política
Luiz Carlos Azedo: Haddad atrás de apoios
“Haddad começou a cair na real. Tenta moderar o discurso e ampliar alianças para vencer as eleições”
O PT corre atrás de aliados no segundo turno, na esperança de que Fernando Haddad, o candidato da legenda à Presidência, consiga reverter a vantagem de Jair Bolsonaro (PSL) na disputa pelo Palácio do Planalto. Ontem, a presidente do PT, Gleisi Hoffman, anunciou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu a Haddad para que não o visite mais na prisão. Na segunda-feira, o petista foi à carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, para receber instruções do seu chefe político. O resultado da visita foi um desastre, captado pelas pesquisas qualitativas, porque Lula agora não transfere mais votos, só rejeição. A retórica petista nas redes sociais também atrapalha o ex-prefeito de São Paulo, porque insiste no discurso “nós contra eles” e tripudia da derrota dos adversários que poderiam ser aliados no segundo turno.
Haddad começou a cair na real. Tenta moderar o discurso e ampliar alianças para vencer as eleições, mas esse objetivo, aparentemente, não é um consenso entre os militantes. Temem a repetição do que aconteceu com Dilma Rousseff, que mudou o discurso após a reeleição, em 2014, e isso foi visto como estelionato eleitoral. Mas o petista tenta desfazer a imagem de que é um candidato radical, sem compromisso com a Constituição, que acabou reforçada pelas visitas semanais a Lula para receber instruções eleitorais. Os encontros alimentam os ataques dos adversários, com o argumento de que o presidente da República não pode ser preposto de um político condenado e preso por corrupção e lavagem de dinheiro, como é o caso de Lula.
Ontem, o PSB anunciou apoio a Haddad, mas liberou os candidatos a governador em Brasília, Rodrigo Rollemberg, e São Paulo, Márcio França, que concorrem à reeleição. Ambos estão numa sinuca de bico: se fizerem aliança com o petista, perderão as eleições, pois estão atrás de Ibaneis (MDB) e João Doria(PSDB), respectivamente, em estados onde Bolsonaro venceu o primeiro turno com mais de 50% dos votos válidos. O PSol também anunciou apoio a Haddad. Hoje, haverá reunião do PDT para decidir a posição no segundo turno, com a presença de Ciro Gomes, que foi o terceiro colocado no primeiro turno e se tornou um grande eleitor. Além de vencer as eleições no seu estado, o Ceará, com a votação que obteve, levou o pleito para o segundo turno.
Neutralidade
O PSDB decidiu manter neutralidade na disputa de segundo turno, a partir do posicionamento de Geraldo Alckmin, presidente da legenda. A reunião da cúpula do partido, porém, foi um barraco. Houve uma discussão ríspida entre João Doria, candidato ao Palácio dos Bandeirantes, que declarou apoio a Bolsonaro, e o próprio Alckmin, que se considera traído no primeiro turno pelo ex-prefeito de São Paulo. Doria foi um grande ausente na campanha do tucano no estado. O senador José Serra também defendeu a neutralidade, com o argumento de que os eleitores desejam o PSDB na oposição a Bolsonaro e Haddad.
Essa também deve ser a posição do PPS, cuja executiva se reunirá hoje, e da Rede, que deverá oficializar sua posição amanhã. A propósito, Roberto Freire, presidente do PPS, e Marina Silva, candidata da Rede, já anunciaram essa intenção e iniciaram uma reaproximação política, que pode resultar na fusão dos dois partidos. A Rede não conseguiu atingir a cláusula de barreira, mas obteve um resultado excepcional da disputa pelo Senado; busca aproximação com o PPS e o PV para a criação de um novo partido, que possa reunir também outras lideranças do chamado centro democrático. A movimentação conta com a simpatia do apresentador Luciano Huck, que fez generosas doações para alguns candidatos das três legendas.
O PP também anunciou neutralidade. Elegeu a terceira maior bancada da Câmara, atrás apenas do PT e do PSL, mas teve uma presença meio esquizofrênica na campanha eleitoral. Indicou a senadora gaúcha Ana Amélia para vice de Alckmin, porém, cristianizou o tucano e se dividiu entre o apoio a Bolsonaro, nos estados do Sul, e a Haddad, no Nordeste. Possivelmente, esse cenário se manterá no segundo turno. Outro partido que anunciou neutralidade foi o Novo, de João Amoêdo, que teve um desempenho surpreendente nas eleições, ultrapassando Marina, Alvaro Dias (Podemos) e Henrique Meirelles (MDB). Pesou na decisão a disputa em Minas Gerais, onde o partido surpreendeu o governador Fernando Pimentel (PT), que ficou fora do segundo turno, e o candidato do PSDB, Anastasia, que liderava a disputa. Romeu Zema, do Novo, declarou ontem que não descartaria apoio de nenhum partido, nem o de Pimentel.
O principal partido a anunciar apoio a Bolsonaro foi o PTB, que distribuiu uma nota ontem. O presidente da legenda, Roberto Jefferson, não se pronunciou. Ao contrário de Haddad, que fez um movimento ostensivo de atração dos partidos de esquerda, Bolsonaro se manteve ao largo das legendas. Manteve o discurso de que vai reduzir o número de ministérios e formar uma equipe de governo de notáveis, sem toma lá dá cá.
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Luiz Carlos Azedo: O xadrez do segundo turno
“O primeiro turno, se examinarmos as eleições de governadores, senadores e deputados, mostra uma realidade política mais complexa do que o antagonismo radical entre Bolsonaro e Haddad”
Confirmando as expectativas, teremos segundo turno nas eleições para presidente da República, entre Jair Bolsonaro (PSL), que larga na frente, com cerca de 46, 3% dos votos, e Fernando Haddad (PT), com 29, 2%, aproximadamente. A onda Ciro Gomes (PDT), que teve em torno de 12,5% dos votos, esperança do movimento a favor do voto útil, não se confirmou. Geraldo Alckmin (PSDB) teve pouco mais de 4,8% dos votos e Marina Silva (Rede), completamente desidratada, apenas 1% dos votos — atrás de João Amoedo (Novo), com 2,5%; Cabo Daciolo (Patriotas), 1,2%; e Henrique Meirelles, 1,2%.
O realinhamento de forças políticas será importante no segundo turno. Parcela considerável do eleitorado, porém, se deslocará antecipadamente, o que deverá fazer com que Bolsonaro comece o segundo turno com mais de 50% dos votos válidos nas pesquisas. É uma conta simples de ser feita: a maioria dos votos de Amoedo, Daciolo e Meirelles, que somam em torno de 5%, tende a se transferir para o candidato do PSL, que precisaria de mais 4% dos votos válidos para vencer o pleito; Haddad, em contrapartida, mesmo com a maioria dos votos de Ciro e Marina, que somam 13,5%, alcançaria no máximo 42% dos votos. Ou seja, por gravidade, Bolsonaro derrotaria Haddad no segundo turno.
Entretanto, como já se viu várias vezes, teremos uma nova eleição. Haverá debate político entre os dois candidatos, que continuarão se digladiando no horário eleitoral gratuito e nas redes sociais. Bolsonaro, desta vez, terá paridade de meios para a propaganda no rádio e na tevê. A rigor, não precisará de um grande esforço em direção ao centro para vencer as eleições, porque já capturou uma parte desse eleitorado. Seu discurso politicamente incorreto, que aparentemente é seu ponto fraco, não foi empecilho ao seu desempenho no primeiro turno; porém, pode levá-lo a perder os votos transferidos por gravidade.
A situação de Haddad é mais complexa. Chegou ao segundo turno graças ao carisma de Lula, que abduziu sua identidade, mas isso lhe trouxe também a grande rejeição antipetista. O discurso de quem põe a soberania nacional e a soberania popular acima de tudo é envelhecido, passa a ideia de dubiedade quanto ao compromisso com as instituições democráticas e uma visão nacional desenvolvimentista ultrapassada, que dificulta suas alianças. A sua soberba também pode pôr tudo a perder, porque precisa conquistar mais de 21% dos votos válidos para ganhar as eleições. Os votos da esquerda não chegam a tanto. Os 4,8% que ficaram até o fim com Geraldo Alckmin, por exemplo, podem fazer a diferença.
