política

Luiz Carlos Azedo: Meirelles, ma non troppo

“A indicação de Meirelles foi uma demonstração de força do presidente Michel Temer, dos ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco e do presidente do MDB, senador Romero Jucá”

O MDB confirmou ontem a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles a presidente da República. É a mais poderosa agremiação política do país, pois reúne o presidente da República, quatro ministros, cinco governadores, três vice-governadores, 51 deputados federais, 18 senadores, 118 deputados estaduais, 1.049 prefeitos (quatro de capitais), 778 vice-prefeitos e 7.564 vereadores, além de 2,3 milhões de filiados. Herdeiro da resistência democrática ao regime militar, transformou-se de uma frente política pluralista de oposição numa confederação de caciques regionais, que nunca vacilaram em “cristianizar” os candidatos da legenda.

O termo é uma alusão ao candidato do PSD nas eleições de 1950, o ex-prefeito de Belo Horizonte Cristiano Machado, que foi rifado por seus correligionários, leais ao ex-presidente Getúlio Vargas, que se candidatou pelo PTB. A primeira vítima dos caciques do PMDB foi ninguém menos do que o grande líder da campanha das Diretas Já!, deputado Ulysses Guimarães, nas eleições de 1989. Foi traído pelo então governador de São Paulo, Orestes Quércia (PMDB), e outros líderes da legenda, tendo apenas 4,4% dos votos. O mesmo fenômeno se repetiu nas eleições de 1994, quando Quércia foi candidato e acabou “cristianizado” pelos correligionários, que derivaram para a candidatura de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Desde então, a legenda consolidou uma vocação parlamentar capaz de contingenciar qualquer governo, ao eleger a maior bancada do Senado e grande número de deputados. O MDB é uma força decisiva em qualquer votação importante no Congresso. A indicação de Meirelles foi uma demonstração de força do presidente Michel Temer, dos ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Minas e Energia) e do presidente da legenda, senador Romero Jucá (RR), contra dissidentes poderosos, como os senadores Renan Calheiros (AL) e Roberto Requião (PR). Foram 357 votos a favor da candidatura, 85% do total. Houve 56 votos contrários e seis em branco. Como o MDB não se coligou com ninguém nacionalmente, seus caciques estão à vontade para fazerem o que quiserem nas disputas regionais, como normalmente ocorre. Ou seja, vão de Meirelles, ma non troppo, como se diz em italiano.

Depois do fracasso de Quércia, é a primeira vez que a legenda lança um candidato. Meirelles se colocou como o nome mais confiável para conduzir o país: “A minha candidatura tem um objetivo principal: resgatar o espírito de confiança no Brasil”. Fez um contraponto aos demais candidatos: “O Brasil precisa de um messias, que se veste com uniforme de salvador da pátria? Não. Nem de um líder destemperado, tratando o país como se fosse seu latifúndio. E nem eternos candidatos a presidente”. O ex-ministro não definiu o vice na sua chapa; o nome mais citado é o da senadora Marta Suplicy (SP). E começa a campanha quase do zero, pois na pesquisa do Ibope/CNI divulgada ontem não chega a 1% de intenções de voto, mesmo patamar de Aldo Rebelo (SDD), Guilherme Afif (PSD), Guilherme Boulos (PSOL), Paulo Rabello de Castro (PSC), Rodrigo Maia (DEM) e Valéria Monteiro (PMN).

Coligações

Outro fato relevante da cena eleitoral foi a decisão do PV de se coligar com a candidata da Rede, Marina Silva. O ex-deputado Eduardo Jorge será o vice. É uma situação diametralmente oposta a de Meirelles, pois Marina é a candidata com menos recursos financeiros e tempo de televisão. A coligação com o PV foi uma boia de salvação para ex-senadora, que está com 13% nas pesquisas, atrás apenas de Jair Bolsonaro (PSL), com 17%. Quando Lula entra na disputa, ambos caem para 15% e 7%, respectivamente, o que faz de Marina a principal herdeira dos votos lulistas. Seu grande problema era conseguir uma legenda que ampliasse minimamente seu tempo de televisão, evitando um colapso eleitoral logo no início da campanha. Ou seja, pela terceira vez, Marina está firme na disputa por uma vaga no segundo turno.

Quem também avançou mais uma casa nas articulações políticas foi o candidato do PSDB, o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, que conseguiu que a senadora Ana Amélia (PP-RS) aceitasse o convite para ser vice na sua chapa. O reforço gaúcho mina as bases de Jair Bolsonaro e de Álvaro Dias (Podemos) no Sul, que haviam esvaziado a candidatura do tucano. A consolidação de um perfil mais conservador parece ser uma estratégia deliberada de campanha. Presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM), também era cotado para a vice, mas está mais interessado na reeleição, pois pretende permanecer à frente da Casa na próxima legislatura. Esse arranjo praticamente consolidou a frente ampla articulada por Alckmin, que está com 6% nas pesquisas, atrás de Ciro Gomes, que possui 8% de intenções de votos, quando Lula sai da disputa.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-meirelles-ma-non-troppo/


Mauricio Huertas: Políticos, meus velhos, vocês não entenderam nada!

Talvez o eclipse tão falado nestes dias, apresentado como o maior do século, seja uma boa metáfora para a ausência de luz que vivenciamos atualmente, às vésperas das eleições majoritárias e proporcionais. A nova política, que despontava alvissareira no céu, segue na penumbra do velho mundo que gira em torno de si mesmo e do sistema dominante, em rotação e translação partidária automática e constante. No lugar da lua de sangue, bela e mística, embora real, quem sangra é a democracia, ferida por mitos e mitômanos surreais.

Senhores políticos, vocês não entenderam nada! Passados cinco anos das já históricas manifestações de junho de 2013, seguem ignorando todos os sinais de vida inteligente vindos de fora do seu universo particular. Se naquela época ficaram atordoados com a juventude alienígena que proliferava em cada canto deste país, buscando em vão seus supostos líderes, inexistentes na realidade horizontal e difusa das redes e das ruas, os nativos da velha política demonstram outra vez que não aprenderam nada ao reproduzir em 2018 todos os erros que motivaram aquele “big bang” dos movimentos pela renovação.

O primeiro grande erro, essencial, além de ignorar os sinais emitidos desde 2013, foi desprezar o recado claro das urnas em 2016. Afinal, deveriam ter percebido que não podia ser apenas coincidência a eleição de prefeitos que, cada um à sua maneira, representavam uma ruptura com o sistema dominante nas principais capitais do país: João Doria em São Paulo, Marcelo Crivella no Rio de Janeiro, Alexandre Kalil em Belo Horizonte, Nelson Marchesan Júnior em Porto Alegre, Rafael Greca em Curitiba, Luciano Rezende em Vitória, ACM Neto em Salvador, entre outros.

Tentou-se em vão passar réguas ideológicas, geracionais ou partidárias e não se chegou à conclusão óbvia: todos eles representavam de alguma forma o “novo”. Do veterano Grecano Paraná, eleito pelo minúsculo PMN, ao bispo da Universal vitorioso no Rio; do “gestor” João Doria aos políticos de tradição familiar, como o gaúcho Marchesan ou ACM, o baiano reeleito assim como o capixaba Luciano Rezende; mas todos eles notadamente escolhidos pelo eleitor para mudar ou para protestar contra a política local que se praticava até então.

Depois de passar despercebido – ou ser deliberadamente ignorado – esse sinal dado em 2016, os nomes que surgiram como opções para a consolidação de candidaturas “outsiders” à Presidência da República foram sendo seguidamente abduzidos pelas forças da velha política. Fiquemos nos dois mais significativos: Luciano Huck e Joaquim Barbosa, que desistiram (ou adiaram suas pretensões) diante da monstruosa pressão de políticos e partidos tradicionais.

Aí talvez esteja o erro mais gritante dos principais analistas e estrategistas do mundo político: julgar como favas contadas que a eleição de 2018 será decidida pelas mesmas regras tácitas e os velhos costumes da política institucional brasileira, resumida ao “nós” x “eles”, ou à repetição da disputa simbiótica PT x PSDB, tão normal nas últimas décadas. Afinal, por esse raciocínio raso, restaram no cenário apenas as candidaturas do mecanismo binário e polarizado que se retroalimenta. Então, para vencer, bastaria reunir a maior quantidade de partidos nas coligações e dominar o tempo da propaganda na TV. Será?

Vetustos e velhacos da política não compreendem que até os inabaláveis 30% de Lula nas pesquisas de intenção de voto estão impregnados pelo desejo da mudança e pela rejeição à política tradicional. Como assim? Na lógica cartesiana é inaceitável que Lula- candidato em cinco eleições, presidente duas vezes e avalista de Dilma em outras duas – tenha ainda eleitores que considerem votar nele como forma de protesto contra a política tradicional. E depois de tudo que foi revelado ainda votam no PT? Impossível! Absurdo! Mas quem foi que disse que essa é uma ciência exata e que o eleitor age dominado pela razão?

Quem anuncia a intenção de voto em Lula – ou pede #LulaLivre nas redes sociais ou em algum desses manifestos de artistas, intelectuais e influenciadores digitais – não é um simples alienado que considera o petista o último dos inocentes ou o PT uma reserva de moralidade. Ao contrário. Excluído o petista de carteirinha, sobra em grande parte um eleitor saturado da política partidária tradicional, que um dia acreditou no discurso de Lula, viu vantagens em seus governos e agora, pesando na balança eleitoral o que está aí, considera tudo uma maçaroca de imundície e podridão. Solução simplista: se todos são iguais na sujeira e na corrupção, eu escolho aquele que ao menos fez algo de bom por mim quando esteve no poder. É quase uma reedição do “rouba mas faz”.

Pensamento semelhante tem o eleitor de Jair Bolsonaro, ainda que no sentido inverso. Quanto mais os políticos e a mídia tradicional o apontarem como um boçal com ideias esdrúxulas, maior apoio e repercussão terá entre o exército anônimo de indignados e revoltados anencéfalos contra o atual sistema político. O folclórico Bolsonaro segue a linhagem dos Enéas, Tiriricas e Cacarecos da história brasileira. Periga ser o herdeiro legítimo de quem elegeu Fernando Collor em 1989. Aí estaremos fritos de verdade.

É evidente (para quem se propõe a enxergar fora da caixinha), assim, que a polarização que traz Lula e Bolsonaro na liderança das pesquisas pré-eleitorais também carrega em si o desejo da mudança. Não se trata, em sua grande maioria, do voto racional, partidário ou ideológico, mas do simbolismo dessas duas candidaturas. Com Lula fora por conta da prisão e da ficha suja, restará conferir a sua capacidade de transferência de votos. Quem será o maior beneficiário do espólio lulista? O PT vai lançar Fernando Haddad? Ou será que Ciro Gomes personifica melhor esse eleitor órfão de Lula? E Marina Silva, somará quanto desses indignados ao legado de 20 milhões de eleitores cativos das duas últimas eleições?

Finalmente, precisamos falar de Geraldo Alckmin. É simples: se o roteiro do candidato tradicional prevalecer ainda sobre a modernidade e a diversidade das redes e sobre a demanda por uma nova forma de fazer política, que não seja tão influenciável pelo tamanho das coligações partidárias e pelo monopólio da propaganda oficial no rádio e na TV, o tucano é o favorito disparado para ganhar essa eleição. Ponto, portanto, para quem fez a aposta na estratégia dessa múltipla aliança com o “centrão” e com o “status quo”. Do contrário, apertem os cintos… Estaremos perdidos no espaço!

*Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS-SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente


Bruno Boghossian: Preso, Lula exercerá influência sobre capítulos finais da eleição

Petista reconfigura disputa na esquerda e explora indefinição sobre candidatura

Fora da eleição, Lula exerce a distância sua força gravitacional. Nas últimas semanas, o ex-presidente agiu como negociador político e reconfigurou os termos da competição na esquerda. Nos próximos 65 dias, o petista vai explorar as incertezas de sua candidatura para se manter no centro do debate.

