política
Agronegócio ficará para trás se não considerar mudanças climáticas
Falta ao governo uma estratégia para ampliar a produção de alimentos no país, diz Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura
João Fellet / BBC News Brasil
Em entrevista à BBC News Brasil, Rodrigues cita a estimativa de que a produção agrícola brasileira precisaria crescer 40% em dez anos para que, considerando o aumento projetado em outros países, a fome seja erradicada no mundo.
"As condições que temos agora permitiria que isso acontecesse. Mas vai acontecer? Não vai, porque não há estratégia", diz Rodrigues.
O ex-ministro afirma que falta ao país um plano integrado que promova melhorias logísticas, acordos comerciais com países grandes, seguros para agricultores e incentivos à formação de cooperativas.
Diz ainda que a agricultura brasileira sofrerá se não se adaptar à nova realidade imposta pelas mudanças climáticas - o que implicará mais investimentos em pesquisa e a adequação a novas regras comerciais que penalizarão atividades mais poluentes.
"Se não tivermos sustentabilidade, vamos ficar para trás", afirma.
Nascido em 1942 em Cordeirópolis (SP), Rodrigues foi ministro da Agricultura entre 2003 e 2006, no governo Lula.
Antes, foi secretário de Agricultura no Estado de São Paulo (1993-1994) e presidiu várias organizações setoriais, como a Sociedade Rural Brasileira (SRB), a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).
A última, que representa grandes empresas e indústrias do setor, ampliou um racha no agronegócio ao divulgar um manifesto em que cita preocupações com "desafios à harmonia político-institucional e, como consequência, à estabilidade econômica e social".
O manifesto foi lido como uma crítica a Jair Bolsonaro em sua ofensiva contra as instituições.
A entrevista com Rodrigues ocorreu na sexta-feira (3/7). Na ocasião, ele disse que via as manifestações pró-governo programadas para o 7 de Setembro como "pacíficas" e que a adesão de agricultores aos atos não mancharia a imagem do setor.
No dia 8, a BBC voltou a contatá-lo para questionar se sua posição se mantinha. Ele disse que sim, mas que preferia não comentar assuntos políticos.
Confira os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - Antonio Galvan, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), produto que é o carro-chefe do agronegócio brasileiro, está sendo investigado por integrar um grupo de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro que, segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), estaria tramando ameaças à democracia. Qual a sua avaliação?
Roberto Rodrigues - De certa forma, houve um desmentido em relação às ameaças. Não há ameaça nenhuma, o que há é uma movimentação muito grande, englobando vários setores de serviços e da produção no Brasil, para questionar medidas tomadas pelo STF que estariam restringindo a liberdade de pessoas ou instituições. É uma manifestação.
O produtor rural brasileiro, de qualquer Estado, de qualquer produto, é pacifista. O papel dele é produzir e fazer o país ir para a frente.
BBC - O presidente Bolsonaro tem feito várias ameaças às instituições, insuflou a população a comprar fuzis e convocou as pessoas às ruas para o 7 de Setembro. Essas pessoas do agronegócio não chancelam as posições dele ao estar presente ali, a pedido dele?
Rodrigues - Primeiro, não tenho certeza se é a pedido dele. Acho que é uma coisa mais espontânea ligada a vários segmentos: caminhoneiros, serviços e produtores de algumas áreas do país. E também da área urbana.
Mas, por outro lado, como a ideia é muito pacífica, sem nenhuma provocação contra ninguém, a não ser contra ações de alguns ministros do STF, não vejo nenhuma violência que possa manchar a imagem do agro brasileiro.
Se houvesse uma grande greve, como foi anunciado no começo, aí seria uma coisa mais preocupante, porque pararia o país, e esse não é o papel do produtor rural brasileiro. Mas esse ponto, parece-me, foi afastado.
(Nota da redação: Em Uberlândia, em 31 de agosto, Bolsonaro convocou seus apoiadores a ir às ruas no 7 de Setembro: "Acho que chegou a hora de, no dia 7, nos tornarmos independentes pra valer e dizer que não aceitamos que uma ou outra pessoa em Brasília queira impor sua vontade. A vontade que vale é a vontade de todos vocês", afirmou.)
BBC - O que explica a identificação tão grande desse setor do agronegócio com o Bolsonaro?
Rodrigues - O presidente escolheu uma ministra da Agricultura muito ligada ao movimento, que conhece os problemas do agro.
Depois, de alguma forma, ele mitigou processos anteriores muito difíceis para o produtor rural sobre temas ligados à questão trabalhista, fundiária, ambiental.
Instituições que cuidam desses temas, tipo Incra, Ibama, Ministério do Trabalho, ficaram menos agressivas, digamos assim, ao produtor rural, o que deu um conforto maior do que havia no passado. Isso gerou gratidão por parte do produtor rural de maneira geral, sobretudo na fronteira agrícola.
Também houve a troca de ministros das Relações Exteriores e do Meio Ambiente por pessoas mais alinhadas ao agro. O primeiro chanceler foi um pouco agressivo em relação à China, nosso principal mercado, criando problemas de imagem. A troca dos dois foi muito bem vista.
DESMATAMENTO NO BRASIL
BBC - Qual sua avaliação do governo?
Rodrigues - Essa é uma questão muito política, sobre a qual não gosto de falar. Acho que nós precisamos ter atenção a questões estratégicas para o país. Agora mesmo, temos o tema energético, que é central para o crescimento do país. É fundamental que a energia esteja disponível.
Sabia-se que a seca muito grande que aconteceu de março até agosto deste ano poderia gerar problemas na oferta de energia, mas só na semana passada veio se falar nesse assunto. São temas dessa natureza, muito estratégicos para o país, que precisam ser tratados com mais antecipação e cuidado.
Precisamos ter resolvidas a reforma tributária e a do Estado. São coisas importantes que estavam anunciadas e não aconteceram ainda. Falta uma estratégia para que possamos avançar.
BBC - Temos visto uma divisão entre alguns setores do agronegócio. De um lado, grupos empresariais encabeçados pela Abag (Associação Brasileira do Agronegócio) têm tido posições mais críticas ao governo e ao desmatamento da Amazônia. De outro, grupos como os sojicultores seguem alinhados ao governo. Como avalia essas divergências?
Rodrigues - Não acho que sejam divergências. A Abag, que ajudei a fundar, em 1993, é uma instituição de representação do agronegócio, não da agropecuária. Ela lida com cadeia produtiva, indústria de insumos, transformação etc. Existem aproximações diferentes, com interesses diferentes.
BBC - Houve ao longo da história do Brasil diferentes setores da agropecuária que foram dominantes politicamente. Houve a época da cana, do café, e hoje temos um setor de grãos muito forte. Como é a relação entre esses diferentes setores?
Rodrigues - Nós tivemos ciclos anteriores, da borracha, da cana, do café, com uma coincidência entre quase todos eles: eram ciclos fortemente amparados por instituições de governo. Havia uma relação muito íntima entre política pública e o setor produtivo.
Os (setores de) grãos são muito mais livres, cujas regras estão muito mais ligadas a bolsas de Chicago, Nova York, mercado internacional, preço em dólar, estoques globais.
Não há dependência desse setor em relação ao governo. O que cria uma certa liberdade, uma independência, salvo naqueles temas que têm a ver com a agricultura de maneira geral.
BBC - E em relação às agendas defendidas pelo setor? Vemos no Congresso muita ênfase em pautas como a regularização fundiária, uma pauta que faz mais sentido em áreas de fronteira agrícola, assim como pautas contra a demarcação de terras indígenas. Há muitas iniciativas para dificultar as demarcações e facilitar o arrendamento de terras indígenas. Como o senhor vê o envolvimento do setor com essas pautas?
Rodrigues - São pautas polêmicas, porque interessam a alguns setores do agronegócio, e não a todos. Mas faz parte da história do país.
A questão fundiária da Amazônia é típica. Tem milhares de famílias levadas para lá há décadas que até hoje não têm o direito à propriedade.
E, sem o direito à propriedade, não tem como oferecer garantia ao crédito rural. E, sem crédito rural, tem que sobreviver de alguma forma, até desmatando de maneira ilegal. Temos que acabar com as ilegalidades todas.
