa Rica e promete lotar a Arena Zenit. Mas não se pode garantir que o jogo será como um passeio pela Nevsky Prospekt, a grande avenida traçada por Pedro, o Grande, no meio de um pântano, como início da estrada para Moscou e para Novgorod, a cidade natal do príncipe Alexandre Nevsky, que expulsou os suecos e cavaleiros teutônicos e foi canonizado pela Igreja Ortodoxa Russa.

A Nevsky Prospekt é um símbolo da modernidade, com seus 6km de extensão. Começa na Praça do Palácio, entre o Almirantado e o Hermitage, um dos mais importantes museus de arte do mundo, e termina no Mosteiro de Alexandre Nevsky. No caminho, estão o Palácio Stroganov, a Catedral de Nossa Senhora de Kazan, a Igreja do Sangue Derramado, o Café Singer, a Ponte dos Cavalos, o Museu Fabergé e o monumento a Catarina, a Grande. A importância da czarina de origem alemã na construção do Império Russo rivaliza com a de Pedro, o Grande, cujos principais méritos foram abrir o acesso ao Mar Báltico, organizar a Marinha russa e construir uma nova capital, voltada para o Ocidente, o que somente foi possível depois de derrotar o poderoso Carlos XII, da Suécia, em Poltava, na Ucrânia.

Fundada em 1703, a construção de São Petersburgo levou décadas. Em 1736, a cidade sofreu incêndios catastróficos. Para reestruturar as áreas mais danificadas, um novo plano foi estabelecido em 1737. O estilo Barroco dominou a cidade pelos primeiros 60 anos, sendo sucedido pelo estilo Naryshkin do Palácio de Inverno e pelo neoclássico. Em 1762, o departamento de construção civil definiu que nenhuma estrutura deveria ser mais alta do que o Palácio de Inverno. A cidade influenciou a reforma urbana de Paris, comandada por Georges-Eugène Hausmann, entre 1852 e 1870, e até o “Plano de Comissários”, de 1811, que serviu de base para a expansão de Manhattan, com a criação de 16 avenidas no sentido norte-sul, cortadas por 155 ruas na direção leste-oeste, o coração de Nova York. De certa forma, as reformas urbanas de São Paulo e Rio de Janeiro e o traçado de Brasília sofreram a influência da Nevsky Prospekt.

Para quem está achando que estou na Rússia, informo que voltei ao batente aqui mesmo, em Brasília. Estive em São Petersburgo em maio de 1991, ocasião na qual o Partido Comunista foi despejado do Smolny pela milícia, por ordem do prefeito Popov, um dissidente de Gorbatchov como o ex-presidente Yeltsin. Os bolcheviques estavam lá desde a transferência da capital para Moscou, sem pagar uma conta de água ou luz nem regularizar a posse do imóvel da antiga escola de moças da Corte russa, que serviu de cenário para a tomada do poder pelos comunistas, com a palavra de ordem “Todo poder aos sovietes!”.

A torcida
Tomara que os brasileiros comemorem bastante a vitória brasileira na mais ocidental das cidades russas, sem os vexames a que assistimos pela internet: as infames cenas de assédio sexual e brincadeiras de mau gosto de torcedores que abusaram da hospitalidade e da ingenuidade das jovens e dos meninos russos, tão simpáticos em relação aos brasileiros. É bom lembrar que o povo russo costuma tratar os invasores na base do ‘olho por olho, dente por dente”. E que a resistência ao cerco alemão da antiga Leningrado foi uma das mais dramáticas batalhas da II Guerra Mundial.

No Brasil, não há empolgação com a Seleção. Todo mundo está desconfiado de que Tite e Neymar não vão dar conta do recado. Faltaram garra e identidade ao time que jogou de salto alto contra a Suíça. O mal-estar generalizado que vive o país parece que contaminou o futebol, a grande paixão nacional. Nossa Seleção ainda não é “a pátria de chuteiras”, na definição do saudoso Nelson Rodrigues. Na verdade, precisamos de uma vitória para chamar de nossa. Mesmo que seja suada, dramática, mas que mostre um time heroico, disposto a lutar e a vencer.