Parte da campanha deste ano ainda gira em torno de uma indefinição que desorienta cerca de 30% dos brasileiros e provoca a repulsa de outros 36%. As interrogações propositadamente mantidas ao redor de Lula provocam tempestades nos campos de seus adversários e numa fatia significativa do eleitorado.

Na semana que vem, o Supremo deve julgar um pedido de liberdade do ex-presidente. A inclusão do caso na pauta é suficiente para mobilizar eleitores e candidatos. Ainda que o petista sofra um revés, o PT buscará reforçar a narrativa de perseguição judicial a seu candidato.

A esse episódio, sucederá a batalha sabidamente perdida sobre o registro da candidatura de Lula, no dia 15. A Justiça Eleitoral articula o veto à inscrição do ex-presidente no fim do mês, o que deve prolongar por ao menos duas semanas essa falsa dúvida na disputa.

Na prática, Lula obriga a corrida presidencial a aguardar suas orientações. O posicionamento do tabuleiro só estará completo quando o petista ungir o sucessor para o qual espera transferir sua popularidade —o que pode ocorrer oficialmente apenas a 20 dias da eleição.

A participação virtual de Lula afeta a disputa à esquerda e à direita. Da cadeia, o ex-presidente trabalhou para bloquear alianças e isolar Ciro Gomes (PDT), que pretendia ser uma alternativa nesse campo. No polo oposto, cada passo do petista provoca uma onda antipetista na guerra particular de Jair Bolsonaro (PSL) e Geraldo Alckmin (PSDB).

O papel de Lula na eleição será consideravelmente menor do que seu peso como candidato de fato, mas não se pode ignorar que os próximos capítulos dependem, em boa medida, de sua candidatura fantasma.


Luiz Carlos Azedo: Arma-se o jogo do PT

Nos cálculos otimistas dos petistas, o candidato a ser escolhido por Lula estará seguramente no segundo turno. Vem daí a gana dos militantes contra os “coxinhas” e “golpistas”

Depois da aliança em torno do tucano Geraldo Alckmin, na qual DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade se juntam ao PSDB, ao PSD, ao PTB e ao PPS, a movimentação mais importante até agora no tabuleiro eleitoral foi feita pelo PT, que conseguiu costurar por baixo uma aliança com o PSB em 11 estados e anular qualquer possibilidade de a legenda fechar com o candidato do PDT, Ciro Gomes, no plano nacional. Hegemonizado pelo governador de Pernambuco, Paulo Câmara, o PSB também abriu mão da candidatura de Márcio França, em Minas Gerais, em troca da retirada do nome de Marília Arraes, candidata petista em Pernambuco. Sem candidato a presidente da República, a legenda optou por liberar seus caciques regionais.

Com isso, a movimentação do PT para viabilizar os candidatos do partido nos estados começa a predominar em relação à manutenção da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso em Curitiba. Tudo indica que a legenda vai mesmo lançá-lo à Presidência na convenção de sábado, em São Paulo, e forçar a barra junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para registrar seu nome, mas está difícil encontrar um aliado coadjuvante para a manobra, até porque a tendência do PT é indicar o “poste” que irá substituí-lo como vice já na convenção. Ontem, Manuela D’Ávila teve o nome confirmado pelo PCdoB, que sonha com a vice na chapa petista tão logo Lula seja substituído. Por ora, não há outros pretendentes.

Marqueteiros fazem as contas da capacidade de transferência de votos de Lula, que lidera as pesquisas de opinião quando seu nome é consultado, com 30% de intenções de votos. Imagina-se que o petista alavancará de 17% a 22% dos votos para o “poste” que vier a apoiar, garantindo-lhe um lugar no segundo turno. O problema é que os mais cotados para substituir Lula, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, largam bem atrás dos demais candidatos, na faixa dos 2% de intenções de voto.

Nos cálculos otimistas dos petistas, o candidato a ser escolhido por Lula estará seguramente no segundo turno. Vem daí a gana dos militantes contra os “coxinhas” e “golpistas”, o “apagão” moral de artistas, intelectuais e sindicalistas em relação ao propinoduto da Petrobras e outros escândalos, a campanha ensandecida de seus advogados e parlamentares contra a Operação Lava-Jato, sem falar nas afrontas da cúpula partidária ao Judiciário. Com a faca nos dentes, a legenda quer revanche. Esqueçam Jair Bolsonaro (PSL), em segundo lugar nas pesquisas e favorito no pleito sem Lula na disputa. O inimigo principal do PT é o tucano Geraldo Alckmin. Caciques do PMDB, como Renan Calheiros e Eunício de Oliveira, que votaram a favor do impeachment, já foram perdoados.

Indicação

A narrativa de vitimização do ex-presidente uniu e mobilizou a militância petista, que acredita na rápida transferência de voto para o nome ungido pelo líder. É aí que surgem os problemas. Há três candidatos que disputam o espólio lulista no eleitorado. O primeiro é Ciro Gomes, principalmente no Nordeste, não foi à toa o esforço realizado para impedir sua aliança com o PSB; o segundo, Marina Silva (Rede); e o terceiro, Guilherme Boulos (PSOL). Álvaro Dias (Podemos) atrapalha mais o tucano Geraldo Alkmin, principalmente no Sul do país.

A propósito, fora de São Paulo não será fácil a transferência de votos para Haddad, apesar dos modos mais refinados e perfil acadêmico do ex-ministro da Educação de Lula. Teria apoio da militância sindical e nas universidades federais, mas isso não basta para alavancar uma candidatura majoritária nacionalmente. A outra opção é Jaques Wagner, carioca abduzido pela Bahia, que teria mais trânsito no Nordeste e não teria tantas dificuldades no Sudeste. O problema é que a seção paulista do PT não quererá abrir mão das vantagens que a candidatura do ex-prefeito oferece para a sobrevivência de seus parlamentares.

A grande contradição da estratégia petista é a confrontação com o Judiciário, ao radicalizar o discurso contra a Lava-Jato em defesa de Lula. A manutenção de uma candidatura que todos sabem inelegível, aproveitando-se dos prazos do calendário eleitoral e dos ritos de registro de chapas, perturba o processo eleitoral. Quando mais bem-sucedida a estratégia no plano eleitoral, mais desestabilizadora será institucionalmente, pois coloca em xeque o Supremo Tribunal Federal (STF). Para o PT, a preservação da democracia e suas instituições é uma responsabilidade dos demais atores políticos. Ou seja, a legenda regrediu à época em que se recusou a votar em Tancredo Neves no colégio eleitoral para derrotar Paulo Maluf, não por acaso um aliado do governo Lula e do ex-prefeito Haddad.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-arma-se-o-jogo-do-pt/


Luiz Carlos Azedo: Agosto no Supremo

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma os trabalhos hoje com uma pauta importante, mas politicamente lateral: os julgamentos de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 2139, 2160 e 2237) que questionam dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e duas ações que discutem a validade de imposição de idade mínima para a matrícula de alunos no ensino infantil e fundamental, uma Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 17 e outra de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 292. A agenda principal, porém, foi anunciada por 11 militantes do Movimento de Trabalhadores Sem-Terra (MST), que ontem iniciaram uma greve de fome pela libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sob as marquises do Supremo. Foram removidos do local por ordem da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia.

O Supremo está na iminência de dar um basta a essas tentativas do ex-presidente de desmoralizar o Judiciário. Ontem, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou manifestação ao STF contra o agravo regimental em que o ex-presidente Lula questiona decisão do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, no caso do tríplex do Guarujá (SP). No documento, a PGR afirma que a decisão do TRF4 – que condenou Lula a 12 anos e um mês de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro – deve ser mantida, e que o pedido da defesa é inadmissível e não possui plausibilidade jurídica.

Lula pleiteia efeito suspensivo ao recurso extraordinário apresentado contra o acórdão do TRF4. Para Raquel Dodge, isso não é possível, pois o recurso já foi negado pelo tribunal de origem. Em razão disso, e pela perda do objeto do pedido, o STF não deveria sequer apreciar a questão. Entretanto, caso os ministros aceitem julgar o caso, a procuradora-geral requer o não provimento do agravo regimental. Além de não preencher condições mínimas de admissibilidade e plausibilidade jurídica, o recurso de Lula se baseia em supostas violações a normas infraconstitucionais que o Ministério Público Federal rechaça.

A manifestação da procuradora-geral da República desconstrói a narrativa de que Lula foi condenado sem provas. Raquel Dodge rechaça o inconformismo do petista e destaca que os magistrados do TRF-4, “nas duas decisões, a última inclusive por unanimidade”, tiveram a seu dispor uma gama de material probatório e entenderam haver “provas robustas de que Lula praticou os crimes”. A defesa do ex-presidente Lula apresentou dois embargos de declaração contra a decisão do TRF-4 que aumentou a pena para 12 anos e um mês de reclusão. A um foi dado provimento em parte e o outro não foi conhecido. Em seguida, foi interposto recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e recurso extraordinário no STF. Ao mesmo tempo, foi apresentada Medida Cautelar perante o presidente do TRF-4 pedindo que os recursos Especial e Extraordinário fossem recebidos com efeito suspensivo.

O nome desta cascata de recursos é chicana. Após o pedido ser indeferido, a defesa de Lula ajuizou nova medida cautelar no STF pedindo que o recurso extraordinário fosse recebido com efeito suspensivo. O recurso extraordinário não foi admitido pela vice-presidente do TRF-4 e, em função dessa decisão, o ministro Edson Fachin considerou prejudicada a medida cautelar. Outro agravo regimental foi interposto, pedindo que fosse reconsiderada a decisão do ministro do STF. Mas isso não ocorreu, e o agravo regimental será submetido ao julgamento do plenário. Na manifestação enviada ao Supremo, a PGR rebate todas as alegações da defesa do ex-presidente.

Para Raquel Dodge, o recurso extremo de Lula não apresenta relevância capaz de transcender seus interesses subjetivos e afetar outras pessoas em situação semelhante. “Tampouco traz questões cuja resolução dependa da análise do direito em tese e não de fatos estritamente relacionados à causa concreta ora posta à apreciação judicial. Trata-se de recurso que versa sobre questões afetas unicamente à situação processual do requerente.”

Candidatura

O uso ilimitado de recursos pela defesa de Lula não tem nada a ver com a boa advocacia, é apenas uma estratégia política para manter sua candidatura e embaralhar o jogo eleitoral. De certa forma, Lula está conseguindo iludir seus eleitores. Ontem, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luiz Fux, deu um chega pra lá nas intenções petistas, ao anunciar que Lula está inelegível e não há a menor hipótese de registrar sua candidatura. Ou seja, mesmo que a convenção do PT venha a promover a provocação de confirmar a candidatura de Lula, ela não será aceita pela Corte, na avaliação de seu presidente. Na verdade, a regra vale para todos os pretendentes que estiverem condenados em segunda instância, em razão da Lei da Ficha Limpa e não apenas para Lula.

» Visto, lido e ouvido – Os leitores do Correio e o jornalismo brasileiro perderam, ontem, seu mais longevo colunista, o jornalista Ari Cunha, pioneiro de Brasília. Um dos responsáveis pela circulação deste jornal desde o dia da inauguração da nova capital, durante mais de 50 anos, foi um dos principais repórteres políticos do país. RIP!

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-agosto-no-supremo/


Luiz Carlos Azedo: Medo do imprevisto

“Não há alternativa para as forças políticas mais responsáveis que não seja a defesa da democracia, ganhando ou perdendo as eleições”

“Se algum sabichão lhes disser o que vai acontecer, estará mentindo. Essa eleição é imprevisível!”, disse o velho Antônio Ribeiro Granja, antes de apagar as velas do bolo de aniversário de 105 anos, domingo. Rodeado de parentes, amigos e companheiros que lhe deram apoio na clandestinidade, voltou ao velho refúgio do Faraó de Baixo, localidade de Cachoeiras de Macacu (RJ) cercada de fontes de água mineral, no pé da Serra do Mar.