Num artigo intitulado “Ao vencedor, as batatas”, publicado ontem no jornal O Estado de São Paulo, o cientista político Luiz Werneck Viana adverte: “O artifício de negar a identidade ao centro político, de existência comprovada empiricamente em nossa sociedade há décadas, não tem como resistir ao império dos fatos. A iminência de um segundo turno eleitoral nos devolve, em clima de pânico, com o tempo fugindo das mãos, a busca pelo centro perdido. Sem ele, como vencer as eleições, pior, como governar? Com Haddad teremos o indulto de Lula e a convocação de uma Assembleia Constituinte? Faltaria combinar com os russos, que, aliás, são muitos. Que economia nos espera com Bolsonaro, a do Pinochet, neoliberalismo com fuzis?”
Governadores
“O centro político, banido do salão, volta com força por todas as janelas”, ironiza Werneck. Na verdade, quem quiser vencer o segundo turno terá que encontrar uma linha de ação compatível com o novo Congresso, já eleito e mais conservador (destaque para o strike ocorrido no Senado), e com os governadores já eleitos ou que disputam o segundo turno. Há um jogo a ser jogado nas disputas regionais: São Paulo, Minas, Rio de Janeiro, Brasília, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Roraima, Rondônia, Amapá, Amazonas, Pará, Rio Grande do Norte e Sergipe terão segundo turno para escolher seus governadores. É um campeonato de xadrez político que Bolsonaro e Haddad terão de jogar, pois são essas alianças que podem mudar a deriva natural dos eleitores.
A radicalização política esquerda versus direita continuará a dividir o país, mas será mitigada pelas alianças ao centro. Vencerá quem compreender a necessidade de construir uma ampla maioria em torno de um projeto exequível para o país, nos marcos das instituições democráticas. Quem insistir na lógica da confrontação, num processo de desestabilização da democracia, se arrisca a perder as eleições, porque há uma forte consciência democrática na maioria da sociedade. O resultado das urnas no primeiro turno, se examinarmos as eleições de governadores, senadores e deputados, mostra uma realidade política mais complexa do que o antagonismo radical entre Bolsonaro e Haddad.
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Luiz Carlos Azedo: Cenários possíveis
“Bolsonaro larga à frente de Haddad. Ambos, estão fazendo uma campanha olímpica. O primeiro, nas redes sociais; o segundo, à sombra de Lula”
Há três possibilidades nas eleições de hoje, todas com Bolsonaro à frente nas pesquisas. A mais provável é um segundo turno entre o candidato do PSL e o petista Fernando Haddad, numa disputa radicalizada entre direita e esquerda. Duas outras são matematicamente possíveis: uma vitória de Bolsonaro no primeiro turno, que não pode ser descartada, ou o surgimento de uma terceira via, com um estouro de boiada em direção a Ciro Gomes (PDT), o que é quase impossível. Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (Rede), João Amoêdo (Novo), Álvaro Dias (Podemos), Henrique Meirelles (PMDB) e Cabo Daciolo (Patriotas) cumprirão tabela; se isso ocorrer, garantirão o segundo turno.
No cenário mais provável, Jair Bolsonaro largará à frente de Fernando Haddad no segundo turno. Ambos, até agora, estão fazendo uma campanha olímpica. O primeiro, basicamente nas redes sociais, em razão da recuperação da facada que recebeu em Juiz de Fora há cerca de um mês; já o petista, na aba do chapéu do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aposta na campanha de rua e na mobilização petista. Bolsonaro conseguiu faturar boa parte da campanha do “voto útil” do chamado “centro democrático”; a fatia menor ficou com Ciro. Haddad fechou os espaços para Guilherme Boulos (Psol), uma caricatura de Lula quando jovem, e faturou os votos de Lula que migravam para Ciro e Marina, exceto nos seus estados de origem, Ceará e Acre, respectivamente. A interrogação é saber se os votos de Lula que migravam para Bolsonaro voltaram ao leito petista. Aparentemente, uma parcela continua com o capitão reformado.
Em 2002, Lula obteve 25% dos seus votos no segundo turno no Nordeste; em 2010, 33% dos votos de Dilma Rousseff estavam da região. Em 2014, o Nordeste ultrapassou o Sudeste em importância eleitoral para o PT, que obteve 37% dos seus votos na região, contra 36% no seu leito histórico. Sete em cada dez nordestinos (71,7%) votaram em Dilma. No último Data Folha, o petista parou na faixa de 37%. Bolsonaro tem 20% e Ciro, 16%. No segundo turno, é possível que os votos de Ciro migrem para Haddad, maciçamente; hoje, esses votos podem fazer falta para impedir uma eventual vitória de Bolsonaro no primeiro turno.
Bolsonaro lidera em todas as demais regiões do país, com grande vantagem em relação a Haddad: 45% a 18% na região Sul; 41% a 17% no Centro-Oeste; 36% a 25% no Norte; e 39% a 16% no Sudeste, região que concentra o maior contingente eleitoral do país. Bolsonaro já tem maioria dos votos válidos no Acre (60%), em Mato Grosso (51%), em Rondônia (55%), em Roraima (60%) e em Santa Catarina (55%). Haddad está à frente no Maranhão (52%) e no Piauí (54%). Bolsonaro vence entre os homens por larga margem (42% a 22%) e ultrapassou Haddad entre as mulheres (28% a 23%). Lidera em toda as faixas etárias, mas, principalmente, entre os jovens (33% a 19%, na faixa de 16 a 24 anos; e 38% a 20%, na faixa de 25 a 34 anos). Haddad, porém, vence entre os eleitores de menor escolaridade (28% a 23%) e com renda até dois salários-mínimos (28% a 22%), a principal base eleitoral de Lula.
Alianças
O xis da questão no segundo turno será conquistar o eleitorado que votou nos demais candidatos. Por gravidade, a maioria se desloca à revelia dos postulantes que apoiou. Acompanha a tendência do voto útil no primeiro turno, o que já ficará claro hoje à noite. Mas, isso não significa que as alianças com candidatos e partidos derrotados não sejam importantes, quando nada no Congresso, por causa da governabilidade. Ou seja, é preciso que o presidente eleito consiga formar maioria para poder viabilizar seu programa de governo. Bolsonaro deve atrair a maioria dos partidos do chamado Centrão (PP, PR, PSD, PRB, PEN, PTN, PHS), com quem chegou a negociar uma coligação, sem sucesso. Haddad, com certeza, atrairá o PSB, o PDT e o Solidariedade. O chamado “centro democrático” (PSDB, DEM e PPS), que virou marisco na disputa, deve implodir no segundo turno.
As últimas simulações estão dando ampla vantagem para Bolsonaro, que já subiu no salto alto: “Se vencermos, já começamos diferentes dos outros. Estamos livres para escolher nossa equipe pelo critério técnico e pela eficiência. Não devemos cargos nem favores que coloquem em xeque a autonomia de nosso governo e a soberania de nosso país. Nossa aliança é com a sociedade!”, disse ontem no Twitter. Haddad faz a mesma coisa com sinal trocado: promete cumprir a risca o programa apresentado pelo PT, sem concessões ao mercado. Para vencer no segundo turno, porém, terá que reverter a distância que o separa de Bolsonaro. Será mais difícil se não flexibilizar o discurso petista no segundo turno.
