política

Fausto Macedo: CNJ vai apurar condutas de Favreto, Gebran e Moro

Representações contra os magistrados chegaram ao Conselho Nacional de Justiça após decisões conflituosas em torno de pedido de habeas corpus em face do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva 

BRASÍLIA – O ministro corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), João Otávio de Noronha, determinou a abertura de procedimento para apurar as condutas dos desembargadores Rogério Favreto e João Pedro Gebran Neto, ambos do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), e também do juiz federal Sérgio Moro, da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba (PR).

O CNJ recebeu oito representações contra Favreto e duas contra Moro. Elas pedem a apuração sobre possível infração disciplinar dos magistrados no episódio que resultou na liminar em habeas corpus a favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso na Operação Lava Jato, e posteriores manifestações que resultaram na manutenção da prisão.

As dez representações serão sobrestadas e apensadas ao procedimento “já que se trata de uma apuração mais ampla dos fatos”, informou a Corregedoria. De acordo com nota do órgão, o pedido de providências será autuado e os trabalhos de apuração iniciados imediatamente pela equipe.

Apesar da decisão do desembargador Favreto, Lula continua preso porque o presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores, manteve a posição do desembargador João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato, que vetou a libertação do petista, preso desde abril. Antes disso, o próprio Moro divulgou despacho em que recomendava o não cumprimento da liminar.

Representações. A primeira representação ao CNJ foi protocolada no domingo, 8, pela ex-procuradora do Distrito Federal Beatriz Kicis. A segunda foi apresentada pela promotora de Justiça do Ministério Público do Rio Adriana Miranda Palma Schenkel. Outra representação foi feita pelo deputado federal Carlos Sampaio (PSDB-SP).

Para cerca de cem integrantes do Ministério Público e do Poder Judiciário, a decisão do desembargador Favreto “viola flagrantemente o princípio da colegialidade”. “A quebra da unidade do direito, sem a adequada fundamentação, redunda em ativismo judicial pernicioso e arbitrário, principalmente quando desembargadores e/ou ministros vencidos ou em plantão não aplicam as decisões firmadas por Órgão Colegiado do Tribunal”, citam. Ainda há uma representação do Partido Novo, duas do senador José Medeiros (Podemos-MT) e uma do deputado federal Laerte Bessa (PR-DF).

Quem assina as representações contra Moro são o estudante de Direito de Rolândia (PR) Benedito Silva Junior, que já protocolou habeas corpus a favor de Lula em outras ocasiões, e o advogado mineiro Lucas Carvalho de Freitas.


Luiz Carlos Azedo: A politização da Justiça

O caso Lula pôs a crise ética no colo do Supremo Tribunal Federal, que está como homem da caverna de Platão

As fortes ligações dos membros das cortes superiores e tribunais de justiça com políticos não são nenhuma novidade, o fato novo é a punição dos políticos pelos juízes e tribunais, entre os quais o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), condenado a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado. É o primeiro caso de um presidente da República levado à prisão no Brasil. Isso não aconteceu na Revolução de 1930 nem no golpe militar de 1964. Os ex-presidentes Washington Luiz e João Goulart, depostos, foram para o exílio. Poderiam ter sido presos, se Getúlio Vargas e Castelo Branco quisessem fazê-lo.

Após a redemocratização, o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que renunciou ao sofrer um processo de impeachment, não foi preso. Respondeu a processo em liberdade e acabou absolvido, sem passar pelas instâncias de primeiro e segundo grau. A ex-presidente Dilma Rousseff, deposta no impeachment, nem os direitos políticos perdeu. Todos os ex-presidentes vivos têm alguma influência nos tribunais. Não tem fundamento constitucional a narrativa do PT de que Lula é um preso político, de que sua prisão é uma perseguição dos “jacobinos de toga”. Lula está preso porque recebeu vantagens indevidas no exercício do cargo e isso é crime comum. Foi condenado em duas instâncias e estará fora da disputa eleitoral por causa da Lei da Ficha Limpa. Os fatos jurídico-políticos são esses, o resto é discurso eleitoral e muita luta pelo poder.

É nesse contexto que os fatos de domingo passado, envolvendo o desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que mandou soltar Lula, e os juízes naturais do caso do tríplex de Guarujá, o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, de Curitiba, responsável pela execução da pena, o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator do caso, e o presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, desembargador Trompson Flores, que mantiveram a prisão, precisam ser analisados.

A luta política chegou à Lava-Jato em todas as instâncias. Num país de dimensões continentais, que somente veio a completar sua revolução burguesa na década de 1930, mesmo considerando-se o importante papel do Exército brasileiro e da diplomacia na preservação da integridade territorial e consolidação de nossas fronteiras, seria inimaginável a construção do Estado nacional sem a existência de uma Justiça capaz de se fazer presente em todas as cidades. No período colonial, a Justiça local era exercida por cidadãos designados pelas Câmaras Municipais eleitas; com a chegada da Corte portuguesa, essa estrutura não mudou muito; depois da Independência, o sistema passou a ser híbrido, com a nomeação dos juízes pelo imperador e a criação de juris formados por eleitores, que anualmente eram alistados para julgarem devassas e querelas em processo público e oral. Impossível não haver politização.

Caverna
A centralização e profissionalização da magistratura só veio em 1850, quando o impedor D. Pedro II, por decreto, estabeleceu que os juízes seriam nomeados por ele, entre bacharéis, após servirem como juiz municipal, de órfãos, ou promotor público. Os habilitados deveriam ser matriculados com base nas informações prestadas pelos presidentes de Província e pela documentação apresentada pelo requerente, o que garantiu o controle do Judiciário pelo Partido Conservador. Após a proclamação da República, com a Constituição de 1891, a grande mudança foi a realização de concursos: “A nomeação de juízes de direito será precedida de noviciado e concurso, e a dos substitutos, de noviciado”. Mesmo assim, somente no final do regime militar, em 14 de março de 1979, foi editada a Lei Complementar nº 35, instituindo a Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Entre outras disposições, essa lei criou o Conselho Nacional da Magistratura, que foi extinto em 1998 por simples despacho de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Renasceu das cinzas, porém, com a Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004., recebendo a denominação de Conselho Nacional de Justiça. Antes mesmo de sua publicação, a emenda foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3367), proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros, mas o Supremo decidiu por maioria julgar improcedente a ação.

Há uma tensão permanente entre os magistrados de carreira e os desembargadores e ministros do chamado quinto constitucional, exacerbada pelo fato de que a composição do Judiciário, mesmo com os concursos, manteve características de casta privilegiada e corporativista. Para o cidadão comum, a Justiça gasta muito, produz pouco e fala uma língua que não se entende. Para os poderosos, os ritos do processo são mais importantes do que os fatos; com os miseráveis, ocorre exatamente o contrário. Com a Operação Lava-Jato, esse modus operandi estolou. O caso Lula pôs a crise ética no colo da Justiça brasileira, que está como homem da caverna de Platão: não sabe se permanece à luz do dia ou volta para a escuridão. Quem vai decidir é o Supremo Tribunal Federal (STF).

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Luiz Carlos Azedo: A criminalização da política

A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua inelegibilidade exacerbam as tensões entre os políticos e promotores, delegados federais e magistrados que os investigam

A criminalização da política é a outra face da moeda de sua judicialização. São fenômenos que refletem a velha tensão entre a ética da responsabilidade e a ética das convicções, conceitos que ajudam a entender as vicissitudes da Operação Lava-Jato e seus atores, o inferno astral dos políticos às vésperas das eleições e o racha entre “garantistas” e “punitivistas” no Supremo Tribunal federal (STF). Essa bola rola quadrada no debate eleitoral, mais ou menos como aconteceu com a nossa seleção no jogo contra a Bélgica, na sexta-feira, um adversário sem tradição nas finais da Copa do Mundo. Entretanto, quem sentiu o peso da camisa foi a equipe do Brasil, pentacampeã mundial.