Pra não dizer que não falei das flores do recesso dissimulado do Congresso, vale registrar que política e futebol nem sempre andam de mãos juntas. Esse mito foi criado na Copa de 1970, no governo do general Médici, com o slogan “Pra frente Brasil”. Na Copa de 2014, depois daquele chocolate que levamos da Alemanha, de 7 x 1, a presidente Dilma Rousseff foi reeleita. Neste ano, mesmo que o Brasil seja campeão, ninguém vai capitalizar o resultado, seja no governo ou na oposição. No momento, o estranhamento em relação à Seleção é muito semelhante ao que ocorre em relação aos partidos e aos políticos. Com exceção da turma de brasileiros que está na Rússia, a torcida não foi pra rua no Brasil. Mas já estamos secando os alemães e argentinos.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-linhas-tortas/


Folha de S. Paulo: Segundo pesquisadores, movimentos de renovação na política estão errados

Rotatividade do Congresso brasileiro é uma das maiores do mundo

Por Marcos Augusto Gonçalves

Movimentos de renovação da política estão errados tanto em suas premissas quanto nas soluções que propõem, afirmam pesquisadores. Eles mostram que rotatividade do Congresso brasileiro é uma das maiores do mundo e dizem que país não precisa de salvadores da pátria.

Pelo menos desde a eclosão dos movimentos de junho de 2013, a sociedade brasileira atravessa um período de agudo questionamento da política e de seus representantes.

O fenômeno, que encontra paralelo em movimentações de outros países, ganhou aqui contornos inquietantes com o processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff (PT) e a ampliação do arco partidário atingido por denúncias de corrupção e condenações da Lava Jato.

O enfraquecimento das principais siglas e lideranças levou a uma busca por saídas não convencionais que se traduziu no repentino prestígio de nomes até então pouco considerados ou sem experiência no jogo eleitoral.

Jair Bolsonaro, que permanece em posição de destaque nas pesquisas, é o mais rumoroso deles, mas especulou-se também, entre outras, sobre as candidaturas do apresentador de TV Luciano Huck e de Joaquim Barbosa, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal.

Nesse cenário passou a prosperar a organização de movimentos da sociedade civil com o propósito de renovar a política. Em pouco tempo, a ideia de lançar nomes novos, éticos e jovens tornou-se coqueluche. Institutos e organizações se multiplicaram, e o discurso da renovação difundiu-se.

Seria imperioso renovar não só a Presidência, mas notadamente o Congresso, que se apresentou na TV, à época da votação do impeachment, em toda sua precariedade moral, vileza ética e despreparo cívico.

De uma hora para outra, assumiu-se em determinados círculos que o principal problema do país residia na perpetuação de políticos tradicionais, permeáveis à corrupção e ligados a interesses nebulosos.

Recentemente, uma dupla de pesquisadores brasileiros, Eduardo Cavaliere, 23, e Otavio Miranda, 24, arregaçou as mangas e partiu para levantar e analisar os números relativos à renovação do Congresso de 1986 a 2014 —o que eles chamam de "renovação orgânica" do Legislativo.

O esforço de Cavaliere, graduado em direito com concentração em matemática pela FGV do Rio, e de Miranda, pesquisador na área de economia política no Instituto Chongyang de Estudos Financeiros, na China, traz à luz fatos pouco conhecidos e levanta questionamentos a certas premissas do discurso dos movimentos renovadores, como o primado da ética ou a ideia de que candidaturas mais jovens seriam mais adequadas ao país.

Por exemplo:

1 - No Congresso, reeleição não é regra, mas exceção; 75% dos deputados federais não ultrapassam o segundo mandato.

2 - O excesso de nacionalização do debate público negligencia a complexidade da política local. Erros de avaliação do desempenho dos partidos levam a conclusões equivocadas sobre o Congresso. Por exemplo, apesar do bom resultado em eleições presidenciais, ao longo da história o pior desempenho eleitoral do PT, por regiões, é no Nordeste. O partido, aliás, elegeu mais deputados federais que o PSDB em São Paulo.

3 - Um número muito baixo (2,88%) de deputados federais venceu eleições majoritárias seguintes ao mandato no Legislativo.

4 - Não existe nenhum exemplo concreto na história brasileira em que o fortalecimento conjunto de jovens, figuras inexperientes e ativistas tenha desaguado em imediata melhora qualitativa na resolução dos principais gargalos da vida pública.

Na entrevista que se segue, os dois apresentam os diversos aspectos da pesquisa e comentam o debate acerca da renovação política no país.

Diversos movimentos têm defendido a necessidade de levar gente nova para a política no Brasil. Também se difunde a ideia de que um outsider seria uma solução contra a política tradicional. O que os dados levantados por vocês dizem sobre essas visões? Como tem sido a renovação do Congresso, por exemplo?