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Correio Braziliense: Sua Excelência, O Eleitor
“As desigualdades sociais e a corrupção alimentam a desesperança e o ódio, contra a esperança e a razão. Entretanto, democracia é o melhor remédio para os males da nossa sociedade”
Por Luiz Carlos Azedo, do Correio Braziliense
Toda eleição é uma festa da democracia, uma esperança de mudança para melhor. Hoje, apesar da radicalização do processo eleitoral, não será diferente. Os brasileiros acreditam na democracia como forma de encontrar seu próprio caminho. São 147,3 milhões de eleitores aptos a votar. Eles vão escolher o novo presidente da República, 54 senadores, 513 deputados federais, 27 governadores dos estados e do Distrito Federal, além de 1509 deputados estaduais e distritais.
Desde a criação da primeira Câmara Municipal, em 1532, em São Vicente (SP), é a melhor maneira de escolher os governantes. Foi por meio desse exercício cívico, mesmo quando restrito ao Parlamento, que a democracia se impôs plenamente. Por duas vezes, em 1945 e 1989, renasceu das cinzas, com eleições livres e diretas para a Presidência da República.
Independentemente das paixões políticas e ideologias, as eleições têm possibilitado avanços político-institucionais, econômicos e sociais à sociedade brasileira. A agenda nacional depende da construção de maiorias e consensos políticos. De certa forma, desde a eleição de Tancredo Neves, no colégio eleitoral, em 1985, o povo brasileiro é o protagonista desses avanços.
Tancredo não chegou a tomar posse, o governo Sarney revogou o entulho autoritário e constituintes eleitos dotaram o país de uma Constituição cidadã que, na sexta-feira, completou 30 anos. A partir daí, a agenda nacional avançou, graças às eleições. Collor de Mello, o primeiro a ser eleito pelo voto direto, mesmo renunciando ao mandato para evitar o impeachment, deixou como legado a abertura da economia ao comércio mundial, essencial diante da globalização. Itamar Franco, o vice que assumiu seu lugar, com o Plano Real, enfrentou o problema da hiperinflação. Fernando Henrique Cardoso, grande artífice da política de estabilização monetária, eleito presidente da República, nos seus dois mandatos, realizou um grande programa de reformas do Estado, com as privatizações.
Coube ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seus dois mandatos, dar sequência a esses avanços, combater as desigualdades regionais e promover, com o Bolsa Família, uma política de inclusão social dos mais pobres. Entretanto, duas tarefas da agenda nacional não foram enfrentadas: a reforma da Previdência e a elevação da produtividade da economia, principalmente da indústria. Caberia à presidente Dilma Rousseff dar conta dessas reformas.
A mudança de rumo na economia, porém, com a adoção de uma “nova matriz econômica” voluntarista, pôs tudo a perder. A recessão e a inflação, além do descontrole fiscal, levaram Dilma ao impeachment. O vice Michel Temer, que assumiu a Presidência, herdou uma crise tríplice — econômica, ética e política — e as reformas ficaram no caminho. A reforma trabalhista foi aprovada, mas a da Previdência subiu no telhado.
A operação Lava-Jato atingiu todos os grandes partidos, o governo Temer e o Congresso. Lula foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, está preso e foi proibido de disputar as eleições pela Lei da Ficha Limpa. Além de interromper as reformas, a crise resultou num país dividido, radicalizado, decepcionado e embrutecido. Três anos de recessão e um ano de baixo crescimento levaram ao desemprego milhões de brasileiros, agravaram o desenvolvimento desigual e as iniquidades sociais, elevaram os índices de violência. Hoje, vão às urnas 12,9 milhões de desempregados, o que corresponde a 12,3% da força de trabalho do país.
Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), atualmente, 11,2% da população brasileira, ou seja, 23,3 milhões de pessoas, vivem abaixo da linha de pobreza, com renda média de R$ 232 ao mês. Entre 2014 e 2017, a pobreza cresceu 33%, atingindo 6,3 milhões de pessoas. O primeiro sinal dessa regressão veio em 2014, ano da reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff: houve redução de 58% na geração de empregos, que caiu de 1,49 milhão de vagas para apenas 623 mil empregos formais. Foi o pior resultado desde 1999. De dezembro de 2014 até o primeiro trimestre de 2017, já no governo Temer, foram oito trimestres de queda do PIB, a maior recessão da história do país.
O Brasil está numa gangorra. Após dois anos de retração, a economia voltou a crescer em 2017, porém, sem gerar empregos na escala necessária. O governo, devido à dívida pública, não tem recursos para investimentos. E o dólar sobe em razão da taxa de juros americana e da guerra comercial entre China e EUA. O país está dividido. A região Sudeste, a mais rica do país, que concentra 43,3% dos eleitores, e o Nordeste, com 26,6%, tomam rumos opostos na disputa eleitoral. As desigualdades sociais e a corrupção alimentam a desesperança e o ódio, contra a esperança e a razão. Entretanto, democracia é o melhor remédio para os males da nossa sociedade. Já temos uma tradição de eleições limpas e pacíficas. A vontade do eleitor é soberana, não pode ser afrontada. Qualquer que seja o resultado da eleição, um bom governo é uma construção política democrática, que começa com o voto secreto e direto. Quando o Brasil vai às urnas, o poder está nas mãos de Sua Excelência, o eleitor!
» MAPA ELEITORAL
Total de eleitores: 147.302.357
» Masculino: 69.901.037 (47,45%)
» Feminino: 77.337.919 (52,50%)
» Não informado: 63.401 (0,04%)
Por Região
Centro-Oeste: 10.747.116
Nordeste: 39.222.149
Norte: 11.533.833
Sudeste: 63.902.501
Sul: 21.396.031
Exterior: 500.727
Grau de instrução
» Analfabeto: 6.574.111 (6,80%)
» Ensino fundamental completo: 10.030.148 (6,80%)
» Ensino fundamental incompleto: 38.063.892 (25,84%)
» Ensino médio completo: 33.676.853 (22,86%)
» Ensino médio incompleto: 24.864.061 (16,88%)
» Lê e escreve: 13.147.187 (8,92%)
» Não informado: 56.359 (0,03%)
» Superior completo: 13.576.120 (9,21%)
» Superior incompleto: 7.313.626 (4,96%)
Luiz Carlos Azedo: A Constituição e as eleições
“O próprio Supremo vive dilemas profundos em razão da Operação Lava Jato, que protagoniza o combate à corrupção. Há um inédito expurgo de políticos da vida pública, entre os quais, Lula”
O Supremo Tribunal Federal (STF) comemorou ontem os 30 anos da Constituição de 1988, razão de ser da existência da Corte, cuja missão é zelar pelo cumprimento dos seus dispositivos. Não é uma tarefa das mais fáceis, ainda mais num momento como o que estamos vivendo, no qual os candidatos que lideram a disputa pela Presidência da República, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), não escondem o desejo de substituí-la por outro texto constitucional.
Não foi à toa, portanto, que o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, proclamou: “Nunca mais, nunca mais a escravatura, nunca mais a ditadura, nunca mais o fascismo e o nazismo, nunca mais o comunismo, nunca mais o racismo, nunca mais a discriminação”. Segundo ele, os cidadãos precisam assegurar “que as conquistas até aqui obtidas sempre vigorem, não admitindo involuções, especialmente quanto à democracia estabelecida, à cidadania conquistada e à pluralidade até aqui construída”.
A Constituição de 1988 garantiu ao Judiciário autonomia e independência, assim como deu ao Ministério Público um poder nunca antes alcançado. Graças à aprovação pelo Congresso da Lei da Ficha Limpa, uma grande mudança nos costumes políticos está em curso, sob fortes tensões. O próprio Supremo vive dilemas profundos em razão da Operação Lava Jato, que protagoniza o combate à corrupção. Há um inédito expurgo de políticos corruptos em todas as esferas da vida pública, com destaque para a inelegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e ocultação de patrimônio.