O importante desse tema é acabar com a ilegalidade: ter todos processos institucionais definidos para que a ilegalidade seja combatida rigorosa e vigorosamente pelo Estado brasileiro. As ilegalidades é que mancham a imagem de um agro profissional competitivo e sustentável que o Brasil tem.
Esses projetos que circulam hoje têm prerrogativa de criar um marco legal definitivo para que não haja condição de transigência nesse processo todo.
BBC - Mas o que se comenta é essas propostas buscam combater a ilegalidade legalizando o que é ilegal. Uma das propostas de regularização fundiária, por exemplo, cria a possibilidade de regularizar áreas públicas desmatadas até os dias de hoje.
Rodrigues - Isso é inaceitável. Deve-se legalizar o que é legalizável. O que é ilegalizável, ninguém quer. São injunções eventuais de interesses específicos de setores, mas o agronegócio como um todo não quer isso.
Ninguém quer legalizar grilagem de terra ou invasão de terras públicas. É uma discussão ideológica que está fora dos desejo dos produtores rurais brasileiros profissionais.
BBC - Então haveria uma falta de conexão entre os congressistas que defendem essas pautas e o setor como um todo?
Rodrigues - Não sei se entre quem defende isso na ponta ou se é dentro do Congresso que há defasagem da discussão. No setor rural profissional, quem vive disso, quem trabalha com isso, ninguém quer nada ilegal.
Nem desmatamento, nem incêndio, nem grilagem, nem descumprimento dos contratos. Todos querem a legalização dos processos, sem que legalizar processos facilite a vida de bandido ou de invasor.
BBC - Existe um discurso forte entre aliados do Bolsonaro de que uma vitória do Lula em 2022 poderia levar o Brasil ao socialismo. O que o senhor, que foi ministro no governo Lula, acha desse discurso?
Rodrigues - Eu fui ministro dele e não sou socialista. Sou cooperativista. A vida inteira trabalhei com cooperativas, com associações de classe, mecanismos de integração regional, setorial etc.
Se ele me levou ao ministério da Agricultura e depois trouxe outros ministros que não eram socialistas, não eram comunistas, acho que não há nenhuma acusação de radicalização contra ele.
Não vejo no Lula essa visão ideológica de esquerda radical.
BBC - O senhor tem dialogado com ele?
Rodrigues - Há muitos anos não o vejo. A última vez foi há quatro, cinco anos, num grande evento em Milão, quando ele fez uma fala e eu dei alguns dados para ele.
BBC - Fala-se muito do papel que o Brasil tem para alimentar uma crescente população global. Mas temos visto que, mesmo com crescimento das exportações agrícolas do Brasil, tem havido no país um aumento da fome e um encarecimento de produtos que fazem parte da dieta brasileira. Por quê?
Rodrigues - O que existe é a lei universal da oferta e da procura. Quando a oferta é menor que a demanda, os preços crescem.
Com a pandemia, os estoques mundiais de grãos, particularmente, eram baixos. Muitos países foram afetados pela pandemia na medida em que houve colapso de transporte, faltou contêiner, faltou navio.
Por outro lado, tínhamos um problema de desemprego, agravado pela pandemia.
Nós produzimos, tivemos safras poderosas. A oferta cresceu aqui, mas não cresceu no mundo por circunstâncias climáticas. Os preços subiram em dólar.
E nós tivemos aqui um adicional: como o dólar ficou valorizado aqui, os preços aumentaram mais ainda, gerando uma inflação de alimentos.
Só tem um jeito de resolver isso aí: com uma safra grande, que aumente os estoques globais, para que os preços caiam.
BBC - Alguns setores defendem que o governo restrinja exportações de alimentos para baixar os preços internos. O que o senhor acha?
Rodrigues - Acho que o mercado tem de funcionar. Se você exporta e falta comida, que importe. Tem que ter uma política liberal. Cada vez que você interfere no comércio ou cria um tipo de subvenção ou de proteção, distorce o mercado.
Há um tema discutido de formação de estoques. O Estado não deve ter o estoque dele, mas pode financiar estoques privados. Isso pode ajudar muito em crises como a deste ano.
BBC - Há vários anos o senhor deu uma entrevista dizendo que o Brasil poderia colaborar com a falta de alimentos no mundo ampliando a produtividade e também abrindo novas áreas para a agricultura. O senhor continua defendendo a abertura de novas áreas?
Rodrigues - A legislação brasileira ficou muito mais restritiva e rigorosa. Por outro lado, não vejo a necessidade de abrir novas áreas. Estamos com tecnologias, como a integração lavoura-pecuária-floresta, que hoje tem milhões de hectares no Brasil, e reduziu a demanda por áreas novas.
Hoje o que está impulsionado a produção de comida (no Brasil) é pasto que está virando alimento.
A liberação de áreas de pastagem é suficiente pra plantar alimento, fibras, energia, madeira, sem precisar desmatar mais nada.
O que acho é que nós no Brasil temos de nos preocupar não apenas em exportar alimentos, mas em ensinar países tropicais com tecnologias e instituições que nós fizemos para que eles também sejam mais capazes de se autoalimentar.
BBC - O senhor vê a agricultura brasileira preparada, consciente e se planejando para lidar com as mudanças climáticas?
Rodrigues - A questão das mudanças climáticas é um dado da realidade e já preocupa muita gente. Até porque vai implicar tecnologias inovadoras que permitam cultivar em áreas que se tornarão improdutivas.
Mas, mais do que isso, tem a ver com regras de comércio que estão sendo criadas na Europa e evoluindo para EUA, China e outros grandes compradores do mundo tendo em vista a inibição da emissão de carbono. É um tema determinante para a competitividade.
Se não tivermos sustentabilidade, vamos ficar para trás. Essa questão já está muito clara na cabeça dos produtores rurais brasileiros, sobretudo as lideranças, e o processo está avançando. Estaremos na COP-26 (conferência climática da ONU), em Glasgow (Escócia), em novembro, para tratar das mudanças climáticas e regras de comércio.
O pessoal está acordado para o processo esperando que o governo faça a parte dele nas negociações e não engula qualquer métrica que seja imposta de fora para dentro. Temos de ter nossas métricas também para avaliar qual o tamanho da emissão associada às nossas exportações.
BBC - Quais os temas centrais para a agricultura brasileira hoje?
Rodrigues - Tem um estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) dizendo que, em dez anos, a oferta mundial de alimento precisa crescer 20% para que não haja fome no mundo.
Para que isso ocorra, a produção do Brasil precisaria crescer 40%. As condições que temos agora permitiria que isso acontecesse. Mas vai acontecer? Não vai, porque não há estratégia. Falta-nos estratégia.
Não existe logística e infraestrutura, o que só vai ser resolvido com parceria público-privada. O setor privado só vai investir com segurança jurídica. E a segurança jurídica só vai existir com reformas: tributária, reforma política, do Estado.
O segundo ponto é o comércio. Hoje 40% do comércio global de alimentos acontece no âmbito de acordos bilaterais e multilaterais. Não temos nenhum acordo importante.
O acordo do Mercosul com a União Europeia, que é crucial para nós, está patinando até hoje por erros de conduta do Brasil e de outros países do Mercosul.
O terceiro ponto é tecnologia. Tem que investir mais do que estamos investindo, porque os países desenvolvidos estão investindo, inclusive em países tropicais, para plantar lá.
Um quarto ponto é a política de renda. Basicamente, temos de estabilizar quem está produzindo no campo com seguro rural. Hoje só tem 10% da produção agrícola segurada porque o governo não faz a parte dele nos orçamentos do seguro rural.
Falta uma estratégia que considere logística, política de comércio, política tecnológica, política de renda no campo, sustentabilidade na área sanitária, rastreabilidade, certificação de produtos e organização rural.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58495162
Tensão na Esplanada eleva riscos e piora expectativas do mercado
Incerteza reduz investimentos e limita ainda mais o crescimento. Com inflação em alta e contas fiscais sob pressão, juros também sobem
Rosana Hessel / Correio Braziliense
Os agentes econômicos reagiram da pior forma possível às manifestações de 7 de Setembro e às declarações do presidente Jair Bolsonaro intensificando o confronto com os demais Poderes. O consenso entre analistas é de que, daqui para a frente, o cenário, que já era pessimista, ficou mais nebuloso devido ao aumento do “custo Bolsonaro”. Com isso, a população terá de arcar com a fatura da maior incerteza, via baixo crescimento da economia e alta da inflação. A previsão é de que os índices de preços podem chegar à casa dos dois dígitos, como já acontece com os juros cobrados pelo mercado para investir em títulos públicos. Os papéis com vencimento em janeiro de 2031, por exemplo, voltaram a ser negociados acima de 11% ao ano.