Integrante do Comitê Central do PCB, Granja escapou de um sequestro em Itaboraí, em 1975, por muito pouco. À época, 18 integrantes do PCB, dos quais 12 do Comitê Central, foram assassinados. Avisado pelo filho, o engenheiro mecânico José Roberto Portugal, então um menino, saiu pelos fundos do sítio quando a equipe de agentes do DOI-CODI estava chegando. “Um deles passou a 20 metros de mim, com a metralhadora nas mãos; eu estava escondido no meio do mato, só com a calça do pijama e descalço.”

Graças àquela região montanhosa e aos antigos hábitos de ex-trabalhador rural, “Seu Chico”, como era chamado na região, driblou seus perseguidores se passando por boia-fria na fazenda Funchal. Depois, foi morar num sítio em Casemiro de Abreu. Foi um dos poucos dirigentes a permanecer no país durante todo o regime militar. De sandália havaiana e chapéu de palha, com as mãos calejadas pelo cabo da enxada, circulava pelo interior do antigo Estado do Rio como um peixe na água. Foi assim que reorganizou o antigo Partidão no interior fluminense e garantiu a eleição dos deputados comunistas Marcelo Cerqueira (federal) e Alves de Brito (estadual), pelo antigo MDB, nas eleições de 1978.

Seu grande mérito foi se distanciar do interesse imediato, no caso, a própria sobrevivência, para compreender o processo político. Granja percebeu, mesmo após as prisões do professor e economista Aírton Albuquerque, chefe do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense, e dos jornalistas Maurício Azedo e Luiz Paulo Santana Machado, logo após o carnaval de 1976, que a situação política estava mudando. Saiu da toca e foi à luta pela liberdade e pela democracia. Seu objetivo imediato era a anistia, a grande missão que confiou a Marcelo Cerqueira como parlamentar.

O Pacote de Abril, baixado pelo presidente Ernesto Geisel com o propósito de conter o avanço das oposições nas eleições municipais de 1976, na sua avaliação, fora uma demonstração de fraqueza. Os fatos confirmaram as previsões do velho dirigente do PCB, que aos 105 anos continua com uma memória invejável, capaz ainda de recitar suas poesias, contar causos da longa militância política e, com fina ironia e grande senso de humor, falar sobre a conjuntura sem dizer as besteiras que circulam com fartura pelas redes sociais.

Granja nunca teve medo do novo. Todas as vezes em que foi necessário, jogou dogmas e concepções ultrapassadas na lata do lixo da história. Fez autocrítica da Intentona de 1935, apoiou o relatório Kruschov, renegou as teses que defendiam a luta armada para lutar contra ditadura e chegar ao poder. Sabia que o PCB flertara com o golpismo em 1964, pois foi testemunha da conversa de Luiz Carlos Prestes com o presidente João Goulart, com Raul Riff, em fevereiro de 1964, quando o líder comunista sugeriu ao presidente deposto que apelasse às massas para fazer as reformas, que anunciou no Comício de 13 de março, sem respaldo do Congresso, em vez de recuar. Granja apoiou a mudança de sigla do PCB para PPS, do qual é o presidente de honra, e guardou no baú de recordações amorosas a velha bandeira vermelha com a foice e o martelo que empunhava desde 1934.

O futuro

O que fazer diante do imponderável anunciado por Granja? Em primeiro lugar, considerar as contingências nas quais ocorrem as eleições deste ano. Uma economia que, bem ou mal, voltou a crescer, mas tem baixo desempenho porque o governo gasta mais do que arrecada. O pior já passou, foi a recessão do governo Dilma Rousseff. Sua “nova matriz econômica” ameaçava transformar o país numa nova Venezuela. Nossas instituições políticas sobreviveram à crise tríplice (econômica, política e ética) que nos levou ao impeachment.

O governo de transição está enfraquecido pelas denúncias de corrupção, mas mantém respaldo no Congresso para levar o país às eleições. O presidente Michel Temer é fleumático e equilibrado, apesar da impopularidade e das denúncias da Operação Lava-Jato. Finalmente, as Forças Armadas se mantêm nos limites estabelecidos pela Constituição, mesmo com a tropa torcendo pela eleição de um ex-militar à Presidência.

O imprevisível faz parte da democracia. Duro seria se tivéssemos eleições de cartas marcadas ou se as mesmas fossem suspensas. Sim, a radicalização política protagonizada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em contraponto com a narrativa autoritária do deputado Jair Bolsonaro cria um quadro de instabilidade institucional, mas as regras do jogo eleitoral podem resolver essa questão. Quem quer que venha a ganhar, terá que lidar com o Congresso e o Judiciário, a imprensa e a opinião pública. E não há alternativa para as forças políticas mais responsáveis que não seja a defesa da democracia, ganhando ou perdendo as eleições.

 

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-medo-do-imprevisto/


Ricardo Noblat: Lula candidato é fraude

Por que ele não pode cumprir pena como outro preso qualquer?

Que sinuca de bico está o Supremo Tribunal. Se mandar Lula para casa agora, se dirá que o fez a tempo de ele poder ser candidato. Se mandar imediatamente depois da eleição, se dirá que o manteve preso só para impedi-lo de ser candidato. Não seria o caso então de deixá-lo simplesmente cumprir a pena como outros presos?

O ex-governador Sérgio Cabral, do Rio, foi condenado e está preso. Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, também. Assim como está preso o ex-ministro Geddel Vieira Lima, sequer julgado, e o ex-ministro Antônio Palocci, empenhado em delatar para diminuir seu tempo de cadeia. Por que Lula, condenado três vezes, não pode?

Ele foi condenado pelo juiz Sérgio Moro. Apelou então para o tribunal de Porto Alegre. Ali, a sentença do Moro foi até aumentada, e por unanimidade. Lula então apelou de novo. E o mesmo tribunal confirmou a sentença ampliada. Todos os recursos de defesa para libertá-lo foram negados por tribunais superiores. Fazer o quê?

Quem acha que eleição sem Lula é uma fraude tem todo o direito de achar, mas, por coerência, não deveria participar das eleições para não coonestar com a fraude. Mas o PT participará, sim. Como participou de todas as fases do impeachment de Dilma mesmo dizendo que o impeachment era uma fraude. Ou melhor: um golpe.

O impeachment do ex-presidente Fernando Collor, liderado pelo PT, não foi considerado golpe por Lula e os que o apoiaram. Lula liderou a chamada “Marcha dos Cem Mil” a Brasília para exigir o impeachment do então presidente Fernando Henrique Cardoso. O ex-ministro Tarso Genro publicou na Folha artigo a respeito.

Vida que segue. E para que siga com algum grau de ordenamento, cumpra-se a lei que deve servir igualmente para todos, e obedeça-se à Justiça, uma vez que nada de melhor foi inventado. Seria desejável que não se tentasse enganar as pessoas com falsas promessas – mas aí é cobrar demais a muita gente.

No próximo dia 15, quando requerer o registro da candidatura de Lula, o PT não mandará o documento que deveria informar se ele já foi ou não condenado pela Justiça. É o que basta para o registro ser negado. Quer dizer: para tirar vantagem, o PT está empenhado em frustrar milhões de brasileiros com essa história de Lula candidato.

Fazer o quê?

Por que ele não pode cumprir pena como outro preso qualquer?

Que sinuca de bico está o Supremo Tribunal. Se mandar Lula para casa agora, se dirá que o fez a tempo de ele poder ser candidato. Se mandar imediatamente depois da eleição, se dirá que o manteve preso só para impedi-lo de ser candidato. Não seria o caso então de deixá-lo simplesmente cumprir a pena como outros presos?

O ex-governador Sérgio Cabral, do Rio, foi condenado e está preso. Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, também. Assim como está preso o ex-ministro Geddel Vieira Lima, sequer julgado, e o ex-ministro Antônio Palocci, empenhado em delatar para diminuir seu tempo de cadeia. Por que Lula, condenado três vezes, não pode?

Ele foi condenado pelo juiz Sérgio Moro. Apelou então para o tribunal de Porto Alegre. Ali, a sentença do Moro foi até aumentada, e por unanimidade. Lula então apelou de novo. E o mesmo tribunal confirmou a sentença ampliada. Todos os recursos de defesa para libertá-lo foram negados por tribunais superiores. Fazer o quê?

Quem acha que eleição sem Lula é uma fraude tem todo o direito de achar, mas, por coerência, não deveria participar das eleições para não coonestar com a fraude. Mas o PT participará, sim. Como participou de todas as fases do impeachment de Dilma mesmo dizendo que o impeachment era uma fraude. Ou melhor: um golpe.

O impeachment do ex-presidente Fernando Collor, liderado pelo PT, não foi considerado golpe por Lula e os que o apoiaram. Lula liderou a chamada “Marcha dos Cem Mil” a Brasília para exigir o impeachment do então presidente Fernando Henrique Cardoso. O ex-ministro Tarso Genro publicou na Folha artigo a respeito.

Vida que segue. E para que siga com algum grau de ordenamento, cumpra-se a lei que deve servir igualmente para todos, e obedeça-se à Justiça, uma vez que nada de melhor foi inventado. Seria desejável que não se tentasse enganar as pessoas com falsas promessas – mas aí é cobrar demais a muita gente.

No próximo dia 15, quando requerer o registro da candidatura de Lula, o PT não mandará o documento que deveria informar se ele já foi ou não condenado pela Justiça. É o que basta para o registro ser negado. Quer dizer: para tirar vantagem, o PT está empenhado em frustrar milhões de brasileiros com essa história de Lula candidato.

Fazer o quê?


Luiz Carlos Azedo: Da arte de ensacar demônios

“Eles estão soltos, e não será uma tarefa fácil lidar com isto: os fantasmas do velho positivismo autoritário rondam o Palácio do Planalto, à direita e à esquerda”

“Soltar o demônio da revolução é fácil. Difícil é recolhê-lo. É o que fazemos agora, cumprindo nosso dever cívico”, a frase do presidente Prudente de Moraes (1841-1902) ao amigo Bernardino de Campos, seu ministro da Fazenda, logo após tomar posse, sintetiza a situação em que encontrou o país em novembro de 1894. O governo autoritário de Floriano Peixoto por muito pouco não se transformou na ditadura positivista sonhada por Júlio de Castilhos e Benjamin Constant, que viria a se materializar mais tarde, com Getúlio Vargas (de 1930 a 1945) e o regime militar (1964-1985). Floriano não passou o cargo ao sucessor, gesto que mais tarde seria repetido pelo presidente João Batista Figueiredo, ao ser sucedido por José Sarney (MDB).

Natural de Piracicaba (SP), Prudente foi o primeiro político republicano de verdade a governar o país, em meio à grave crise econômica e a muitas turbulências políticas. Jorge Caldeira, em História da Riqueza no Brasil, cinco séculos de pessoas, costumes e governos (Estação Brasil), nos reposiciona em relação aos episódios da época, entre os quais o desastre que foi o “florianismo” e a influência nefasta do positivismo para a economia e a política, sobretudo em razão da tutela dos militares sobre o Estado e deste em relação à sociedade. Prudente governou o país sem recorrer ao estado de sítio nem censurar a imprensa; apostou na transparência de atos de governo, no bom senso da opinião pública, no federalismo e na tradição da nossa política local, que, desde os tempos coloniais, governava as cidades.

Não foi um governo fácil, porque dele teve que se afastar devido a uma cirurgia na bexiga, muito complexa àquela época. Seu substituto, o vice-presidente Manoel Vitorino, deixou-se influenciar pelos positivistas ao mandar o Exército intervir em Canudos, a pretexto de combater os monarquistas, o que se revelou uma grande tragédia. Coube ao florianista Moreira Cesar, carniceiro da revolução federalista em Santa Catarina, na qual mandou fuzilar 185 pessoas, no quilômetro 65 da ferrovia Curitiba-Paranaguá e nas fortalezas de Anhantomirim e Araçatuba, protagonizar o vexame principal. Euclides da Cunha, n’Os Sertões, descreve em detalhes o fim trágico do militar, que acabou esquartejado pelos jagunços no sertão da Bahia, depois de derrotado à frente de um exército de 1500 homens bem armados.