Aproveitando o parêntese, não é só na política e na economia que não entendemos a globalização. O Brasil exporta aviões, carne, soja, café, minérios e jogadores de futebol. Com exceção dos aviões, são matérias-primas que serão processadas e beneficiadas, recebendo valor agregado lá fora, o que inclui os jogadores de futebol. O mundo no qual os nossos jogadores surpreendiam os adversários e seus esquemas táticos com a habilidade do drible e a criatividade das jogadas deixou de existir. Na conquista do Penta, no Japão, a maioria dos nossos craques já era globalizada. No futebol, como acontece com a nossa economia, exportamos craques, mas não importamos a expertise organizacional e comercial dos grandes clubes europeus para acompanhar as mudanças em curso no mundo.

Nossos craques são cosmopolitas, nossos dirigentes, provincianos; jogadores como Neymar são estrelas do marketing esportivo mundial, milionários da “sociedade do espetáculo”, que vendem marcas tanto fora quanto dentro de campo. Lobistas e patrimonialistas, nossos principais cartolas de nível internacional entraram em cana. Com a globalização, empresas e instituições estão sendo obrigadas a assumir regras cada vez mais rigorosas de compliance, para respeitar as normas legais e “evitar, detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade” que possa ocorrer.

Marco Polo del Nero, José Maria Marin e Ricardo Teixeira, os três últimos presidentes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), montaram um esquema corrupto que arrecadou pelo menos R$ 120 milhões em propinas. Segundo investigações lideradas pelo FBI, cobraram uma espécie de “pedágio” de cada empresa que procurava a entidade com a meta de fechar acordos de transmissão ou de exploração de marketing. O que impressionou os investigadores foi o caráter sistemático das propinas cobradas. “Eles conspiraram de forma intencional para fraudar a CBF”, concluiu o Departamento de Justiça dos EUA.

Lava-Jato
Alguém pode estar imaginando: o que isso tem a ver com a crise ética e a Lava-Jato? Muita coisa. O sucesso da Lava-Jato não se deve apenas às “delações premiadas” de executivos, agentes públicos e políticos, que não estão ocorrendo apenas por causa das longas prisões preventivas, como acusam seus críticos. Deve-se, em grande parte, às regras de compliance de empresas europeias e norte-americanas e dos bancos suíços. Grandes esquemas de lavagem de dinheiro do mercado financeiro internacional, sem os quais as operações de caixa dois não seriam possíveis, foram desmantelados. Com a saída da Inglaterra do Brexit, os paraísos fiscais das ex-colônias britânicas estão sendo devassados. Mesmo que os poderosos doleiros sejam soltos, o “esquema” foi desmantelado.

Retomando o fio da meada: a criminalização da política não foi uma consequência da Lava-Jato, ao contrário; ela é uma decorrência do patrimonialismo e do uso generalizado de caixa dois nas campanhas eleitorais, com recursos desviados de obras e serviços públicos. Em razão de uma legislação frouxa, esse tipo de prática estava incorporado à cultura política tradicional, na qual o que distinguia o político honesto do ladrão era a formação de patrimônio com recursos de campanha e não a origem do dinheiro. Com a Constituição de 1988, legalmente, essa prática estava condenada, mas a ficha não caiu, até o julgamento do mensalão pelo STF. A resposta ao julgamento, porém, não foi a erradicação do caixa dois; foi a sua sofisticação e centralização, conforme nos mostra a Operação Lava-Jato. Mas, subestimou-se o papel dos órgãos de controle do Estado (MPF, PF, Receita etc.) e a cooperação internacional.

Hoje, a crise ética é um vetor da disputa eleitoral e ameaça levar de roldão a elite política do país. A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua inelegibilidade mostram que ninguém está a salvo de uma condenação. O caso exacerba as tensões entre políticos e promotores, delegados federais e magistrados que os investigam. Às vésperas das eleições, pôs na berlinda os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que substituíram os militares no papel de “poder moderador” na vida nacional, mas se digladiam em público em razão de divergências doutrinárias sobre direitos dos réus, esferas de competência e grau de punibilidade dos envolvidos na Lava-Jato. No Congresso, os políticos envolvidos já articulam uma espécie de anistia para os casos de caixa dois eleitoral e o fim da prisão imediata após condenação em segunda instância, a pretexto de “descriminalizar” a política.

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Luiz Carlos Azedo: O fim melancólico

Políticos e servidores teriam atuado para cometer fraudes na concessão de registros sindicais. A criação de sindicatos virou uma indústria, verdadeira mamata

A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) surgiu pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943, sancionada pelo então presidente Getúlio Vargas, unificando toda legislação trabalhista existente no Brasil. Seu principal objetivo foi regulamentar as relações individuais e coletivas do trabalho. Foram 13 anos de estudos e discussões — desde o início do Estado Novo até 1943 — entre destacados juristas, como Arnaldo Lopes Süsseking, José de Segadas Viana, Oscar Saraiva, Luiz Augusto Rego Monteiro e Dorval Lacerda Marconde, que se empenharam em criar uma legislação que atendesse à necessidade de proteção do trabalhador, sob a égide de um Estado regulador, corporativista e intervencionista, de tendência fascista, o Estado Novo.

Desde a sua publicação, a CLT sofreu várias alterações, para ser adaptada à modernização do país. Continua sendo o principal instrumento para regulamentar as relações de trabalho e proteger os trabalhadores, mas passa por um processo de reformas que visa sua desregulamentação. Flexibilizar a contratação de trabalhadores passou a ser uma necessidade para que o mercado de trabalho se adapte às mudanças econômicas e tecnológicas ditadas para globalização e pelo que já está sendo chamado de “capitalismo de dados”.

A CLT não foi a simples sistematização da vasta legislação trabalhista produzida no país após um plano coerente. Embora tenha recebido o nome de “consolidação”, introduziu novos direitos e regulamentos até então inexistentes. Tratou minuciosamente da relação entre patrões e empregados: regras referentes a horários a serem cumpridos pelos trabalhadores, férias, descanso remunerado, condições de segurança e higiene dos locais de trabalho etc. Até hoje, a anotação dos contratos de trabalho deve ser feita na carteira de trabalho instituída em 1932, símbolo maior da Era Vargas.

Apesar de sua reforma administrativa ou dos investimentos em infraestrutura e na indústria de base, a imagem de Vargas como protetor da classe trabalhadora está colada à CLT. A outra face dessa moeda, porém, foi a intervenção nos sindicatos de trabalhadores, que, até então, sofriam forte influência anarquista. O trabalhismo de Alberto Pasqualini e San Tiago Dantas, apoiado por Vargas, foi alavancado por um sindicalismo chapa branca, pelego, inspirado na Carta Del Lavoro do ditador italiano Benito Mussolini. Originário da Itália, o fascismo foi uma resposta à crescente influência comunista entre os trabalhadores italianos após a Revolução Russa de 1917.

Com a abertura comercial e as privatizações do setor produtivo estatais, após a redemocratização, a estrutura sindical brasileira é o que ainda resta da Era Vargas. Durante os governos Lula e Dilma, seus líderes gozaram de um poder sem precedentes. Nem quando João Goulart foi ministro do Trabalho de Vargas, na década de 1950, ou presidente da República, no começo dos anos 1960, os sindicalistas tiveram tanto prestígio. A chamada “República Sindical” que se atribuía ao governo de Jango, em 1964, nem de longe se compara ao poder dos sindicatos e seus líderes a partir de 2002.

Com Lula no poder, os sindicalistas do PT e seus aliados da CUT e demais centrais sindicais passaram a controlar a Petrobras, os fundos de pensão e os ministérios da Previdência e do Trabalho, ao mesmo tempo em que o prestígio e a influência das centrais aumentaram no Congresso. A criação de sindicatos virou uma indústria, verdadeira mamata. A Operação Lava-Jato, que desnudou a corrupção institucionalizada na Petrobras, e as investigações nos fundos de pensão, porém, mostram a outra face desse poder. Agora, as investigações estão chegando aos sindicatos e aos sindicalistas, que sempre estiveram blindados por uma legislação que impedia a fiscalização de suas contas, a pretexto de defender a autonomia sindical.