Os pronunciamentos, ontem, dos chefes do Judiciário e do Legislativo, contrapondo-se ao presidente, deixaram dúvidas sobre o que ainda virá no cenário político. O mercado está também na expectativa em relação às manifestações da oposição ao governo, marcadas para o próximo domingo. Analistas avaliam que Bolsonaro, apesar da queda na popularidade, ainda conta com apoio de uma fatia da população que não pode ser ignorada. Contudo, avaliam que o governo terá muito mais dificuldade para avançar com reformas, como a tributária e a administrativa, e, para piorar, vai retroceder no ajuste fiscal. A previsão é de que o Centrão cobrará caro para barrar o impeachment, e, como não há espaço para novas despesas no Orçamento de 2022, a saída deverá ser via estouro do teto de gastos — regra constitucional que limita o aumento de despesas à inflação.
Outro consenso entre os analistas é o de que, ao voltar a desafiar o Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro travou a saída que vinha sendo negociada com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para o problema dos precatórios, as dívidas judiciais da União. No total, R$ 89,1 bilhões devem ser pagos em 2022, o que não deixa espaço para a promessa do presidente de aumentar o valor dos benefícios do Bolsa Família nos meses que antecedem as eleições do próximo ano. “O risco fiscal aumentou e, se não houver solução para os precatórios, o governo deverá estourar o teto”, alertou Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos.
Volatilidade
Não à toa, a piora nas expectativas derrubou a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) e fez o dólar subir com força, ontem. De acordo com o economista Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria, a tendência é de muita volatilidade no mercado financeiro até as eleições de 2022. “As perspectivas pioraram. Esse governo só entregou a reforma da Previdência e não vai conseguir entregar mais nada, nem ajuste fiscal. Se vier alguma coisa, será muito pontual”, afirmou Jensen. “A reforma administrativa é pouco ambiciosa. E a reforma do Imposto de Renda, é melhor enterrar, porque ficou tão ruim que a melhor opção é não fazer”, acrescentou.
Jensen reduziu de 5,2% para 4,9% a previsão de alta do Produto Interno Bruto (PIB) de 2021, mas manteve em 2,4% a estimativa de expansão em 2022. Mais pessimista, o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, passou a prever altas de 4,1%, neste ano, e de 1,1% em 2022 — “na melhor das hipóteses”, porque a estimativa não considera os efeitos de um agravamento da crise hídrica.
“Tudo mudou de patamar e, agora, ninguém sabe o que vai acontecer”, disse Gonçalves. “O país só não entra em recessão por acaso”, alertou. O economista, porém, não descarta as chances de o país entrar em um cenário de estagflação — baixíssimo crescimento com inflação — já que o Banco Central continuará elevando os juros para conter o processo inflacionário e, consequentemente, ajudará a frear o PIB. “Na melhor das hipóteses, o país voltará a registrar taxas de crescimento medíocres”, frisou.
O economista e consultor Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, que passou a prever altas do PIB de 4,9%, neste ano, e de 1,5%, em 2022, observa que o crescimento do país será “modesto”, especialmente, devido à limitação do principal motor do PIB: o consumo das famílias, que ficou estagnado no segundo trimestre. Ele destacou que a recuperação do consumo “parece travada pelo mau desempenho do mercado de trabalho”. “Acredito que melhore na segunda metade do ano, na esteira da vacinação, seja pelo consumo maior de serviços seja pelo aumento do emprego associado a esse setor, mas lembrando que o sarrafo está baixo”, disse.
PROTESTOS CONTRA BOLSONARO NO 7 DE SETEMBRO
Investimentos
De acordo com a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), outro motor do crescimento do PIB, os investimentos, não deve contribuir para taxas mais robustas da atividade. “A tendência é de queda dos investimentos nos próximos trimestres devido ao efeito base, e eles não devem ajudar na retomada”, alertou.
Sílvia Mastros comentou ainda que acabou a contabilidade criativa que vinha turbinando os investimentos na segunda metade de 2020: as reimportações fictícias de plataformas de petróleo antigas, que, na verdade, nunca saíram do país.
Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, lembrou que a inevitável piora nas contas públicas está freando o capital estrangeiro. “Os investidores não estão de costas para o Brasil, mas olhando para o país com uma lupa gigantesca e começando a discutir ações de garantia e maior prêmio de risco para investirem aqui”, resumiu.
Bolsa desaba e dólar sobe
Os atos do 7 de Setembro tiveram efeito devastador no mercado financeiro. O Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), despencou 3,78% ontem, fechando o pregão aos 113.413 pontos. Foi a maior queda da Bolsa desde a anulação da condenação do ex-presidente Lula pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em março deste ano. Com a retração do valor das ações, as empresas listadas na B3 sofreram uma perda de R$ 195 bilhões em valor de mercado, segundo dados da consultoria Economática. O Ibovespa acumula recuo de 4,52% no mês e perda de 4,71% no ano.
Os ruídos e a animosidade no cenário político também se refletiram no dólar, que teve alta de 2,89%, fechando a quarta-feira a R$ 5,326. Cristiane Quartaroli, economista do Banco Ourinvest, afirma que a moeda, que já abriu em alta, subiu ainda mais após as declarações do presidente do STF, Luiz Fux, que reagiu duramente às críticas que o presidente Jair Bolsonaro vem fazendo à Corte — indicando que a temperatura política continuará elevada. “A sensação de piora da crise institucional deve continuar aumentando tanto a volatilidade quanto a aversão ao risco aqui no Brasil, provocando pressão na nossa moeda”, alertou Quartaroli.
O economista Lívio Ribeiro, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV) e sócio da BRCG, reforçou que as questões domésticas deverão continuar afetando o mercado até que o clima político seja minimamente pacificado. “A instabilidade deve continuar enquanto a gente estiver cercada de tantas incertezas, que afugentam investidores. Nesse ambiente pouco favorável, não há como planejar investimentos”, pontuou.
Dos R$ 195 bilhões perdidos em valor de mercado, ontem, pelas empresas da bolsa, R$ 28,7 bi foram referentes às três principais estatais brasileiras no Ibovespa: Petrobras, Eletrobras e Banco do Brasil. De acordo com o economista da Economática Einar Rivero, a Petrobras foi a empresa que mais perdeu, R$ 19,65 bilhões. A seguir vieram Ambev, com R$ 15,4 bilhões; Itaú, R$ 14,3 bilhões; Bradesco, R$ 12,2 bilhões; e Vale, R$ 10,1 bilhões.
As paralisações de caminhoneiros em algumas estradas também ajudou a azedar o humor dos investidores, explicou Daniel Miraglia, economista chefe da Integral Group. “Uma coisa é eles reivindicarem queda do preço de diesel e gasolina, o que já não seria uma boa notícia, mas as reivindicações estão ligadas ao discurso que o presidente fez na terça-feira”, ressaltou.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2021/09/4948492-crise-eleva-riscos-e-piora-expectativas.html
Luiz Carlos Azedo: O dia seguinte
Bolsonaro tem uma interpretação do Poder delegado pelos eleitores à Presidência que extrapola seus limites constitucionais, vem daí o conflito institucional
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O presidente Jair Bolsonaro demonstrou grande capacidade de mobilização no dia 7 de setembro. Maior do que a oposição imaginava, porém, menor do que gostaria que fosse, para ir adiante no seu projeto de emparedar o Supremo Tribunal Federal (STF) e/ou dar um golpe de Estado. Grande o suficiente para garantir uma base parlamentar capaz de barrar um processo de impeachment, como ficou claro no pronunciamento do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). Não o bastante para intimidar o STF, como deixou claro o seu presidente, ministro Luiz Fux.