Há uma diferença significativa entre a percepção geral e os números sobre a renovação no Congresso. Ao compararmos a quantidade de reeleições de deputados, numa série histórica, os números indicam que grande parte dos congressistas têm "vida curta", contrariando, por exemplo, a percepção de que apenas "raposas velhas" ocupam a Câmara.

De 1990 a 2014, no Congresso, reeleição não é regra, mas exceção. Nesse período, cerca de 25% dos deputados federais ultrapassaram o segundo mandato. Quer dizer, há muito mais deputados eleitos uma ou duas vezes do que figuras reeleitas indefinidamente. No mesmo período, cerca de 21% dos senadores foram reeleitos. Números bem menores do que a percepção popular.

Entre os deputados eleitos nesse período, em torno de 57% estiveram na Câmara por um mandato e 21% conquistaram um segundo, reeleitos de maneira contínua ou após um breve período de interrupção.

No Brasil, o percentual de deputados eleitos cai bastante conforme se adicionam mandatos. Aproximadamente 11% alcançaram a marca dos 3 mandatos, 5,3% conquistaram 4 mandatos, 3,3% tiveram 5 e só 2,4% chegaram a 6. [Para comparar,] nos EUA, na legislatura atual, apenas 13% da Câmara é representada por deputados de primeiro mandato.

Temos então muita rotatividade no Congresso?

A verdade é que temos um dos Legislativos mais rotativos do mundo. Em relação a democracias consolidadas, a renovação do Congresso brasileiro está acima da média de países comparáveis.

Em 2014, 53% dos deputados federais brasileiros foram reeleitos, enquanto que 95% dos congressistas americanos, 90% dos britânicos, 88% dos espanhóis, 80% dos australianos e 72% dos canadenses se reelegeram. A baixíssima renovação em cada um desses países é razão de atraso ou ausência de progresso nacional? Improvável.

O Congresso tem sido boa plataforma para outros cargos, como os majoritários?

Não. Dos 1.889 deputados eleitos de 1990 a 2014, 103 conseguiram se eleger senadores, prefeitos ou governadores ao final de seu mandato (5,4% do total).

No Senado, 27 dos 259 diplomados nesse período sagraram-se governadores, prefeitos ou deputados, durante ou imediatamente após o mandato (10,4%). Enquanto isso, 205 não foram reeleitos como senadores (79,2% do total).

É justo afirmar que desses 205, 23 foram eleitos para outro cargo (10%). Isso significa dizer que, nos últimos 28 anos, nenhuma das Casas serviu de trampolim a outros cargos.

Como explicar a proliferação de movimentos de renovação?

A ansiedade que marca este ano eleitoral não é incomum. Basta folhear a história brasileira desde a queda do império para perceber que momentos de instabilidade reduzem as barreiras para novos entrantes.

Assim nasceu boa parte dos movimentos de renovação política. Historicamente, eles pegam carona em narrativas pouco contestáveis, como o fim de privilégios ou o combate à corrupção, para se apresentarem como alternativas ao que está posto. "Varre, varre, vassourinha" de Jânio em 1960. Collor, o "caçador de marajás", em 90.

Mas o que há de novo nesses grupos pela renovação? Na verdade, esse perfil de discurso que ocupa —ciclicamente— o debate público brasileiro não é novo, mas releitura de algo conhecido na política nacional.

Os defensores de uma renovação de pessoas não conseguem explicar como esse difícil quebra-cabeças abrangeria as realidades de um país enorme, diverso e desigual como o Brasil. Quanto mais diferentes somos, mais difícil é a arte da política. Novos nomes não resolvem esses impasses. Política, sim.

Se a premissa em que esses grupos se baseiam para legitimar os outsiders não se sustenta, o que oferecem, então? Reduzir a política nacional à ocupação dos espaços de poder em Brasília é solução? Mudar os rostos resolve nossos problemas?

Não podemos condenar a esperança justa de brasileiras e brasileiros por ideias novas, mudanças e melhoria em suas vidas. O erro que não podemos cometer mais uma vez é confundir a luta por um país justo, menos desigual e mais desenvolvido com slogans de grupos que aspiram a ocupar esses espaços. Grupos que propõem a renovação de caras e práticas, mas nem sequer apresentam uma proposta clara e corajosa sobre como chegaremos lá.

Qual a experiência do Brasil com outsiders?