Muitos dos que não foram impedidos de disputar as eleições pela Lei da Ficha Limpa, porque não foram julgados, culpados ou inocentes, serão punidos com a não eleição. Mas a prisão de Lula é um fator de divisão e tensão política no próprio Supremo, em razão do grande prestígio popular e internacional de que ainda desfruta e do debate sobre a aplicação do princípio constitucional do transitado em julgado. Jurisprudência da Corte determina a execução imediata da pena de condenados em segunda instância, o caso do petista, mas o assunto não está pacificado entre os ministros. Toffoli é um dos críticos dos “excessos” da Operação Lava-Jato, protagonizados pelos procuradores da força-tarefa de Curitiba, que ontem pediram ao juiz federal Sérgio Moro nova condenação de Lula pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Os procuradores acusam o ex-presidente da República de obter vantagem indevida paga pela Odebrecht por meio da compra de um terreno para instalação da sede do Instituto Lula e do aluguel de um apartamento em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. A três dias das eleições, o pedido é visto como interferência no processo eleitoral, prejudicando a candidatura do candidato do PT, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, assim como a divulgação de um dos depoimentos da delação premiada do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci pelo juiz Moro, na segunda-feira passada. Os dois episódios se somam a outras decisões tomadas recentemente, que interferiram nas eleições do Paraná, Mato Grosso e Goiás, Ceará, Piauí, contra políticos ligados ao PSDB, ao PMDB e ao PP.
Direitos
O jurista italiano Norberto Bobbio influenciou fortemente a elaboração da Constituição de 1988. Suas ideias foram marcadas pelo ambiente europeu após a Segunda Guerra Mundial, em que as democracias do Ocidente procuraram se precaver contra o fascismo, originário da Itália, e purgar o trauma do Holocausto protagonizado pelo regime nazista de Hitler, na Alemanha. Adotada pela Organização das Nações Unidas, a doutrina dos direitos humanos legitima o Estado de bem-estar social, uma resposta às terríveis condições sociais que resultaram da guerra.
Os dispositivos introduzidos na nossa Carta Magna com objetivo de garantir o direito à vida e à liberdade, no contexto de transição à democracia, porém, provocaram uma disjuntiva entre direitos humanos e ordem pública, provocando mudanças no Código de Processo Penal que nunca obtiveram consenso social e político suficientemente para que fossem plenamente respeitadas. Numa sociedade com indicadores de violência ascendentes, essa pauta acabou se tornando um divisor de águas. A sociedade brasileira precisa reencontrar o ponto de equilíbrio entre a segurança pública e as garantias e direitos individuais.
Um dos temas em debate na campanha eleitoral é a separação do direito penal do cidadão aplicado ao criminoso comum segundo os ditames constitucionais do que seria uma espécie de “direito penal do inimigo”, que puniria os indivíduos considerados mais perigosos para a sociedade, o que significaria suprimir direitos e garantias individuais. Tal interpretação não cabe nos ditames da atual Constituição, mas está na pauta do candidato que lidera as pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL).
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Luiz Carlos Azedo: O dinheiro da revolução
“Palocci diz que o ex-presidente Lula usou a Petrobras e o pré-sal com o objetivo de “garantir ilicitudes” e a conseguir dinheiro para campanhas do PT. O juiz Moro quebrou o sigilo da delação”
O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu goza de plena liberdade, mesmo condenado a 39 anos de prisão, graças a um habeas corpus que lhe foi concedido pelo ministro Dias Toffoli, atual presidente do Supremo Tribunal Federal. Livre e falante, é o melhor intérprete da alma do PT, partido do qual é fundador e dirigente histórico. No auge do escândalo do mensalão, foi defenestrado da Casa Civil, abandonado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, posto na “geladeira” e condenado pelo STF no processo do mensalão; em liberdade provisória, foi novamente preso e condenado na Operação Lava-Jato, pelo juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, mas o processo não transitou em julgado e Dirceu teve a prisão relaxada.
Por ironia da história, agora quem está em cana e perdeu os direitos políticos é o ex-presidente Lula, para quem o caso Dirceu deixou de ser um estorvo para se tornar o “mapa da mina”, pois gerou uma “jurisprudência” que enche de esperança os seus próprios advogados. O ex-ministro e ex-deputado federal petista (foi cassado pela própria Câmara na CPI dos Correios) não é homem de aceitar derrotas e está de volta à luta. Viaja com a família pelo Brasil afora, de motorhome, para emular os militantes petistas com lançamentos do livro que escreveu na prisão. Em duas entrevistas recentes, para veículos de grande prestígio na esquerda brasileira, a edição brasileira do jornal espanhol El Pais e a revista Piauí, Dirceu resumiu o que Lula pretende com a eleição do petista Fernando Haddad: tomar a poder e acabar com a Operação Lava-Jato, tirando o poder de investigação do Ministério Público Federal e acabando com a execução imediata da pena após condenação em segunda instância.
Com base nas declarações de Dirceu e do próprio candidato quando se refere a Lula, podemos deduzir que a proposta de convocação de uma “Constituinte exclusiva”, apresentada por Fernando Haddad em seu programa de governo, é apenas um instrumento para isso. O candidato do PT seria uma espécie de Kerenski, o líder do governo provisório da Revolução de Fevereiro, que antecedeu a tomada de poder pelos bolcheviques na Rússia, em 7 de novembro de 1917. No domingo à noite, durante o debate da TV Record, Haddad foi questionado por Ciro Gomes (PDT) sobre a inconstitucionalidade dessa proposta e se enrolou todo para responder. Sabe que a atual Constituição, que pretende substituir por outra, não dá ao presidente da República poderes para convocar uma Constituinte. Somente o próprio Congresso poderia fazê-lo.
Haddad faz campanha como bom moço, fala o que os militantes petitas querem ouvir. Varre para debaixo do tapete a recessão de 2016 e o escândalo da Petrobras. Nos comícios, imita com perfeição a voz de Lula: “Haddad, diz lá pro povo que nós vamos ganhar essa eleição e voltar a governar o país”. A plateia delira. A bem-sucedida operação para transferir os votos de Lula, que manteve sua candidatura até ela ser impugnada pelo pleno do tribunal Superior Eleitoral, já é um “case” de estratégia política e marketing eleitoral. O PT voltou ao seu leito eleitoral. Entretanto, sempre há um porém, ou melhor, uma delação premiada. Desta vez, partiu da Polícia Federal, que negociou com o ex-ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma Rousseff Antônio Palocci um acordo de colaboração. O juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, quebrou o sigilo de um dos depoimentos. Nele, Palocci entrega o esquema de caixa dois do PT, digamos, o dinheiro da revolução, na ótica de Dirceu e dos petistas para os quais os fins justificariam os meios.
Aposta
Na delação, Palocci diz que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou Paulo Roberto Costa para a Petrobras com o objetivo de “garantir ilicitudes” na estatal e usou a empresa para conseguir dinheiro para campanhas do PT com o pré-sal. Disse que as campanhas de Dilma em 2010 e 2014 custaram R$ 1,4 bilhão, muito mais do que o declarado à Justiça Eleitoral. Falou que o MDB exigiu e Lula entregou ao aliado a diretoria de Relações Internacionais da Petrobras. E revelou que, pelo menos 900 das mil medidas provisórias editadas nos governos Lula e Dilma, envolveram propina para serem editadas (na verdade, foram 621 medidas provisórias editadas nos dois governos).
Lula e Dilma negam tudo isso, mas o acordo firmado em abril com a Polícia Federal foi homologado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). O ex-ministro se comprometeu em pagar R$ 37,5 milhões como indenização pelos danos penais, cíveis, fiscais e administrativos dos atos que praticou. Preso desde 2016, com uma condenação a 12 anos e dois meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Palocci tentou fechar um acordo com o Ministério Público Federal (MPF) e não conseguiu. O primeiro a saber do acordo com a Polícia Federal foi José Dirceu, confidente do ex-ministro quando estavam juntos na Papuda, em Brasília. Ao contrário de Palocci, o líder petista tomou outro caminho: aposta na vitória do PT nas eleições.