O país está prisioneiro de uma armadilha criada pelo presidente da República. É um impasse no qual as pesquisas de opinião apontam o seu enfraquecimento, mas não ainda o suficiente para inviabilizar sua presença no segundo turno. Bolsonaro perde a expectativa de reeleição, mas continua controlando a forma mais concentrada de poder: o governo, que arrecada, normatiza e coage. Sua gestão é um desastre multifacetado, que turva o horizonte político e econômico e agrava os problemas sociais, é certo. Mesmo assim, Bolsonaro contém a expetativa de poder da oposição, gerada principalmente pelo favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a ameaça de impedir as eleições ou não aceitar seu resultado. Ou seja, de não deixar que o petista tome posse, caso vença as eleições, como ameaçara Carlos Lacerda na campanha eleitoral de 1950.
Como diria o Barão de Itararé, tudo seria fácil se não fossem as dificuldades. Os episódios do Dia da Independência e os de ontem, com os pronunciamentos do presidente da Câmara e do presidente do Supremo, refletem o outro lado da mobilização bolsonarista. Além de uma fieira de crimes eleitorais — propaganda antecipada, uso indevido de recursos públicos, financiamento ilegal etc. —, Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ao atacar o Supremo e dizer que não aceitaria decisões do ministro Alexandre de Moraes. A premissa de um processo de impeachment já está dada; a forma, ainda não. É um processo político, que somente começa quando o presidente da Câmara tira da gaveta um dos pedidos de impeachment.
Bolsonaro lançar suas falanges políticas contra as instituições, que trata como se fosse a oposição e não Poderes e/ou agências de Estado, foi um erro crasso. Em vez de sair do isolamento e retomar a capacidade de iniciativa política, acabou mais isolado ainda. Criou um clima favorável ao surgimento de uma candidatura de centro, comprometida com a democracia, ou seja, alternativa a ele próprio, e não a Lula. O monitoramento das redes sociais pelas agências de risco aponta nessa direção. Há pré-candidatos assumidos: Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Luiz Henrique Mandetta (DEM), Alessandro Vieira (Cidadania), ou que se fingem de mortos — Sérgio Moro (sem partido) e Rodrigo Pacheco (DEM). Quem conseguir galvanizar “a direita da esquerda e a esquerda da direita” do eleitorado pode emergir como alternativa de poder e chegar ao segundo turno. Seus partidos já dialogam intensamente, em busca de uma coalizão contra Bolsonaro.
Estado-maior
É muito difícil entender a cabeça do presidente da República, porque ele foge aos paradigmas tradicionais da política e da normalidade institucional. Mas é possível definir o caráter bonapartista de seu governo, em conflito com a Constituição de 1988 e hegemonizado por três generais amigos — o ministro da Defesa, Braga Neto, o golpista; Luiz Ramos, secretário-geral da Presidência, o mais amigo, e Augusto Heleno, chefe do Serviço de Segurança Institucional, o ideólogo —, e pelos filhos, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o articulador empresarial; o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que coordena os grupos de extrema direta; e o vereador carioca Carlos Bolsonaro, o grande operador de suas redes sociais. Os demais ministros são meros coadjuvantes, mesmo o novo chefe da Casa Civil, senador Ciro Nogueira (PP-PI), que entrou no governo para tirar Bolsonaro do isolamento e foi engolido pela radicalização.
A estratégia de Bolsonaro é politizar ao máximo fracasso econômico e administrativo, deslocando o eixo da discussão dos problemas reais da população e transferindo responsabilidades para governadores, prefeitos e os demais Poderes, na linha de que o Judiciário não deixa o presidente da República governar, nem o Congresso aprova as reformas. Bolsonaro tem uma interpretação do Poder delegado pelos eleitores à Presidência que extrapola seus limites constitucionais, vem daí o conflito institucional. Ontem, apoiadores mais radicais e truculentos tentaram invadir o Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro incitou-os e sinalizou que pretende mobilizá-los para impedir as eleições de 2022, na véspera, uma ameaça muito grave à democracia.
Bolsonaro sinaliza a ministros que não vai cessar críticas ao STF
Em reunião com a cúpula do governo, presidente disse que vai manter postura crítica à Suprema Corte
Augusto Fernandes / Correio Braziliense
O presidente Jair Bolsonaro teve uma longa reunião com ministros do seu governo nesta quarta-feira (8/9), e deixou claro aos subordinados que não deve amenizar o discurso contra o Supremo Tribunal Federal (STF).
Após discursos acalorados no feriado da Independência, quando prometeu desrespeitar futuras medidas judiciais impostas pela Corte, o chefe do Executivo reforçou o que disse na Esplanada dos Ministérios e na Avenida Paulista sobre o ministro Alexandre de Moraes estar explorando a sua função institucional e perseguindo o governo federal.
Bolsonaro comentou na reunião desta quarta que espera o auxílio do corpo ministerial para, caso necessário, ter algum tipo de respaldo para não cumprir as determinações, em especial as de Moraes.
Com esse tipo de proteção jurídica, o presidente espera evitar a possibilidade de ser enquadrado por crime de responsabilidade ao ignorar decisões judiciais, algo que foi dito nesta quarta pelo presidente do STF, Luiz Fux, que rebateu os ataques feitos por Bolsonaro à Corte.
No encontro com seus ministros, Bolsonaro comentou que a quantidade de pessoas que participaram dos atos em Brasília e São Paulo na terça-feira (7/9) mostra que ele não está com a popularidade tão baixa. No entendimento do presidente, isso é um demonstrativo de que não há clima nas ruas para que um processo de impeachment contra ele seja analisado pela Câmara.
Sobre os pedidos de afastamento, Bolsonaro ficou mais tranquilo após o pronunciamento do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também nesta quarta. Por mais que tenha sido pressionado a instaurar um processo devido às declarações de Bolsonaro no Sete de Setembro, o deputado não abordou o tema no seu discurso e ainda classificou as manifestações do feriado como pacíficas e condizentes com a democracia do país.
O teor do pronunciamento de Lira foi importante para acalmar Bolsonaro visto que diferentes bancadas do Congresso Nacional se reuniram nas últimas 24 horas para deliberar sobre o apoio à abertura do impeachment contra o presidente. Legendas como PSDB, PSD e MDB passaram a "monitorar" o assunto e não descartam aderir ao movimento que é favorável ao afastamento de Bolsonaro.
Pautas econômicas
Outro assunto que tomou conta da reunião ministerial foi a economia. Insatisfeito com os indicadores atuais dos combustíveis, do gás de cozinha e dos alimentos, Bolsonaro pediu sugestões sobre como aumentar o poder de compra dos brasileiros em meio à disparada da inflação.
Novamente, o programa que substituirá o Bolsa Família entrou em pauta. Por mais que não tenha sido tomada nenhuma decisão concreta, o presidente foi aconselhado a aumentar o valor médio do benefício em mais de 50%. Por enquanto, o novo programa, a ser lançado em novembro, deve ter um reajuste de até 50%.
Segundo alguns ministros, Bolsonaro tende a arrefecer as críticas que sofre de parte da população caso conceda um aumento maior do que o que tem sido anunciado até aqui. O objetivo do presidente, segundo os ministros, deve ser o de possibilitar que os brasileiros mais humildes consigam enfrentar o período de carestia com uma renda que supra as necessidades mais urgentes.
O encontro do presidente com os ministros aconteceu após Bolsonaro anunciar, equivocadamente, que se reuniria nesta quarta com o Conselho da República — um órgão de consulta do presidente da República que se pronuncia sobre intervenção federal, estado de defesa, estado de sítio e questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas —, e não com o Conselho de Governo, formado pelos ministros do governo.
O Conselho da República é dirigido pelo presidente e composto também pelo vice-presidente, os presidentes da Câmara e do Senado, os líderes da maioria e da minoria nas duas Casas, o ministro da Justiça e Segurança Pública e seis cidadãos brasileiros com idade superior a 35 anos.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/09/4948468-bolsonaro-sinaliza-a-ministros-que-nao-vai-cessar-nas-criticas-ao-stf.html
'Ninguém fechará esta Corte', diz Fux em resposta a Bolsonaro
Desprezo às decisões judiciais pelo chefe de qualquer um dos Poderes configura crime de responsabilidade, disse Fux
Em pronunciamento ontem (8), na abertura da sessão plenária, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, rebateu discursos do presidente da República, Jair Bolsonaro, realizados em Brasília e São Paulo, no feriado da Independência do Brasil. “Ofender a honra dos ministros e incitar a população a propagar discursos de ódio contra o Supremo são práticas antidemocráticas e ilícitas”, disse o ministro.
