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Luiz Carlos Azedo: Novo eixo no Supremo

“Toffoli assume um tribunal desgastado pela contaminação política, as idiossincrasias de seus pares e a falta de coesão institucional”

O ministro Dias Toffoli assumirá hoje a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) com o firme propósito de distender as tensas relações na Corte e mudar o eixo de sua atuação em relação aos demais poderes. Durante o processo eleitoral, a pauta será elaborada de modo a não criar mais tensões políticas; após as eleições, tende a assimilar o resultado do pleito e criar condições para uma transição de governo sem grandes traumas. Por exemplo, as ações que discutem a possibilidade de execução da pena após a condenação em segunda instância, em princípio, não serão julgadas neste ano. Porém, um freio de arrumação na Operação Lava-Jato está em andamento.

Toffoli assume um tribunal desgastado pela contaminação política, as idiossincrasias de seus pares e a falta de coesão institucional, o que resultou numa séria de decisões juridicamente contraditórias, opondo a Primeira e a Segunda Turma do Tribunal, que foram apelidadas de “Câmara de gás” e “Jardim do Éden”. Há um entendimento generalizado de que o STF deixou de exercer um papel moderador nas relações entre os poderes da República para ser um fator a mais de instabilidade.

O novo presidente do Supremo pretende adotar medidas para dar mais efetividade à Justiça e compartilhar os rumos da Corte com os pares. Durante o processo eleitoral, quer evitar grandes polêmicas. Na primeira sessão plenária sob seu comando, na próxima semana, estão na pauta decisões triviais: o ingresso em universidades públicas de militares transferidos, nos casos de ausência de universidade paga congênere; a concessão de licença ambiental única para atividades de agronegócio sem prévia realização de estudo de impacto ambiental; e a pulverização aérea de produtos químicos para combater o mosquito Aedes aegypti.

Toffoli construiu uma imagem de conciliador no Supremo, num momento em que as divergências pessoais e doutrinárias estavam muito acirradas, principalmente entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Barroso, que andaram se digladiando em plenário. Entretanto, é um dos ministros que critica a Operação Lava-Jato. Como assumirá o comando do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), acredita-se que pretenda impor um novo padrão de atuação aos promotores e juízes de primeira instância.

Um sinal dessa tendência foi dado ontem pelo corregedor nacional do Ministério Público, Orlando Rochadel, que mandou abrir reclamação disciplinar contra os promotores Wilson Coelho, Marcelo Mendroni e Ricardo Castro, de São Paulo, questionando as denúncias apresentadas contra o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, candidatos do PT e do PSDB à Presidência, respectivamente. Rochadel atendeu ao pedido do conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, que questiona a “regularidade da instrução de feitos que possam ter impacto nas eleições de 2018”.

Na Segunda Turma, as posições críticas de Toffoli em relação às prisões preventivas e à execução imediata de pena para condenados em segunda instância resultaram numa maioria favorável à concessão de muitos habeas corpus pelo ministro Gilmar Mendes. Fala-se que Toffoli pretende pôr em julgamento o processo disciplinar que discute a conduta do juiz Sérgio Moro por ter autorizado a divulgação de interceptação telefônica de conversa entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Foi de Toffoli o voto favorável à libertação do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o que ensejou a discussão reservada entre os ministros da possibilidade de conversão da prisão de Lula em domiciliar. Essa medida, porém, teria sido abortada pela confusão criada pela defesa de Lula no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, onde um desembargador de plantão, durante o recesso, resolveu libertar Lula, mas teve o alvará de soltura cassado pelo presidente daquele tribunal.

Legado
A ministra Cármem Lúcia, que deixa o cargo, enfrentou um dos momentos mais difíceis da Corte, por causa das denúncias contra o presidente Michel Temer. Assumiu a presidência do Tribunal duas semanas após o impeachment da presidente Dilma Rousseff e logo teve que enfrentar rebeliões nos presídios do Norte e Nordeste. Em Manaus, foram 56 mortes. Em Roraima, no maior presídio do estado, 33 presos foram assassinados. Houve 133 mortes nos presídios do país nos primeiros 15 dias de 2017. No mesmo mês, o ministro Teori Zavascki, relator dos processos da Operação Lava-Jato no Supremo, morreu na queda do avião que o transportava para Angra dos Reis. Estava na iminência de homologar as delações premiadas da Odebrecht e foi substituído pelo ministro Édson Fachin.

Carmem Lúcia deixou como legado na sua passagem pelo comando do Supremo muitas decisões importantes: redução do escopo do foro privilegiado; constitucionalidade da terceirização de atividades-fim por empresas; o direito de transgêneros alterarem seu registro civil sem a necessidade de mudança de sexo; imprescritibilidade de ação de ressarcimento ao erário por ato doloso de improbidade; impossibilidade de condução coercitiva de pessoas investigadas; poder da polícia de firmar acordos de delação premiada; possibilidade de desconto no salário do servidor em greve; desnecessidade da autorização prévia de Assembleia Legislativa para que o governo do respectivo estado seja processado criminalmente; possibilidade de ensino religioso confessional nas escolas públicas; constitucionalidade do fim da contribuição sindical obrigatória; e constitucionalidade do Código Florestal.

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Nas entrelinhas: Os erros de Lula

“A estratégia eleitoral do PT está centrada na “infalibilidade” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e no culto à sua personalidade”

Uma das características do culto à personalidade é a crença na infalibilidade do líder. Faz parte da estratégia de manutenção do poder e foi utilizada por políticos de todas as tendências, de Adolf Hitler, na Alemanha, e Benito Mussolini, na Itália, a Josef Stálin, na União Soviética, e Mao Tse Tung, na China. Na América Latina, Getúlio Vargas, no Brasil; Juan Domingos Peron, na Argentina; Fidel Castro, em Cuba; e até Augusto Pinochet, no Chile, recorreram ao expediente, que funciona com eficácia nos regimes autoritários, onde não existe liberdade de imprensa e a oposição é duramente reprimida. O problema do culto à personalidade é que os líderes viram uma espécie de “burro operante” quando erram, pois suas principais qualidades aumentam o tamanho do desastre. Bem ao nosso lado, aqui na Venezuela, temos o exemplo do desastre provocado pelo culto a Hugo Chávez, que escolheu a dedo o seu sucessor, o presidente Nicolás Maduro.

A estratégia eleitoral do PT está centrada na “infalibilidade” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e no culto à sua personalidade. A campanha do PT se assenta na ideia de que seu governo foram “anos dourados”, sem levar em conta que seu primeiro mandato se beneficiou de condições excepcionais: estabilidade do Real, que herdou do governo Fernando Henrique Cardoso; expansão da economia chinesa, que alavancou nossas exportações; e o “bônus demográfico”, que reduziu o número de dependentes (crianças e idosos) em relação às pessoas economicamente ativas (com renda) no âmbito familiar. Quando a situação mudou, principalmente depois da crise econômica mundial de 2008, Lula acreditou num canto de cigarra de sua então chefe da Casa Civil Dilma Rousseff e do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, optando pela “nova matriz econômica” e não pelo ajuste que a situação exigia quanto ao deficit público. Fez o sucessor, mas deu errado: a bolha estourou e veio a recessão do governo Dilma e seu impeachment.

Na retórica petista, o fato de Dilma ter sido apeada do poder e substituída pelo vice-presidente Michel Temer permitiu à legenda varrer para debaixo do tapete todos os seus erros, inclusive os flagrados pela Operação Lava-Jato. O fato de a “ex-presidenta” não ser a candidata em lugar de Lula é a maior demonstração de que é considerada inapetente pela cúpula petista, embora apareça com mais intenções de voto do que outros petistas citados. Tanto que é uma candidata competitiva ao Senado, por Minas, apesar das patacoadas na campanha. Pois bem, se perguntarem para qualquer líder petista qual foi o maior erro de Lula, todos dirão que foi não ser candidato em 2014 e deixar que Dilma disputasse a reeleição. O próprio Lula, para os íntimos, reconhece isso. Publicamente, porém, ninguém fala sobre o assunto. Seria negar a infalibilidade de Lula.