Outsiders não são novos nem no Brasil nem no mundo. Por exemplo, Getúlio Vargas pertencia ao estamento político gaúcho, apesar de a marginalização do estado nos arranjos políticos nacionais da época lhe fazerem não pertencer à elite política "catetista" [o Palácio do Catete foi a sede do Executivo federal até 1960].

Os anos que antecederam e desaguaram em 1964 foram turbulentos pelas movimentações de tenentes e comunistas em campos opostos, mas ambos antiestamento político. Décadas depois, a fundação do PSDB e a jornada do PT rumo a Brasília representaram a renovação pela reforma, disputando espaços então tradicionalmente ocupados pela política tradicional.

Na história recente, há semelhanças entre a chegada de Dilma ao Planalto e a chegada de outsiders ao poder em outros países. Dilma não era política, não tinha sido eleita nem disputado cargos eletivos até então. Ocupou, é verdade, cargos de confiança no governo, mas sempre foi apresentada como um quadro "técnico". Não teve uma carreira com projeção nacional, tampouco era membro histórica do PT.

Em 2018, no Brasil, a narrativa outsider tem se misturado com o discurso pela renovação. O ponto é que existe uma diferença clara entre renovação e "outsiderismo". Há muitas formas de argumentar por renovação através da política. Mas os movimentos que têm aparecido no Brasil, na verdade, advogam por mais pessoas de fora do sistema.

A ideia do outsider como salvador da política também tem crescido no plano internacional. Como o caso brasileiro se relaciona com o que ocorre em outros países?

Movimentos pela renovação política tentam introduzir no Brasil em 2018, por acidente ou não, um eixo de polarização inspirado em debates populares pelo mundo. Eles se concentram numa outra divisão política. Entram em campo os "nacional-conservadores" e "progressistas-transnacionais".

Para os progressistas, o indivíduo é sobreposto por relações de etnia e gênero. O aspecto multifacetado da sociedade é substituído pelo binário "opressores naturais e oprimidos estruturais". A legitimidade representativa a partir do voto é sucedida pela crença na representatividade proporcional. E isso se soma ao tradicional eixo "direita-esquerda".

Esses aspectos foram o epicentro das eleições de 2016, tendo em Donald Trump uma vitória nacional-conservadora e em Emmanuel Macron uma vitória progressista-transnacional.

No Brasil, alguns desses grupos de renovação identificados com agendas progressistas-transnacionais tentaram apostar em Luciano Huck, outros orbitam em torno de Marina Silva (Rede), enquanto grupos nacional-conservadores seriam representados por Jair Bolsonaro (PSL).

O que nenhum movimento "renovado" procura explicar é: por que a única chance de o Brasil ser um país verdadeiramente desenvolvido só se dará quando um grupo de jovens líderes e outsiders conquistar o poder? Essa pergunta só pode ser respondida com base em crenças, não em evidências. O Brasil não precisa de salvadores da pátria, sejam eles uma pessoa, sejam um grupo.

A ideia de renovação parece valorizar mais o plano nacional do que o regional. Como esses dois planos se articulam no jogo político?

A política regional é a raiz da política nacional. Seja na disputa presidencial, seja no Congresso, o Brasil se define a partir de 27 eleições regionais. [Dado que] 35 partidos atualmente registrados dividem-se de maneira desigual em 27 estados e milhares de cidades, as composições políticas regionais não teriam como ser menos complexas.

Isso colabora para fortalecer a percepção de um Congresso menos representativo e mais afastado dos eleitores. Não é razoável esperar que o Congresso tenha instrumentos capazes de capturar todas as possibilidades de alinhamento político em cada região.

A isso se soma a realidade de que o espaço dos partidos em cada estado também está longe de ser consolidado. Cada eleição é uma nova batalha pela fidelidade do eleitor. Em razão dessa volatilidade e competitividade, não é natural que um político escolha a Câmara como primeira empreitada. Pelo contrário.

Na nossa opinião, [apostar na Câmara] é um grande erro desses movimentos. Não é difícil associar essa escolha com a necessidade de partidos pequenos aumentarem seus quadros em Brasília, sob risco de sua gradual extinção por falta de recursos e autonomia [por causa da cláusula de barreira].

Aqui, juntou-se a fome com a vontade de comer. A Rede, por exemplo, que não foi testada nas urnas em 2014, precisa aumentar sua representação na Câmara e está abrindo as portas para essas candidaturas. Após a última janela, o partido ficou com 2 deputados, mas tinha 5 um ano atrás. O mesmo vale para o PPS, que com 9 deputados eleitos por 7 estados em 2014, hoje estaria limitado pela cláusula de barreira.