Crime de responsabilidade
A respeito da afirmação de Bolsonaro de que não mais cumprirá decisões do STF, Fux lembrou que o desprezo às decisões judiciais pelo chefe de qualquer dos Poderes, além de representar atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional.
O presidente do STF afirmou que a Corte jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções e não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões. “Ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor e perseverança. No exercício de seu papel, o Supremo Tribunal Federal não se cansará de pregar fidelidade à Constituição”.
Falsos profetas
Fux convocou os cidadãos para que fiquem atentos a “falsos profetas do patriotismo”, que ignoram que democracias verdadeiras não admitem que se coloque o povo contra o povo ou o povo contra as suas próprias instituições. “Povo brasileiro, não caia na tentação das narrativas fáceis e messiânicas, que criam falsos inimigos da nação. O verdadeiro patriota não fecha os olhos para os problemas reais e urgentes do Brasil”, afirmou.
Liberdades
O presidente assinalou que o Supremo esteve atento à forma e ao conteúdo dos atos realizados nas manifestações, especialmente cartazes e palavras de ordem com duras críticas à Corte e aos seus membros. Segundo eles, os movimentos não registraram incidentes graves, e os participantes exerceram as suas liberdades de reunião e de expressão – direitos fundamentais ostensivamente protegidos pelo STF.
O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)
Nesse contexto, destacou que em toda a sua trajetória nesses 130 anos de vida republicana, o Supremo jamais se negou – e jamais se negará – ao aprimoramento institucional em favor do Brasil. “No entanto a crítica institucional não deve se confundir com narrativas de descredibilização do Supremo Tribunal e de seus membros, tal como vêm sendo gravemente difundidas pelo chefe da Nação”, ressaltou.
Forças de segurança
O ministro enalteceu a atuação das forças de segurança do país, em especial as Polícias Militares e a Polícia Federal, na preservação da ordem e da incolumidade do patrimônio público, com integral respeito à dignidade dos manifestantes.
Problemas reais
Em nome dos ministros e das ministras da Corte, Fux conclamou os líderes do país a se dedicarem aos problemas reais que assolam o povo: a pandemia, que ainda não acabou e já levou 580 mil vidas brasileiras; o desemprego, que conduz o cidadão ao limite da sobrevivência biológica; a inflação, que corrói a renda dos mais pobres; e a crise hídrica, que ameaça a nossa retomada econômica.
Segundo o presidente do STF, desprezo às decisões judiciais pelo chefe de qualquer um dos Poderes configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional.08/09/2021 15h07 - Atualizado há1152 pessoas já viram isso
Em pronunciamento nesta quarta-feira (8), na abertura da sessão plenária, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, rebateu discursos do presidente da República, Jair Bolsonaro, realizados em Brasília e São Paulo, no feriado da Independência do Brasil. “Ofender a honra dos ministros e incitar a população a propagar discursos de ódio contra o Supremo são práticas antidemocráticas e ilícitas”, disse o ministro.
Crime de responsabilidade
A respeito da afirmação de Bolsonaro de que não mais cumprirá decisões do STF, Fux lembrou que o desprezo às decisões judiciais pelo chefe de qualquer dos Poderes, além de representar atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional.
O presidente do STF afirmou que a Corte jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções e não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões. “Ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor e perseverança. No exercício de seu papel, o Supremo Tribunal Federal não se cansará de pregar fidelidade à Constituição”.
Falsos profetas
Fux convocou os cidadãos para que fiquem atentos a “falsos profetas do patriotismo”, que ignoram que democracias verdadeiras não admitem que se coloque o povo contra o povo ou o povo contra as suas próprias instituições. “Povo brasileiro, não caia na tentação das narrativas fáceis e messiânicas, que criam falsos inimigos da nação. O verdadeiro patriota não fecha os olhos para os problemas reais e urgentes do Brasil”, afirmou.
Liberdades
O presidente assinalou que o Supremo esteve atento à forma e ao conteúdo dos atos realizados nas manifestações, especialmente cartazes e palavras de ordem com duras críticas à Corte e aos seus membros. Segundo eles, os movimentos não registraram incidentes graves, e os participantes exerceram as suas liberdades de reunião e de expressão – direitos fundamentais ostensivamente protegidos pelo STF.
Nesse contexto, destacou que em toda a sua trajetória nesses 130 anos de vida republicana, o Supremo jamais se negou – e jamais se negará – ao aprimoramento institucional em favor do Brasil. “No entanto a crítica institucional não deve se confundir com narrativas de descredibilização do Supremo Tribunal e de seus membros, tal como vêm sendo gravemente difundidas pelo chefe da Nação”, ressaltou.
Forças de segurança
O ministro enalteceu a atuação das forças de segurança do país, em especial as Polícias Militares e a Polícia Federal, na preservação da ordem e da incolumidade do patrimônio público, com integral respeito à dignidade dos manifestantes.
Problemas reais
Em nome dos ministros e das ministras da Corte, Fux conclamou os líderes do país a se dedicarem aos problemas reais que assolam o povo: a pandemia, que ainda não acabou e já levou 580 mil vidas brasileiras; o desemprego, que conduz o cidadão ao limite da sobrevivência biológica; a inflação, que corrói a renda dos mais pobres; e a crise hídrica, que ameaça a nossa retomada econômica.
Leia a íntegra do pronunciamento do ministro Luiz Fux.
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'Judiciário busca o contragolpe para conter Bolsonaro'
Para professor de Direito, sistema de contrapesos entre os Poderes deixou de funcionar
As instituições brasileiras se jogaram num labirinto cuja saída inevitável poderá ser, de fato, uma ruptura, analisa, em entrevista à DW Brasil, Diogo Rais, professor de Direito Eleitoral e Direito Digital na Universidade Presbiteriana Mackenzie e cofundador do Instituto Liberdade Digital.
Segundo ele, o sistema de freios e contrapesos idealizado na Constituição de 1988 para os Três Poderes da República não funciona mais no Brasil: nem o presidente da República, nem os presidentes da Câmara e do Senado, e tampouco o procurador-geral da República exercem seus devidos papéis.
"O sistema de contrapesos está totalmente desbalanceado. E isso exige freios. O Judiciário, ao promover esse freio, está num papel ingrato, ocupa o papel de julgador e vítima. O Judiciário vem abrindo mão da sua própria autocontenção e esse processo desequilibra todas as instituições; cada vez mais tem dado um passo além da própria norma quando ele é a própria vítima."
E que cenário nos espera? Se o Legislativo não reagir à altura, afirma Rais, "o caminho inevitável será uma ruptura, em que o Judiciário determinará a saída do presidente da República, e ele não aceitará".
"O Judiciário tem buscado uma espécie de contragolpe. Tem preparado uma atuação mesmo fora de sua própria força para evitar o que tem entendido como um golpe", diz o professor, que vê indícios de crime de responsabilidade nos discursos de Jair Bolsonaro nos atos de 7 de Setembro.
O Supremo Tribunal Federal
DW Brasil: Considerando o conteúdo dos discursos de Jair Bolsonaro no 7 de Setembro, com novos ataques ao STF em que assume que descumprirá decisões judiciais, a contenção a ele é possível só no campo jurídico ou precisa ser também política?
Diogo Rais: Acredito que, pelo teor dos discursos, é possível sim enquadrar crime de responsabilidade do presidente da República. Em especial pelo embaraçamento do livre exercício dos Três Poderes, no caso o Judiciário, e também pelo constrangimento de um juiz, um ministro do Supremo, o ministro Alexandre de Moraes. Se uma decisão judicial for descumprida, e usada a Presidência da República para seu descumprimento, também se caracteriza aí um crime de responsabilidade. Crime de responsabilidade tem processamento jurídico e político. Depende do presidente da Câmara para ser processado. Porém, não se anula a possibilidade de apuração de crime na justiça comum após o mandato. O campo jurídico se alia ao político para a contenção dessa espécie de ação, contra o exercício de um dos Poderes.