Fio da meada

Ontem, Helton Yomura, ministro do Trabalho, renunciou ao cargo, depois de ser afastado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin. É suspeito de envolvimento com suposta organização criminosa que, segundo a Polícia Federal, cobrava pela emissão de registros de sindicatos. Na carta de demissão, Yomura afirma: “Estou ciente de que jamais pratiquei ou compactuei com qualquer ilicitude”.

No pedido feito a Fachin para deflagrar a nova etapa da operação, a Polícia Federal também solicitou autorização para cumprir mandados de busca e apreensão em endereços do ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo), mas o ministro do STF e a Procuradoria-geral da República entenderam que não havia provas suficientes contra ele. Segundo a PF, políticos e servidores teriam atuado para cometer fraudes na concessão de registros sindicais.

É um fim melancólico para a Era Vargas, num momento em que os sindicatos de trabalhadores precisam se reinventar, pois enfrentam mudanças estruturais na economia, que demandam mais tecnologia e menos mão de obra, e um golpe mortal no gigantismo e no assistencialismo das entidades, com o fim do imposto sindical. Quem quiser que se iluda, o escândalo é apenas o fio de uma meada.

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Cristovam Buarque: A pauta dos jovens

Não sobreviveremos se não formos capazes de formular causas comuns que nos unam como povo e nos construam como nação, com coesão social e rumo histórico. A mais importante dessas causas é o cuidado e a formação de nossas crianças e jovens. Os políticos devem unificar partidos e superar divergências para atender às necessidades da pauta desse público. E para cuidar dos jovens é preciso entender os problemas da cidade e do país na ótica deles.

Para os jovens, o emprego não é apenas questão de crescimento econômico, porque sabem que a robótica e a inteligência artificial não vão criar tantos postos de trabalho quanto no tempo de seus pais. O emprego futuro será resultado de educação comprometida com empregabilidade, de leis trabalhistas flexíveis adaptadas às mudanças no mundo e da capacidade dos jovens para o empreendedorismo. Eles querem uma economia dinâmica, que sirva não apenas para crescer a produção material, mas também para aumentar o tempo livre de cada pessoa, ampliar a criação cultural e respeitar o meio ambiente.

Para os jovens, a educação precisa de professores com melhor formação e boa remuneração, que sejam bem avaliados e motivados, trabalhando em escolas bonitas, confortáveis e modernamente equipadas, todas em horário integral, onde recebam a formação de que necessitam para entender, aproveitar e transformar o mundo, fazendo-o melhor para seus filhos e netos. Mas, para os jovens, o ensino de qualidade pouco tem a ver com as escolas de hoje; acham que a educação deve se fazer com o que há de mais moderno em tecnologia da informação, com liberdade para o aluno escolher o que quer estudar, com aulas a distância, sem necessidade de presença física permanente.

Eles querem aprender a conservar a natureza, respeitar a diversidade, adquirir um ou mais ofícios que lhes permitam trabalho ao longo da vida e conhecimento para mudar de profissão se necessário; aprender a comprometer-se com a defesa da democracia, da liberdade e dos direitos civis; aumentar a produtividade na economia, o sentimento e a prática da cidadania e da solidariedade.

Os jovens sabem que o problema das drogas não será resolvido com a proibição delas; que até agora não reduziu o consumo, mas promoveu o tráfico e encheu as cadeias. Eles desejam uma sociedade que, no lugar de proibir drogas, faça com que o uso delas seja desnecessário, graças ao bem-estar social e à realização pessoal e com felicidade.

Os nossos jovens querem segurança para se locomover, estudar, viver em paz, sem medo de bala perdida ou assalto; mas para eles a violência não deve ser enfrentada apenas com intervenção policial mas, sobretudo, com a construção de uma consciência de paz na sociedade.

Os jovens não querem aposentadoria imediata, mas, para eles, a principal qualidade da Previdência é a sustentabilidade ao longo de décadas. A política não deve ser apenas sem corrupção no comportamento dos políticos, mas também feita sem corrupção nas prioridades, atendendo às necessidades sociais, e garantindo equilíbrio ecológico e estabilidade monetária; feita por políticos com dignidade, austeridade e integridade, sem uso nem defesa de mordomias, nem desperdícios.

Apesar da desconfiança, é preciso que os jovens saibam que alguns candidatos oferecerão propostas para atender a pauta deles, recuperando ou apoiando projetos que Brasília já conheceu no governo entre 1995 e 1998, tais como: Escola em Casa, Poupança Escola, Projeto Saber, Temporadas Populares, Escola Candanga, Projeto Orla, Fecitec, PAS.

A pauta para os jovens só será possível se for a pauta construída por eles próprios. Os políticos devem identificar, entender e defender a pauta dos jovens, mas são eles que escolherão os políticos. No quadro atual, é difícil um jovem acreditar na política; eles sabem, porém, que só com a participação na política será possível construir um Brasil com coesão e rumo e que isso depende do envolvimento deles. Há pouco mais de um século parecia impossível um Brasil sem escravidão, mas os jovens abolicionistas conseguiram. (Correio Braziliense – 03/07/2018)


Luiz Carlos Azedo: A liturgia do cargo

Dias Toffoli assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro e já toma decisões levando em conta a expectativa de poder que o mundo jurídico lhe reserva

“Não há limite. Vamos pensar: os caras são vitalícios, nunca serão responsabilizados via STF ou via Congresso e ganharão todos os meses o mesmo subsídio. Sem contar o que ganham por fora com os companheiros que beneficiam. Para que ter vergonha na cara?”, disparou a procuradora da República Monique Cheker no Twitter, logo após criticar o líder do governo, deputado André Moura (PSC-CE), por indicar “advogados, primos e dona de salão” para a Dataprev. A frase foi interpretada como uma crítica aos ministros do STF, o que a procuradora nega em outro post: “Não há menção a ministros do STF”.

Em reação à procuradora, o integrante do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Luiz Fernando Bandeira de Mello encaminhou à Corregedoria Nacional do MP um pedido para que seja apurada a eventual menção da procuradora da República a ministros do STF que ganhariam “por fora com os companheiros que beneficiam”. No documento, Bandeira pede para que seja investigada a real autoria da publicação nas redes sociais e, se confirmada, a “eventual infração disciplinar”. Em outro post, Cheker não deixa por menos. diz que CNPM “é um órgão extremamente importante para o controle disciplinar de membros do MP mas está enfrentando uma péssima fase, olhando twitters e postagens no Facebook, sem qualquer indícios de falta disciplinar, quando há muito o que fazer no combate à corrupção.”

Na verdade, o clima esquentou entre procuradores e ministros do Supremo por causa de decisões da Segunda Turma do STF e algumas decisões monocráticas de ministros do STF libertando presos da Operação Lava-Jato e arquivando inquéritos que, depois de sucessivas prorrogações, não apresentaram provas cabais contra os indiciados. Líder da força-tarefa que investiga a Lava-Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, por exemplo, não digeriu a soltura do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu: “Min. Toffoli mantém preso réu que furtou uma bermuda de 10 reais. Já Dirceu, que desviou milhões e também tem mais de uma condenação em seu histórico, foi solto pelo mesmo ministro, que foi subordinado ao réu na Casa Civil”, disparou.

“Dirceu foi preso p/ cumprir pena qd vigiam cautelares (como tornozeleira). Em seguida, 2ª Turma suspendeu pena contra decisão do STF q permite prisão em 2ª instância Naturalmente, cautelares voltavam a valer. Agora, Toffoli cancela cautelares de seu ex-chefe (sic)”, escreveu o procurador. Desafeto de Dellagnol, o advogado Rodrigo Tacla Duran, investigado pela Lava-Jato, não perde uma oportunidade para atacar o procurador no Twitter: “Repudiar e desrespeitar decisão judicial de instância superior virou hábito dos que naturalmente não investigam ex-colegas e se fazem de rogado. Buscam desviar o foco com opiniões contraditórias corporativistas e hipócritas”, provocou.