A mesma infalibilidade e o culto à personalidade levaram a cúpula do PT a registrar a candidatura de Lula, que todos sabiam inelegível, por causa da Lei da Ficha Limpa. Esticaram a corda com a Justiça Eleitoral até ontem, quando o partido se viu obrigado a registrar a chapa com o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad na cabeça e Manoela D’Ávila (PCdoB), de vice. Petistas históricos preferiam uma aliança mais ampla, com Ciro Gomes (PDT) na cabeça de chapa, e Haddad na vice. Lula não quis saber de conversa, rechaçou a proposta e manteve sua candidatura até o limite. Alguns acreditam que Lula agiu como um gênio, conseguiu ocupar espaço político como grande injustiçado e, graças a isso, com a indicação de Haddad, poderá levar a legenda de volta ao poder.

Pesquisas

E se não for bem assim? A formalização da candidatura de Haddad em Curitiba, pela Executiva da legenda, foi um ato mixuruca, diante de importância que deveria ter. A pesquisa do Ibope divulgada ontem mostrou que o processo de transferência de votos está sendo mais lento do que se imaginava. Realizada entre 8 e 10 de setembro, ou seja, com os programas do PT fazendo a fusão das imagens de Lula e Haddad, o que agora não é mais possível, Jair Bolsonaro (PSL) subiu de 22% para 26%; Ciro Gomes (PDT) oscilou de 12% para 11%; Marina Silva (Rede) caiu de 12% para 9%; Geraldo Alckmin (PSDB) se manteve com 9%; e Fernando Haddad passou de 6% para 8%. Brancos e nulos passaram de 21% para 19%. Não sabem ou não responderam continua com 7%.

Nas simulações de segundo turno, o quadro é o seguinte: Ciro 40% x 37% Bolsonaro (branco/nulo: 18%; não sabe/não respondeu: 4%); Alckmin 38% x 37% Bolsonaro (branco/nulo: 21%; não sabe/não respondeu: 4%); Bolsonaro 38% x 38% Marina (branco/nulo: 20%; não sabe/não respondeu: 4%); Haddad 36% x 40% Bolsonaro (branco/nulo: 19%; não sabe/não respondeu: 5%). A rejeição de Haddad (23%) é maior do que a de Geraldo Alckmin (19%) e Ciro Gomes (17%), contra 24% de Marina e 31% de Bolsonaro. São 26 dias até a eleição, sem que nada esteja decido, exceto o fato de que Lula está fora da eleição. Ou seja, está pagando por seus erros. Ou não?

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Luiz Carlos Azedo: A democracia esfaqueada

“A radicalização e o ódio semeados até agora na disputa eleitoral são o caldo de cultura para que o pior possa acontecer”

Campanhas de massas têm o condão de despertar a paixão dos eleitores, agora numa escala inédita, por causa da tevê, do rádio e das redes sociais. Quando a retórica dos candidatos se radicaliza, mais cedo ou mais tarde, isso se traduz em ações violentas, que atentam contra as regras do jogo democrático. Foi o que aconteceu ontem em Juiz de Fora (MG) com o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, que foi esfaqueado na barriga durante uma caminhada no centro da cidade.

Adélio Bispo de Oliveira, de 40 anos, confessou o crime, segundo a PM. Natural de Montes Claros, no Norte de Minas Gerais, foi preso em flagrante e disse à polícia que atacou Bolsonaro “a mando de Deus”, por ter divergências de ideias e pensamentos com ele. A Polícia Federal investiga o criminoso, que já foi filiado ao PSol entre 2007 e 2014. O partido repudiou o atentado, assim como todos os candidatos a presidente da República e as autoridades do país, entre as quais o presidente Michel Temer e a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber.

Segundo a PF e a PM, havia agentes de segurança no momento do episódio, mas a situação ficou fora de controle: Bolsonaro estava sobre os ombros de um correligionário e buscava contato direto com seus eleitores. A primeira reação ao episódio nas redes sociais foi muito ruim: mais radicalização de partidários e adversários de Bolsonaro. Dizia-se que o atentado foi obra da esquerda, de um lado, e que tudo não passava de uma encenação da direita, de outro. As primeiras versões eram todas para pôr mais lenha na fogueira da radicalização.

Bolsonaro foi ferido gravemente, sendo obrigado a sofrer uma colostomia, procedimento que conecta o intestino delgado para uma bolsa fora do corpo, evitando que as fezes passem pelo intestino grosso e possam causar uma infecção no local onde os médicos suturaram a perfuração. A perfuração provocou múltiplas lesões internas, sua recuperação será lenta, mesmo que tudo corra bem com a cirurgia. O episódio vai prejudicar a campanha dele do ponto de vista físico, mas, eleitoralmente, ainda é uma grande incógnita.

Com a saída de Lula da disputa eleitoral, Bolsonaro subiu mais dois pontos. As próximas pesquisas dirão qual será a repercussão do episódio. Na pesquisa do Ibope divulgada na quarta-feira, estava com 22% de intenções votos, contra Marina (Rede) e Ciro (PDT), com 12%; Alckmin, com 9%; e Haddad, com 6%, para citar os que disputam uma vaga no segundo turno. O episódio teve ampla repercussão internacional e acirrou o clima eleitoral, da pior maneira possível. Apesar dos apelos dos demais candidatos e das autoridades, ninguém garante que o clima de radicalização venha a se distender. O “nós contra eles” é recíproco, até porque isso beneficia os interessados na radicalização.

A não aceitação do outro como alternativa de poder é o sentimento que alimenta a radicalização, queiramos ou não. Em circunstâncias normais, faz parte da disputa pelo poder; num ambiente que degenera em violência e atentados à vida, passa a ser uma ameaça ao processo democrático. A regra de ouro da eleição é “quem ganhar, leva”. Não existe outra opção que não seja a aceitação da alternância de poder e o respeito à decisão popular, qualquer que seja. A radicalização e o ódio semeados até agora na disputa eleitoral são o caldo de cultura para que o pior possa acontecer.

Efeito imprevisível
O líder socialista francês Jean Jaurès era um pacifista, apostava na diplomacia para evitar a Primeira Guerra Mundial. Acabou assassinado em um café de Paris, em 31 de julho de 1914, por Raoul Villain, um jovem nacionalista francês que desejava a guerra com a Alemanha. Era uma das vozes que tentavam circunscrever o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austríaco, e sua esposa em 28 de junho de 1914, ao conflito entre a Sérvia e a Áustria. O arquiduque e sua esposa foram mortos a tiros em Sarajevo, capital da Bósnia, por um estudante nacionalista sérvio.

A Áustria apresentou um ultimato à Sérvia e exigiu uma resposta humilhante dentro de 48 horas. Era aliada da Alemanha, que também declarou guerra à Sérvia, que era aliada da Rússia, que, por sua vez, era aliada da França e da Inglaterra, que também entraram na guerra. Desde 1871, as potências europeias estavam em paz, mas se preparavam para a I Guerra Mundial (1914-1918), que mobilizou mais de 70 milhões de militares, incluindo 60 milhões de europeus. Nove milhões de combatentes foram mortos. Ou seja, um ato individual num ambiente conturbado pode ter efeitos inimagináveis.

As eleições estão sendo polarizadas por candidatos que ideologicamente se prepararam para as eleições como se fossem para uma guerra, esse é o problema. A disputa eleitoral precisa se dar em outros termos, menos belicosos. Não será com declarações de boas intenções que esse clima será revertido, é preciso mudar o discurso de campanha. É improvável que isso ocorra. Se antes era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cuja candidatura a presidente da República foi impugnada, que se passava por vítima de uma suposta armação política, agora Bolsonaro foi vítima de um atentado real à sua vida. Tudo indica que o criminoso era um tresloucado, numa ação individual, mas o fato perturba ainda mais o processo eleitoral e mexe com a emoção dos eleitores. A violência nas eleições precisa ser contida, para o bem da democracia, que também foi esfaqueada.