A composição de uma chapa potencialmente vitoriosa ao governo de um estado acontece ao mesmo tempo em que se inicia a corrida rumo às cadeiras na Câmara.

As conversas ainda incluem uma composição de chapa que aproveite melhor os votos na disputa por posições majoritárias, limitando o canibalismo entre nomes relevantes para posições como Senado e governo. Além da negociação de apoios aos principais candidatos à Presidência, considerando seu respectivo endosso a candidatos em cada estado.

É isso que vemos nos jornais. São muitas combinações possíveis.

PT e PSDB polarizaram as eleições presidenciais nas últimas décadas, mas nos estados é diferente. Qual o papel dessa polarização na política nacional?

A "nacionalização" da política estadual desinforma o eleitorado. O exemplo mais claro é que o Brasil dos últimos anos está longe de ser definido por uma batalha campal entre tucanos e petistas. De fato, em todas as sete eleições presidenciais da Nova República, candidaturas encabeçadas por PT e PSDB foram as mais competitivas. Mas, quando olhamos o Congresso, o cenário é bem diferente.

Por exemplo, colorir vários estados do Nordeste de vermelho nas eleições presidenciais de 2002, 2006, 2010 e 2014 nos faz esquecer da força do PMDB. Engana-se quem pensa que o PT é força majoritária na região. Em seu melhor cenário histórico, o partido alcançou 16,5% dos assentos do Nordeste [na Câmara], enquanto o DEM teve em sua melhor marca 33,7% das cadeiras. O PMDB, por sua vez, conquistou 19,9% dos assentos em seu auge.

E o melhor resultado do PT no Nordeste não se compara aos seus percentuais em São Paulo, onde a marca de 25% dos assentos em 2002 faz do PT o recordista histórico de cadeiras conquistadas por um partido em uma só eleição no estado.

Outro exemplo claro é que, apesar de São Paulo ter consistentemente votado em candidatos tucanos à Presidência, é o estado que mais elegeu deputados petistas ao Congresso. Desde sua primeira eleição em 1986 até hoje, o PT elegeu mais deputados em São Paulo (103) que em todo o Nordeste combinado (99).

A polarização entre PT e PSDB em São Paulo é grande. Desde 1990, PT e PSDB brigaram por aproximadamente 40% do eleitorado paulista em eleições proporcionais ao Congresso. A cada eleição um dos dois fatura a maior bancada do estado. PSDB e PT foram donos do maior número de deputados eleitos em metade das eleições e empataram em uma.

Mas esse fenômeno não se repetiu em nenhum estado. São Paulo pode estar polarizada entre os dois partidos. O Brasil, não. A percepção dessa divisão nada mais é que a "nacionalização" de rivalidades locais. A situação no resto do país é bem mais complexa e menos petista ou tucana.

Considerando os estados, pode-se dizer então que o cenário político atual é menos polarizado do que parece?

É importante desconstruir algumas percepções erradas sobre o momento atual. O Brasil vive o auge de um processo de pulverização política —não de polarização. A análise caso a caso dos estados qualifica essa afirmação. De 1990 a 2010, é possível notar que na maioria dos estados existia alguma continuidade entre grupos de dois ou três partidos.

Canalizando de 40% a 50% dos votos por estado a cada eleição, partidos mais sólidos e com envergadura nacional formavam uma espécie de amortecedor natural entre partidos mais extremados, novos entrantes e as relações políticas tradicionais do estado. Transições políticas aconteceram, mas sempre de maneira a substituir algum dos principais partidos por uma força em ascensão.

Porém, o ano de 2014 foi difícil para os principais partidos brasileiros. A estratégia governista de fragmentação do DEM foi seguida da maior rejeição eleitoral ao PT e a segunda maior ao MDB em 30 anos de democracia. Só a perda conjunta de parlamentares desses três partidos totalizou 10% de todo o Congresso.

Que padrão de voto vocês identificam nos estados brasileiros?

De forma geral, o atual contexto político nacional nos permite agrupar a maioria dos estados brasileiros em três grandes segmentos: estados de polarização, pulverização e de transição gradual na política regional.

Em estados de polarização, notamos que, apesar dos problemas enfrentados nos últimos anos, ao menos dois partidos de envergadura sustentam suas candidaturas baseando-se na oposição pragmática de um ao outro. A polarização PT x PSDB em São Paulo e PP x PT no Rio Grande do Sul dão o tom da vida política em ambos os estados.