Sacis e cangurus
Duran vive refugiado na Espanha e teve sua delação premiada recusada pelo juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal de Curitiba. Em outra postagem, provoca a força-tarefa da Lava-Jato: “Já ouviu falar na “denúncia saci”? É aquela da Lava Jato de Curitiba, que não para em pé, porque não tem perícia, não investiga contradições de delator e escamoteia provas contra a tese de acusação ou que possam atingir protegidos”. Dellagnol havia criticado no Twitter os recursos apresentados pelas defesas dos réus da Lava-Jato ao STF: “Já ouviu falar no ‘habeas corpus canguru’? De liminar em liminar, um processo vai pulando instâncias e chega até o STF, sem decisão definitiva nem na 1ª instância”.

Quem se deu conta de que é preciso ir devagar com o andor foi o juiz Sérgio Moro, que levou uma invertida do ministro do STF Dias Toffoli por ter intimado José Dirceu a adotar medidas cautelares, entre as quais a colocação de tornozeleiras. Moro “recuou os alfs”, como diria o folclórico Neném Prancha, grande filósofo do futebol carioca, e disse que havia interpretado de forma errada a decisão da Segunda Turma do Supremo. Havia uma certa ironia na desculpa que deu, diante da polêmica libertação do petista (provavelmente, a decisão não seria a mesma na primeira turma ou em plenário).

Mas caiu a ficha de que há uma mudança em curso no Supremo. A ministra Cármen Lúcia deixará a Presidência do Supremo em setembro. Dias Toffoli assumirá seu lugar e, de certa forma, já toma decisões levando em conta a expectativa de poder que o mundo jurídico lhe reserva. Entretanto, seria bom que o exemplo de Moro, ao respeitar a liturgia dos cargos, fosse levado em conta também pelos ministros do Supremo, que são os guardiões da ordem constitucional.

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José Nêumanne: STF, suprema tavolagem federal

“O atual Supremo não parece muito afeito a questões jurídicas, por mais relevantes que elas sejam num Estado de Direito. O rigor técnico tem cada vez menos importância. O que importa é a perspicácia de antever os movimentos dos outros ministros e assegurar um jeito para que sua posição prevaleça. É assim que se pratica a tavolagem na Suprema Corte.” Esta frase não é de autoria de um político de oposição ou do patrocinador de algum pleito não atendido em decisão monocrática, plenário de turma ou dos 11 membros do Supremo Tribunal Federal (STF), mas faz parte do editorial intitulado Fuzuê, publicado no domingo 1.º de julho de 2018 em O Estado de S. Paulo. Para o leitor desacostumado de brasileirismos nestas eras de anglicismo cibernético, convém lembrar o significado desse título, de acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: “substantivo masculino, brasileirismo informal; folia coletiva, ruidosa, animada por música, dança, alegria; carnaval, folia, funçanata, pândega.” Ou ainda, “por extensão informal, desavença, altercação agressiva envolvendo várias pessoas; briga, confusão, desordem, rolo”.

Em preito à clareza e culto ao idioma falado e escrito como mandam os cânones, talvez convenha acrescentar, para não deixar brechas à incompreensão ou à confusão própria dos fuzuês, termo usado no título de uma peça de teatro do poeta paraibano Marcos Tavares (Fuzuê de Finados), o verbete que esclarece o que seja tavolagem em outro dicionário. Vamos ao Aulete Digital, sem delongas: “substantivo feminino. 1. Vício do jogo; jogatina 2. Casa destinada aos jogos de azar; baiuca, cassino, garito, jebimba, tabulagem 3. Ant. Casa destinada aos jogos de tabuleiro”. Na tradicionalíssima página A3 desse diário, fundado em 1875 e desde então dedicado a causas como a abolição da escravatura, a proclamação da República, a revolução constitucionalista paulista de 1932 e a resistência às ditaduras do Estado Novo e militar de 1964, essa comparação das sessões do STF com o vício do jogo resulta de profunda reflexão sobre fatos recentes. E passa a merecer a atenção de todos.

O editorial acima citado comentou a suprema insolência apelativa descrita de Nota & Informações e, no verso dessa, foi reproduzida reportagem importante e chocante da autoria de Julia Affonso, do Blog do Fausto, espaço reservado ao melhor da reportagem investigativa na imprensa brasileira. O título da abertura da editoria de Política do Estado do domingo 1.º foi: Defesa de Lula entrou com 78 recursos do caso tríplex. Acima do texto propriamente dito, o espanto provocado pelo título é devidamente justificado na linha fina acima dele: Lava Jato. Levantamento mostra que questionamentos foram apresentados entre fevereiro de 2016 e a semana passada: advogados do petista fizeram ofensiva no STF.

Para não perdermos de vista os “pais dos burros”, assim mesmo como o vulgo define os dicionários, muito vendidos e pouco lidos – e esses tomos deveriam ficar sempre ao alcance de nossas mãos –, talvez urja esclarecer que no caso a palavra “ofensiva” pode abarcar pelo menos dois significados. O primeiro, usado conscientemente pelo redator, quer dizer ataque. A defesa de Lula atua como um avanço de tropas contra o território inimigo. O segundo, depreende o leitor mais atento, representa um sinônimo de insolência, ou seja, uma extensão da palavra ofensa em seu sentido mais comum. Os advogados do petista, que não se cansam em atacar o Poder Judiciário da planície ao topo da montanha, ofendem não apenas seus membros de primeira, segunda e terceira instâncias, como também exercem o desplante de exigir da última delas comportamento condizente não com os autos dos processos aos quais seu cliente responde, mas de acordo exclusivamente com a conveniência dele.

No domingo em que julho foi inaugurado, o editorial do Estado e o levantamento feito por Júlia Affonso justificaram com sobras muitas atitudes da defesa do ex-presidente. O relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, pediu à Procuradoria-Geral da República parecer sobre recurso dos defensores de Lula contra a condenação do cliente pelo juiz da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, Sergio Moro, sentença confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, em Porto Alegre. Mas os causídicos não se satisfizeram com a decisão e exigiram que sua demanda fosse encaminhada diretamente à Segunda Turma do Supremo, também conhecida como “o jardim do Éden” pela generosidade com que de três a quatro (às vezes) dos cinco membros concedem habeas corpus a quem os pede. Fachin não ficou esperando sentado a decisão majoritária de seus “colegas” de turma e encaminhou o recurso ao plenário de 11. Antes do recesso de julho Alexandre de Moraes negou o pedido malcriado.

Por sinal, o membro da Academia Brasileira de Letras e professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas Joaquim Falcão, especialista em STF, fez uma magnífica descrição da distorção provocada pela guerra interna dos “supremos” que permitem tais malcriações. No artigo A Segunda Turma é o Supremo, publicado na quarta-feira 27 de junho no jornal O Globo, Falcão focou a situação com olhos de águia e desferiu: “A questão hoje não é a palavra final. É a palavra intermediária. É quem manda no ‘durante’. Até chegar ao final. E como o atual sistema é de recursos infindáveis, o final também é, às vezes, infindável. Não adianta o plenário dizer que cabe prisão a partir da condenação em segunda instância. Pois a Segunda Turma pode sempre interpretar diferentemente. Nos últimos tempos, os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Gilmar Mendes consolidaram uma maioria de três que têm tentado, e muitas vezes conseguido, controlar a Segunda Turma — composta de cinco ministros”. Ou seja, os representantes de Lula provocam porque os “colegas” de Fachin permitem. E o resto é balela.