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Luiz Carlos Azedo: A história à deriva

“Em pleno processo eleitoral, a identificação das causas reais do incêndio do Museu de nada servirá para evitar o embate político que já se estabeleceu entre governo e oposição”

O Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, cujo acervo foi quase completamente destruído por um incêndio na noite de domingo, era o retrato da relação do Brasil com a sua cultura. Entrou na pauta das eleições da pior forma possível: como nova tragédia nacional, que comoveu o mundo da cultura e, principalmente, o povo do Rio de Janeiro. Por causa das linhas de trens e de metrô, era muito visitado por estudantes de todas as idades e pelas famílias de cariocas dos subúrbios da Central do Brasil e da Leopoldina, para os quais era uma janela para o mundo da História Natural e das civilizações antigas.

A existência do museu se deve, em primeiro lugar, à transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, entre 1808 e 1821, com a vinda de Dom João VI e sua família para o Brasil, acompanhado de mais de 10 mil pessoas, entre serviçais, religiosos, militares e a nobreza, fugindo do exército de Napoleão Bonaparte, o imperador francês. O antropólogo e jornalista australiano Patrick Wilcken, no livro Império à deriva, descreve essa mudança de forma magistral, no contexto da política europeia da época. O choque cultural que ela provocou, porém, é narrado com riqueza de detalhes por Laurentino Gomes, no livro 1808.

Laurentino Gomes é autor de uma trilogia que inclui 1822 — Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado, sobre a Independência; e 1889 – Como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da Monarquia e a Proclamação da República do Brasil, que narra o colapso do regime imperial escravocrata. É dele, “depois de uma noite mal- dormida”, o comentário mais crítico sobre o incêndio na Quinta da Boa Vista:

“Abandonado, desleixado, com um acervo rico, porém esquizofrênico, pouco acolhedor para quem se animassem a visitá-lo, o Museu Nacional era um símbolo do que nos tornamos nos últimos anos: uma caricatura do que gostaríamos de ser e nunca fomos”, criticou. O prédio da Quinta da Boa Vista foi palco de grandes momentos da história do Brasil Imperial. Segundo Laurentino, tinha vocação para Museu Histórico, mas virou Museu de Ciências Naturais. “O acervo era confuso e pouco didático, entregue aos malcuidados de funcionários e curadores burocráticos, sem inspiração e entusiasmo”, critica.

Para o historiador, era um símbolo do toma lá dá cá na política brasileira: o prédio original foi um presente de um grande traficante de escravos a D. João no dia da chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808. Elias Antônio Lopes era “um dos homens que mais se enriqueceria e ganharia títulos e honrarias nos 13 anos da Corte portuguesa no Brasil.” De fato, a coleção do museu começou como um projeto que se inspirava nas casas reais europeias. D. Pedro II era neto do rei português João VI e de Francisco II, último monarca do Sacro Império Romano-Germânico, sobrinho de Napoleão Bonaparte e primo dos imperadores Francisco José I da Áustria e Maximiliano do México.

Acervo
Uma parte do acervo se deve ao interesse de D. Pedro II pelas ciências e seu esforço de reconhecimento pela nobreza europeia. Na década de 1870, o imperador brasileiro fez duas grandes viagens à Europa, Oriente Médio, África e Estados Unidos, o que acabou influenciando as características do acervo que Laurentino chama de “esquizofrênico”. Há que se considerar que o colonialismo estava no auge e o saque ao patrimônio histórico das antigas civilizações orientais e mediterrâneas pelas potências da Europa estava em pleno curso. A outra parte é fruto da pesquisa arqueológica e antropológica dos pesquisadores abnegados do próprio museu, que completavam a coleção.

O museu comemorou em junho seu bicentenário. Recebia 150 mil visitantes por ano e era um importante centro de pesquisa e estudo, porque estava integrado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), desde 1946. Sua biblioteca possuía 537 mil livros, incluindo 1.560 obras raras, como um exemplar de História natural (Plínio, o Velho), de 1410. Um dos acervos mais atingidos é o do departamento de paleontologia, com mais de 26 mil fósseis, incluindo o esqueleto de um dinossauro descoberto em Minas Gerais e inúmeras espécies extintas, como preguiças gigantes e tigres-dentes-de-sabre. Sua coleção de antropologia biológica incluía o mais antigo fóssil humano descoberto no Brasil, conhecido como “Luzia”, que sobreviveu a 12 mil anos, mas não ao descaso oficial com a cultura.

No dia 6 de junho, a direção do Museu Nacional e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) assinaram um contrato que prevê investimento de R$ 21,7 milhões para o plano de revitalização do prédio histórico, seu acervo e espaços de exposição. Mas já era tarde, pois o mais trivial — a manutenção da rede elétrica e armazenamento adequado de produtos químicos — não foi feito. As investigações sobre o incêndio provavelmente apontarão uma multiplicidade de fatores de risco, do cupim nas madeiras à falta de equipe de combate a incêndio.

Em pleno processo eleitoral, a identificação das causas reais do incêndio de nada servirá para evitar o embate político que já se estabeleceu entre governo e oposição. A direção da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é controlada por uma aliança de partidos de esquerda — PSOL, PCdoB e PCB —, enquanto os ministérios da Cultura e da Educação estão sob comando de aliados do presidente Michel Temer. Embora o PT tenha exercido o poder de 2002 a 2016, estudantes e dirigentes universitários culpam Temer pelo sucateamento do museu. Entretanto, a manutenção do museu deveria ter sido uma prioridade no orçamento da universidade, poderia remanejar verbas e fazer contratos emergenciais para isso, em vez de criar novas despesas. Depois do incêndio, isso nem se discute.

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Luiz Carlos Azedo: Sai Lula, entra Haddad

“O julgamento frustrou as intenções petistas de utilizar todos os prazos possíveis para Lula permanecer como candidato. Mas isso não significa que a estratégia eleitoral do PT tenha fracassado”

Não se pode dizer ainda que a estratégia eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para levar o PT de volta ao poder tenha fracassado, uma vez que a impugnação de sua candidatura pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estava escrita nas estrelas e na Lei da Ficha Limpa. Entretanto, estão dadas todas as condições para o PT transferir os votos cativos de Lula para o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, com a decisão daquela Corte de permitir que o ex-presidente da República, mesmo impugnado e preso, apareça como apoiador de seu substituto nos programas eleitorais de tevê, rádio e internet.

Lula não é um proscrito político num regime de exceção, como pretende fazer crer o PT e muita gente acredita, principalmente no exterior. Lula está preso porque foi condenado a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá, ou seja, por receber vantagens indevidas no cargo de presidente da República e ocultar seu patrimônio, o que não é incomum na política brasileira. É o mais ilustre condenado pela Operação Lava-Jato, que mandou para a cadeia outros ex-dignatários. Por essa razão, insistir na narrativa do “preso político” no horário eleitoral será uma afronta à democracia e à Justiça eleitoral.

“O Brasil é um Estado democrático de direito. Não estamos sob regime de exceção. Todas as instituições estão em funcionamento regular. O Poder Judiciário é independente. Os juízes de primeira e segunda instâncias são providos em seus cargos por critério exclusivamente técnico, sem vinculação política. A defesa pode perfeitamente alegar erro judiciário, mas não se mostra plausível o argumento de perseguição política”, disse o ministro Luís Barroso, relator do caso, no julgamento que entrou pela madrugada de ontem, em resposta aos argumentos da defesa em favor da candidatura de Lula.