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Luiz Carlos Azedo: Haddad repete Dilma
“O cardápio de medidas populistas e o discurso fácil do petista pode fazer o crédito simplesmente desaparecer e provocar uma crise de financiamento dos negócios, como na Venezuela”
Uma piada de mineiro sobre as diferenças de comportamento entre cariocas, paulistas e gaúchos ilustra o que pensa o candidato do PT, Fernando Haddad, em termos de condução da economia. O carioca costuma valorizar a isonomia nos negócios: “Quanto é que nós vamos ganhar?” O paulista, sua participação nos lucros: “Quanto é que eu vou ganhar?” O gaúcho, porém, estaria mais preocupado com os rendimentos do sócio: “Quanto tu vais ganhar?” A piada fez muito sucesso nos bastidores do governo de Dilma Rousseff, porque a então presidente da República estava mais interessada em arbitrar o lucro das empresas do que com o equilíbrio das contas públicas e os ganhos de produtividade do país. Com perdão da injustiça com os gaúchos, principalmente meus amigos queridos, o candidato do PT repete o comportamento em campanha.
Recentemente, em entrevista na tevê, disse que os bancos ganham muito e que vai reduzir os spreads bancários, que vêm a ser a diferença entre a remuneração que o banco paga ao aplicador para captar um recurso e quanto esse banco cobra para emprestar o mesmo dinheiro. O cliente que deposita dinheiro em conta-corrente, poupança ou outra aplicação faz um empréstimo ao banco, que remunera esses depósitos com juros chamados de taxa de captação; entretanto, quando o banco empresta dinheiro a alguém, cobra uma taxa pelo empréstimo superior à taxa de captação. Haddad quer reduzir os juros a fórceps, como fez Dilma Rousseff, baixando na marra os spreads bancários, cujo valor os bancos atribuem à alta inadimplência e ao depósito compulsório.
A proposta é sedutora, faz parte de um cardápio de medidas populistas e do discurso fácil de campanha, mas pode fazer o crédito simplesmente desaparecer e provocar uma crise de financiamento dos negócios, como a da Venezuela. A reação dos bancos para reduzir a inadimplência será arrochar o crédito de risco, a não ser que o governo reduza os compulsórios e os impostos, que acabam repassados aos clientes, mas isso não faz parte do programa de governo de Haddad, que é expansionista e intervencionista. Ontem, na Serra Gaúcha, por exemplo, anunciou que pretende usar o poder de compra da máquina federal para estimular a indústria nacional. Disse que vai reativar o polo naval gaúcho, localizado em Rio Grande, que na gestão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou mais de 20 mil postos de trabalho, o que somente será possível com uma nova farra com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Esqueceu-se de dizer que essa foi a gênese do escândalo da Petrobras, que deu origem à Operação Lava-Jato.
Corrupção e desperdício
A menina dos olhos da política de estímulo à indústria nacional dos governos Lula e Dilma foi a empresa Sete de Abril, criada com recursos públicos para fabricação de sondas para a Petrobras. Seu presidente, Pedro Barusco, deu início à série de delações premiadas de executivos e diretores da Petrobras ligados ao escândalo. Espontaneamente, devolveu US$ 100 milhões que havia arrecado de propina, para espanto até dos investigadores. Segundo a Lava-Jato, aproximadamente US$ 70 milhões em propina foram arrecadados pelo PT, agentes públicos da Petrobras e executivos da Sete Brasil em contratos bilionários com os estaleiros Jurong (Aracruz, ES), Brasfels (Angra dos Reis, RJ), Enseada do Paraguaçu (Maragogipe, BA), Ecovix (Rio Grande, RS) e Atlântico Sul (Fortaleza), a maioria hoje em recuperação judicial. O cálculo teve por base 1% de desvios nos contratos dos 21 navios-sondas encomendados pela Sete Brasil a serem fornecidos à Petrobras.
Só a Jurong, que tinha US$ 2,1 bilhões em contratos com a Sete Brasil, pagou US$ 18,8 milhões em propinas. Um dos réus confessou ter recebido pelos menos US$ 3,8 milhões em uma conta no exterior: o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, que disse ao juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara de Curitiba, que dois terços do total arrecadado foram para o grupo político do PT, em uma divisão que teria beneficiado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro José Dirceu e a legenda. Vaccari seria o arrecadador, e Antônio Palocci, ex-ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma Rousseff, o responsável pelo gerenciamento. Vaccari, também réu, ao prestar depoimento, preferiu ficar calado sobre o assunto. Lula e Dirceu negam o fato; Palocci negocia sua delação premiada.
O candidato do PT também se jactou de ter comprado 35 mil ônibus escolares em sua gestão à frente do Ministério da Educação e disse que dará atenção especial ao transporte público, repassando a receita arrecadada pela cobrança da Cide — contribuição que incide sobre o preço da gasolina — para os municípios. Ou seja, pretende resgatar o velho pacto automotivo, que deixou em segundo plano o transporte de massas — metrô, trens, volts — para favorecer a produção de veículos automotores no ABC, berço histórico do PT. Repete outro erro de Dilma, que comprou 3.401 veículos da Volkswagen e da Mercedes-Benz para o Exército, a um custo total de R$ 1,1 bilhão, ou seja, em média, R$ 323,4 mil por viatura. Os modelos comprados são o VW Worker e o Atego. O que foi uma festa nos quartéis no dia da entrega, virou um problema: o 72º Batalhão de Infantaria Motorizada, sediado em Petrolina, que tinha cinco caminhões, por exemplo, agora tem 50 veículos parados, sem recursos para manutenção.
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Luiz Carlos Azedo: Dez dias decisivos
“Para quem acreditou na narrativa do golpe, nada como a teimosia dos fatos para demonstrar que vivemos numa democracia robusta”
O norte-americano John Reed (1887-1920) é um grande mito do jornalismo político. Filho de um milionário de Portland, formou-se em Havard e se tornou repórter. Após aderir às ideias socialistas, resolveu escrever reportagens sobre os movimentos sociais da sua época, o que lhe valeu algumas prisões e o levou ao México, em 1914, para fazer a cobertura da revolução liderada por Pancho Vila, de quem se tornou próximo. Depois, virou correspondente nos campos de batalhas da Primeira Guerra Mundial, nos Países Baixos, na Alemanha, na França, na Romênia, na Bulgária, na Turquia e na Grécia, até chegar à Rússia, o que lhe possibilitou escrever a sua obra mais famosa: Dez dias que abalaram o mundo.
O pequeno livro, narrado no calor dos acontecimentos em forma de crônicas, é a obra seminal da reportagem moderna, considerado pela Universidade de Nova York como um dos 10 melhores trabalhos jornalísticos do século XX. Reed acompanhou de perto a atuação dos principais líderes da Revolução de Outubro, entre os quais Lênin e Trotsky, no curto período de tempo da insurreição que levou os bolcheviques ao poder. Reed chegou a Petrogrado (São Petersburgo) em agosto de 1917 e permaneceu na Rússia até morrer, em 17 de outubro de 1920, em Moscou. Sua narrativa da Revolução Russa lhe valeu um enterro com honras junto às muralhas do Kremlin, onde seu túmulo é visitado, diariamente, por milhares de turistas.
“Jack” Reed, como era chamado, até hoje inspira jovens repórteres. Seus livros renderam dois clássicos do cinema: Outubro (1927) e Viva México! (1931), de Sergei Eisenstein. Em 1981, Warren Beatty dirigiu Reds, no qual conta a vida do jornalista romântico e revolucionário, cujo papel interpretou no filme. Dez dias que abalaram o mundo encheu de esperanças e frustrou gerações ao longo de um século; sua releitura mostra a essência de tudo o que viria a acontecer depois da tomada do poder, inclusive os “vícios de origem” que levaram o modelo socialista ao colapso.