O resultado dessa batalha absurda só será conhecido em agosto, pois na “tabulagem” do Supremo o sorteio do recurso de Lula versus Fachin caiu nas mãos de Alexandre de Moraes, que é da Primeira Turma, cujo desempenho na concessão de habeas corpus é normalmente oposto ao da Segunda. Isso ocorre graças à posição do próprio Moraes, de Luiz Fux e Luis Roberto Barroso, que conta com o apoio de Rosa Weber, que vota contra a própria convicção por apoiar a permanência da jurisprudência da autorização de prisão após condenação na segunda instância, após ter dado na votação da medida voto vencido. Nessa turma, Marco Aurélio Mello, que faz de tudo para desmoralizar os oponentes que o derrotaram na votação, mantém uma tradição antiga de se isolar naquilo que chama de suas convicções. Por isso, ao contrário da Segunda, a Primeira Turma do STF foi chamada de “câmara de gás” por Gilmar Mendes, cujo voto ajudou a formar a jurisprudência, mas agora a combate com inusitada ferocidade.

Na semana passada, o citado ministro Mello deu exemplo de como se comporta nessa guerra de chicanas autorizadas com citação constitucional: concedeu habeas corpus ao multicondenado do MDB Eduardo Cunha, que, contudo, foi mantido preso por conta de outros dois mandados de prisão. Ou seja, ele não quis soltar o “Caranguejo” da Odebrecht, mas desafiar a decisão da presidente Cármen Lúcia de não marcar, como ele pretende, a rediscussão da jurisprudência até setembro, quando ela entregará a presidência da Corte a Dias Toffoli. Este foi lembrado nas redes sociais por ter mantido preso um morador de rua acusado de furtar uma bermuda de R$ 10, da mesma forma que soltou o ex-chefe José Dirceu, acusado de roubar R$ 10 milhões na Lava Jato. Será possível, então, dizer que o “garantismo” do futuro presidente do STF não é medido em unidades, mas em milhões?

E mais: a defesa de Lula, que pediu para a inelegibilidade dele pela ficha suja ser anulada no “jardim de Éden”, para o caso de votação no pleno, desistiu do pleito, o que não passou despercebido a Fachin. Que tal?

Seja lá como for, certo é que, se a “suprema tavolagem federal” mantiver sua atitudes recentes, descritas no editorial do Estado e no artigo de Falcão, as bancas milionárias de advogados grã-finos continuarão suas ofensas ofensivas, tal como a descrita por Júlia Affonso no caso de Lula.

*José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor


Luiz Carlos Azedo: O mexicano e Neymar

Neymar entrou em campo com disposição de apanhar sem reclamar, como o personagem de Jack London. Foi perseguido, derrubado, chutado, mas não perdeu a cabeça nem se acovardou

Jack London, cujo verdadeiro nome era John Griffith Chaney (1876-1916), escreveu mais de 50 livros, alguns viraram roteiros de cinema, como Chamado selvagem, talvez o mais conhecido. Foi o primeiro escritor norte-americano realmente popular e mundialmente conhecido, o que só não o deixou rico porque gastava demais. Seus biógrafos acreditam que era filho do astrólogo William Chaney. Flora Wellman, sua mãe, uma professora de música e espiritualista que alegava receber o espírito de um chefe indígena, vivia com Chaney em São Francisco. Ele exigiu que ela fizesse um aborto e negou qualquer responsabilidade pela criança quando ela se recusou. Em desespero, Flora tentou suicídio, ficando superficialmente ferida ao atirar em si mesma. Quando o bebê nasceu, Flora entregou-o à ex-escrava Virgínia Prentiss, que criou o autor de Caninos brancos e O lobo do mar, e se tornou a principal referência para London.

As aventuras extremas narradas por London mostram quase sempre o homem como lobo do homem e em luta pela sobrevivência frente aos elementos da natureza, muitas das quais foram realmente vividas por ele. Alcoólatra e brigão, London percorreu os Estados Unidos e o Canadá como vagabundo, pegando carona em trens. Foi operário, mineiro e militante socialista. Marinheiro, caçou focas no Pacífico e participou da corrida do ouro no Alasca na virada do século. Influenciou toda uma geração de escritores, alguns dos quais também tiveram uma vida romanesca, como John dos Passos, John Steinbeck, Ernest Hemingway e Jack Kerouac. London morreu após uma overdose de morfina autoaplicada, no dia 22 de novembro de 1916, aos 40 anos. Teve uma vida urgente, coerente com suas palavras: “Não desperdiçarei meus dias tentando prolongá-los. Usarei meu tempo”.

Materialista, seu último romance, dedicado à mãe, é o Andarilho das estrelas, que muitos consideram uma conversão ao kardecismo. Inspirado pelo relato verídico de um ex-detento da penitenciária de San Quentin, o livro versa sobre um prisioneiro do começo do século 20 que aprende um meio para escapar à tortura da camisa de força a que era constantemente submetido. Através de técnicas de auto-hipnose, concentração mental e extremo domínio da vontade, ele consegue produzir o fenômeno que os parapsicólogos chamam de “desdobramento” e que, na linguagem mística, é conhecido por “viagem astral”. Ao entrar nesse estado de consciência, ele não apenas supera a dor física, como também alcança uma outra dimensão: a viagem às suas vidas passadas, às suas encarnações anteriores.

Maturidade

Um dos personagens mais instigantes de London é o mexicano Felipe Rivera. É aí que entra Neymar, o craque da vitória de ontem contra o México, por 2 a 0. Com o Brasil subindo de produção a cada jogo, Neymar foi o melhor em campo, esqueçam aquele jogador que não parava em pé, discutia com os adversários e reclamava do juiz. A mudança foi radical até no visual. Atento e desconfiado, Rivera é um patriota fanático, que pede ao chefe da Junta de Recrutamento que o deixe trabalhar pela Revolução Mexicana (1910-1921). Os membros da Junta desconfiam do rapaz miúdo e humilde, pois Rivera se dedica integralmente à causa e, às vezes, aparece machucado, mas sempre traz dinheiro para a Junta. Um dia, o segredo de Rivera vem à tona: ele atravessa a fronteira nos dias de folga para lutar box no Texas, nos Estados Unidos. É assim que consegue dinheiro e ouro para a Revolução.

Ontem, em Samara, Neymar entrou em campo com a disposição de apanhar sem reclamar, como o mexicano de Jack London nos ringues texanos. Foi perseguido pelos adversários, derrubado, chutado dentro de campo e até pisoteado fora dele, mas não perdeu a cabeça nem se acovardou. Foi mais o mexicano Rivera do que seus covardes adversários. Como a maioria dos companheiros de equipe que participaram daquela humilhante derrota de 7 a 1 para a Alemanha, na Copa no Brasil, Neymar não é mais um garoto. Parece que a maturidade chegou, finalmente, aos 26 anos. Nessa Copa, os maiores jogadores do mundo, Cristiano Ronaldo e Messi, viram Portugal e Argentina serem eliminadas e o sonho de serem campeões do mundo por seus países se desfazer numa eliminatória. O mesmo trauma de Zico, que foi campeão do mundo apenas de clubes, pelo Flamengo.

Neymar já é o quarto maior artilheiro da história da Seleção, com 57 gols, atrás somente de Zico (66), Ronaldo (67) e Pelé (95). Com o 56º gol, contra a Costa Rica, na fase de grupos, havia se igualado a Romário. A Seleção Brasileira também parece ter atravessado o rubicão. A próxima partida será contra a Bélgica, a grande revelação até agora, que suou a camisa para vencer o Japão por 3 a 2. O Brasil, porém, realmente entrou na disputa da Copa, ao lado da França e do Uruguai. Que venham os belgas!

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Luiz Carlos Azedo: O abismo à frente

A crise ética, a violência do cotidiano, a desagregação da família e uma economia que demanda mais tecnologia e menos mão de obra explicam muita coisa, inclusive o recrudescimento da misoginia, do preconceito, da intolerância e da radicalização política

A famosa Escola de Frankfurt, que reuniu a nata da inteligência judaico-alemã — Theodor Adorno, Max Horkheimer (os dois apertam as mãos na foto em destaque), Hebert Marcuse, Erich From, Friedrich Pollok, Franz Neumann e Jürgen Haberman, Walter Benjamin, entre outros — exerceu notável influência sobre o pensamento social-democrata e liberal no século passado. Surgiu para explicar o fracasso da revolução socialista (espartaquista) na Alemanha, mas acabou dedicando boa parte de sua “teoria crítica” ao estudo das razões que levaram o povo alemão a apoiar o nazismo.