Com o único voto divergente do ministro Édson Fachin (a favor de uma autorização provisória para que Lula concorresse, apesar de considerar o petista inelegível por conta da Lei da Ficha Limpa), a candidatura de Lula foi impugnada por seis a um na sessão extraordinária do TSE. Os ministros decidiram evitar que Lula aparecesse como candidato nos programas oficiais do PT de rádio, tevê e internet, iniciados ontem. De certa forma, o julgamento frustrou as intenções petistas de utilizar todos os prazos possíveis para Lula permanecer na mídia como candidato. Mas isso, como já dissemos, não significa que a estratégia eleitoral do PT tenha fracassado. Vejamos:

A última pesquisa semanal XP-Ipespe que monitora o cenário eleitoral e tem grande influência no mercado financeiro, no último dia 29 de agosto, demonstrou que a capacidade de transferência de votos entre os candidatos do PT é significativa. No cenário com Lula, o petista liderava a disputa com 33% de intenção de votos, seguido por Jair Bolsonaro (PSL), com 21%. Ciro Gomes (PDT) tinha 8%, Marina Silva (Rede) e Geraldo Alckmin PSDB) empatavam com 7%; João Amoedo (Novo), 4%, e Alvaro Dias (Podemos), 3%. Henrique Meirelles (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL), 1%. Com Lula fora da disputa, Bolsonaro subia para 23%, Marina Silva para 13%, Ciro para 10%, Alckmin para 9% e Haddad aparecia com apenas 6%, à frente de Alvaro e Amoedo, empatados com 4%. Boulos e Meirelles não se mexiam; o Cabo Daciolo aparecia pela primeira vez, com 1%.

O substituto
Entretanto, quando o nome de Haddad é apontado com o indicado por Lula para substituí-lo, o quadro se altera completamente: Bolsonaro reflui para os 21% do primeiro cenário e Haddad aparece em segundo, com um índice cabalístico: 13% de intenções de votos. Ciro e Marina empatam com 10%, Alckmin com 8%, Alvaro e Amoedo com 4%, Meirelles, Boulos e Daciolo com 1%. Vê-se que a narrativa de “vitimização” de Lula neutralizou as denúncias de corrupção em seu governo e sua condenação por crime de colarinho branco. A capacidade de transferência de voto do petista, pela simples indicação de seu substituto, às vésperas do julgamento, estava em 32%. Espontaneamente, porém, 11% dos votos de Lula se deslocam para Ciro e aproximadamente 7%, para Marina Silva.

Mesmo preso em Curitiba, Lula se manteve na mídia e conseguiu ser o líder absoluto das pesquisas de intenção de voto, o que corroborou a narrativa de perseguição política. Com a decisão do TSE, essa presença será ampliada, pois Lula poderá aparecer de forma recorrente nos programas eleitorais como apoiador de Haddad. Entretanto, não poderá se passar por vítima de perseguição, porque isso certamente será contestado pelos adversários, que quererão tirar os programas do ar na Justiça Eleitoral.

Como aquele copo meio cheio, meio vazio, com 13% de intenções de votos, Haddad não terá um passaporte garantido para o segundo turno, mas estará mais próximo disso do que os demais concorrentes de Bolsonaro. Vamos ver se esse cenário se confirma na próxima semana. A campanha será brevíssima, mas há outras variáveis. A primeira delas é a mudança no ambiente eleitoral, que se deslocou das redes sociais para as ruas e as casas dos eleitores, por causa dos telejornais e da propaganda de tevê e rádio. Somente Bolsonaro e Ciro vinham mantendo uma agenda de rua quase diária, os demais candidatos estavam mais circunscritos aos ambientes fechados. Alckmin, Haddad e Meirelles têm mais tempo de televisão e rádio, mas só agora saberemos o peso real dessa vantagem estratégica nas eleições. Uma surpresa é Amoedo, que se destacou nas redes sociais, na qual predominavam Bolsonaro e Marina.

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Luiz Carlos Azedo: A lei de Murici

A saída de Jucá da liderança sinaliza descolamento do governo Temer da poderosa bancada de senadores do PMDB, que pode diminuir de tamanho nas eleições deste ano

O senador Romero Jucá (MDB-RR) anunciou sua saída da liderança do governo no Senado, o que é um fato extraordinário, em se tratando de um parlamentar que se notabilizou por servir a todos os governos e só deixar o cargo contra a própria vontade, a pedido do presidente da República. Alegou não concordar com a forma como o Palácio do Planalto tem conduzido a crise dos imigrantes venezuelanos em Roraima. Jucá bateu em retirada defendendo o fechamento da fronteira do Brasil com a Venezuela, o que seria uma inconstitucionalidade. Foi uma jogada política para evitar uma derrota eleitoral acachapante.

Ex-interventor federal em Roraima no governo de José Sarney, embora seja pernambucano de origem, Jucá é o político mais importante da história do estado. Roraima somente adquiriu esse status com a promulgação da Constituição de 1988, ocasião em que se tornou seu primeiro governador. O antigo território federal de Rio Branco (criado em 1943, por causa da II Guerra Mundial) faz parte do Brasil desde a construção do Forte de São Joaquim, em 1778.

Graças à localização na confluência do rio Uraricoiera com o rio Tacutu, que formam o Rio Branco, a fortificação (que não existe mais) impediu que espanhóis, ingleses e neerlandeses se apossassem do território. No extremo Norte da Amazônia, faz fronteira com a Venezuela e a Guiana. Roraima tem enfrentado dificuldades para lidar com o volume de estrangeiros que deixam a Venezuela para fugir da crise econômica e social.

Presidente do PMDB, sua saída do governo Temer sinaliza um processo muito mais amplo de descolamento do partido do Palácio do Planalto, principalmente no Senado, onde a poderosa bancada de senadores pode diminuir bastante de tamanho. O ex-presidente do senado Renan Calheiros (AL) e o atual presidente da Casa, Eunício de Oliveira (CE), que também disputam a reeleição, já estão aliados ao PT.

Com 25% das intenções de voto na mais recente pesquisa do Ibope, Jucá está tecnicamente empatado com Ângela Portela (PDT), com 30%, e Mecias de Jesus (PRB), que aparece com 26%. Ambos defendem o fechamento da fronteira, juntamente à governadora Sueli Campos (PP). Na carta entregue pessoalmente ao presidente Temer, o senador nega um rompimento com Temer, mas diz que discorda “da forma como o governo federal está tratando a questão dos venezuelanos em Roraima”.

“O governo disse que é inegociável fechar a fronteira sob qualquer ponto de vista, e eu entendo que sem o fechamento da fronteira para organizar o trabalho, o assunto só vai agudizar”, justificou depois, em entrevista coletiva. Além do fechamento provisório da fronteira com a Venezuela, Jucá defende a fixação de cotas para imigrantes e a criação de um corredor humanitário para levá-los para outros estados. Com essas bandeiras, acredita que pode neutralizar o desgaste político e evitar a derrota eleitoral. Sem o mandato de senador, corre sério risco de ser julgado pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, o grande temor dos políticos sem mandato.

A borrasca
As pesquisas estão mostrando que o MDB corre risco de reduzir a atual bancada no Senado de 16 senadores para nove. Além de Renan e Eunício, têm possibilidades de reeleição Roberto Requião (PR), Jader Barbalho (PA), Edison Lobão (MA) e Eduardo Braga (AM) e Jarbas Vasconcelos (PE), que hoje é deputado federal, todos em aliança com o PT, apesar de o MDB ter lançado a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Jucá e Garibaldi Filho (RN) estão em dificuldades eleitorais.

O controle do Senado sempre foi o maior trunfo do MDB, porque a Casa tem muito poder e cada senador, grande visibilidade, por dispor de acesso pleno à tribuna da Casa e à TV Senado, além de grande número de assessores. Compete ao Senado processar o presidente e o vice-presidente da República nos crimes de responsabilidade e outras autoridades federais civis e militares; e aceitar ou não a nomeação de ministros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas; presidente e diretores do Banco Central; o procurador-geral da República e embaixadores, além de autorizar operações financeiras de interesse da União, dos estados, do Distrito Federal e municípios.