Nos de pulverização, estados com estruturas políticas fortes e tradicionais viveram uma onda de decréscimos em seus quadros e um aumento na quantidade de partidos a representar seu eleitorado. O Distrito Federal e o Maranhão são bons exemplos. Num curto espaço de tempo, partidos influentes viram suas bancadas estaduais no Congresso serem fragmentadas e reaproveitadas por legendas menores ou novatas.

Os estados de transição gradual têm sido marcados por transições de poder menos conturbadas. O Acre, ao longo da crise política, continuou elegendo candidatos e candidatas petistas de maneira implacável à maioria dos cargos.

Ao mesmo tempo, o Acre é o terceiro estado que mais renova seus quadros no Brasil (65% de troca, em média), perdendo apenas para o Distrito Federal (69%) e o Sergipe (69%). Logo, a crise política vivida por Brasília não afetou de maneira abrupta a tradição política hegemônica do estado.

* Marcos Augusto Gonçalves é repórter especial da Folha, editor da série de cadernos temáticos "E agora, Brasil?" e autor de "1922 - A Semana que não Terminou". Foi editor da Ilustrada e da Ilustríssima.

* Visca é artista plástico.


Mario Sergio Conti: Matou Stálin e foi ao cinema

Uma sátira política ultrajante saída dos quadrinhos e da história para as telas do presente

"A Morte de Stalin" é insólito. Baseado numa história em quadrinhos francesa e dirigido por um escocês, o filme narra um putsch na pardacenta União Soviética de 1953. Mas, vá lá: vivemos numa cultura visual, fazem-se milhares de filmes tolos todo ano, há público à beça para birutices.

Ainda assim, "A Morte de Stalin" é subversivo. Está fora da ordem porque é um primor de sarcasmo. Por isso, foi banido da Rússia de Putin. O cinema de Moscou que o exibiu uns poucos dias, alegando não ter recebido a ordem de censura, foi invadido pela polícia. Suas sessões lotavam.

O filme foi feito por Armando Iannucci, que dirigiu o seriado americano “Veep”, uma comédia com uma vice-presidente mentecapta, vigaristas da política e marqueteiros fuinhas. No filme, a Casa Branca de agora dá lugar ao Kremlin de 65 anos atrás —o que aumenta muito a complicação de fazer rir.

Isso porque o prazo de validade da sátira política é curto. O Vampirão na escola de samba é divertido hoje. Mas tripudiar do Chupa-Cabras daqui a 65 anos? Quem se lembra da cara de Café Filho, o vice-presidente golpista e traidor de Vargas?

O fato de Stálin ser ultraconhecido implica outras dificuldades. Ele não foi um pascácio cheio de dedos, mas o protagonista de uma luta planetária que se estendeu por mais de 70 anos. Matou milhões de inocentes e inspirou ódio, pavor, adoração. Não é tranquilo debochar dele.

Chaplin fez algo assim em "O Grande Ditador", de 1942, a comédia na qual achincalhou Hitler. Na sua autobiografia, contudo, disse que não teria feito o filme se soubesse dos campos de extermínio: "Não poderia fazer graça com a insanidade homicida dos nazistas".

Enquanto “O Grande Ditador” é piegas e populista, “A Morte de Stálin” tem um pique anárquico. O humor negro é o trunfo do filme. Além de captar o ambiente de desconfiança paranoica que cercava Stálin, a graça ultrajante tira o espectador do sério.

Stálin jaz numa poça de xixi, vítima de um derrame, e seus comparsas estão lívidos de medo. Temem que o tirano sobreviva e se vingue da sua inação. Também têm medo que ele morra e, desfavorecidos, tenham que se haver com as multidões que os detestam. Odeiam o ditador, mas seus privilégios advêm da ditadura.

Ficam paralisados, por fim, porque um ano antes, ao fantasiar que seus médicos planejavam assassiná-lo, Stálin os atacou com fúria assassina. Os profissionais que o atenderam, dez horas depois de ter tido a síncope, foram tirados aos cacos da cadeia.

As estrelas do filme são Nikita Kruschev, que veio a ocupar o posto de ditador; Lavrenti Béria, o carrasco de Stálin; e o marechal Jukov, o herói da tomada de Berlim. A trinca que os interpreta é prodigiosa. Sem Steve Buscemi, Simon Russell Beale e Jason Isaacs o filme não seria tão engraçado.