O livro Grande Hotel Abismo (Companhia das Letras), do jornalista britânico Stuart Jeffries, conta a história desse grupo de jovens intelectuais judeus de famílias abastadas, que foi obrigado a fugir da Alemanha para sobreviver ao nazismo e buscou refúgio nos Estados Unidos. Curiosamente, o Instituto de Pesquisa Social nasceu sob influência soviética e foi financiado por um banqueiro alemão, numa cidade onde os judeus buscavam a plena integração e o sucesso social, tendo eleito o prefeito local em 1924. Em 1933, eram 26 mil asquenazes em Frankfurt; antes que terminasse a Segunda Guerra Mundial, 9 mil haviam sido deportados. Hoje, os mortos do Holocausto são homenageados em 11.134 cubos de metal na Wand der Namen.

Entretanto, a Escola de Frankfurt, como se tornou conhecida, logo renegou a ortodoxia marxista. Seus integrantes não concordavam com a tese de que os intelectuais devem transformar o mundo, eram céticos em relação à luta política e se colocavam acima dos partidos. Haviam abandonado a conexão entre a teoria e a prática, mas não imaginavam que muitos anos depois, após maio de 1968, intelectuais como Adorno e Marcuse seriam os gurus de estudantes radicais e da chamada nova esquerda.

Para a esquerda mais ortodoxa, o fascismo era “a ditadura terrorista aberta dos elementos mais reacionários, mais chauvinistas, mais imperialistas do capital financeiro”, uma fórmula simplificada, que permitiria aos comunistas alemães classificarem a socialdemocracia como uma força “social-fascista”, num ajuste de contas pelo fracasso da Liga Espartaquista, que tentou tomar o poder em 1919. Enquanto a esquerda se digladiava, o fascismo se expandia pela Europa, com ajuda das tropas nazistas (Itália, Alemanha, Hungria, Bulgária, Áustria, Espanha, França, Holanda, Romênia, Suíça, Polônia, Grécia e Iugoslávia), chegava ao Oriente (Japão, China e Líbano) e à América Latina (Brasil, Chile e Costa Rica).

Como explicar a adesão das massas ao fascismo? Esse debate emergiu na Escola de Frankfurt por vias completamente diferentes da abordagem tradicional. Wilhelm Reich, por exemplo, em 1933, no livro Psicologia de massas do fascismo, atribuiu sua ascensão à repressão sexual. Para ele, a família não era, como tinha sido para Hegel, uma zona autônoma que resistia ao Estado, mas a miniatura de um Estado autoritário que preparava a criança para sua ulterior subordinação. Esse debate foi retomado por Erich Fromm, o principal formulador do grupo na área de psicanálise, para quem o sadismo era a outra face da moeda do masoquismo, conforme a conclusão de Freud. O sadomasoquismo era caracterizado por um esforço compulsivo em busca de ordem.

Freud explica
Na República de Weimar, quando a Alemanha transitava para o capitalismo monopolista de Estado, o povo alemão estava impotente, esmagado pela crise econômica e espiritualmente alienado. De forma sadomasoquista, não pretendia mudar o próprio destino, preferiu se submeter à autoridade que faria isso por ele. “O desejo de estar sob uma autoridade é canalizado para um líder forte, enquanto outras figuras paternas específicas tornam-se alvo de rebelião”, escreveu Fromm. A personalidade autoritária de Hitler não somente governou a Alemanha em nome de uma autoridade maior, a superioridade racial ariana, como a tornou atraente para o povo alemão, principalmente uma insegura classe média.

Essa abordagem freudiana do fascismo tornou-se predominante na Escola de Frankfurt, mas não era única. Foi contestada por outros intelectuais, que viam o fascismo como a resultante do capitalismo de Estado e do nacionalismo, entre outras causas. Mas há que se reconhecer: ela tem o seu valor, pode ajudar a compreender certos fenômenos que não têm uma explicação aparente e nos surpreendem pelo mundo afora. Não é à toa que a chamada “teoria crítica” da Escola de Frankfurt desperta um novo interesse. A crise das democracias e a estagnação econômica no Ocidente contrastam com a modernização e emergência de regimes autoritários no Oriente.

No Brasil, por exemplo, o buraco negro do chamado centro democrático não tem a ver apenas com a crise ética de nossa elite política; a violência do cotidiano, a desagregação da família unicelular-patriarcal e uma economia que, demandando mais tecnologia e menos mão de obra, explicam muita coisa, inclusive o recrudescimento da misoginia, do preconceito de gênero e racial, da intolerância religiosa e da radicalização ideológica no debate eleitoral. “O indivíduo assustado busca alguém ou algo a que possa atrelar o seu ‘eu’”, diria Fromm. Ou seja, à incapacidade de mudar o seu próprio destino, o cidadão comum desesperançado procura alguém que supostamente possa fazê-lo na marra.

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Marco Aurélio Nogueira: Fermento mobilizador

A Roda Democrática se empenhou firmemente na organização do Ato por um Polo Democrático e Reformista que se realizou em São Paulo no começo da noite do dia 28 de junho, no Teatro Eva Herz. Em boa medida, foi graças à dedicação de Tibério Canuto, seu coordenador, que o Ato ganhou vida e se traduziu em um extraordinário sucesso.

Fazer a defesa prática de uma articulação entre as correntes democráticas, partidárias e não partidárias, não é algo simples nos dias correntes, marcados por desentendimentos e atritos complicados, que afastam mais do que aproximam os democratas. Mas é, ao mesmo tempo, algo indispensável para que possamos pensar em uma dinâmica que promova o rearranjo político que a sociedade espera. O tamanho dos desafios nacionais é tão grande que não há como atuar com responsabilidade cívica sem valorizar e construir uma articulação desse tipo.

Não se trata somente de chegar a um candidato de consenso – objetivo que por si só exige alta taxa de desprendimento e bastante visão política estratégica. Mas sim de celebrar um compromisso com a sustentabilidade política, ética e programática de um empreendimento democrático que ponha em marcha uma força cultural e pedagógica de maior fôlego, que eduque e organize os cidadãos com um programa de trabalho que inclua, em lugar de destaque, algumas demandas inegociáveis: defesa e aprofundamento da democracia, republicanismo, combate à corrupção, igualdade perante a lei, diminuição da violência, educação inclusiva e de qualidade, combate à desigualdade e a todas as formas de racismo e discriminação.

Um Polo Democrático precisa ser pensado em termos programáticos e de longo prazo. O cálculo eleitoral não é o melhor conselheiro no momento atual. Muito menos as sondagens de intenção de voto. Os democratas reformadores precisam construir seu candidato, não simplesmente aderir aos que se mostrarem mais “competitivos”.

A ideia da unidade democrática é um valor. Foi com ela que, anos atrás, derrotamos o regime ditatorial e escrevemos a Constituição. Hoje, não há mais ditadura, o país mudou, novas correntes políticas apareceram, o mundo se globalizou, os desafios aumentaram demais. Se os democratas não se articularem, tudo será muito mais difícil. Para a esquerda, sobretudo. Para os liberais progressistas também. Nenhuma corrente política conseguirá avanços se agir isoladamente e de costas para a sociedade, que pede muito mais do que lutas entre partidos, escaramuças parlamentares e disputas por poder.

Em 2018, a questão unitária está reposta com dramaticidade. Os candidatos estão tateando, a fragmentação rouba força de cada um deles. Muita gente teme que o processo eleitoral tenha um desfecho ruim, com a prevalência de candidatos extremistas ou com dificuldades de agir com a serenidade que o momento pede.