Apesar de ter muito tempo de televisão (1m55s de programa eleitoral e 151 inserções diárias), Meirelles já está sendo “cristianizado” pelos caciques peemedebistas do Senado. Nas eleições regionais, o MDB disputa para valer os estados de São Paulo, com Paulo Skaf; Santa Catarina, com Mauro Mariani; Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori; Alagoas, Renan Filho; Pará, Helder Barbalho; e Paraíba; Zé Maranhão. Se esses resultados se confirmarem, a legenda poderá manter sua representação na Câmara, mas não necessariamente no Senado, por causa das alianças locais.

O desembarque do governo Temer, que continua registrando baixos índices de aprovação, já era esperado, uma vez que a sobrevivência dos caciques regionais da legenda segue a Lei de Murici: cada um cuida de si. Foi o que sinalizou o presidente do MDB, Romero Jucá, ao deixar a liderança do governo no Senado para tentar salvar a própria pele. A máxima do coronel Tamarindo, na terceira campanha de Canudos, entrou para a história do Brasil como símbolo de um grande desastre militar, que resultou no esquartejamento do próprio e do seu comandante, o sanguinário coronel Moreira Cesar, pelos jagunços de Antônio Conselheiro.

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Luiz Carlos Azedo: Jogo de profissionais

Teremos a menor renovação política das últimas sete eleições, em razão da redução do tempo de campanha de 90 para 45 dias; do horário eleitoral gratuito de 45 para 35 dias; e do financiamento público

Havia grande expectativa em relação ao papel dos chamados movimentos cívicos nas eleições de 2018, na onda dos protestos e grandes manifestações organizados pelas redes sociais desde março de 2013. Esses protestos resultaram, mais tarde, no impeachment de Dilma Rousseff e no apoio maciço à Operação Lava-Jato. Entretanto, já se pode dizer, com toda certeza, que não conseguirão renovar a representação política no Congresso; e talvez, não tenham também grande peso nas eleições para presidente da República. A política dos cidadãos, digamos assim, nunca foi tão vigorosa, mas eleitoralmente não resulta na formação de coalizões políticas robustas o suficiente para romper a blindagem das velhas estruturas partidárias e oligarquias políticas.

A razão desse fenômeno é uma mix de decisões intempestivas do Supremo Tribunal Federal (STF), como a portabilidade dos recursos e tempo de televisão, que estimularam a formação de partidos franquia, e a nova política de financiamento público, que fortaleceu ainda mais os donos de partidos e os candidatos endinheirados, sem nenhuma garantia de que não haverá caixa dois. Essas decisões provocaram a reação dos grandes partidos no sentido de bloquear a renovação e salvar a pele dos seus caciques na reforma eleitoral e partidária.

O instinto de sobrevivência do establishment político é notável. Embora, mais cedo ou mais tarde, muito de seus integrantes venham a ter que acertar contas com a operação Lava-Jato, o esquema montado para neutralizar seus efeitos eleitorais tem um lado muito positivo: a sobrevivência da nossa democracia, que estava em vias de ser garroteada por um movimento em pinça de projetos autoritários à direita e à esquerda. Isso explica a ampla coalizão de forças formada em torno do candidato de PSDB, Geraldo Alckmin, que foi um bom governador de São Paulo e tem a simpatia das elites econômicas do país.

De certa forma, os mecanismos de financiamento eleitoral e distribuição de tempo de televisão são o grande obstáculo à candidatura do capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro (PSL), cujo vice, general Mourão, chama de “ditabranda” o regime militar que vigorou no país entre 1964 e 1985. A outra face da moeda é o fato de Marina Silva, em que pese a enorme representatividade alcançada nos dois últimos pleitos, ir às urnas sem dispor da paridade de meios que deveria ter, se levássemos em conta a votação que obteve para a Presidência e não, apenas, o número de deputados da Rede e do PV, como estabelece a legislação eleitoral.

Como outra contradição do mesmo processo, temos a resiliência do PT, cujo líder principal, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está preso e inelegível. A reforma eleitoral foi feita sob encomenda para evitar que o desastre eleitoral petista de 2016 se repita nas eleições desse ano. Em aliança com o PMDB e outros grandes partidos, a legenda somente não conseguiu tudo o que queria na reforma eleitoral, porque não foi aprovado o voto em lista, assim como o MDB não conseguiu aprovar o “distritão” proposto pelo presidente Michel Temer. Na distribuição de recursos do fundo partidário e tempo de televisão, o PT tem cacife para sonhar com um candidato no segundo turno, seja o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, seja o ex-governador da Bahia Jaques Wagner.

Vantagens

Em contrapartida, podemos registrar as dificuldades de dois candidatos: Ciro Gomes (PDT) se posicionava para ser herdeiro dos votos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem foi ministro, principalmente no Brasil setentrional. O próprio Lula, da cadeia, se encarregou de inviabilizar a coligação que lhe daria tempo de televisão para entrar na disputa para valer. O PSB, que seria o aliado principal do PDT, optou por não ter candidato e não fazer coligação para Presidência. Outro que ficou em situação parecida foi Álvaro Dias (Podemos), que ameaçava Geraldo Alckmin no Brasil meridional. Também foi isolado, conseguindo apoio apenas de partidos muito pequenos. João Amoêdo (Novo), que pensava atrair os movimentos cívicos para sua candidatura, Guilherme Boulos (PSol), que sonha com os votos de Lula em São Paulo, são pigmeus políticos no horário eleitoral.

Arguto observador do Congresso, o analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Acompanhamento Parlamentar, garante que teremos a menor renovação política das últimas sete eleições. Cita três razões: redução do tempo de campanha de 90 para 45 dias; redução do horário eleitoral gratuito de 45 para 35 dias; e financiamento público. Segundo ele, deputados e senadores são favorecidos por: disputar no exercício do mandato, serem mais conhecidos, terem serviços prestados e bases eleitorais consolidadas, cabos eleitorais, dobradinhas, financiadores, acesso à mídia, estrutura de campanha e emendas parlamentares que garantem o apoio dos beneficiados pelo Orçamento da União.

 


Luiz Carlos Azedo: Supremo caiu na armadilha

O mecanismo que vincula os aumentos de servidores ao dos ministros do STF serviu para alavancar os salários da alta burocracia de todos os poderes, mas virou uma tremenda armadilha fiscal

O impacto do aumento dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) nas contas públicas, segundo cálculos dos especialistas em orçamento das assessorias técnicas do Congresso, será de R$ 4 bilhões. A decisão de passar seus vencimentos dos atuais R$ 33.763,00 para R$ 39.293,32, um reajuste de 16,38%, muito acima da inflação, não seria um descalabro face a relevância dos cargos que ocupam, não fosse o fato de que tem um efeito cascata no Executivo, no Legislativo, no Ministério Público e, também, nos estados e Distrito Federal.

A vinculação dos aumentos do Judiciário, do Legislativo e do Executivo ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabelece o teto de remuneração dos servidores, é uma armadilha fiscal criada pelos lobbies das corporações do setor público e pela esperteza dos políticos. Ministros do Supremo vivem numa redoma, na qual não dependem de mais ninguém, a não ser deles próprios e da Constituição. Não têm as mesmas limitações dos políticos com mandato eletivo no Executivo e no Legislativo na hora de estabelecer seus vencimentos, pois não precisam disputar eleições.

Dessa forma, o mecanismo que vincula os demais aumentos ao dos ministros do STF serviu para alavancar os salários da alta burocracia de todos os poderes, mas virou uma tremenda armadilha fiscal, com grande impacto nas contas públicas. O efeito do aumento na esfera federal é o seguinte: Judiciário, R$ 717 milhões; Ministério Público, R$ 258 milhões; Executivo e Legislativo federais e Defensoria Pública da União, R$ 400 milhões. Nos estados, o impacto nas folhas de pagamento dos servidores será de R$ 2,6 bilhões. Ou seja, de uma hora para outra, o Supremo aprovou mais um novo rombo nas contas públicas, cujo deficit fiscal previsto para o próximo ano é de R$ 139 bilhões.