Vivemos num mundo muito diferente daquele que Reed nos relatou em seus livros. Sem dúvida, muito mais conectado do que aquele no qual os acontecimentos eram descritos por meio de cartas e telegramas, fotos e filmes em preto e branco. O que vai acontecer nos próximos dias ninguém sabe. O que se anuncia é um formidável choque de concepções e interesses, num processo eleitoral radicalizado, de desfecho imprevisível quanto ao vencedor. Não é algo que emergiu no processo eleitoral, muito pelo contrário, vem se anunciando desde 2013, quando ficou patente o descolamento entre a sociedade e sua representação política. Até agora, os mecanismos constitucionais existentes foram capazes de absorver essas tensões, inclusive as do impeachment da presidente Dilma Rousseff e as da Operação Lava-Jato.
Transição
O que acontece no Brasil desperta amplo interesse na imprensa internacional. Não é fácil entender muito bem a trama da política brasileira, com seus pontos fortes e fracos. Na abertura da Assembleia Geral da ONU, na terça-feira, chefes de Estado de todo o mundo ouviram o presidente Michel Temer anunciar que passará o poder ao futuro presidente eleito com o país em ordem e a economia funcionando. Para quem acreditou na narrativa do golpe, nada como a teimosia dos fatos para demonstrar que vivemos numa democracia robusta.
Desperta certa inveja entre as nações a realização de eleições livres cujas urnas são apuradas no mesmo dia, sem fraudes, com o povo escolhendo seus representantes pelo voto direto e secreto. Como entender a polarização política protagonizada por um político preso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja candidatura foi impugnada, e Jair Bolsonaro (PSL), um ex-capitão do Exército, que está hospitalizado em razão de uma facada recebida em plena campanha eleitoral, sem que tais fatos não tenham causado uma guerra civil ou um golpe militar? Tudo indica, pelas pesquisas divulgadas ontem, que teremos segundo turno. É um bom sinal, pois isso significa que haverá necessidade de moderação e entendimentos políticos no futuro próximo, ainda que nestes 10 dias que faltam para o primeiro o turno a radicalização persista.
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Luiz Carlos Azedo: O eleitor de Bolsonaro
“Bolsonaro vence nas regiões Norte/Centro-Oeste (33%) e Sudeste (31%), mas começa a perder influencia no Sul do país, onde caiu de 38% para 30%. Perde feio no Nordeste para Haddad”
Qualquer que seja o resultado das eleições, a candidatura de Jair Bolsonaro é um fenômeno a ser estudado, por romper velhos paradigmas e afrontar o “politicamente correto”. Apesar do seu caráter disruptivo, do ponto de vista ideológico, frustra o surgimento de uma “nova direita” liberal-conservadora e assinala a recidiva da “velha direita” intervencionista e nacionalista, inspirada no antigo regime militar. Se quisermos traçar um paralelo histórico, somente dois militares governaram o país constitucionalmente: Floriano Peixoto (1891-1894) e Eurico Gaspar Dutra (1946-1950). Eram marechais e chegaram ao poder depois de uma longa carreira militar, ao contrário do ex-capitão do Exército, que trocou a caserna pelo parlamento.
Alagoano de Ipioca, Floriano Peixoto (1839-1895), o Marechal de Ferro, foi o segundo presidente da República, sucedendo Deodoro da Fonseca (1827-1892). Durante o governo provisório, em 1890, foi ministro da Guerra; no ano seguinte, foi eleito vice-presidente. Com a renúncia de Deodoro, assumiu a presidência em 23 de novembro de 1891. No poder, diminuiu os impostos, os preços dos produtos e dos aluguéis, o que lhe garantiu apoio popular, mas governou a maior parte do tempo com o país em “estado de sítio” e descontentou a elite política e econômica, principalmente os liberais e a elite cafeeira. Derrotou a Revolução Federalista (1893-1895), no Rio Grande do Sul, e a Revolta da Armada (1893), rebelião liderada pela Marinha, no Rio de Janeiro, que reprimiu duramente. Ao final de seu mandato, em 15 de novembro de 1894, se afastou da vida pública e passou o poder para o presidente eleito, Prudente de Moraes (1841-1902).
Natural de Cuiabá (MT), Eurico Gaspar Dutra (1883-1974) governou o país em 1946-1951. Pautado pela Guerra Fria, seu governo foi caracterizado pela perseguição aos comunistas, pela proibição dos jogos de azar e pela aproximação com os EUA. Era ministro da Guerra de Vargas, em 1936. Apesar de defender o apoio às potências do Eixo, Dutra foi o organizador da Força Expedicionária Brasileira (FEB), enviada para lutar na Itália, ao lado dos Aliados, na Segunda Guerra Mundial. Acabou escolhido pela oposição para ser o candidato à Presidência. A deposição de Vargas por um golpe militar assegurou a eleição de Dutra. Foi sucedido por Getúlio Vargas (PTB), que derrotou o brigadeiro Eduardo Gomes (UDN), outro líder militar da época, e Cristiano Machado (PSD), e voltou ao poder consagrado pelas urnas. Até morrer, Dutra manteve influência no Exército, fazendo parte da Arena durante o regime militar.
Os votos
Bolsonaro protagoniza o ressurgimento de uma direita com votos, o que não acontecia desde a eleição de Fernando Collor de Mello, em 1989. Lidera a disputa eleitoral, sobretudo entre os jovens. Está em empate técnico com Fernando Haddad (PT) nas faixas etárias de 35 a 44 anos e acima de 55 anos. Entre os homens, é líder absoluto, com 35%; apesar da grande rejeição, entre as mulheres está empatado com Haddad. Lidera disparado entre os eleitores de maior escolaridade (ensino médio e superior), mas perde feio para o petista, ex-ministro da Educação, no eleitorado de baixa escolaridade. Com exceção dos que têm renda abaixo de um salário mínimo, que votam em Fernando Haddad, provavelmente por causa do Bolsa Família, a liderança de Bolsonaro cresce progressivamente na medida em que aumenta a renda, passando de 26% dos eleitores que recebem de um a dois salários mínimos para 42% dos que recebem acima de cinco salários mínimos.
Em termos geográficos, é avassaladora a vantagem de Bolsonaro nas regiões Norte/Centro-Oeste (33%) e Sudeste (31%), mas começa a perder influencia no Sul do país, onde caiu de 38% para 30%. Perde feio no Nordeste para Haddad, que tem 38% das intenções de votos. Bolsonaro tem 34% de apoio entre os evangélicos e 29% entre outras religiões, mas está ligeiramente ultrapassado por Haddad entre os católicos (25% a 24%). Tem larga vantagem entre os eleitores brancos (33%), ligeira vantagem em relação a Haddad entre os negros e pardos (25% a 24%) e perde entre os demais, também para Haddad, por 28% a 25%.
Apesar de liderar as pesquisas de opinião, a rejeição a Bolsonaro subiu para 46% dos eleitores e chega a 50% entre as mulheres. Esse é o seu calcanhar de Aquiles, que está sendo explorado pelos adversários, principalmente o tucano Geraldo Alckmin, que aposta na desconstrução da imagem de Bolsonaro. Entretanto, quem se aproxima de Bolsonaro é o petista Fernando Haddad. Na pesquisa do Ibope de segunda-feira, que aqui serviu de referência, pela primeira vez Bolsonaro deu sinais de estagnação, permanecendo no mesmo patamar de 28%, enquanto o petista subiu de 19% para 22%. Ciro manteve-se em 11%, Alckmin oscilou de 7% para 8% e Marina, de 6% para 5%. Apesar da volatilidade do cenário eleitoral, a resiliência de Bolsonaro é um fato.
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Luiz Carlos Azedo: A “fulanização” sem projeto
Bolsonaro (PSL), à direita, e Haddad (PT), à esquerda, que lideram a disputa pela Presidência, representam opiniões radicais formadas a partir das redes sociais
Ao contrário do que muitos imaginam, a criação do sistema de representação proporcional uninominal vigente no Brasil, uma jabuticaba de autoria do gaúcho Assis Brasil, teve como objetivo fortalecer os partidos e não os enfraquecer, como afirmam muitos dos seus críticos. Foi a saída encontrada para mitigar uma característica da política brasileira desde a criação da primeira Câmara Municipal, em São Vicente, já em 1532, no início do período colonial: o fato de que os eleitores votam nas pessoas e não nos partidos, seja nos legislativos seja nos executivos. Não é à toa que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso insiste na tese de que um conjunto de ideias, mesmo majoritárias na sociedade, para conseguir se tornar um projeto político viável, precisa encontrar alguém capaz de “fulanizá-las”.