Resistências à unidade haverá sempre, vindas seja dos candidatos que já se lançaram, seja de parcelas do próprio eleitorado, que ora torcem o nariz para os políticos, ora cobram radicalidade renovadora dos governos, ora alegam que os esforços unitários só serviriam para desculpar os “golpistas”, ora provocam em tom de deboche. O clima vigente no país faz com que tudo seja muito difícil. Há desalento cívico e desinteresse, uma animosidade contra a política. E há também os ataques petistas contra tudo o que não ponha Lula no meio. Nada disso ajuda.

A melhor resposta a tais resistências é a insistência, o esforço para quebrar a inércia e assumir a causa democrática por inteiro. Não há, na história e muito menos na história brasileira, mudanças que se tenham feito sem acúmulo de forças e sem empenho político. O mundo de hoje, globalizado, líquido e dilacerado por tantos dramas, não tem como mudar de patamar de um dia para outro, por efeito de alguma ruptura explosiva. A saída passa pela agregação de esforços e pela elaboração de estratégias renovadoras que levem em conta a complexidade das sociedades atuais, que se proponham a praticar outras práticas, a aproximar os que não pensam de modo totalmente igual mas compartilham os mesmos sonhos, a reformular a linguagem com que se faz política.

No Brasil, o drama parece ter sempre um grau a mais. As crises que assolam o país – a econômica, a fiscal, a política, a social, a ética – assustam de fato e erguem uma interrogação ao futuro. Os democratas sinceros têm bons motivos para se preocuparem. Não só porque haja ameaças extremadas despontando na disputa eleitoral, das quais a da extrema-direita tem potência suficiente para arrasar o país que temos hoje. Mas sobretudo porque o horizonte mais ou menos imediato, de médio prazo, não prevê nenhum céu de brigadeiro: os desafios irão se manifestar de forma ainda mais virulenta. O país está com sua ordem política exaurida, como frisou Fernando Henrique Cardoso. Faltam lideranças, os partidos não se entendem, as instituições em vigor não conseguem mais responder à sociedade nem corresponder às suas expectativas.

Isso deveria ser suficiente para desarmar os espíritos, os nichos corporativos ou ideológicos, as correntes mais conservadoras ou mais “revolucionárias”, os liberais e os socialistas. Deveria ser suficiente para empolgar o eleitorado e fazê-lo atuar como um efetivo fator de pressão democrática e reformadora. Mas pensar assim é ignorar os próprios termos da crise, é fingir que ela não existe. Pois é precisamente por estarmos mergulhados até o pescoço nessa crise multifacetada, que se retroalimenta o tempo todo, que a constituição de um Polo Democrático reformador não está inscrito nas estrelas e só poderá se materializar de forma tentativa, passo a passo.

Desse ponto de vista, o ato realizado ontem, dia 28 de junho, em São Paulo, representou um fermento mobilizador. A reportagem feita pelo “Programa Diferente” fornece uma excelente visão do que aconteceu.

O sucesso foi extraordinário não só porque o Ato conseguiu reunir, em um mesmo ambiente , importantes representantes do campo democrático. Estiveram lá, imbuídos de uma mesma disposição, representantes da Rede Sustentabilidade, na pessoa de João Paulo Capobianco, do MDB, do PSDB, do PPS, do Podemos, do PSD, do PV; intelectuais como Sérgio Fausto, José Álvaro Moisés, Lourdes Sola, Alberto Aggio, Caetano Araújo, Victor Gentilli e José Armênio de Brito Cruz; e políticos da estatura do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, dos deputados Roberto Freire (SP) e Marcus Pestana (MG), do governador Paulo Hartung (ES), do prefeito Bruno Covas (SP), da senadora Rose de Freitas (ES), dos sindicalistas Ricardo Patah e Enilson “Alemão” Simões de Moura, de Eduardo Jorge, Rubens Cesar Fernandes (RJ), Alda Marco Antonio, Alberto Goldman e Floriano Pesaro, para citar alguns.

O Ato atraiu uma multidão de cidadãos e ativistas desejosos de novas opções e dispostos a travar o bom combate. Mostrou, acima de tudo, que existe uma clareira que, se bem aproveitada, poderá propiciar o surgimento de um bloco de forças políticas e intelectuais em condições de dar sustentação a um movimento que recupere o país e aprofunde a democratização que vem sendo construída desde os anos 1980. (Roda Democrática – 29/06/2018)

* Marco Aurélio Nogueira, cientista político, professor titular e Coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp


El País: O que o STF e o Congresso decidiram e você provavelmente não viu por causa da Copa

As duas casas tomaram decisões polêmicas em momento festivo no país. Segunda Turma da Corte liberta ao menos três condenados pela Lava Jato e isola Fachin

Por Afosno Benites, do El País

Enquanto boa parte da população está de olho na Copa do Mundo, o Supremo Tribunal Federal e a Câmara dos Deputados tomaram decisões importantes. O Judiciário atuou como o carcereiro que abre a porta da prisão para diversos condenados - até o ex-deputado Eduardo Cunha recebeu habeas corpus, ainda que não tenha ficado em liberdade -, num movimento que enfraqueceu a Operação Lava Jato e expôs mais ainda a guerra aberta no Supremo. Já o Legislativo trabalhou sob o forte lobby da bancada ruralista. Listamos algumas dessas decisões importantes que podem ter passado despercebidas.

Na terça-feira, a segunda turma do STF decidiu, por 3 votos a 1, soltar o ex-ministro José Dirceu, um dos caciques do Partido dos Trabalhadores. Mesmo condenado em segunda instância a 30 anos e nove meses de prisão pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa, a trinca formada por Antonio Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski entendeu que ele não precisava começar o cumprimento de sua pena. Os três contrariaram a decisão do próprio Supremo que disse que um condenado por um colegiado pode iniciar o cumprimento da pena.

O caso de Dirceu provocou análises de correlação com o processo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que está preso em Curitiba há 81 dias. Assim como Dirceu, Lula foi condenado em segunda instância. Sua pena é de 12 anos e 1 mês pelos delitos de corrupção e lavagem de dinheiro. Seus advogados agora tentarão replicar o entendimento para ele. A diferença entre os dois casos é que o relator do caso do ex-ministro é Dias Toffoli, um ex-petista que já foi subordinado ao próprio Dirceu. No caso de Lula, o relator é Edson Fachin, responsável pela Lava Jato no STF e que tem sido duro em suas decisões, em divergência com a trinca "garantista" da segunda turma. O mais importante, contudo, é o foro onde os julgamentos dos dois petista ocorrem. No caso do ex-ministro, foi na segunda turma, uma subdivisão onde a postura de liberar os condenados tem sido comum e há apenas cinco ministros. No do ex-presidente, o colegiado é o plenário, composto por 11 ministros em que a maioria tem se mostrado favorável à prisão após segunda instância. Ainda não há data para o plenário analisar o caso de Lula. Mas em julho, ou seja, na próxima semana, o tribunal entra em recesso. Dessa maneira, apenas em agosto haveria um dia disponível para o julgamento

Ainda na seara contra a Lava Jato, os mesmos magistrados do Supremo tomaram três decisões contrárias aos seus colegas de primeira ou segunda instâncias. Pelo mesmo placar (3 a 1) os ministros da segunda turma tiraram da prisão o ex-tesoureiro do Partido Progressista João Cláudio Genu e confirmaram uma liminar concedida por Gilmar Mendes ao operador dos senadores do MDB nos esquemas ilícitos, Milton Lyra.

A tríade Gilmar/Toffoli/Lewandovski também invalidou as provas que foram obtidas no apartamento da senadora Gleisi Hoffmann – na semana passada já a haviam inocentado em um processo de corrupção e lavagem de dinheiro. Agora, eles entenderam que um juiz de primeiro grau não poderia emitir tal mandado de busca e apreensão na residência de uma parlamentar federal, que possui prerrogativa de foro. Neste caso, o alvo da busca e apreensão era o marido de Hoffmann, o ex-ministro Paulo Bernardo, que não tem foro privilegiado. Ainda assim, as provas não foram reconhecidas. A guerra de poder e de nervos dentro do Supremo entra em pausa por causa do recesso, mas volta com tudo em agosto. Devem ser semanas movimentadas até que a configuração da corte mude, com saída de Cármen Lúcia da presidência e a modificação da composição das turmas.