Porém, no Brasil hoje, temos portas de entrada comprometidas, como a Procuradoria-Geral da República, no caso de crimes comuns do presidente, e a Câmara dos Deputados, no caso de impeachment. As portas políticas, ao que parece, podem não funcionar. Daí, excepcionalidades podem surgir como, por exemplo, o Judiciário substituir a inação dessas portas políticas. Não é comum, não está previsto na lei, mas já tivemos exemplos, como agora no inquérito [das fake news] quando o Supremo decide prosseguir mesmo sem a PGR fazer esse papel. É possível que haja uma construção jurídica de defesa da Constituição e que haja alguma ponte para esses entraves políticos. Pelo perfil [do presidente] e pelos precedentes que temos, é possível que o Supremo passe por cima dos entraves políticos e crie uma contenção jurídica para dar efetividade ao crime de responsabilidade.
Grupos bolsonaristas que protestaram no 7 de Setembro dizem ser vítimas de censura e alegam que a liberdade de expressão está sendo desrespeitada. Esse tipo de manifestação pode ser encoberta por essa narrativa?
Temos algumas dificuldades no sistema brasileiro de delimitar exatamente o que é liberdade de expressão. Alguns países têm isso muito claro. Os EUA, por exemplo. A maioria dos países não tem essa clareza. O Brasil, no momento em que está, tem menos clareza ainda. A ideia de liberdade de expressão é mais do que um direito: é o direito ao direito de se manifestar. É uma garantia, uma proteção. Manifestação política é permitida, opiniões e ideias devem ser protegidas e garantidas. O discurso em si é legítimo até o momento em que se transforma em potencial de violência, seja física, moral ou discriminatória. Quando alguém faz discurso enérgico contra uma pessoa, uma ideologia, perde a sua proteção quando ameaça, ou convoca grupos a provocarem determinada violência. Esse é o desenho do limite. Perde a proteção da liberdade de expressão aquele que resolve dar um passo a mais, incentivando qualquer tipo de violência.
Há uma linha tênue entre opinião, discurso, e incitação ao golpe, à violência, ao ódio? Como diferenciar isso no campo jurídico?
Por que não se tem uma lei dizendo exatamente o que vai para violência e o que não vai? Porque não é possível definir, em abstrato, um parâmetro. O contexto é um dos fatores mais importantes do que o próprio discurso. Exemplo: um sujeito diz: "Eu quero comprar uma bazuca e explodir a cabeça de outra pessoa". Qual é a chance real de isso acontecer? Dependendo do contexto, seria pior se ele dissesse que vai dar um soco na boca da pessoa. É menos lesivo, mas muito mais provável. Então o contexto é determinante. Quem decide isso? O Judiciário, ciente de um caso concreto.
No momento em que vivemos, a única instituição capaz de decidir isso é justamente a mesma instituição que tem sido vítima desse processo. Temos aí uma mistura de papéis que talvez tenha nos levado a esse momento sem freios das instituições. Talvez isso seja mais sintoma do que a causa. Talvez tenhamos perdido a autocontenção justamente por essa confusão de papéis entre vítima e agente disciplinador, julgador.
A liberdade de expressão está prevista na Constituição. As punições para tentativas de golpe ou incitação à violência também?
A liberdade de expressão está expressa na Constituição, mas também espalhada em diversas legislações infraconstitucionais. Na Constituição temos a proteção à democracia, as cláusulas pétreas, que são conteúdos imutáveis. O que acontece é que o que tem sido utilizado nesses procedimentos é a Lei de Segurança Nacional, que agora foi revogada, mas prevê o ataque contra as instituições. Curiosamente, a LSN foi utilizada de forma bilateral. O Executivo a utiliza para buscar o processamento e punição de pessoas que tenham chamado o presidente de genocida, como no caso do [youtuber] Felipe Neto, e o STF usa a mesma norma para buscar pessoas que falam contra o próprio Supremo ou as urnas eletrônicas, como fez com o [deputado] Daniel Silveira e outros.
Com a atualização da LSN, podemos ter vários questionamentos, inclusive sobre o próprio inquérito vigente [das fake news, no STF]. Quando não há amparo legal preciso, como aquela decisão sobre a desmonetização de canais bolsonaristas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que segundo a PF disseminavam fake news – o Judiciário constrói isso com base em normas abstratas, como a proteção ao Estado democrático. Isso mostra que, neste processo, a falta de autocontenção dos Poderes tem feito as instituições alargarem seus próprios poderes.
Qual sua opinião sobre o novo texto da LSN aprovado? Há críticas de que alguns artigos são muito amplos e vagos.
Imagina a gente ter que medir se determinado conteúdo pretende abolir o Estado de direito, enfraquecê-lo ou colocá-lo em dúvida? A estratégia foi deixar a norma elástica, e isso pode trazer problemas. Considero perigoso para Estados democráticos porque amplia demais a possibilidade de enquadramento. A lei atual acaba dependendo muito do Judiciário para a sua construção. Quando as instituições estão sadias e funcionam bem, provavelmente esta seria a lei ideal. Agora, com as instituições sob ameaça, ou se contendo demais, ou abrindo mão da sua autocontenção, podemos ter desvios ao ponto desse conteúdo se transformar em perseguição de opinião de fato. É como se a lei fosse incompleta e dependesse do Judiciário, ao analisar casos concretos, a sua completude. Isso é bom ou ruim? Depende. Cria incerteza e insegurança diante de um ponto tão sensível. Concordo com a nova LSN, o novo texto é melhor do que o que tínhamos, mas há pontos vagos.
Quando um presidente ou um parlamentar adota discurso de ódio contra uma instituição ou membros dela, ou quando um militar, que detém o uso da força letal, vai para as ruas armado, é algo distinto da "tia do WhatsApp" que só repassa mensagens. Como o Judiciário interpreta a questão do emissor?
A característica do emissor normalmente é resolvida por normas interna corporis de determinada categoria. No Legislativo, temos o Código de Ética. Algumas infrações podem não ser ilegais, mas ferem o decoro, embora os parlamentares tenham a imunidade parlamentar, ou seja, a possibilidade de não serem perseguidos por sua opinião, desde que no exercício da função. No caso dos militares, o Código Penal Militar prevê a impossibilidade de eles participarem de manifestações políticas. É condição, para ser militar no Brasil, ter a diminuição de direitos políticos. Isso se justifica pelo uso da arma, pela letalidade, e também pelo poder investigativo que os militares têm. O Judiciário tende a olhar isso com muito rigor. Não se pode abrir mão disso. O caso do Pazuello [general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde e da ativa] feriu a regra militar. Contrariou todas as leis.
Pegando esse exemplo do Pazuello: a corporação militar não o puniu por uma atuação política. No Congresso, parlamentares, incluindo os filhos do presidente, ultrapassam limites e não são alvos do Conselho de Ética. Falta a contenção das instituições?
Essa falta de autocontenção das instituições tem relativizado a sua forma de atuação. Cada vez mais, isso tem colaborado até para uma ruptura institucional. A instituição é sempre a responsável por sua própria ruptura quando ela não se autocontém, é sempre uma implosão, e não explosão. O procurador-geral da República não parece fazer seu papel. O presidente da Câmara também não faz o seu papel de modo pleno. O Judiciário não faz seu papel de modo pleno ou contido, me parece exagerado. E o presidente da República também. Temos um abalo das estruturas por dentro das próprias instituições. Por mais curioso que seja, os ataques internos é que são os verdadeiros problemas.
PROTESTOS CONTRA BOLSONARO NO 7 DE SETEMBRO
Considerando o contexto atual, com instituições no vácuo e o Judiciário tentando responder a Bolsonaro com freios que caberiam a outros Poderes, para que cenário caminhamos? O Judiciário mexeu num vespeiro?