Foi o que aconteceu com a sua eleição para a Presidência em 1994, no embalo do Plano Real, com um programa cujo eixo era a estabilidade econômica, a reforma administrativa do Estado e as privatizações de empresas estatais nos setores siderúrgico e de telecomunicações, principalmente. Àquela época, o candidato favorito nas pesquisas era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje está preso em Curitiba, em razão do recebimento de vantagens indevidas no exercício da Presidência (corrupção passiva e lavagem de dinheiro). FHC conseguiu “fulanizar” o Plano Real. Por ironia do destino, mais tarde, em 2010, Lula terminou o governo melhor avaliado do que o tucano e hoje isso faz a diferença na hora de “fulanizar” o seu candidato, Fernando Haddad (PT). O mesmo não ocorre com Geraldo Alckmin (PSDB), apoiado por FHC, que goza de enorme prestígio e frequenta as salas de espera dos aeroportos de cabeça erguida, acompanhado apenas da esposa.
Mas voltemos à fórmula de Assis Brasil. O Brasil elege representantes para a Câmara dos Deputados desde 1824, logo após a Independência. Até 1880, durante o Império, o sistema de votação era feito em dois níveis: os votantes elegiam os eleitores (primeiro nível), que, por sua vez, escolhiam os representantes para a Câmara dos Deputados (segundo nível). Em 1881, as eleições para a Câmara dos Deputados passaram a ser diretas. Na Primeira República (1889-1930), três sistemas eleitorais foram utilizados; todos majoritários. O mais duradouro (1904-1930) dividia os estados em distritos eleitorais de cinco representantes; o eleitor podia votar em até quatro candidatos e ainda podia votar no mesmo candidato mais de uma vez, o que facilitava as fraudes em larga escala.
Em 1932, após a Revolução de 1930, novo código eleitoral modernizou o processo: as mulheres passaram a ter o direito do voto; foi criada a Justiça Eleitoral — que ficou com a responsabilidade de organizar o alistamento, as eleições, a apuração dos votos e a proclamação dos eleitos; foram tomadas medidas para garantir o sigilo do voto. Assis Brasil e João Cabral participaram da redação do Código Eleitoral de 1932 e defenderam a introdução do voto proporcional: para Câmara dos Deputados, um sistema misto (com parte dos representantes eleita pelo sistema proporcional), cuja operação era bastante complexa. Mas veio o “autogolpe” de 1937 e Getúlio Vargas suspendeu as eleições, fechou os partidos e o Congresso.
As eleições voltariam em 1945, com o processo de democratização do país. Somente naquele ano, o sistema proporcional proposto por Assis Brasil foi integralmente adotado nas eleições para Câmara dos Deputados e demais casas legislativas, com exceção do Senado, com objetivo de fortalecer os partidos recém-criados, carreando para eles a tradição do voto “fulanizado”. Nas eleições para prefeito, governador, senador e presidente da República, o voto continuou majoritário. O sistema funcionou razoavelmente antes do golpe militar de 1964, que teve outras causas.
Fragmentação
Depois da Constituinte de 1988, o surgimento do financiamento público partidário sem limitações para a criação de partidos, com base no critério de distribuição dos recursos proporcional à composição da Câmara, criou um desequilíbrio terrível na distribuição desses fundos e facilitou a proliferação de legendas, que hoje são 35 com representação no Congresso, situação agravada pelo uso em escala crescente de “caixa dois” nas eleições passadas, conforme revelado pela operação Lava-Jato.
Nesse cenário, os partidos políticos sofreram um grande desgaste, ainda mais agravado pela crise da democracia representativa na sociedade pós-industrial e pela forte influência das redes sociais na formação da opinião pública, à margem dos meios de comunicação tradicionais e dos próprios partidos. Nas eleições deste ano, o fenômeno da “fulanização” da política, que tem tudo a ver com as características da cultura eleitoral do brasileiro (e da velha herança “sebastianista” do salvador da pátria), ganhou novas características. Na reta final do primeiro turno, embora a maioria dos candidatos seja de velhos conhecidos, em razão das crises econômica, ética e política, a eleição se “fulanizou” a partir de narrativas radicais, que aprofundam a fragmentação das forças políticas mais centristas e democráticas, sem que um só candidato consiga unificá-las eleitoralmente.
Os candidatos Jair Bolsonaro (PSL), à direita, e Fernando Haddad (PT), à esquerda, que lideram a disputa, representam o avanço avassalador de opiniões radicais formadas a partir das redes sociais. Caso não surja um nome alternativo pela via do “voto útil”, como prega o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o eixo da disputa se deslocará do centro para um dos extremos e nova escalada de confrontação ocorrerá no segundo turno, aprofundando a divisão da sociedade em torno de suas lideranças, sem nenhum programa unificador, apenas velhas palavras de ordem. Ou seja, teremos a “fulanização” sem ideias novas e projeto de país.
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Luiz Carlos Azedo: Nada mais a perder
“Ninguém leva o eleitor para votar puxando-o pelo nariz. Os que estão radicalizados são contra o PT e contra Bolsonaro; os que temem essa radicalização, tentarão viabilizar um tertius'”
O candidato a presidente da República do PSDB, Geraldo Alckmin, endureceu o discurso contra Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), que lideram as pesquisas de opinião, numa tentativa de evitar a completa desidratação de sua candidatura na reta final da campanha eleitoral. Fez ataques pesados e diretos ontem aos dois adversários nas redes sociais e no horário eleitoral gratuito, com esperança de conter a ascensão de ambos e evitar um desempenho catastrófico para seu partido e os aliados nas urnas. Uma campanha pelo “voto útil” também foi iniciada por dois intelectuais tucanos, a economista Eliana Cardoso e o cientista político Bolívar Lamounier, que lançaram um manifesto em apoio a Alckmin, dirigido aos demais candidatos do chamado “centro democrático”, para que retirem suas candidaturas.
“Apelamos aos candidatos que compõem o centro democrático para que se unam em torno de um nome com potencial de passar ao segundo turno e quebrar a perigosa polarização que está se configurando entre Bolsonaro e o PT. Apelamos a todos vocês — intelectuais, professores, profissionais liberais, cidadãos em geral — para que se unam a esse nosso esforço, endossando-o e ajudando a divulgá-lo”, explica a economista Eliana Cardoso nas redes sociais. O manifesto propõe uma reunião entre os candidatos: “Para que o eleitor não caia nas mãos de políticos extremistas, os candidatos do centro precisam se unir. A tarefa exige que os candidatos do centro, Alckmin, Marina, Álvaro Dias, Amoedo e Meirelles se encontrem e coloquem seus votos a favor do candidato que entre eles tem a maior chance de evitar uma tragédia. No momento, este nome é Alckmin”, afirmam.
Mais cauteloso, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso divulgou uma carta na mesma direção, mas sem citar nomes. Faz uma avaliação catastrófica do cenário político: “Desatinos de política econômica, herdados pelo atual governo, levaram a uma situação na qual há cerca de 13 milhões de desempregados e um deficit público acumulado, sem contar os juros, de quase R$ 400 bilhões só nos últimos quatro anos, aos quais se somarão mais de R$ 100 bilhões em 2018. Essa sequência de deficits primários levou a dívida pública do governo federal a quase R$ 4 trilhões e a dívida pública total a mais de R$ 5 trilhões, cerca de 80% do PIB este ano, a despeito da redução da taxa de juros básica nos últimos dois anos. A situação fiscal da União é precária e a de vários estados, dramática.”