'Habeas corpus' para Cunha, que, porém, permanece preso
O ex-deputado federal Eduardo Cunha (MDB-RJ) obteve uma pequena vitória no Supremo Tribunal Federal. Alvo de quatro decretos de prisão, ele conseguiu anular um deles, em um processo que responde na Justiça Federal do Rio Grande do Norte. Nesta quinta-feira, o ministro Marco Aurélio Mello emitiu alvará de soltura em um processo que Cunha responde em Natal (RN). Porém, há outros três mandados de prisão contra ele. Seno que dois deles se referem a condenações na Justiça Federal do Paraná e do Distrito Federal. Ao todo, o ex-deputado que impulsionou o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT) já foi condenado a 39 anos de prisão por crimes como lavagem de dinheiro, corrupção, evasão de divisas e violação de sigilo funcional.

Máfia da merenda e voos fantasmas
A Segunda Turma ainda suspendeu uma ação judicial contra o deputado estadual Fernando Capez (PSDB-SP), no qual era suspeito de participar do desvio de recursos destinados à compra de merendas para escolas públicas. A denúncia contra Capez ocorreu pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. O caso ficou conhecido como Máfia da Merenda. O deputado é suspeito de receber propina de uma cooperativa de suco de laranjas para interferir a favor dela junto ao governo estadual. Em troca, teria recebido recursos para bancar sua campanha eleitoral.

Os ministros também rejeitaram uma denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o deputado federal Thiago Peixoto (PSD-GO). A acusação era de que ele tinha fraudado sua declaração de campanha eleitoral. Ele apresentou uma doação de 30.000 reais em voos que teriam sido doados por uma pessoa que já havia vendido a aeronave no período em que Peixoto alegava ter voado. Os ministros entenderam que não houve crime, apenas uma falha na declaração que não era passível de punição.

Pacote de venenos
Na Câmara dos Deputados, os parlamentares aprovaram em uma comissão especial mudanças na lei dos agrotóxicos. O projeto, batizado por ONGs ambientalistas de “pacote de veneno”, foi aprovado na segunda-feira em meio ao forte lobby da bancada ruralista e da indústria química. Prevê, principalmente, a facilitação na liberação de agrotóxicos e enfraquece os mecanismos de controle e vigilância adotados pelos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente.

A aprovação na comissão foi por 18 votos a favor e 9 contrários. O projeto ainda será levado ao plenário da Câmara. Não há data para essas votações. Caso se torne lei, enfrentará também a oposição do Ministério Público Federal, que, em uma nota técnica, apontou que a proposta é inconstitucional em pelo menos seis de seus artigos.

Pacote de bondades em SP
Na cidade de São Paulo, os vereadores aproveitaram os holofotes focados em outros assuntos para aprovarem uma série de benefícios aos servidores do Tribunal de Contas do Município que totalizam um custo de 16 milhões de reais anuais aos cofres públicos. Entre os benefícios, há o pagamento de auxílio-saúde (de até 1.079 reais por mês) e de auxílio-alimentação (de até 573 reais mensais). Os benefícios vão na contramão de um movimento que defende a redução dos gastos com funcionalismo público pelo país.


Folha de S. Paulo: Contra 'catástrofe', bloco apadrinhado por FHC prega união do centro

Segundo turno entre Bolsonaro e Ciro é visto no movimento como pior cenário possível

Joelmir Tavares, Thais Bilenky, da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Com aproximação da Rede, partido da presidenciável Marina Silva, e do Podemos, sigla do pré-candidato Álvaro Dias, o manifesto que pede união do centro foi lançado em São Paulo com um apelo para evitar o que se chamou de catástrofe na eleição presidencial.

O movimento em torno de um polo democrático e reformista, apadrinhado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), já havia sido apresentado em Brasília, no início do mês. Na ocasião, atraiu lideranças de partidos como PSDB, PPS, PSB, MDB, PV e PTB.

Relançado na noite desta quinta-feira (28), em um teatro na avenida Paulista, o bloco recebeu o apoio de Marina, que enviou como representante o coordenador do programa de governo de sua campanha, João Paulo Capobianco.

“Ela tem um compromisso inarredável com a democracia e está com todos aqueles que estejam trabalhando por isso”, disse Capobianco.

Uma sinalização da ex-senadora era esperada pelos articuladores da mobilização, já que ela hoje é a segunda colocada nas pesquisas, em cenários sem Lula (PT). Marina chega a empatar tecnicamente em primeiro com Jair Bolsonaro (PSL).

O militar da reserva é um dos símbolos do radicalismo que a coalizão pretende atacar. Em outra ponta está o ex-ministro Ciro Gomes (PDT). Os dois e o ex-presidente Lula (PT) são vistos no movimento como donos de posicionamentos extremistas.

Em discursos no palco, foi dito que um eventual segundo turno entre Bolsonaro e Ciro seria o pior cenário possível. “Uma fatalidade”, resumiu a senadora Rose de Freitas (Pode-ES), colega de partido do presidenciável Álvaro Dias.

Geraldo Alckmin (PSDB), Rodrigo Maia (DEM), Henrique Meirelles (MDB) e Flávio Rocha (PRB) também foram mencionados como lideranças que têm responsabilidade na soma das forças de centro.

“Não é fácil convencer partidos e líderes de que é preciso união”, disse Fernando Henrique sobre o principal objetivo do movimento, que é vencer a fragmentação do centro, hoje dividido em torno de dez candidaturas.

“Sozinhos nós vamos para o desastre. Estamos na iminência de uma catástrofe”, completou o ex-presidente, discursando contra “os aventureiros, os demagogos”.

O tucano pediu ainda aos aliados um rompimento com a inércia. “É necessário que o Brasil não perca mais tempo.”

Do PSDB, além de FHC, participaram lideranças como os deputados federais Marcus Pestana (MG), um dos idealizadores do documento, e Mara Gabrilli (SP) e o ex-governador Alberto Goldman (SP).

O ex-deputado Penna (PV-SP), a ex-vice-prefeita da capital Alda Marco Antônio (PSD), o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (MDB), e o deputado Roberto Freire (PPS-SP) também estiveram no ato em São Paulo.

“Precisamos buscar a unidade, porque a democracia está em risco”, afirmou Freire. “É sempre complicado [ter acordo]. Se não fosse, não estaríamos aqui.”

Não há, entre os apoiadores da coalizão, consenso sobre se e quando viria uma união de forças. Mas há um esforço para que pré-candidatos estejam dispostos a abrir mão da corrida presidencial em função de algum consenso.

“Não estamos aqui para discutir nomes, mas para construir um bloco”, afirmou Marcus Pestana.

Para FHC, a decisão virá dos eleitores, que apresentará uma decisão nas urnas. “Não seremos nós aqui que vamos dizer se será este ou aquele [candidato]. Será o povo”, disse o tucano.

“Espero que no primeiro [turno] se tenha capacidade de entender quem vai ter vitalidade para representar realmente o pensamento reformista, progressista, democrático e popular.”

Na saída, a jornalistas que o questionaram sobre um eventual segundo turno entre Ciro e Bolsonaro, o ex-presidente respondeu: “Eu não votaria nem por um nem por outro. No Bolsonaro eu não voto”.

Sobre a necessidade de discutir o nome que encabeçaria uma chapa fruto da união, FHC foi cauteloso.

“Acho que o Alckmin tem a vantagem de ser experiente, é simples, é decente. É o único? Tem outros aí. Todo mundo sabe que eu gosto da Marina, o Álvaro é respeitável”, disse.

O texto da mobilização, de oito páginas, tem políticos e intelectuais entre os signatários. Disponível na internet, o documento também está aberto para a adesão de cidadãos.