No dia da morte do coronel “Treme-terra”, 4 de março de 1897, Prudente reassumiu o poder, em meio a protestos populares e ataques de jornalistas de grande prestígio, como Nilo Peçanha, Alcindo Guanabara, Paula Nei e José do Patrocínio. Não teve alternativa a não ser despachar o novo ministro do Exército, general Carlos Machado Bittencourt, para liquidar com o arraial de Antônio Conselheiro, episódio que traumatizou a nação. Bittencourt morreu num atentado, no qual foi alvejado ao salvar a vida do presidente da República. Nem assim Prudente recorreu ao estado de sítio. Com seu prestígio, conseguiu derrotar o caudilho Júlio de Castilhos e eleger Campos Salles como sucessor. Ao deixar o poder, os demônios estavam todos ensacados.

Fantasmas

Aos trancos e barrancos desde o impeachment de Dilma Rousseff, o país chega às eleições presidenciais num quadro de grande imprevisibilidade. O futuro presidente da República terá uma tarefa muito parecida com a de Prudente de Moraes: enfrentar a crise fiscal e retomar o crescimento econômico, num ambiente em que a recessão aprofundou as iniquidades sociais do país. Sua principal tarefa política, porém, será ensacar os demônios novamente. Eles estão soltos e não será uma tarefa fácil lidar com isto: os fantasmas do velho positivismo autoritário rondam o Palácio do Planalto, à direita e à esquerda.

É do jogo democrático a narrativa autoritária nas disputas eleitorais, que precisam ser tratadas como tal. O que não é do jogo é a desestabilização das instituições políticas e a afronta à Constituição. É aí que a disjuntiva Lula-Bolsonaro entra em cena e protagoniza a radicalização política. Na velha dialética, representa a “unidade dos contrários”. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado a 12 anos e um mês de prisão por receber vantagens indevidas no exercício do cargo, por causa da Lei da Ficha Limpa (aprovada com os votos do PT, diga-se de passagem), está inelegível. Não se trata de jurisprudência do Supremo, como é o caso da execução de sua pena após condenação em segunda instância. A lei somente poderia ser revogada pelo Congresso.

Ocorre que o ex-presidente Lula não aceita as decisões judiciais, se diz vítima de perseguição da Operação Lava-Jato e lidera uma campanha política cujo objetivo não é apenas a sua liberdade, mas a manutenção da candidatura a presidente da República na marra, aproveitando-se do calendário eleitoral e dos ritos processuais. Seu objetivo é concorrer às eleições sub júdice, para emparedar o Judiciário e revogar sua prisão pelo “voto popular”. Quem ganha com isso? Em primeiro lugar, a recidiva do florianismo, representado pelo deputado Jair Bolsonaro (PSL), o ex-capitão do Exército que empolga setores conservadores da sociedade.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-da-arte-de-ensacar-demonios/


Paulo César Nascimento: O que está por trás do “Polo Democrático e Reformista”?

Algumas lideranças políticas têm martelado na tecla da união das correntes políticas, da centro-direita à centro-esquerda, para enfrentar as próximas eleições de 2018. Faz parte deste esforço o manifesto “Por um Polo Democrático e Reformista”, assinado inicialmente por três líderes do PSDB e um do PPS, no início de junho deste ano, e na sequência apoiado por diversos políticos do DEM, PV, PSD, MDB e PTB, além de vários intelectuais e acadêmicos.

Contudo, existem alguns aspectos nebulosos nessa ideia de unir as forças de centro. A primeira delas é que o manifesto cita correntes ideológicas – liberais, democratas, socialdemocratas, democratas cristãos, socialistas democratas, etc. – como forças que deveriam unir-se nas eleições deste ano. Mas estas correntes ideológicas se apresentam de forma difusa no cenário político nacional, não se encarnando adequadamente nem nos partidos que carregam seus nomes. O que, por exemplo, tem de republicano o Partido da República (PR), ou de progressista o Partido Progressista (PP)? Onde o Solidariedade, de Paulinho da Força Sindical, se encaixaria nessa constelação de ideologias políticas?

O centro só se torna mais claro quando seus apoiadores declaram que dele podem participar todas as forças que pensam o Brasil fora do campo populista autoritário de direita e de esquerda. Ou seja, aqueles que rejeitam a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), de Ciro Gomes (PDT) e do candidato do PT, seja ele quem for. Estas candidaturas, segundo a ótica dos formuladores do “Polo Democrático e Reformista”, carregariam um potencial de provocar a ruptura da ordem democrática, devido o seu populismo autoritário e atrasado. Daí a necessidade, muito na forma da Frente Ampla propugnada pelo PCB na luta contra o regime militar, de todas as forças democráticas e reformistas se unirem para preservar a democracia e avançar nas reformas que o país necessita.

O problema com essa visão política é que nada indica que a democracia no Brasil esteja correndo perigo, e basta acompanhar a movimentação tanto de Bolsonaro como de Ciro Gomes para certificar-se disso. O primeiro abandonou o discurso do passado, quando chegou a pregar o fechamento do Congresso, entre outras pérolas autoritárias, – para adotar uma postura muito mais amena e conciliadora, chegando ao ponto de escolher um economista ultraliberal para ser seu Ministro da Fazenda, de forma a acalmar o mercado e se livrar da imagem pró-estatizante que construiu ao longo de sua carreira política.

Já Ciro Gomes, ao contrário, tem se utilizado de uma retórica radical para atrair os votos do lulopetismo, mas ao mesmo tempo e contraditoriamente, tenta ampliar suas alianças para o centro e a centro-direita, chegando a disputar e perder para Alckmin o apoio dos partidos fisiológicos do chamado “centrão”. Persiste, porém na busca de uma aliança com o PSB, partido que nada tem de radical. E o PDT, partido que o lançou candidato, tem muito de fisiológico e populista, mas nada de radical. Ou seja, retórica à parte, seu comportamento não é o de um político que esteja colocando em risco a ordem democrática.

Não há nada de surpreendente na atitude destes políticos. Há muito tempo se tornou um truísmo na ciência política que nas democracias contemporâneas, os candidatos tendem a moderar seu discurso de forma a capturar o medium voter – aquele eleitor mediano avesso a radicalismos que representa a maioria do eleitorado. É claro que candidatos extremistas sempre existirão, mas isto faz parte do cenário político de toda e qualquer democracia.

Alguns apoiadores do “Polo Democrático e Reformista” alegam ainda que as candidaturas populistas antes referidas podem levar o país à “ingovernabilidade”, insinuando assim que, mesmo que elas não estejam diretamente empenhadas em derrubar a democracia brasileira, a solapam com suas políticas de irresponsabilidade fiscal e de confronto com o Judiciário e o Legislativo.

“Ingovernabilidade”, contudo, não leva necessariamente ao caos e ao fim da democracia. As sociedades democráticas têm mecanismos institucionais para lidar com situações em que o Chefe do Governo ou do Estado perde a capacidade de dirigir o país, seja por uma política econômica catastrófica, falta de diálogo com o Legislativo ou mesmo incapacidade física e mental, como ocorreu com o presidente Abdalá Bucaram, no Equador, em 1997. Para casos assim, existem diversos mecanismos institucionais, como o impeachment e o recall de novas eleições.

A democracia brasileira, por ter passado por diversas crises, incluindo dois impeachments, já está com suas instituições democráticas bastante consolidadas. Tanto que elas puderam resistir aos 13 anos da longa “guerra de posições” que o PT deslanchou para submeter a sociedade e os três poderes a seu plano de perpetuar-se no poder. Como todos sabem, essas tentativas fracassaram, e o Judiciário do país condenou Lula e vários outros líderes petistas à prisão pelo fantástico esquema de corrupção montado por aquele partido e sua base aliada.

Se a democracia brasileira não está sob qualquer risco, por que então as aves de mau-agouro do “Polo Democrático e Reformista” insistem em levantar o espantalho do perigo de ruptura democrática? O que está por trás disso? A resposta é óbvia: para apoiarem com mais legitimidade a candidatura de Geraldo Alckmin à Presidência da República. Torna-se muito mais palatável, para a esquerda democrática, defender o desgastado PSDB e seu candidato se este é apresentado como a última boia na qual a democracia brasileira pode agarrar-se para não afundar. Muito mais difícil é defender Alckmin pela trajetória de seu partido ou pelo seu próprio perfil.

Já faz algum tempo que o PSDB se afastou do ethos renovador e modernizante que inspirou os “autênticos” a abandonar o antigo MDB quando este mergulhou de cabeça no fisiologismo. Atualmente, o PSDB nada tem de renovador e muito menos de “socialdemocrata”. Uma prova disso é que sua estrela ascendente, e talvez futuro candidato à Presidência, o ex-prefeito de São Paulo João Dória, é um neoliberal de carteirinha. Igual que o MDB, o PSDB “regionalizou-se”, sendo dirigido atualmente por lideranças políticas dos mais diversos perfis ideológicos.

Nos anos em que comandou o país, o PSDB não realizou uma só reforma política, com exceção da aprovação do instituto da reeleição, de forma a garantir mais um mandato para o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Desgastou-se com os múltiplos casos de corrupção e caixa 2 em que algumas de suas principais lideranças se envolveram, e cujas investigações ameaçam chegar até ao próprio Alckmin.

Fernando Henrique Cardoso costuma dizer que a questão que se coloca para um governo renovador no Brasil é se ele vai comandar o atraso ou se é o atraso que vai comandá-lo. É a questão que também estará colocada no caso de Geraldo Alckmin ser eleito para presidente. Sua aliança com o centrão lhe garante um tempo extraordinário de propaganda eleitoral na tevê, mas pode comprometer a realização de qualquer tipo de reforma política, social ou econômica.

Incomodados com a imagem negativa que a aliança com o centrão pode trazer para o “Polo Democrático e Reformista”, ativistas da esquerda democrática reagiram com veemência, tratando de dourar a pílula. “O centrão atual é diferente do centrão da Constituinte”, gritam em coro. Ora, embora isso seja verdade, não faz o atual centrão melhor que seu antecessor. Ao contrário, é até pior, já que sua versatilidade e falta de compromisso ideológico permitem que costure qualquer tipo de aliança com forças as mais díspares, como fizeram nos governos do PT, de Temer e agora com a candidatura Alckmin, desde que tenham seus interesses particulares contemplados. É um tipo de fisiologismo arraigado na cultura política brasileira, que tem tradicionalmente impedido reformas estruturais na política, na economia e no combate às desigualdades sociais, além de ser foco constante de corrupção e patrimonialismo.

Argumenta-se ainda que a coalizão que sustenta a candidatura Alckmin não se esgota no centrão, já que abarca outras correntes mais comprometidas com as reformas, como a própria esquerda democrática que integra o “Polo Democrático e Reformista”. Mas com 164 deputados e 32 senadores, o centrão certamente terá uma influência muito maior que a minguada bancada da esquerda democrática, provavelmente indicando os presidentes da Câmara e do Senado, e tendo voz hegemônica nos rumos da campanha presidencial do PSDB.

Muitos tucanos, por outro lado, vivem ressaltando as qualidades de Alckmin como político moderado, gestor experiente e grande articulador político. Ele teria, dessa forma, todas as condições para exercer uma exitosa presidência. Infelizmente para o candidato, não é assim que o eleitorado, até agora pelo menos, tem percebido o político Alckmin, daí o candidato do PSDB estar, já faz um bom tempo, patinando nas pesquisas eleitorais, sem alcançar os dois dígitos, apesar de ser um nome nacionalmente conhecido, ter governado São Paulo e dispor de uma enorme estrutura nacional para sua campanha.