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), liderou a discussão sobre o aumento, na qual a presidente do Supremo, ministra Cármem Lúcia, que era contra, foi derrotada por 7 a 4. Lewandowski argumenta que a atuação do Judiciário tem proporcionado o resgate de dinheiro aos cofres públicos: “Vocês repararam que ontem os juízes de Curitiba devolveram R$ 1 bilhão de dinheiro desviado da Petrobras?”, disse. Entretanto, é um dos ministros que mais atuam no sentido de circunscrever as investigações.

Num país com 13 milhões de desempregados e uma massa enorme de pessoas subempregadas, muitas vezes ganhando abaixo do salário-mínimo, a decisão teve repercussão muito negativa, a começar pelas reações da própria presidente do Supremo: “Ontem perdi. Provavelmente hoje perco de novo. Mas eu não queria estar do lado dos vencedores. O que venceram e como venceram não era o que eu queria mesmo e continuo não convencida de que era o melhor para o Brasil”, disse Cármen Lúcia.

Colateral

A Secretaria Geral do STF calcula em R$ 2,87 milhões o impacto da despesa na folha de pagamento do tribunal. Parte dos recursos, cerca de R$ 50 milhões, deve sair do orçamento da TV Justiça. O aumento ainda precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional, que já barrou um aumento anterior do Judiciário. Dessa vez, o que se discute no Senado é a desvinculação dos aumentos entre os Poderes, o que pode ser uma boa medida em tempos de novo governo e ajuste fiscal, mas isso dependerá do resultado das eleições.

A decisão tem efeitos políticos colaterais. O Supremo está dividido e se desgasta em razão de divergências entre ministros e decisões contraditórias, principalmente em relação à Operação Lava-Jato. A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado em segunda instância, contrasta fortemente com a libertação de outros personagens envolvidos em escândalos, mas que estavam em prisão preventiva, porque ainda não foram condenados em segunda instância. O cidadão comum simplesmente não entende a diferença de tratamento, porque não conhece a jurisprudência. Enquanto os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, por exemplo, arquivam processos e soltam presos envolvidos em escândalos, Lula promove uma guerrilha jurídica contra a Operação Lava-Jato.

Lula está preso desde abril, em Curitiba, depois de ter sido condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) a 12 anos e 1 mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá. Ontem, por exemplo, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para suspender os efeitos da condenação dele nesse caso. Em Porto Alegre, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) negou o pedido do Partido dos Trabalhadores para que Luiz Inácio Lula da Silva participasse do debate de ontem da TV Bandeirantes com candidatos à Presidência da República. Advogados do PT entraram com mandado de segurança após um pedido anterior não ter sido analisado. O ex-presidente foi anunciado candidato do PT no domingo.

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Luiz Carlos Azedo: Militares na política

Com a candidatura de Bolsonaro, além do general Mourão, mais de uma centena de militares disputam as eleições, em todos os níveis. São raros os que não apoiam o ex-capitão do Exército

A última vez que um militar disputou a presidência da República em eleições diretas foi em 1960. No final do governo, em meio à crise econômica e a ampliação das demandas sociais, Juscelino Kubitschek tentou costurar uma aliança entre o bloco PSD-PTB e a UDN. A proposta, porém, foi rechaçada por Carlos Lacerda, que decidiu apoiar Jânio Quadros, que havia se notabilizado como bom administrador em São Paulo e não tinha compromisso com partidos. Filiado ao Partido Trabalhista Nacional (PTN), o político populista contava com o apoio de três pequenas agremiações — o Partido Libertador (PL), o Partido Democrata Cristão (PDC) e o Partido Republicano (PR) — e se colocava acima delas. A mesma postura adotou em relação à UDN.

Diante do impasse, sem um nome que unificasse a elite política, PSD e o PTB resolveram lançar o marechal Henrique Teixeira Lott, um líder militar de muito prestígio entre os políticos por posições legalistas. Era ministro da Guerra desde de 1954, escolhido pelo vice-presidente João Café Filho, logo após tomar posse na Presidência da República, no mesmo dia do suicídio de Getúlio Vargas: 24 de agosto. Conhecido por sua intolerância a qualquer indisciplina militar, foi mantido no cargo por Juscelino, que em fevereiro de 1956, logo após tomar posse, teve que enfrentar uma rebelião militar, conhecida como Revolta de Jacareacanga, no Pará. Lott agiu com vigor, mas Juscelino, depois, concedeu uma anistia aos insubordinados para pacificar a caserna.

Jânio venceu as eleições presidenciais de outubro de 1960 com 48% dos votos do eleitorado, contra 32% dados a Lott e 20% a Ademar de Barros. Tomou posse com João Goulart, que foi eleito graças à manobra dos sindicalistas de São Paulo, que lançaram a chapa Jan-Jan, uma dobradinha pirata entre o candidato da UDN e o vice do PTB, rifando o cabeça de chapa do PSD (naquela época, votava-se separadamente no vice). Lott foi um desastre como candidato, embora sua campanha tenha se notabilizado pelo marketing político profissional. Anos Dourados, seu jingle de campanha, ainda hoje é considerado um dos melhores de todos os tempos. A espada como símbolo, porém, não foi boa ideia; em contraponto, Jânio escolheu uma vassoura, que fez enorme sucesso graças ao jingle Varre, varre, vassourinha, no qual prometia uma faxina no governo. Na reta final da campanha, perguntava aos correligionários para onde iria o marechal, em tom de piada, e dizia que mandaria cancelar os comícios nas cidades por onde o militar passasse”.

Ao contrário de Lott, cujo vice era um político profissional, o deputado Jair Bolsonaro (PSL) escolheu um general de quatro estrelas para companheiro de chapa: o gaúcho Antônio Hamilton Martins Mourão. Sua estreia na campanha foi desastrosa. Em Caxias do Sul, ao falar sobre o desenvolvimento do país, disse bobagem: “E o nosso Brasil? Já citei nosso porte estratégico. Mas tem uma dificuldade para transformar isso em poder. Ainda existe o famoso ‘complexo de vira-lata’ aqui no nosso país, infelizmente (…) Essa herança do privilégio é uma herança ibérica. Temos uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena. Eu sou indígena. Meu pai é amazonense. E a malandragem. Nada contra, mas a malandragem é oriunda do africano. Então, esse é o nosso ‘cadinho’ cultural.”

Estrela

A “lição de antropologia” não tem nada a ver com o mito fundador do próprio Exército, que cultua a memória dos heróis da Batalha de Guararapes, na expulsão dos invasores holandeses: o índio potiguar Filipe Camarão, o negro Henrique Dias e o mazombo André Vidal de Negreiros. Mourão tentou se justificar para a imprensa: “Quiseram colocar que o Bolsonaro é racista, agora querem colocar em mim. Não sou racista, muito pelo contrário. Tenho orgulho da nossa raça brasileira”, disse. Mourão se notabilizou quando era Comandante Militar do Sul, ao prestar homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ultra, conhecido torturador, que chamou de herói em solenidade militar oficial. Após o episódio, foi transferido para um cargo burocrático, embora importante: a Secretaria de Economia e Finanças do Exército. Numa palestra na Maçonaria, em Brasília, após criticar o governo Temer, porém, voltou a falar demais e defendeu uma intervenção militar. Perdeu a função e ficou na geladeira até passar à reserva.