Os atores reduzem figuras históricas a umas poucas características. Jukov é o milicão tapado de carteirinha, com cicatriz na cara e medalhas no peito. Béria, um carniceiro gordão e careca que resfolega. Kruschev, um conchavador ardiloso, audaz e espalhafatoso.

Seus comparsas na gangue que chefia o PC são seres emaciados pela covardia e ressentidos por décadas de humilhação. A morte do Pai dos Povos não os liberta: passam de imediato a conspirar uns contra os outros. Delatam, traem e trocam de aliados para tomar o poder. Suspeitam de si mesmos porque sabem que são vis.

“A Morte de Stálin” é um retrato frenético da casta stalinista num momento de crise. Também escancara o mecanismo de um golpe de Estado —tema sensível ao Brasil de ontem, hoje e de dias que virão. Não é pouco para o cinema sem graça e pouco pensante do presente.

Há outros retratos daquele instante soturno. A própria história em quadrinhos que deu origem ao filme, de Fabien Nury e Thierry Robin (ed. Três Estrelas, 152 págs.), é bem diferente. Dramática, ela enfatiza as feições mórbidas da situação e dos personagens —Béria lembra um rato.

Para quem quiser ir ao material bruto, há “Beria: Le Bourreau Politique de Staline”, de Jean-Jacques Marie (ed. Tallandier, 512 págs.). Com base nas atas do julgamento de Béria, memórias dos participantes do golpe e o que foi publicado recentemente na Rússia, o historiador francês conta o que se passou nos idos de 1953.

Moscou é longe, a vida é breve e o stalinismo já era. A arte e a política ainda vivem. Se Fernanda Torres e Roberto Schwarz se juntassem para filmar “A Morte do Morcegão” aprenderíamos algo sobre nós mesmos. Fica a sugestão.

*Mario Sergio Conti é autor de 'Notícias do Planalto' (1999); começou sua trajetória como jornalista na Folha em 1977.


El País: O voto das mulheres, um muro contra a candidatura Bolsonaro

Quatro em cada dez eleitoras ainda não sabe em quem vai votar. Sem Lula, número de indecisos chega a recorde

Por  Talita Bedinelli, do El País

Se as eleições presidenciais ocorressem agora, quatro em cada dez mulheres do país não teriam um candidato, segundo a pesquisa Datafolha divulgada no último domingo. O resultado repete o visto pelo levantamento telefônico do DataPoder360, a divisão de pesquisas do site Poder360, em cenários que não consideraram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preferido entre elas. Enquanto até 42% das entrevistadas pela pesquisa afirmam que votariam branco, nulo ou se declaram indecisas, a taxa atual destes não votos entre os homens é de 25%. As mulheres, principal força eleitoral do país, estão mais indecisas ou desprezam mais os atuais nomes disponíveis neste momento da disputa do que os homens. E quais seriam os motivos que levam a essa diferença entre elas e eles?

A tendência de indecisão entre as eleitoras meses antes da votação não é novidade e se repete em todos os pleitos. E isso não significa que se manterá tão alta até o momento em que elas chegarem às urnas, apontam estudos sobre o comportamento eleitoral das mulheres. As eleitoras demoram mais para escolher candidatos e costumam decidir de olho nas propostas, especialmente as que abordam serviços públicos, algo que se torna evidente apenas após o início da campanha na TV.

No atual estado da corrida eleitoral, elas são decisivas para desenhar o panorama: de um lado, puxam para cima - em nível recorde - o número de eleitores que não escolhem ninguém se Lula não estiver no páreo; do outro, erguem um muro que, até agora, impede que o candidato de extrema direita Jair Bolsonaro avance na dianteira sem ele.

Condenado em segunda instância, Lula pode ter sua candidatura impugnada pelas regras da Lei da Ficha Limpa, mas quando seu nome é testado nas pesquisas a maior proporção de suas intenções de voto está entre as mulheres —31% delas afirmam querer votar nele; entre os homens, a taxa é de 29%. Por isso, na ausência de Lula a taxa de não voto aumenta. "Lula tem uma variável fundamental que é o Bolsa Família", afirma Maurício Moura, presidente do Idea Big Data, que coordenou diversas campanhas no Brasil e no exterior. Um estudo das Nações Unidas do ano passado apontou que o programa de transferência de renda favorece a autonomia das mulheres beneficiárias, que se sentem menos dependentes dos parceiros ao adquirir uma fonte regular de renda —o pagamento é feito preferencialmente a elas. Também exige a frequência das crianças à escola e a vacinação. A luta está em quem vai convencer esta eleitora de merece o voto que seria de Lula. Marina Silva é quem mais cresce dentre as mulheres que declaram votos na ausência de Lula (até 17% sem Lula ante 11% com ele).