Falta a Alckmin – e é impossível não perceber–, a estatura de um estadista e líder nacional capaz de empolgar o eleitorado, tirar o país do buraco onde o lulopetismo o enfiou, e liderar um projeto de reformas. Até porque, para a elaboração de um plano de reformas estruturais, é necessário um corpo de ideias - a última coisa no mundo que o provinciano médico de Pindamonhangaba é capaz de produzir. Em 2006, quando disputou a eleição com Lula, não teve nem a coragem de defender o programa de seu partido, escondendo-se atrás de uma fotografia em que aparecia ostentando adesivos de estatais brasileiras, para afastar a imagem de “privatista”. Como resultado, acabou tendo menos votos no segundo turno do que obteve no primeiro.

Se Alckmin não tem perfil de reformador, sua aliança eleitoral tampouco ajuda no desenvolvimento da democracia brasileira. Apesar de seus apoiadores falarem interminavelmente sobre democracia, parecem esquecer um aspecto desta forma de governo que a frente que montaram agride frontalmente: o pluralismo.

É difícil encontrar qualquer estudo sério sobre democracia que não a ligue com o pluralismo. Este nada tem a ver com individualismo, como sugeria a vulgata marxista soviética. O pluralismo se baseia no fato muito simples de que o espaço público é habitado por pessoas, e não por uma só pessoa. É por isso que todo sistema coletivista, não pluralista, em que um líder máximo substitui o povo, tende para o autoritarismo. É o caso de sistemas de partido único, democracias plebiscitárias ou regimes populistas, da China de Xi Ji Ping à Venezuela de Maduro, onde o eleitor não é apresentado a propostas alternativas e a pluralidade política é limitada ou mesmo suprimida.

Nas democracias contemporâneas, ao contrário, a pluralidade é muito valorizada. Juntamente com as liberdades civis e políticas, o regime eleitoral de dois turnos compõe, em muitas dessas democracias, o instrumento mais adequado para combinar pluralismo com estabilidade, pois incentiva os partidos políticos a lançarem seus candidatos e apresentarem suas propostas no primeiro turno, ao mesmo tempo em que garante ao vencedor do segundo turno a legitimidade adquirida com a conquista da maioria dos votos.

Isto posto, é natural que, sob um regime autoritário, diversas correntes políticas se unam para lutar pela democracia, como o PCB propôs acertadamente à época da ditadura militar. Ou mesmo que, em um primeiro turno, alguns partidos com forte familiaridade política se coliguem. Mas este não é o caso do frentão que apoia a candidatura Alckmin. Apesar de composto por diversas forças políticas, não tem nada de plural. Os grupos que integram este frankenstein político se limitam a disputar espaços de poder em seu seio, perseguindo suas sinecuras em lutas de bastidores, sem desenvolver perfil próprio além de uma vaga carta de intenções. A identidade política dos candidatos e dos partidos se dissolve em meio a siglas de nomes confusos e contraditórios.

Os políticos que integram o “Polo Democrático e Reformista”, assim como a frente de apoio a Alckmin, parecem apostar que o longo tempo de tevê que o candidato do PSDB dispõe, mais sua capacidade de formar palanques estaduais fortes, vai fazê-lo subir nas pesquisas assim que a campanha eleitoral começar. É possível que isso aconteça, mas falta ainda combinar com o eleitor. O fato é que mesmo que Alckmin não seja eleito presidente, os partidos menores que o apoiam esperam que a aliança com o PSDB os ajude a eleger deputados e senadores em número suficiente para escapar da guilhotina da cláusula de barreira e garantir o fundo partidário.

É perfeitamente normal e justo que os partidos brasileiros busquem os recursos necessários e cumpram as exigências institucionais para se manterem em atividade e garantir sua sobrevivência. Mas poderiam explorar melhor as possibilidades de alianças no contexto de outras alternativas políticas. O presidente do PPS, Roberto Freire, por exemplo, foi contra a candidatura de Cristovam Buarque, alegando que o senador não tem voto. Mas descartou rapidamente o convite que lhe foi feito para ser vice na chapa de Marina Silva, que tem muito mais intenções de voto que Alckmin, inclusive em São Paulo. Poderia ter sido uma opção para a futura criação de um partido democrático de esquerda, sonho do PPS há décadas. A proposta nem foi levada para discussão no partido, já que há um temor em apostar as fichas em uma candidata sem tempo de tevê e sem fortes alianças estaduais, que pode desidratar quando começar a propaganda eleitoral. Mas quem garante que isso vai mesmo acontecer? E se Alckmin tiver o mesmo destino que Ulyssses Guimarães em 1989, que tinha muito tempo de tevê mas acabou bem atrás de outros candidatos com menos tempo e estrutura partidária menor? E isso em uma época sem redes sociais, hoje um elemento que pelo menos relativiza o poder da mídia tradicional.

Seja como for, a ideia que Alckmin seria o candidato das reformas e o salvador da democracia brasileira não passa de uma quimera. Seu histórico político de alianças fisiológicas, a visão liberal da economia e o cristianismo conservador que o candidato do PSDB professa indicam que ele será o candidato do big business: das grandes corporações empresariais, do capital financeiro e do agronegócio. Tanto que o mercado vibrou quando Alckmin selou aliança com o centrão. Imediatamente as ações na Bolsa subiram e o dólar caiu!

Estes fatos nos permitem antever que caso Alckmin seja eleito, diferentemente do que imagina o “Polo Democrático e Reformista”, seu governo vai significar um retrocesso em termos de política ambiental, direitos sociais e econômicos dos trabalhadores, legislação das agências reguladoras e políticas para a área cultural. Quem viver verá.

*Professor do Instituto de Ciência Política, da UnB


Luiz Carlos Azedo: A frente ampla

O instinto de sobrevivência das elites políticas leva ao caminho do meio, no caso o tucano Geraldo Alckmin, testado e aprovado pelo establishment como governador de São Paulo

Durante o regime militar, nunca houve consenso entre as elites do país. Sempre houve uma resistência política organizada, institucional, nos espaços legais, o que, no decorrer do processo, se demonstrou mais eficiente e produtiva — e capaz de conquistar adesão popular —, do que a agitação pura e simples ou a desastrada luta armada. Antes da consolidação do antigo MDB como frente eleitoral das oposições, o que somente se deu após as eleições de 1974, essa elite dissidente foi representada pela chamada Frente Ampla, formada em 1966. Reunia a oposição trabalhista liderada por João Goulart e dois políticos que haviam apoiado o golpe, o ex-presidente Juscelino Kubitschek, do antigo PSD, e, para espanto de muitos, o ex-governador carioca Carlos Lacerda, líder inconteste da UDN, além do líder comunista Luiz Carlos Prestes (PCB), na clandestinidade.

O programa da Frente Ampla era essencialmente democrático: retorno às eleições diretas, anistia, pluripartidarismo e direito de greve. A aliança de Lacerda com Jango, JK e Prestes foi uma decorrência óbvia da suspensão das eleições diretas à Presidência da República, que estavam marcadas para 1965, na qual o udenista seria candidato. A edição do AI-1 anulou as esperanças de Lacerda, que passou à oposição, embora fosse um dos líderes civis do golpe. Com um manifesto no jornal Tribuna de Imprensa, do qual era fundador e diretor, o ex-governador exigia eleições diretas, desenvolvimento econômico, reforma partidária e uma política externa soberana.

Com comícios e mobilizações, a Frente Ampla conquistou adesão popular e promoveu grandes manifestações no ABC Paulista, em Londrina e em Maringá, assustando o presidente Costa e Silva, o general que havia substituído o marechal Castelo Branco no Palácio do Planalto. Ainda mais após a morte do estudante Edson Luiz, em 28 de março daquele ano, que provocou grandes manifestações estudantis e levou o alto clero católico à oposição. Em abril, a Frente Ampla foi cassada; na sequência, motivado também pelas ações armadas da esquerda radical, que optou pelas guerrilhas urbana e rural, Costa e Silva editou o AI-5, em 13 de dezembro daquele ano. Lacerda teve os direitos políticos cassados e acabou preso, porém, após uma semana de greve de fome, foi libertado.

Os líderes da Frente Ampla mantiveram certa influência política, mas foram impedidos de participar de eleições. Morreram antes da anistia: Juscelino em 22 de agosto de 1976, em um acidente de carro na Via Dutra; João Goulart, no exílio, em 6 de dezembro de 1976, em Mercedes, na Argentina, de um ataque cardíaco; Lacerda, em 21 de maio de 1977, após ter sido internado por desidratação, devido a uma infecção no coração. Suspeitas de que essas mortes tão próximas umas das outras estejam relacionadas à Operação Condor, montada em 1975 entre militares do Chile, Argentina, Brasil e Paraguai para combater seus opositores, nunca foram comprovadas.

Alckmin

Ontem, líderes do “Centrão” anunciaram o apoio à pré-candidatura do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) à Presidência da República, reeditando uma frente ampla que reúne o establishment político do país. O grupo é formado por DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade, que agora se juntam ao PSDB, ao PSD, ao PTB e ao PPS. O deputado federal Paulo Pereira da Silva (SD-SP) resumiu o significado do apoio: “Estamos convencidos de que para tirar o Brasil desse buraco que estamos só com um conjunto de forças como esse, que se junta em torno dessa candidatura”. O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), afirmou que o tucano poderá contar com a “militância aguerrida” do partido. Ambos eram aliados de Lula, derivaram para a oposição à Dilma Rousseff, namoraram a candidatura de Ciro Gomes e acabaram junto ao tucano paulista. Formou-se uma frente que terá quase 50% dos meios de campanha destinado a todos os partidos, principalmente o tempo de televisão: 14 minutos e 47 segundos a mais de tempo de TV, contando os programas eleitorais diários e as inserções na programação.

Ao contrário da Frente Ampla da década de 1960, essas forças não estão na oposição, apenas mantêm distância regulamentar do MDB, que deve confirmar a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Nos bastidores, houve um empurrãozinho do presidente do Michel Temer para que a aliança não sofresse obstrução do governo. O que motiva essas forças? É a aposta nas estruturas partidárias existentes e seus mecanismos de reprodução de poder. O instinto de sobrevivência das elites políticas leva ao caminho do meio, no caso o tucano Geraldo Alckmin, testado e aprovado pelo establishment como governador de São Paulo por quatro mandatos.

No fundo, a reação dos políticos do “Centrão” às candidaturas de Jair Bolsonaro (PSL) e de Ciro Gomes (PDT) tem o seu DNA na crise de 1964 e na reação dos políticos daquela época ao que aconteceu, principalmente os que apoiaram o golpe militar e se arrependeram. Representa também o convencimento de que o projeto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que mantém uma candidatura inelegível a qualquer preço, não tem a menor viabilidade.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-frente-ampla/


El País: “A ideia de uma chapa com Ciro não morreu na praia. Está na ilha ainda”, diz Fernando Haddad

Atual coordenador do programa de Governo do PT, Haddad fala da simpatia pelo pedetista. Promete política de redução de spread para baixar juros de bancos e taxação de heranças e
faz críticas à mídia que teme censura com regulação, mas tem atitude de “censor”

Por Carla Jimenez, do El País

O ex-prefeito Fernando Haddad saiu do Paraíso. O bairro em que viveu enquanto foi prefeito de São Paulo, e onde era frequentemente visto passeando com seu cachorro Stick, agora faz parte do passado. Mudou-se para o Planalto Paulista, também na zona sul da cidade, e se instalou com a família na casa de arquitetura modernista onde cresceu com os pais. “Minha mãe me disse que, se eu não viesse para cá, ela ia vender o imóvel”, comenta Haddad, atual coordenador do programa de Governo do PT e da campanha de Lula à presidência da República. Nos últimos dias, a casa modernista viveu um entra e sai de jornalistas após o partido publicar as linhas gerais do programa aprovado pelo ex-presidente petista para ser adotado em um eventual Governo do seu partido.