Com a candidatura de Bolsonaro, além de Mourão, mais de uma centena de militares disputam as eleições, em todos os níveis. São raros os que não apoiam o ex-capitão do Exército. Muito da resiliência e capilaridade da sua campanha se deve ao apoio maciço de militares da ativa e da reserva à sua candidatura. No alto-comando, quatro generais são seus companheiros de turma. Inicialmente, a indicação de Mourão foi vista como uma espécie de blindagem, para barrar um eventual processo de impeachment pelo Congresso, caso Bolsonaro seja eleito. Nesse caso, seria substituído por um militar de alta patente. Entretanto, Mourão já se tornou uma estrela da campanha e ofuscou o próprio Bolsonaro no noticiário político.

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Luiz Carlos Azedo: Começa o jogo

Qualquer previsão do que pode acontecer antes de a campanha eleitoral começar nos meios de comunicação de massa é chute. Nas redes sociais, Bolsonaro e Marina estão em vantagem

Num quadro muito fragmentado, com35 partidos e 13 candidatos, a disputa pela Presidência da República, no primeiro turno, se dará no máximo entre meia dúzia de pretendentes. Na largada, os favoritos são Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (Rede), que têm demonstrado grande resiliência, mas esse quadro pode se alterar profundamente quando a campanha de rádio e tevê começar, devido ao grande tempo de televisão de Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT), já escalado para substituir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem é vice na chapa aprovada em convenção.

As candidaturas de Ciro Gomes (PDT) e Álvaro Dias (Podemos) despontam no Nordeste e no Sul do país, respectivamente, com certa resiliência. Henrique Meirelles (PMDB), que dispõe de muitos recursos e tempo de televisão, é uma incógnita, por causa da traição anunciada dos caciques de seu partido, tanto quanto o candidato do PSol, Guilherme Boulos, um “Durango Kid” na campanha. Ambos têm menos de 1%. Qualquer previsão do que pode acontecer antes de a campanha eleitoral começar nos meios de comunicação de massa é chute. Nas redes sociais, por enquanto, Bolsonaro e Marina estão em vantagem estratégica devido aos militantes que mobilizam.

Uma das variáveis a ser conferida é o peso de Lula na campanha de Haddad. Sua indicação imediata como vice não estava nos planos do ex-presidente, cujo nome foi homologado na convenção petista. Mas os advogados da legenda advertiram que, sem o vice, o PT poderia simplesmente ficar fora eleição, pois o ex-presidente está inelegível e sua candidatura será impugnada. Ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo que perdeu a reeleição, Haddad é o coordenador do programa de governo e o “poste” ungido por Lula para substituí-lo no pleito.

O PT quer transformar duas derrotas políticas históricas, o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Lula, numa vitória eleitoral inolvidável: a volta ao poder. Não é uma proeza fácil, uma vez que as narrativas do golpe e de vitimização do líder petista nunca empolgaram a maioria da população e colidem com as instituições democráticas do país. Entretanto, serviram para manter a militância coesa, segurar uma parcela expressiva da base eleitoral e mobilizar a solidariedade internacional.

Isso talvez leve Haddad ao segundo turno. Mas ainda é apenas um “talvez”. Para que ocorra, é preciso que o espólio eleitoral de Lula não se disperse entre outros candidatos, principalmente Marina, Ciro e o próprio Boulos, que sempre foi muito ligado a Lula em São Paulo. Manuela D’Ávila (PCdoB), como nos antigos casamentos arranjados, já estava prometida a Haddad. Renunciou à candidatura para ser vice na chapa petista após a impugnação de Lula.

Frente

Outra incógnita é a pegada eleitoral do tucano Alckmin. Montou-se em torno dele uma ampla frente de hegemonia liberal conservadora, com quase metade do tempo de televisão da campanha e muitos recursos financeiros. O candidato do PSDB tem capacidade de vencer as eleições no Brasil meridional, como em outras eleições, mas pouca aderência no Nordeste. Toda a estratégia tucana foi montada para enfrentar Haddad no segundo turno, ou seja, deslocar da disputa os líderes Bolsonaro e Marina.

Caso a campanha eleitoral seja predominantemente analógica, esse cenário faz sentido. Mas vivemos um ambiente político no qual a sociedade se descolou das estruturas partidárias e a imagem dos políticos tradicionais está muito desgastada. Como Haddad, Alckmin é um sobrevivente. O PSDB está quase tão contaminado quanto o PT pelas denúncias de corrupção da Operação Lava-Jato. Na verdade, uma onda de insatisfação com os políticos, os partidos e a própria política varre o processo eleitoral.

A reforma eleitoral foi feita para salvar os grandes partidos e seus quadros principais de uma catástrofe, como se fosse um grande quebra-mar. Mas a grande onda de insatisfação popular pode saltar o enrocamento e chegar à praia com violência. Essa é mais ou menos a imagem da eleição. Se isso acontecer, Alckmin terá de furar a onda para não levar um caixote. A mesma coisa vale para Haddad.

Ao contrário, porém, Bolsonaro e Marina se posicionaram para surfar a onda. Pode ser que caiam da prancha, mas isso somente saberemos quando o cenário atual se modificar. Ciro Gomes e Álvaro Dias também surfam a onda. Políticos experientes, estão acostumados a bater sem piedade nos adversários, embora com sotaque diferente. Ciro mira os eleitores de Haddad; Dias, o de Alckmin. São dois cações mordendo os calcanhares do petista e do tucano.

Resta Meirelles. O candidato do PMDB acredita que pode enfrentar a onda montado num jet ski. O ex-ministro da Fazenda não pode ser atacado pelos petistas, porque foi da equipe de Lula; seu legado no governo Temer, porém, é contraditório. Seu ponto forte: venceu a recessão e a inflação; o fraco: não reduziu o deficit fiscal nem o desemprego em massa. Sua campanha será um termômetro do peso da campanha de rádio e tevê nas eleições.

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Luiz Carlos Azedo: Os tempos sombrios

O Brasil está passando por um momento de radicalização política, em meio a um choque de narrativas nas quais a primeira vítima das “certezas” e “verdades” é a fraternidade

Um dos ensaios do livro Homens em tempos sombrios (Companhia de Bolso), da filósofa judia-alemã Hanna Arendt, é dedicado ao poeta, dramaturgo, filósofo e crítico de arte alemão Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781) e discute a relação entre a verdade e a humanidade. Considerado um dos maiores representantes do Iluminismo alemão, Lessing é autor da peça Nathan, o sábio, de 1779, que se destaca pela defesa do livre pensamento e da tolerância religiosa, além da crítica ao antissemitismo.

À época, a peça foi proibida pela Igreja; mais tarde, o mesmo aconteceu sob o nazismo e, depois, no comunismo. A obra descreve o modo como o comerciante judeu Nathan, o sultão Saladin e um cavaleiro templário superaram as diferenças entre o Judaísmo, o Islamismo e o Cristianismo. Simultaneamente, aborda os temas da amizade, da tolerância, do relativismo divino e da necessidade de comunicação.

Filho de um pastor luterano, Lessing estudou latim e matemática em Kamens, sua cidade natal, e, depois, medicina, teologia, literatura e filosofia na Universidade de Leipzig, mas trocou tudo pelo teatro. Acabou mudando-se para Berlim, onde se tornou dramaturgo e crítico de arte. Entretanto, por causa de suas ideias avançadas, nunca foi aceito nos círculos da corte de Frederico II, o Grande, da Prússia, principalmente por causa de Voltaire, que então lá vivia e cuja dramaturgia criticou duramente.

Isolado, Lessing mudou-se para Breslau e, depois, Hamburgo, onde se tornou bibliotecário do duque Brunswick at Wolfenbüttel, o que lhe garantiu uma renda fixa, com a qual pode manter a família e quitar as suas dívidas. No seu tempo, a verdade única era a grande questão filosófica e religiosa, com a qual Lessing polemizava. Divertia-se com o fato de que, tão logo enunciada, a “verdade” imediatamente se transforma numa opinião entre muitas outras, que era contestada, reformulada e reduzida a um tema de discurso entre outros.