O ex-presidente da República critica promessas de soluções fáceis para os problemas do país: “Diante de tão dramática situação, os candidatos à Presidência deveriam se recordar do que prometeu Churchill aos ingleses na guerra: sangue, suor e lágrimas. Poucos têm coragem e condição política para isso. No geral, acenam com promessas que não se realizarão com soluções simplistas, que não resolvem as questões desafiadoras. É necessária uma clara definição de rumo, a começar pelo compromisso com o ajuste inadiável das contas públicas”. E vai na mesma linha de um acordo entre os candidatos já no primeiro turno: “É hora de juntar forças e escolher bem, antes que os acontecimentos nos levem para uma perigosa radicalização. Pensemos no país e não apenas nos partidos, neste ou naquele candidato. Caso contrário, será impossível mudar para melhor a vida do povo”, apela.
Cartada final
Fernando Henrique Cardoso afirma que os eleitores estão polarizados entre dois apelos radicais e parecem decididos a pautar seu voto pelo medo. “A decisão do eleitor se explica. Os empregos faltam. As finanças públicas estão sob pressão e a política, podre. Sete cidades brasileiras estão entre as 20 mais violentas do mundo. Nesse quadro o apelo populista é forte”, critica. Segundo o ex-presidente da República, tanto Jair Bolsonaro como Fernando Haddad “representam uma ameaça para o Brasil e para a América Latina.” Velho desafeto dos tucanos, Ciro ficou de fora do chamado à unidade, mas será o desaguadouro natural do “voto útil” se não houver uma reação de Alckmin nas pesquisas.
Dificilmente haverá um reagrupamento dos chamados candidatos do centro democrático a duas semanas da votação. Interesses partidários, idiossincrasias pessoais e compromissos assumidos dificultam uma articulação tão ampla. Mas o discurso da unidade é uma tática eleitoral que pode ser eficiente para Alckmin, combinada ao endurecimento do discurso contra Bolsonaro e Haddad. Na reta final da eleição, ninguém leva o eleitor para votar puxando-o pelo nariz. Os que estão radicalizados são contra o PT e contra Bolsonaro; os que temem essa radicalização, tentarão viabilizar um “tertius”. A jogada tucana é para ocupar essa posição, deslocando Ciro Gomes (PDT), o que não é uma tarefa fácil. Estatisticamente, porém, não é impossível.
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Luiz Carlos Azedo: A violência das paixões
“A crise da democracia representativa e dos partidos políticos tradicionais não se restringe ao fracasso de suas elites políticas. É também uma crise dos valores liberais nas sociedades democráticas”
Com base na trilogia de Alexei Tolstoi, escritor do chamado “realismo socialista”, a série O Caminho dos Tormentos, da Netflix, narra a saga de duas irmãs aristocratas, um oficial do Exército russo e um engenheiro que se torna oficial do Exército Vermelho. Com locações e figurinos irretocáveis, a produção russa de 2017 mostra os horrores da guerra civil na Rússia (1917 a 1924), em meio ao ódio de classe, às paixões ideológicas e toda sorte de oportunismo e sectarismo políticos. Da derrocada da autocracia russa à consolidação dos bolcheviques no poder, houve um banho de sangue trágico, que esfacelou famílias e destruiu amizades.
Talvez essa história fosse diferente se uma carnificina ainda maior não tivesse ocorrido: a 1ª Guerra Mundial (1914-1918), na qual a Rússia se engajou ao lado da Sérvia, da França e da Inglaterra, a chamada Tríplice Entente, contra a Alemanha, Itália e Império Austro-Húngaro, que formavam a Tríplice Aliança. Houve uma estupidez política sem tamanho de toda a elite europeia, encerrada no que a historiadora Barbara Tuchman, em seu livro, chamou de “Torre do Orgulho”. O mundo vivia a euforia da chamada Belle Époque (Bela Época), um período de grande progresso econômico e tecnológico; ao mesmo tempo, a exaustão do colonialismo e fortes tensões políticas e sociais.
O revanchismo latente na França e na Alemanha por causa da região da Alsácia-Lorena, que os franceses haviam perdido para os alemães na Guerra Franco-Prussiana, precisou apenas de um estopim para degenerar em gigantesca carnificina: o assassinato de Francisco Ferdinando, príncipe do império austro-húngaro, enquanto fazia uma visita a Sarajevo, região da Bósnia-Herzegovina, por um jovem terrorista sérvio. Insatisfeito com as atitudes tomadas pelo governo contra o criminoso, o Império Austro-Húngaro declarou guerra à Sérvia em 28 de julho de 1914. Ao fim do conflito, o saldo de mortos chegou a 10 milhões. A Alemanha acabou derrotada e perdeu não somente a Alsácia-Lorena, como todas as suas colônias, no Tratado de Versalhes, e ainda teve que pagar pesadas indenizações de guerra.
Em 1914, a Alemanha era governada pelo poderoso Partido Social-Democrata Alemão, que aprovou os créditos de guerra, o que provocou um tremendo racha na chamada II Internacional, que reunia a esquerda europeia. O Partido Trabalhista britânico e o Partido Socialista francês, ambos marxistas, seguiram o mesmo caminho e aderiram à guerra. O Partido Socialista Operário Russo (bolchevique), sob a liderança do revolucionário russo Vladimir Lênin, um dos personagens secundários da série russa, porém, seguiu outro caminho: defender a paz, fazer uma insurreição com apoio dos soldados insatisfeitos e tomar o poder. Tudo o que ocorreu depois na política foi consequência da 1ª Guerra Mundial, a começar pela radicalização política que levou ao poder Mussolini, na Itália, e Hitler, na Alemanha, os dois grandes derrotados no conflito.
Ambos foram derrotados na Segunda Guerra Mundial, mas a divisão entre comunistas e social-democratas se manteve na Europa por causa da “guerra fria”. Com a dissolução da União Soviética e o colapso do chamado “socialismo real” no Leste Europeu, essa divisão perdeu completamente o significado histórico. O mesmo processo de globalização e revolução tecnológica que levou à derrota o comunismo europeu, levou de roldão o Estado de bem-estar social na Europa ocidental. A grande obra social-democrata do pós-guerra entrou em colapso. O Ocidente passou a viver a hegemonia do pensamento liberal.
A melhor saída
Vivemos um período de paz maior do que os anos da Belle Époque (1871-1914), apesar dos conflitos localizados e do terrorismo religioso na Eurásia e na África. A globalização e a revolução tecnológica, porém, com o esgotamento do Estado de bem-estar social, engendraram um agravamento das desigualdades e desequilíbrios regionais, principalmente na relação Norte-Sul. Essa é a raiz da crise humanitária e da emergência de movimentos racistas, xenófobos e fascistas na Europa. E também do fortalecimento de tendências autoritárias em regimes democráticos como respostas a essas contradições, como acontece na Venezuela, no Egito, na Turquia, nas Filipinas, em Israel, na Rússia e até nos Estados Unidos, que reage à expansão da China comunista, um misto de capitalismo de Estado e ditadura.
A crise da democracia representativa e dos partidos políticos tradicionais no Ocidente não se restringe ao fracasso de suas elites políticas. É também uma crise dos valores liberais — igualdade, fraternidade e liberdade — nas sociedades democráticas, contraditória com a exacerbação da liberdade individual. O processo de radicalização política em curso nas eleições brasileiras não está fora desse contexto, muito pelo contrário. Suas raízes ideológicas e políticas, historicamente, estão datadas, vêm lá da 1ª Guerra Mundial: a busca de soluções para os problemas econômicos e sociais do desenvolvimento por uma via “prussiana” ou “jacobina” é uma tentação, como se a tomada do poder fosse a solução para tudo. O mundo mudou, está cada vez mais veloz e integrado. As velhas fórmulas não dão conta da realidade de uma sociedade “líquida”. Mesmo assim, a democracia ainda é a melhor saída para as crises.
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