O PT espera que seja o próprio Lula a governar o Brasil, se o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral permitirem que ele seja candidato, e a sua enorme intenção de voto se transforme em realidade. Mas é Haddad quem está dando a cara, neste momento, ao anseio do partido de voltar ao poder. O ex-prefeito está treinado para negar as especulações sobre o seu nome. “Só existe plano A [com Lula candidato na cédula]”, repete ele sistematicamente, numa frase pouco crível para quem tem como mentor um animal político como Lula. Pelo sim pelo não, a realidade vai se impor no próximo dia 17 de setembro, data limite para o TSE dar o veredito para o futuro de Lula e do PT nesta eleição. Faltarão, então, só 20 dias para o primeiro turno da eleição, quando ou ele ou outro nome do partido deverão se apresentar no lugar do ex-presidente. Ou, como alternativa, apoiar outro candidato.

Pergunta -  Você, como coordenador da campanha do PT à presidência, e diante da possibilidade de que o PT tenha de escolher um nome para suceder Lula, é naturalmente associado ao papel de sucessor a candidato do ex-presidente caso ele seja impedido de concorrer.
Resposta. Essa conversa não existe dentro do PT.

P. Por enquanto.
R. Nem existirá. O PT vai registrar o Lula dia 15 [de agosto] e vai lutar, tanto no TSE, como no Supremo, para viabilizar a candidatura dele. Esse é o plano A e único.

P. [O ex-secretário de Cultura e ex-vereador] Nabil Bonduki escreveu um artigo na Folha nesta terça, cobrando do partido que seja coerente com a própria tese do golpe de que o Lula será impedido de concorrer, sugerindo que outro nome seja apresentando, pois faltam 75 dias para a eleição. Não faz sentido?
R. Mas o que sabemos... A jurisprudência do TSE consolidada até aqui garante o registro pelo artigo da lei eleitoral. Por que daríamos como certo que essa jurisprudência irá mudar? Essa é a pergunta que o Lula se faz e eu me faço. Por que vamos dar como certa a mudança da jurisprudência até aqui?

P. Porque a Justiça não tem sido...
R. Imparcial?

P. Garantista, como foi até pouco tempo atrás.
R. Sim, mas se o que você está dizendo é verdade, menos ainda podemos convalidar uma mudança completa de postura em relação aos processos.

P. Se esse processo demorar, e estiver muito em cima, não sei até que ponto o TSE pode estender a resposta a esse processo. Corre o risco do PT ficar fora de uma eleição? Com tão pouco tempo de troca?
R. Não posso antecipar movimentos do Judiciário. Quem poderia esperar que o TRF-4 agisse como agiu, em relação ao Lula, aos prazos, à tipificação do crime de lavagem de dinheiro que, para dizer o mínimo, foi absolutamente inovador? (Haverá) taxação progressiva sobre bancos. (...) Os bancos serão induzidos a reduzir as taxas de juros

P. Se Lula for candidato, como se vislumbra uma campanha? Ele é um nome conhecido, mas você, a Gleisi Hoffmann, seriam o rosto durante este período, tendo em vista que ele não vai poder gravar programa?
R. Em algum momento alguém vai ter que dar uma resposta para a questão democrática, pois no fundo é isso que está em jogo. A própria imprensa tem provocado o Judiciário no sentido de garantir o direito a livre manifestação, de liberdade de expressão. Transbordou a para esfera dos próprios fundamentos da democracia. Outro aspecto a ser considerado.

Ciro e coligações
P. Falamos sobre Lula liderando pesquisa, mas existe um percentual alto de eleitores que não querem votar em ninguém. Como o PT pretende abordar este eleitor?
R. Estamos vivendo uma crise institucional pós-golpe. E isso trouxe feridas, afetou a vida das pessoas. Precisamos fazer uma refundação democrática. Eu creio que a campanha, se for bem traduzida programaticamente, desperta esperança nas pessoas, e elas comparecem. Mas nesse momento não sei avaliar o quanto uma campanha de 30 dias vai afetar o humor das pessoas.

P. E as coligações, quais as possibilidades?
R. Eu não estou acompanhando pessoalmente as conversas, mas sempre defendi desde o ano passado que os canais com PDT, PC do B, PSB, PROS, estejam sempre desobstruídos, porque pode acontecer na etapa final uma confluência, que eu espero que aconteça.

P. Ciro chegou a falar que uma chapa junto com você seria um dream team. Essa ideia morreu na praia?
R. Não sei se se aplica o termo morreu na praia. Não saiu nadando, está na ilha ainda [risos]. Eu fui contemporâneo do Ciro na Esplanada dos Ministérios, mantenho com ele até hoje excelentes relações, e me aproximei muito do Cid quando ele foi governador. Então tenho muito respeito e admiração pelos Ferreira Gomes. São pessoas de valor, e essa afinidade acaba gerando este tipo de desejo, o que é natural. Nós incrementamos o mercado de massa, fizemos também bons trabalhos, mas não fizemos tudo. Por isso queremos voltar a governar

P. Você diz que não existe no PT uma conversa sobre os potenciais nomes para substituir o Lula. E existe um debate sobre se unir ao PDT na reta final?
R. Eu vejo declarações de simpatia mútua. Sempre estivemos juntos, desde os tempos do Brizola [Leonel Brizola, ex-governador do Rio].

P. Então não é algo improvável essa união...
R. Uma coisa que é importante para nós é a candidatura do Lula, que lidera as pesquisas e que seria eleito talvez no primeiro turno.

P. Mas esse é o plano A...
R. O problema é que se os partidos não estiverem coligados até o dia 5 de agosto, data final para as convenções, não poderão mais estar coligados dia 17 de setembro. Esse é o problema. É um problema legal.

P. E se no dia 17 de setembro o TSE diz que Lula não pode ser candidato, o que o partido fará? Abrirá mão da candidatura ou apoiará outro candidato?
R. Sem coligação pode [apoiar outro]. Como exercício jurídico pode.

P. Mas como exercício político... O PT como protesto abrir mão de sua candidatura caso Lula não possa disputar.
R. Como exercício de futurologia...

P. É uma realidade que vai se impor, não é futurologia.
R. Não sei te responder.

P. Você diz que não se fala em plano B no partido. Mas se fala muito no nome do Jaques Wagner e no seu. O partido vai aguardar até os 45 minutos do segundo tempo pra elaborar o plano B?
R. Eu desconheço. Não tenho conhecimento disso.

Fórmula para retomar a economia
P. Falando dos planos do partido. O país vive uma necessidade urgente de retomar a economia. O que vocês enxergam como caminho par retomar o investimento?
Eu consegui grau de investimento na cidade de São Paulo. Não foi a direita. A direita quebrou a cidade. Tem muito investimento travado por incompetência do governo. Você pode reativar muitas parcerias público privadas, muitas joint ventures de empresas estatais, concessões, sem dificuldade. Dou um exemplo. Queremos trocar toda a iluminação publicado do país por LED. Isso se faz sem custo. Com a economia de energia elétrica você paga o investimento privado.

P. A expansão de crédito está contemplada no programa do PT de que forma?
R. Há um projeto de indução de redução de spread (diferença entre os juros que os bancos pagam para captar recursos e o que cobram de seus clientes na hora de emprestar), por meio de taxação progressiva sobre bancos. Instrumento pelo qual obrigaremos o sistema a reduzir o spread, gradativamente. Os bancos serão induzidos a reduzir as taxas de juros praticadas em todas as linhas de crédito: cartão de crédito, cheque especial e capital de giro. Tem muita gente com boas ideias mas não tem o crédito para implementá-lo. A economia moderna é baseada em crédito. Nosso sistema de crédito é um paradoxo. Temos um sistema mais robusto em termos tecnológicos do mundo e não conseguimos oferecer crédito barato para as pessoas. Não estamos dialogando só com o consumo de massas para ter acesso ao crédito. É com o empresariado que não tem acesso também. Quem movimenta economia no Brasil é a pequena e a média empresa, que tem dificuldade de ir ao BNDES, que é quem gera emprego. Ela tem de ter um sistema bancário acessível. A agência vizinha à loja, padaria, ela tem de estar disponível com crédito barato. Não temos crédito barato para empreendedor. Precisamos retomar a expansão do mercado de capitais. Tivemos recorde de IPOs com o Lula porque havia pujança.

P. Essa mesma pujança, e um excesso de confiança, gerou efeitos colaterais, como a própria inflação que estourou. O partido chegou a ser criticado, inclusive, por ter estimulado mais a formação de consumidores e não de cidadãos.
R. Discordo com parte desse diagnóstico. Quando você faz Mais Médicos estamos falando de cidadania. Quando sai de 3 para 8 milhões de universitários isso é cidadania. Quando faz Pronatec, manda jovens para o exterior, não é consumo, é cidadania. O programa Luz para Todos não é consumo, é cidadania. Nós incrementamos o mercado de massa, mas nós fizemos bons trabalhos, mas não fizemos tudo. Por isso queremos voltar a governar. Precisamos de uma reforma tributária para tornar nosso sistema menos regressivo do que ele é.

P. Como iria funcionar?
R. Tem toda uma estratégia de transição do modelo, com mecanismos bastante sofisticados de transição que não vi em nenhum modelo até agora. Acho que nós encontramos esse caminho de transição. Por duas travas. Uma trava da carga tributária liquida, e uma da receita real dos entes federados. Criando essas duas travas, criando um imposto de valor agregado, que vai durante a transição nos garantir esses dois pressupostos para migrar de uma situação para outra. Dando garantias ao Congresso de que nosso objetivo é a mudança de composição da carga, fazendo com que quem não pode pague menos, e quem pode, pague mais, um critério universal de um regime tributário.

P. E a taxação das grandes fortunas? A cena de Bolsonaro sendo aplaudido na CNI... Alguém deve ter visto aquilo e falado: “Até onde nós vamos com essa aventura?” Acendeu o sinal amarelo, vermelho ou roxo.
R. Nós colocamos isso porque está na Constituição. Mas a nossa perspectiva de curto prazo é a progressividade de imposto sobre heranças, que é uma prática internacional bastante estabelecida. Na Europa, EUA, até os liberais defendem taxação progressiva sobre grandes heranças, pois sendo um regime pretensamente meritocrático, nada mais meritocrático contribuírem com um fundo público de acordo com suas possibilidades. Isso está mais no nosso horizonte do que outra coisa. Agora, diminuir Imposto de Renda sobre trabalhador para reintroduzir IR sobre lucro dividendos está no nosso horizonte. No sentido de calibrar a composição do fundo, sem pretender aumentar a carga líquida neste momento. Essa transição vai viabilizar uma mudança importante. Com uma mudança importante, que vamos iniciar nos primeiros meses. A isenção de IR até cinco salários mínimos implementamos no primeiro ano, mais acesso ao crédito: são duas alavancas. É acesso do empreendedor para quem quer gerar emprego.

P. Vocês têm propostas que fortalecem o trabalhador e a pequena e média empresa. Mas temos uma elite empresarial...
R. Essa já está contemplada. Aliás, a crítica que se faz é que só eles têm acesso ao Estado. Comecei falando do PPP, grandes empreendimentos. Não vamos descuidar de nada.

P. Mas como setor bancário deve reagir ao mecanismo de indução de redução de spread?
R. Acredito que eles não podem ser contra ter um sistema moderno de crédito no país. Obviamente nós vamos ouvi-los. Exemplo: execução de garantia no Brasil é algo demorado. Então eles têm o pleito de melhorar sistema judiciário em geral para executar garantias. Muitas vezes tem garantia formal, mas na prática não tem. Isso nós vamos cuidar.