Sinceramente, acho que o Judiciário já entrou nesse vespeiro. Nosso desenho constitucional, quando pensou os Três Poderes, distribuiu freios e contrapesos a todos eles. O Executivo tem um freio do Legislativo, com o poder de impeachment e de agente fiscalizador. O Executivo está sujeito à contenção do Judiciário, que o limita e pode anular seus atos. Ao Legislativo, embora seja um colegiado, cabe a autocontenção, além de também haver o Judiciário para contê-lo. Já o Judiciário tem a autocontenção como seu maior valor, o maior freio e contrapeso. Cabe a ele a última palavra, a "coisa julgada", a possibilidade de encerrar um assunto. O Legislativo tem o poder de conter o Judiciário, com o impeachment de ministros, mas é um poder limitado. Basicamente, o que faz segurar o Executivo? O Judiciário mais o Legislativo. O que faz segurar o Legislativo? Ele próprio e o Judiciário. E o que faz segurar o Judiciário? O próprio Judiciário e o Legislativo. E temos a Procuradoria-Geral da República, que faz esse controle do Judiciário à Presidência da República.
O que acontece hoje? A presidência da Câmara é ocupada por Arthur Lira (PP-AL), que demonstra sintonia forte com Bolsonaro. O presidente da República não é uma pessoa autocontida. A PGR tem se demonstrado favorável ao presidente da República e adversa a seus compromissos constitucionais. O sistema de contrapesos está totalmente desbalanceado. E isso exige freios. O Judiciário, ao promover esse freio, está num papel ingrato, ocupa o papel de julgador e vítima. E é muito difícil você não decidir as coisas com o fígado quando você é a própria vítima. O Judiciário vem abrindo mão da sua própria autocontenção e esse processo desequilibra todas as instituições. Na hora de acionar os freios, é necessário ter legitimidade. O Judiciário cada vez mais tem dado um passo além da própria norma quando ele é a própria vítima. Por outro lado, o presidente da República faz campanha eleitoral antecipada com recursos públicos. Isso dá ao Judiciário uma carta na manga que poderá declará-lo inelegível, por abuso do poder econômico. Bolsonaro, a cada dia, cria mais provas contra si mesmo. E o Judiciário, a cada dia, dá um passo a mais para enfrentar esse jogo perigoso do presidente. Daí a preocupação com a ruptura institucional cresce, porque não temos mais nenhum tipo de equilíbrio. Só o Legislativo teria condições de fazer essa ponte. Senão, o caminho inevitável será uma ruptura, em que o Judiciário determinará a saída do presidente da República, e ele não aceitará.
Mas não temos um Ulysses Guimarães no Congresso hoje.
Não temos lideranças no Congresso, nem nos postos-chave, na PGR, nas presidências da Câmara e do Senado. Enquanto não tiver um movimento que busque a estabilização política, caminhamos, sim, para uma ruptura. Talvez o maior perigo em matéria de militarização esteja nos estados, com polícias militares, e não no âmbito federal, com as Forças Armadas.
Nesse contexto, a atuação do Judiciário é compreensível?
Claro. Às vezes parece que estou contra o Judiciário, mas acredito que ele tem buscado uma espécie de contragolpe. Sabe aquela frase: se for jogar, jogue limpo; mas se for jogar contra alguém que joga sujo, também jogue sujo. Estou achando que as instituições no Brasil entraram nessa. O Judiciário tem preparado uma atuação mesmo fora de sua própria força para evitar o que tem entendido como um golpe. Não é talvez um espaço de culpados. Ninguém foi enganado. Sinceramente, Bolsonaro talvez seja o presidente que menos mudou depois de eleito. O problema é que ele continua em campanha, e tinha que ter se transformado num governante.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/judici%C3%A1rio-busca-o-contragolpe-para-conter-bolsonaro/a-59116137
Míriam Leitão: No fim do dia, Bolsonaro estava mais isolado
Presidente da República cometeu crimes de responsabilidade em série e avisou de forma estridente que não vai parar seu golpe
Míriam Leitão / O Globo
A alguns interlocutores de sua confiança, o presidente Bolsonaro havia prometido usar dois tons nos discursos. Seria mais forte em Brasília e menos em São Paulo. Fez o oposto. Foi beligerante nos dois, mas muito mais em São Paulo. O radicalismo assustou até aqueles políticos que pensavam ser possível montar uma ponte entre o presidente e os outros poderes. Por isso o MDB falou em impeachment, o PSDB tenta superar suas divisões para defender o impedimento, o PSB, desde a véspera, já não descartava essa hipótese. Nos bastidores da política, PP, PL e Republicanos estão se queixando muito das atitudes do presidente. “E essas queixas são o primeiro passo” — afirmou uma fonte política. Uma fonte militar me disse: “O tom foi muito além do necessário, não se faz uma Nação avançar na anarquia.” No fim do dia, Bolsonaro estava mais isolado.
Uma autoridade definiu os eventos com uma expressão forte, que preciso compartilhar com os leitores. “Ele deu uma despirocada.” Se por um lado houve quem concluísse que “uma pessoa que coloca tanta gente na rua não pode ser menosprezada”, por outro, foi constante a crítica à histeria do presidente, como na parte em que disse que não cumprirá ordem do ministro Alexandre de Moraes. “Isso beira um perigo muito maior.” O delirante anúncio da reunião do Conselho da República provocou deboche. “Foi a reunião Porcina”, ironizou um membro do Conselho.
A área econômica esperava que a manifestação fosse grande, pacífica e permitisse o plano do dia 8: encontrar canais de diálogo para a pauta da economia. Agora tudo ficou emperrado. E na Faria Lima a elite econômica se afastou mais um pouco do presidente.
Bolsonaro pode fazer suas contas de perdas e ganhos, os políticos podem redefinir e os investidores sair das suas posições. O grande dilema é do país. Qual é o risco de o Brasil tolerar o que houve ontem? O que houve foi que o presidente da República cometeu crimes de responsabilidade em série e avisou de forma estridente que não vai parar seu golpe contra as bases da democracia brasileira.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/no-fim-do-dia-bolsonaro-estava-mais-isolado.html
Malu Gaspar: O xadrez que pode levar ao impeachment de Bolsonaro
Magistrados interpretaram o discurso da Paulista como um ataque não a alguns ministros, mas ao próprio Judiciário
Malu Gaspar / O Globo
O silêncio no zap das autoridades em Brasília depois do discurso de Jair Bolsonaro indicava que o que tinha acabado de acontecer havia mexido com os cálculos políticos de todos eles. Indicava, também, que vai começar uma nova etapa na longa crise vivida pelos poderes. Mas, para saber se ela será capaz de levar ao impeachment, vai ser preciso ver como os líderes do Judiciário e do Congresso, especialmente o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), vão se entender nos bastidores.
Os magistrados interpretaram o discurso da Paulista como um ataque não a alguns ministros, mas ao próprio Judiciário. "Ou tiramos ele, ou ele implanta a ditadura", me disse um interlocutor dos togados.
Todos sabem, porém, que a saída não se dará por canetada de juiz e sim pela política. Para isso precisam de Lira, que nunca teve interesse em afastar Bolsonaro. Pelo contrário. Cada pedido de impeachment só amplia seu poder. Sua cota bilionária do orçamento secreto é a expressão mais concreta disso.
É verdade que desde 2020, quando Bolsonaro anunciou no QG do Exército que "acabou a patifaria, agora é o povo no poder", sua situação se deteriorou bastante. Naquela época, o empresariado ainda o apoiava, a inflação não era um problema e a pandemia não havia matado mais de 580 mil pessoas.
Mas, políticos experientes que são, Lira e os líderes do Centrão não desprezam o apoio recebido pelo presidente nas ruas. Também não vão abrir mão de Bolsonaro antes da aprovação do Orçamento de 2022 e do fundo eleitoral.
Acontece que um processo de impeachment pode levar meses, e nesse tempo serão decididas questões importantes que dependem da Justiça e podem inviabilizar o governo – como o enrosco dos precatórios, os inquéritos contra o bolsonarismo e ações contra o orçamento secreto.
Tais decisões podem ajudar a convencer Lira e o Centrão de que eles têm mais a perder ficando com o presidente do que jogando-o ao mar. Resta saber se a solução das togas e da oposição será politicamente mais eficaz do que a caneta do presidente da República.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/o-xadrez-que-pode-levar-ao-impeachment-de-bolsonaro.html
Elio Gaspari: Há três setes na mesa dele
Bolsonaro está sem rumo
Elio Gaspari / O Globo
Se Donald Trump tinha um plano para a insurreição de 6 de janeiro, durou cerca de seis horas. Se Bolsonaro tinha o seu plano para o 7 de Setembro, durou menos de quatro horas. Às 11h43, ele anunciou a convocação do Conselho da República, sabe-se lá para que, e lá pelas 15h o Palácio do Planalto informou que a reunião estava esquecida.