Sem o petista, Marina se aproxima de Bolsonaro, que desponta em primeiro nas pesquisas na ausência do ex-presidente. Entre as mulheres, o deputado está em clara desvantagem. Tem entre as eleitoras uma preferência muito mais baixa que entre os eleitores. Se até 27% dos homens afirmam que pretendem votar nele, entre as mulheres este número cai para até 12%, segundo o Datafolha. Bolsonaro precisa conquistar os votos delas pra poder crescer, algo complicado para um candidato que fez declarações machistas polêmicas, especialmente em um momento de fortalecimento dos movimentos feministas. Em abril do ano passado, ele afirmou que "fraquejou" ao ter o quinto filho e, por isso, ela nasceu mulher, o que causou revolta nas redes sociais. Ele também causou indignação ao chamar a deputada Maria do Rosário de "vagabunda" e afirmar: "jamais iria estuprar você porque você não merece".

Esperar para ver
Seja como for, parece faltar ainda algumas semanas até que o quadro mude de maneira significativa. "As mulheres esperam chegar a informação que lhes interessa. Geralmente, elas são mais cuidadosas na escolha", diz a socióloga Fátima Pacheco Jordão, que em 2010 realizou um estudo sobre o poder do voto feminino para o Instituto Patrícia Galvão, ONG da qual é conselheira. Em sua pesquisa, ela apontou que entre as eleitoras o voto costuma ser mais consciente e consistente e as mulheres ficam na expectativa de propostas que afetem diretamente a vida da população, como as relacionadas à saúde, educação, desemprego e segurança. E, enquanto elas são mais sensíveis a políticas públicas, eles demonstram mais interesse por assuntos ligados ao jogo de poder, como as escolhas partidárias, por exemplo. Por isso, os homens geralmente têm mais certeza de seus votos nesta etapa da corrida eleitoral, quando as decisões políticas estão sendo tomadas.

Lúcia Avelar, pesquisadora associada do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp, pondera que os dados globais das pesquisas de opinião não mostram as diferenças que existem entre as mulheres dentro dos diversos estratos, como renda, escolaridade e região do país, por exemplo. Mas ela concorda que, em geral, as mulheres costumam decidir mais tarde. "Elas são muito mais conhecedoras dos serviços públicos e sociais", explica. Para ela, entretanto, a elite política não dá tanta importância a essa parcela de votantes, que representa 52,5% do eleitorado brasileiro, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "Eles acham, erroneamente, que a mulher acompanha o voto do companheiro. Há um conservadorismo pesado que cega um pouco os políticos. Eles começam a acordar agora para a importância de dar uma atenção especial para elas", ressalta.

"É impossível se passar por uma campanha sem que exista um cluster que seja feminino. Alguma tática de comunicação para esse grupo é necessária", diz Moura, do Idea Big Data. Ele reconhece, entretanto, que a atenção dada às campanhas para o voto das mulheres ainda é desproporcional ao tamanho delas no eleitorado. "A questão é que existem muito mais candidatos homens do que mulheres e, por isso, as campanhas já partem de uma lógica inicial masculina. Essa força ainda é subestimada em relação ao tamanho do eleitorado porque a lógica da política ainda é masculina", ressalta. Para ele, o problema se corrige com o aumento de candidatas mulheres no processo.

"Eu não escolhi meu candidato e acho que não vou votar em ninguém. Prefiro assistir aos debates, que ajudam quando a gente não conhece muito os nomes", conta a analista de sistemas Fabiana Guimarães Zinhani, 30. O mesmo afirma a manicure Maria Mônica da Conceição, 62. "Na verdade, nem sei quem disputa, além do [ex-governador] Geraldo Alckmin". Para ambas, o atual cenário de candidatos, que se mostra mais pulverizado e com nomes menos conhecidos, faz com que a escolha seja ainda mais difícil do que nos anos anteriores. E o voto delas ainda mais importante, explica Pacheco Jordão. "Neste contexto, o peso de cada voto é maior e [diante das muitas opções] elas provavelmente vão demorar ainda mais para escolher", diz. "Em decisões apertadas como as que temos tido, quem acaba decidindo a eleição é a mulher", explica a socióloga.