Com perdão pelo pleonasmo, nada mais verdadeiro em tempos de sociedade líquida e de choques de narrativas. Uma única verdade absoluta, se pudesse existir, seria a morte de todas as discussões. No seu ensaio sobre Lessing, Arendt estabelece a diferença entre as noções de possuir a verdade e estar certo, mas destaca que os dois pontos de vista têm algo em comum: os que assumem um ou outro geralmente não estão preparados, em caso de conflito, para sacrificar seu ponto de vista à humanidade ou à amizade.”

Humanismo
Chegamos ao que mais nos interessa. Nenhuma avaliação da natureza do islamismo, do judaísmo ou do cristianismo, segundo a Arendt, teria impedido Lessing de travar uma amizade com um mulçumano convicto, um judeu piedoso ou um cristão crente. “Qualquer doutrina que, de princípio, barrasse a possibilidade de amizade entre seres humanos seria rejeitada por sua consciência livre e certeira. Teria imediatamente tomado o lado humano e não ligaria para a discussão culta ou inculta em cada parte”, destaca. A humanidade de Lessing pode ser resumida numa única frase: “Que cada um diga o que acha que é verdade, e que a própria verdade seja confiada a Deus!”.

Nos “tempos sombrios” a que se refere Hanna Arendt, o pano de fundo são a radicalização e o totalitarismo, em contraposição à amizade e ao humanismo. Há o trauma alemão decorrente do apoio ao nazismo e à guerra, um dos temas recorrentes da filósofa, e também o trauma do que denominou de “emigração interna” dos judeus, antes mesmo de Hitler ter chegado ao poder: a fuga do mundo para a ocultação; da vida pública, para o anonimato. “A fuga do mundo em tempos sombrios de impotência sempre pode ser justificada, na medida em que não se ignore a realidade, mas é constantemente reconhecida como algo a ser evitado”, afirma Arendt em seu ensaio.

Às vésperas de Hitler chegar ao poder, a força do escapismo brotava da perseguição aos judeus fugitivos na forma de resistência íntima, silenciosa e individual. “Mas há uma grande diferença entre força e poder. O poder surge apenas onde as pessoas agem em conjunto, mas não onde as pessoas se fortalecem como indivíduos”, adverte. O Brasil está passando por um momento sombrio, de radicalização política decorrente de projetos autoritários, em meio a um choque de narrativas nas quais a primeira vítima das “certezas” e “verdades” é a fraternidade, o humanismo.

O escapismo em relação ao processo eleitoral é um fenômeno real, ainda mais porque o sistema político descolou-se da maioria da sociedade. Entretanto, não resolve os problemas da política e da economia, muito menos da disseminação do ódio e da exacerbação de inimizades, inclusive em ambientes familiares. Faz muito sentido a advertência de Hanna Arendt no ensaio sobre Lessing: “Como era tentador, por exemplo, simplesmente ignorar o falastrão insuportavelmente estúpido dos nazistas. Mas, por mais sedutor que possa ser, render-se a tais tentações e isolar-se em sua própria psique, o resultado será sempre uma perda do humano com a deserção da realidade”.

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Luiz Carlos Azedo: Meirelles, ma non troppo

“A indicação de Meirelles foi uma demonstração de força do presidente Michel Temer, dos ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco e do presidente do MDB, senador Romero Jucá”

O MDB confirmou ontem a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles a presidente da República. É a mais poderosa agremiação política do país, pois reúne o presidente da República, quatro ministros, cinco governadores, três vice-governadores, 51 deputados federais, 18 senadores, 118 deputados estaduais, 1.049 prefeitos (quatro de capitais), 778 vice-prefeitos e 7.564 vereadores, além de 2,3 milhões de filiados. Herdeiro da resistência democrática ao regime militar, transformou-se de uma frente política pluralista de oposição numa confederação de caciques regionais, que nunca vacilaram em “cristianizar” os candidatos da legenda.

O termo é uma alusão ao candidato do PSD nas eleições de 1950, o ex-prefeito de Belo Horizonte Cristiano Machado, que foi rifado por seus correligionários, leais ao ex-presidente Getúlio Vargas, que se candidatou pelo PTB. A primeira vítima dos caciques do PMDB foi ninguém menos do que o grande líder da campanha das Diretas Já!, deputado Ulysses Guimarães, nas eleições de 1989. Foi traído pelo então governador de São Paulo, Orestes Quércia (PMDB), e outros líderes da legenda, tendo apenas 4,4% dos votos. O mesmo fenômeno se repetiu nas eleições de 1994, quando Quércia foi candidato e acabou “cristianizado” pelos correligionários, que derivaram para a candidatura de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Desde então, a legenda consolidou uma vocação parlamentar capaz de contingenciar qualquer governo, ao eleger a maior bancada do Senado e grande número de deputados. O MDB é uma força decisiva em qualquer votação importante no Congresso. A indicação de Meirelles foi uma demonstração de força do presidente Michel Temer, dos ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Minas e Energia) e do presidente da legenda, senador Romero Jucá (RR), contra dissidentes poderosos, como os senadores Renan Calheiros (AL) e Roberto Requião (PR). Foram 357 votos a favor da candidatura, 85% do total. Houve 56 votos contrários e seis em branco. Como o MDB não se coligou com ninguém nacionalmente, seus caciques estão à vontade para fazerem o que quiserem nas disputas regionais, como normalmente ocorre. Ou seja, vão de Meirelles, ma non troppo, como se diz em italiano.

Depois do fracasso de Quércia, é a primeira vez que a legenda lança um candidato. Meirelles se colocou como o nome mais confiável para conduzir o país: “A minha candidatura tem um objetivo principal: resgatar o espírito de confiança no Brasil”. Fez um contraponto aos demais candidatos: “O Brasil precisa de um messias, que se veste com uniforme de salvador da pátria? Não. Nem de um líder destemperado, tratando o país como se fosse seu latifúndio. E nem eternos candidatos a presidente”. O ex-ministro não definiu o vice na sua chapa; o nome mais citado é o da senadora Marta Suplicy (SP). E começa a campanha quase do zero, pois na pesquisa do Ibope/CNI divulgada ontem não chega a 1% de intenções de voto, mesmo patamar de Aldo Rebelo (SDD), Guilherme Afif (PSD), Guilherme Boulos (PSOL), Paulo Rabello de Castro (PSC), Rodrigo Maia (DEM) e Valéria Monteiro (PMN).

Coligações

Outro fato relevante da cena eleitoral foi a decisão do PV de se coligar com a candidata da Rede, Marina Silva. O ex-deputado Eduardo Jorge será o vice. É uma situação diametralmente oposta a de Meirelles, pois Marina é a candidata com menos recursos financeiros e tempo de televisão. A coligação com o PV foi uma boia de salvação para ex-senadora, que está com 13% nas pesquisas, atrás apenas de Jair Bolsonaro (PSL), com 17%. Quando Lula entra na disputa, ambos caem para 15% e 7%, respectivamente, o que faz de Marina a principal herdeira dos votos lulistas. Seu grande problema era conseguir uma legenda que ampliasse minimamente seu tempo de televisão, evitando um colapso eleitoral logo no início da campanha. Ou seja, pela terceira vez, Marina está firme na disputa por uma vaga no segundo turno.

Quem também avançou mais uma casa nas articulações políticas foi o candidato do PSDB, o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, que conseguiu que a senadora Ana Amélia (PP-RS) aceitasse o convite para ser vice na sua chapa. O reforço gaúcho mina as bases de Jair Bolsonaro e de Álvaro Dias (Podemos) no Sul, que haviam esvaziado a candidatura do tucano. A consolidação de um perfil mais conservador parece ser uma estratégia deliberada de campanha. Presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM), também era cotado para a vice, mas está mais interessado na reeleição, pois pretende permanecer à frente da Casa na próxima legislatura. Esse arranjo praticamente consolidou a frente ampla articulada por Alckmin, que está com 6% nas pesquisas, atrás de Ciro Gomes, que possui 8% de intenções de votos, quando Lula sai da disputa.

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