P. Estamos com uma dívida pública altíssima, que se descolou, inclusive, de outros países emergentes, como Chile e Colômbia. Como lidar com essa questão, uma vez que a expansão de parte desta dívida pública é atribuída aos Governos do PT?
R. Primeiro, corrigindo esse erro. Se você olhar o que nós pegamos de dívida dos Governos do Fernando Henrique Cardoso você vai ver que ao longo dos anos a dívida pública bruta e líquida, sobretudo a líquida, caiu barbaramente. A bruta só não caiu mais porque nós compramos 370 bilhões de dólares em reservas cambiais. Você pode até criticar a compra dessas reservas, mas não dá para dizer que não caiu a dívida. Se vendêssemos todas as reservas hoje, a dívida voltaria ao patamar de 50 e poucos por cento, menor que a herdada de Fernando Henrique.

P. E como seria a correção destes erros?
R. Primeiro, temos que reativar a economia. Tem uma coisa que os conservadores falam, “ah, tem que checar a efetividade de programas, cortar programas que não têm impacto”. Isso é óbvio, não pode ser nem bandeira de campanha, qualquer um que entra lá tem que fazer as contas. Mas as pessoas têm que dizer como vão reativar a economia. Nós estamos dizendo como vamos fazer. Retomada do investimento público, concessões, PPP, joint ventures, melhoria da renda das famílias mais pobres...

P. Mas, dependendo do investimento, você bate de novo no aumento de dívida pública. Como fazer essa engenharia?
R. Depende. As estatais têm um outro regime, com investimentos que não implicam aumento de custeio. É preciso fazer uma análise caso a caso para ver quais vão ser as obras que vão impactar a produtividade da economia. Você tem estratégias para enfrentar esta questão que são tradicionais: parcerias com o setor privado precisam ser retomadas. Muita coisa por fazer que está parada. E também mudar a composição do fundo para favorecer as pessoas de renda mais baixa que tem maior propensão ao consumo, além de melhorar o sistema de crédito. Sem crédito a economia não pode retomar. São medidas de curto prazo que já implicam uma retomada da economia. E obviamente abrir o orçamento e ver qual gasto público precisa ser revisto. Isso é rotina. Eu consegui grau de investimento na cidade de São Paulo fazendo isso. Cortando custeio, renegociando dívida com a União, voltando a pagar precatórios. Não foi a direita que conseguiu o grau de investimento. A direita quebrou a cidade.

(Os donos das concessões de TV) concentram propriedade, propriedade cruzada no Brasil é prática. Combinação entre poder político e comunicação é regra. Isso é arcaico

P. E como pacificar a relação com o setor produtivo que hostilizou Dilma durante o impeachment?
R. O setor produtivo estará diante da realidade que vai se colocar a partir de 1º de janeiro de 2019... Entendo que o projeto Temer será derrotado nas urnas, seja lá quem for seu representante, provavelmente Alckmin.

Alckmin, Temer e o Centrão
P. Você acha que Alckmin representa a continuidade do projeto Temer?
R. Eu não acho, não é uma questão de achar... O ministro da Fazenda do Temer foi secretário da Fazenda do Alckmin. O ministro das Relações Exteriores é do PSDB. O ministro das Cidades era do PSDB. Então o PSDB está no Governo inteiro. E quem deu sustentação à aventura Eduardo Cunha e do impeachment foi o PSDB.

P. Esse bloco parlamentar chamado de Centrão, que hoje está fechado com o Alckmin, é um grupo que se fortaleceu muito durante os Governos do PT...
R. Não acho que se fortaleceu, ele ficou do tamanho que era. Mas ele tem uma presença muito forte. Acho que ele está mais articulado do que antes, até pela vulnerabilidade do PSDB, muito dependente de acordos. O PSDB sempre teve uma maior facilidade em compor maiorias, pela inércia das coisas. E hoje está com mais dificuldade em virtude da fragilidade da candidatura Alckmin.

P. Como você vê o embarque provável do Centrão na campanha do Alckmin? Fica aliviado pelo fato deles não darem musculatura para Bolsonaro?
R. Eu nunca acreditei que eles fossem fechar com o Bolsonaro. Deve ter havido uma ordem de comando também. Estava demais, né? Acho que a cena na Confederação Nacional das Indústrias, com o presidente entidade de braço dado com o Bolsonaro, sendo aplaudido cinco ou seis vezes, alguém deve ter visto aquilo e falado: “Até onde nós vamos com essa aventura?” Entendo que isso acendeu o sinal amarelo, vermelho ou roxo.

P. A Dilma experimentou de maneira amarga o que é lidar com um Congresso que era considerado o mais conservador já eleito, com crescimento de bancadas como a da bala. Como alcançar governabilidade, como trabalhar isso?
R. Desde a campanha é preciso angariar apoio para suas propostas. Não dar de barato de que ganhando você vai ter o mando do jogo. É preciso que haja um diálogo com a população muito precoce e permanente. Mesmo você tendo dito durante a campanha tudo o que vai fazer no Governo, você precisa manter a democracia ativada, participativa. As nossas medidas são boas para a maioria do povo. Reduzir a carga tributária do pobre que paga muito e aumentar sobre o rico, que paga pouco, é razoável. Você aumenta a renda disponível dos pobres e reativa o consumo. Isso reativa a economia. Você pode achar que está perdendo, mas de forma intertemporal você está ganhando, o próprio empresário. Ganha produzindo.

Mídia regulada
P. Algumas das propostas, como a regulação da mídia, tem potencial para indispor um futuro Governo petista com o Congresso, já que parte dos parlamentares são donos, direta ou indiretamente, de retransmissoras de TV e estação de rádio. Isso não pode acirrar a animosidade com o Governo?
R. Isso é ilegal: político ser dono de concessão é ilegal. Não podemos fechar os olhos para uma inconstitucionalidade. Isso distorce a democracia. A imprensa deveria ajudar a sanear esse problema. Me causa perplexidade que a imprensa dita liberal compactue com essas práticas oligopólicas e de confusão entre o público e o privado. Não é compreensível que essas forças que a todo momento evocam o liberalismo sejam refratárias à modernização das relações. Estamos falando de aplicar Constituição.

P. Lula quando teve todo apoio popular não o fez. Aí, agora, quando a grande mídia é alvo do PT após o impeachment, não soa como revanche?
R. Até vocês, e isso eu não gostaria que fosse suprimido da minha entrevista, são alvos da grande imprensa. Tem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) para tirar o EL PAÍS do ar [no Brasil] no STF. Na verdade, temos uma oligarquia censora no Brasil. Eles estão impedindo a livre circulação de ideias. Já pensou se o PT entrasse com ação do ar invocando lei? Eu fico perplexo. Não se toca no assunto. The Intecept, BBC, EL PAÍS podem sair do ar, se a ADIN for aceita. Quem são eles para falar de censura, se eles são censores que querem tirar sites alternativos do ar, organizações internacionais? Eles têm uma prática muito diferente do discurso. Eles concentram propriedade, do ponto de vista vertical como horizontal, propriedade cruzada no Brasil é prática. Combinação entre poder político e comunicação é regra. Isso é arcaico e patrimonialista, atrasado.

P. Como mostrar isso sem parecer que o PT simplesmente está querendo se opor...
R. Se você publicar o que estou falando, que existe uma ADIN contra vocês, as pessoas talvez comecem a entender, mas se você esconder do teu leitor o processo do qual você é vítima você não contribui com a democracia. Eu já dei entrevista em que foram suprimidas minhas palavras sobre essa questão. Quem está censurando quem?

P. Mas por que agora?
R. Isso está nos programas do PT desde sempre. Cumprir a Constituição.

P. Isso consta, mas não quer dizer que será votado, não será o primeiro ato, é isso?
R. A inspiração do que vamos levar ao Congresso é tradição americana e britânica. Que na nossa opinião é a mais avançada de concessões públicas. Não estamos falando de jornal. Estamos falando de concessão. Todas são reguladas. Menos essa.

P. A regulação da mídia não é um assunto distante para parte da população que tem necessidades mais urgentes, como alimentação e saúde?
R. Tudo tem seu tempo. Mas acho que todo mundo entende que um político não pode ser dono de concessão de rádio e TV. Isso é antidemocrático. Por isso a Constituição estabelece parâmetros para que isso não aconteça. E é um aperfeiçoamento democrático liberal, não é nada bolivariano. Sempre me chamou a atenção como cientista político o quanto nós abraçamos aqui o liberalismo de fachada. Não existem forças liberais francas no Brasil. Veja o Movimento Brasil Livre. Essa meninada chegou a chamar a atenção de alguns ricos. Foram os primeiros a pedir para fechar exposição de museu. Esse é nosso liberalismo. De araque. Não é verdade.

MPL X MBL
P. Quem lhe deu mais trabalho, o MBL ou o Movimento Passe Livre, que realizou vários protestos pela revogação do aumento da passagem dos ônibus durante seu mandato na prefeitura?
R. A agenda do MPL, transporte como direito social, é uma agenda com a qual eu simpatizo. A minha crítica é pela forma, não pelo conteúdo.

P. E a campanha do MBL contra a corrupção, não é algo que você acha interessante?
R. Se fosse verdadeira seria ótima, né? Mas você vê que eles tiraram foto com o Eduardo Cunha... Não é bem isso né.

P. Mas você apertou a mão do Paulo Maluf na campanha de 2012 para conseguir o apoio do PP.
R. Não, mas não foi nesse sentido que eu estava lá. Eu estava lá em uma agenda... Eu apertei a mão do Paulo Maluf em um dia e repatriei o dinheiro das Ilhas Seychelles [que teriam sido desviados por Maluf] no dia seguinte, né? Vamos falar a verdade para seu leitor. Apertei a mão dele e repatriei 150 milhões de reais. Não deixei cumprir minha obrigação. Eu não vejo da parte do MBL uma agenda franca anticorrupção. Acho que agiram assim quando era interessante, depois mudaram a pauta.

Grandes obras
P. Os Governos do PT foram alvos de críticas pela maneira como conduziram grandes obras, como Belo Monte e a transposição do rio São Francisco, num desenvolvimento a qualquer preço. Como o partido lida com isso?
R. Nós temos um capítulo no programa sobre transição ecológica. Resolvemos enfrentar esse desafio, da produção com conservação, adotar essa agenda. E explicitar essas diretrizes. Grandes obras como transposição do São Francisco, hidrelétrica de Belo Monte, exploração do pré-sal, sempre vão ser polêmicas. E nós temos que considerar as críticas para aperfeiçoar o modelo. Não tenho dúvida. Eu acredito que Belo Monte é uma usina muito melhor do que todas as outras que foram construídas no passado. Mas talvez não tenha chegado numa situação em que possa ser considerada um caso exemplar. Reconheço. A transposição, que antes era muito criticada, hoje sofre menos críticas.

Apertei a mão de Maluf e repatriei 150 milhões de reais. Não deixei cumprir minha obrigação

P. Com relação a Belo Monte, o que você apontaria como fator para que ela não seja um caso exemplar? Existem casos bem documentados de pessoas que foram expulsas, casas queimadas...
R. Esse assunto foi objeto de uma conversa recente minha com o Lula, a última. O Lula falou uma frase, disse: “Olha, nós temos que encontrar uma maneira de transformar a população do entorno em sócio do empreendimento. Elas não podem ser objeto da intervenção, tem que ser sujeito da intervenção”. É preciso mudar o paradigma de diálogo com essas populações e efetivamente transformá-los em sujeitos ativos de uma perspectiva transformadora. Ele usou a expressão “temos que transformar esse pessoal em sócio do empreendimento. Eles não podem ser afetados”. O Lula está muito ciente dos problemas do empreendimento. Talvez nós possamos repensar o modelo de governança dessas grandes obras.

P. O programa Minha Casa Minha Vida também teria correções? Ele é constantemente criticado por urbanistas.
R. Eles criticam, mas o programa também é muito elogiado. Eu mesmo sou partidário dessa visão de que se construiu muito onde não havia tanta infraestrutura. Aqui em São Paulo nós procuramos mudar isso. Criamos várias ZEIS [Zonas especiais de interesse social] no centro de São Paulo que estão ensejando empreendimentos, incorporações. Muitos lançamentos no centro de São Paulo que são mais acessíveis. Hoje com 200.000 reais você compra um apartamento em São Paulo. O que para uma metrópole cara como São Paulo, é significativo. Não é o ideal, mas avançamos bem.

P. Falando da Petrobras. Para além de toda a corrupção que ali se instalou, a empresa, do ponto de vista de negócio, assumiu uma dívida estratosférica numa matemática impossível de fechar. Até hoje vende ativos. Qual é a visão do partido em relação a esse assunto?
R. No caso da Petrobras, e concordando que houve uma alavancagem discutível, o fato é que todas as petroleiras foram pegas no contrapé com a crise de 2008. Você tem uma barriga no preço do petróleo, e nenhuma petroleira estava preparada para sair de 120 dólares por barril para 30. Efetivamente todos os balanços foram afetados por isso. Entendo que agora a situação específica deste setor oferece uma oportunidade de recuperação, e que devemos atuar no campo das refinarias, ao menos terminar os projetos que estão iniciados, como o Comperj e Abreu e Lima.

Plano B para Lula e Palocci
P. Levando em conta o pior cenário para o PT: Lula tem o registro indeferido e o partido vai escolher alguém dos seus quadros para disputar. Quem seria um bom nome? Você estaria confortável para ocupar essa vaga?
R. Olha, nós estamos nos valendo da jurisprudência do TSE para levar a candidatura do Lula a registro. Ele vai escolher o seu vice. E nós aguardamos duas decisões importantes: do TSE com relação ao registro, e em caso de negativa uma liminar no Supremo para garantir esse registro. Antes disso o debate está... Esse debate sobre substituição não é feito. Não há reunião sobre isso dentro do PT.

P. O Lula não ventila essa hipótese de o partido ter outro candidato?
R. Ele não discute o assunto, pelo contrário. Ele reafirma sua inocência, sua vontade de ser candidato, seu desejo de presidir o país.

P. Com relação à delação do ex-ministro petista Antonio Palocci, há um temor dentro do partido?
R. Vamos ver [o que ele traz]. A quantidade de delações que são feitas e vão caindo são expressivas. Recentemente a do Delcídio do Amaral, do Ricardo Pessoa... E as delações vem caindo por que? Porque a pessoa no desespero de estar encarcerada ela vai juntando fatos... Eu acho desprezível alguém fazer isso, mas compreendo o desespero da situação. Acho injusto que essas pessoas estejam conseguindo em troca da delação uma redução de 70% da pena e mantendo o patrimônio intacto. Considero que o corruptor não deveria ter estes benefícios todos. Não acho que o corruptor é melhor do que o corrupto, como em geral tenta se vender. Às vezes o corruptor tenta se passar por vítima: é a quintessência da hipocrisia. Nós sabemos que o corruptor é quem leva a parte do leão

Judiciário
P. Uma das propostas de vocês é alterar a forma de nomeação de integrantes do Supremo. Em um momento no qual o PT é um dos grandes alvos da Justiça isso não pode ser visto como revanchismo?
R. O STF vai manter essa composição atual por muito tempo, não há nenhuma preocupação a curto prazo com isso. Estamos falando dos novos indicados. Só forçando um pouco a interpretação para achar isso [que se trata de revanchismo].

P. Isso nunca foi uma bandeira do PT enquanto estava no poder. Agora, acuado pelo Judiciário, isso vem à tona?
R. Não é um momento de crise institucional? Porque não se inspirar em modelos avançados para entender isso. A questão do controle externo à corporação, isso vale para todas as instituições, é um traço de modernidade. Os atuais membros do STF ficarão lá até os 75 anos. Essa medida, de colocar um prazo para o mandato do ministro da Corte, tira poder do presidente, não é algo que dá poder para ele. Porque o indicado por ele terá 15 anos de mandato, ou 12. Não será vitalício.

P. Mas dá a entender que o partido está desgostoso pela maneira como a Justiça está atuando. Qual o mérito da proposta?
R. O mérito é uma pessoa que é indicada com 40 anos ficar até os 55 e não até os 75. Parece razoável não?

P. Você acha que a Corte não se renova?
R. É muito poder. Uma pessoa ficar 35 anos no STF. Eu sou cientista político e me soa bem a tese de que ninguém deve ter tanto poder por tanto tempo.

Aborto e drogas
P. O programa de Governo do PT não tem menção à questão do aborto. Por que esse ponto ficou de fora?
R. O PT historicamente trata a questão do aborto e das drogas como uma questão de saúde pública. O poder Executivo tem um compromisso em abordar esses temas sob essa ótica. Acontece que agora, neste momento, a questão foi judicializada. Os dois temas estão na pauta do STF. E muito mais forte do que uma lei ordinária do Executivo sobre o tema é o disciplinamento disso por uma jurisprudência com base em cláusula pétrea da Constituição, que não pode ser alterada por lei ordinária. Todos os indicadores internacionais dão conta de que uma mudança de postura do Estado com relação a isso faz diminuir o número de abortos. É preciso analisar a questão com uma visão mais científica, mais pragmática e menos fundamentalista, buscando objetivos concretos, como melhorar a saúde da população.

P. E com relação às drogas?
R. Se você analisar os estudos sobre prisão versus apreensão, você vai ver que prendemos um contingente enorme de pessoas com nenhuma efetividade de apreensão. Ou seja, estamos iludindo as pessoas de que estamos combatendo algo. Não estamos combatendo nada, estamos perdendo a guerra. Inclusive porque essa guerra não se ganha, a não ser pela promoção da saúde e pela prevenção da educação...

P. Mas o STF já está analisando a questão do aborto e da descriminalização das drogas há meses, os processos não andam...
R. Mas está pautado.

P. Mas com relação às drogas você deixaria apenas a cargo do STF? No México o Executivo está promovendo o debate sobre reformas nesse assunto.
R. É uma discussão sobre direitos fundamentais, dá mais robustez para a decisão quando se tem esse caminho do STF. Não é “deixar na mão do STF”. Temos três Poderes, né? Vamos puxar pela memória o que aconteceu com a comunidade LGBT em torno da questão da união estável homoafetiva. Se o Executivo tivesse mandado para o Congresso um projeto de lei, talvez estivéssemos até hoje em um impasse. Mas quando é um direito protegido pela Constituição, no STF houve um outro desfecho [com a aprovação]. Quando há uma visão distinta entre Legislativo e Executivo em torno de direito fundamentais, que são direitos ditos de minoria, muitas vezes o Judiciário harmoniza. Isso é entender o funcionamento da república moderna. Existem países mais avançados, mais abertos e menos fundamentalistas, que conseguem dirimir essas questões por meio de leis. Depende muito da correlação de forças internas... A sociedade vai encontrando caminhos para escapar dessa tradição mais obscurantista por vários mecanismos. Está ganhando expressão social uma vertente de discussão séria sobre garantias individuais.

 


Luiz Carlos Azedo: Ainda não foi desta vez

Foram sepultadas as expectativas petistas de que o ministro Dias Toffoli pudesse, na interinidade, libertar Lula, o que deixaria o quadro político de pernas para o ar

O vice-presidente do STF, ministro Dias Toffoli, rejeitou ontem um novo habeas corpus em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O pedido não foi feito pela defesa do petista, mas por um advogado simpatizante de sua causa. O presidente interino do Supremo (a ministra Cármen Lúcia substitui Michel Temer na Presidência) entendeu que o pedido de liberdade não tem urgência para ser apreciado durante o plantão de recesso da Corte.

Toffoli encaminhou o pedido ao ministro Edson Fachin, relator dos processos da Operação Lava-Jato no tribunal, para ser examinado no momento devido. Em reação, um grupo de militantes pichou o prédio do STF, na Praça dos Três Poderes, um monumento considerado patrimônio da humanidade pela Unesco, como todo o conjunto arquitetônico da Esplanada.

Para Toffoli, o pedido não se enquadra no Regimento Interno do Supremo: “É inadmissível o habeas corpus que se volta contra decisão monocrática do relator da causa no Superior Tribunal de Justiça não submetida ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno, por falta de exaurimento da instância antecedente”, despachou.

Assim, foram sepultadas as expectativas petistas de que Toffoli pudesse, na interinidade, libertar Lula, o que deixaria o quadro político de pernas para o ar. Condenado a 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex em Guarujá (SP), Lula está preso na superintendência da PF, em Curitiba. Entretanto, mantém a candidatura a presidente da República e pressiona de todas as formas os tribunais, o que aprofunda as divergências entre os integrantes de sua equipe de defesa.

A narrativa petista de que Lula é um preso político, vítima de perseguição do Judiciário, somente complica a sua defesa. Os ataques petistas contra magistrados, liderados pela presidente da legenda, senadora Gleisi Hoffman (PR), corroboram as críticas de que esses protestos têm caráter autoritário. Ontem, a Secretaria de Segurança do Supremo Tribunal Federal (STF) anunciou que está adotando providências para apurar os atos contra o edifício-sede da Corte. Imagens e informações dos envolvidos, bem como números de placas de veículos foram coletados pela segurança do tribunal e contribuirão para as investigações.

Atos de repercussão protagonizados pela defesa de Lula têm funcionado como instrumentos de campanha eleitoral, na medida em que mantêm o ex-presidente da República em evidência na mídia e corroboram a narrativa de vitimização. Eleitoralmente, porém, há sinais de que a estratégia está se esgotando, levando a legenda ao isolamento. Os sintomas vêm de todo o espectro político.

Descolamento

Por exemplo, Manuela D´Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (PSOL), que endossam esse discurso, mantêm suas respectivas candidaturas a presidente da República. Miram o espólio eleitoral de Lula. Ainda é possível que venham a se coligar com o candidato petista indicado para substituí-lo, mas dependerá de sua densidade eleitoral na largada. PCdoB e PSoL apostam na candidatura própria para alcançarem o quociente eleitoral exigido pela nova legislação partidária.

Outro sintoma desse isolamento é a indefinição do PSB, cuja liderança principal, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, negociava um acordo eleitoral com o PT. Como Lula é inelegível e permanece preso, essa possibilidade está cada vez mais remota, e o partido tende a apoiar Ciro Gomes, candidato do PDT. Mesmo assim, dividido, porque outros setores do PSB defendem a candidatura própria.

Não foi à toa também que os partidos do chamado centrão (DEM, PTB, PR e Solidariedade) se aproximaram de Geraldo Alckmin, candidato do PSDB. Ontem, Paulinho da Força, líder do Solidariedade, lançou o ex-ministro Aldo Rebelo, aliado de Lula desde as eleições de 1989, à vaga de vice na chapa do tucano, diante das vacilações de outro aliado histórico de Lula que se descolou do PT, o empresário Josué Gomes, filho do falecido vice-presidente José Alencar, filiado ao PR de Valdemar Costa Neto.

É um paradoxo, Lula se mantém líder nas pesquisas de intenção de voto quando nome aparece na cartela, mas seus possíveis substitutos não têm o mesmo peso eleitoral. A estratégia petista é levar a candidatura até o dia de sua impugnação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que significa homologá-la em convenção nacional até o próximo dia 5 de agosto. A chave é a indicação do vice, que seria catapultado ao substituir Lula.

Como toda estratégia tem fricção, ou seja, nunca acontece como foi planejada, a grande indagação é saber se os eleitores vão engolir gato por lebre na eleição. É aí que outras candidaturas passam a ser uma ameaça aos petistas. A maior delas é a de Marina Silva (Rede), em terceiro lugar nas pesquisas, que hoje é a principal herdeira dos votos de Lula, mesmo defendendo propostas que estão a léguas de distância do discurso petista. Até mesmo o candidato Jair Bolsonaro (PSL), que está na extrema-direita do universo eleitoral, abocanha votos que seriam de Lula, caso o líder petista fosse realmente candidato.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-ainda-nao-foi-desta-vez/