No seu discurso matutino, Bolsonaro mostrou-se desorientado. Referindo-se ao ministro Luiz Fux, ele disse: “Ou o chefe desse Poder enquadra o seu, ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”. A frase não faz sentido. O presidente do Supremo não tem poder para “enquadrar” a Corte. (A menos que Bolsonaro esteja fazendo fé na faixa preta de jiu-jítsu de Fux.) Também não tem sentido o “sofrer aquilo que não queremos”. Primeiro, porque falta dizer o que “queremos”, depois porque falta explicitar o que significa “sofrer”. À tarde, Bolsonaro fulanizou sua carga contra o ministro Alexandre de Moraes: “Ou ele se enquadra ou pede para sair”. Não disse como, nem por quê. Também não explicou o mecanismo legal que poderá livrá-lo de Moraes.
Hoje, ao chegar ao Planalto, Bolsonaro não terá na agenda a tal reunião com o Conselho da República, mas lá estarão os três setes que assombram o Brasil no seu 199º ano de existência:
O litro da gasolina a R$ 7, com a inflação e os juros arriscando chegar a 7%.
Isso para não falar nos 14 milhões de desempregados num país que rala em pandemia que já matou mais de 580 mil pessoas. Todos esses problemas exigem que o governo trabalhe. É serviço para formigas, não para cigarras.
Se qualquer dos problemas que estão sobre a mesa de Bolsonaro pudesse ser resolvido tirando Moraes ou qualquer outro ministro do Supremo, eles certamente mandariam as togas para o Planalto. Contudo, no seu discurso vespertino, Bolsonaro pronunciou a palavra mágica de suas ansiedades: “inelegibilidade”.
Bolsonaro tem uma só preocupação: continuar na Presidência. Teme perder a eleição, por isso continua satanizando as urnas eletrônicas. Sabe que corre o risco de ser declarado inelegível pelo que fez e deixou fazer em suas campanhas e antecipa-se. Declará-lo inelegível em 2022 por malfeitorias de 2018 dará ao processo legal um cheiro desagradável de tapetão.
Nada melhor que chamar os eleitores, computar os votos e empossar o candidato que tiver mais votos.
Até a hora em que Bolsonaro terminou seu segundo discurso, o 7 de Setembro de 2021 transcorreu em paz. Ficou apenas uma ameaça de Bolsonaro: ele diz que não cumprirá ordens da Justiça que vierem a desagradá-lo. A ver.
Bolsonaro diz que continuará dentro das quatro linhas da Constituição, mas ameaça sair do quadrado, sem dizer como. Falta pouco mais de um ano para a eleição, e novas crises virão.
Os três setes continuarão sobre a mesa do presidente, com suas próprias tensões. As ruas continuarão abrigando gente que acredita em cloroquina, no grafeno, no nióbio e nas fraudes das urnas eletrônicas.
A História oferece um refresco. Os restos mortais de Napoleão chegaram a Paris em 1840, 19 anos depois de sua morte. Naqueles dias, só no manicômio de Bicêtre, havia 14 Napoleões.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/ha-tres-setes-na-mesa-dele-25188247
Vera Magalhães: Falta vacina para conter Bolsonaro
Arthur Lira é cúmplice dos sucessivos crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro
Vera Magalhães / O Globo
Os remédios da Constituição de 1988 podem ser eficazes para evitar que Jair Bolsonaro dê um golpe de qualquer dimensão ou natureza, mas não são suficientes para removê-lo do posto diante de suas diárias e cada vez mais diretas ameaças à própria existência da democracia. O que nos leva à possibilidade real de termos de conviver por um ano e três meses com esse caos provocado única e exclusivamente pelo presidente da República, caso alguns atores não sejam instados a mudar sua conduta.
Falta ao nosso ordenamento jurídico uma vacina, o tipo de rito que permita conter de forma mais clara e rápida esse tipo de golpismo do século XXI, de que o presidente brasileiro é um expoente cada vez mais peculiar, porque tanto bebe das fontes internacionais quanto passa a ser visto como case a inspirar outros aprendizes de ditadores, pelas dimensões e pela importância estratégica do Brasil.
O impeachment, tratamento clássico para crimes de responsabilidade e para momentos em que governos se mostram disfuncionais, não é uma opção concreta no momento, mesmo diante da exorbitação de todos os limites cometida por Bolsonaro em seus dois discursos neste 7 de Setembro de conformação antidemocrática.
Arthur Lira é cúmplice dos sucessivos crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro não só contra os demais Poderes, mas também no enfrentamento da pandemia. Só deixará de ser conivente se houver uma pressão tremenda de todos os partidos do Centrão, grupo que coordena à base de dinheiro público na veia. Como ainda não cessou a fonte de recursos, inútil contar com isso.
A saída propugnada pelo ministro Ricardo Lewandowski em artigo recente — enquadrar o presidente da República por crime contra a existência do próprio Estado Democrático — depende da ação do procurador-geral da República, o igualmente cúmplice Augusto Aras. Ainda que ele seja tomado de uma independência súbita, uma eventual denúncia apresentada pelo procurador-geral contra o presidente tem de passar pelo crivo da mesma Câmara comandada por Lira.
O que nos leva à angustiante situação de estarmos num labirinto, presos a Bolsonaro, a seus arbítrios e à rede de condescendência que foi criando em torno de si à base de assaltos diários nunca contidos contra as instituições.
Ele não se moderará. Depois de romper todos os limites do bom senso na Esplanada dos Ministérios e na Avenida Paulista, nada indica que recuará. Pelo contrário: além de ameaçar não cumprir decisões judiciais, reciclou a ameaça de não aceitar o resultado das urnas.
Que não se incorra no erro de subestimar seu poder de persuasão contando cabeças nos protestos deste feriado: foram muitas, o suficiente para manter o Brasil preso a uma agenda distópica daqui até as eleições, para incalculável prejuízo da economia, do tecido social e das mesmas instituições que resistem aos trancos e barrancos a atentados contra sua existência.
Diante da constatação do impasse, ministros do STF reconhecem a inexistência de mecanismos específicos para lidar com o golpismo altamente digital, financiado de forma sub-reptícia, que subverte conceitos como liberdade de expressão e a própria democracia. Daí por que os inquéritos que atualmente estejam sob a responsabilidade do ministro Alexandre de Moraes sejam a barreira possível à expansão desse mecanismo — e, justamente por isso, o alvo da ira bolsonarista.
Que se dependa de instrumentos provisórios e, mesmo eles, de alcance limitado para moderar um presidente incontrolável é a prova cabal de que a Constituição pode não ruir diante das investidas de Bolsonaro contra ela, mas sairá bastante esvaziada e combalida, como de resto todo o país, dos quatro anos de turbação da vida nacional a que os eleitores nos condenaram em 2018.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/falta-vacina-para-conter-bolsonaro.html
Bruno Boghossian: Ameaça de Bolsonaro ao STF já representa manobra autoritária
Ao indicar atropelo a decisões do tribunal, presidente prepara terreno para golpe final em 2022
Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo
Jair Bolsonaro conseguiu o que queria. Com a articulação de empresários do agronegócio, líderes religiosos e políticos aliados, o presidente levou uma quantidade razoável de gente para as ruas de Brasília, São Paulo e outras cidades. Não houve tanque na praça dos Três Poderes para fechar o STF, mas o capitão já lançou uma manobra autoritária.
Bolsonaro nunca demonstrou interesse em permanecer no campo da democracia, e o movimento feito pelo presidente no 7 de setembro expôs de maneira aberta o projeto para expandir seus poderes. Nos discursos para os manifestantes, ele disse que ministros do Supremo deveriam mudar de comportamento, "ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos".
A ameaça explícita tem dois objetivos imediatos: intimidar o tribunal e abrir caminho para que Bolsonaro descumpra determinações judiciais. "Ou entram nos eixos, ou serão simplesmente ignoradas da vida pública", disse o presidente, em vídeo divulgado ainda pela manhã.
O movimento é golpista porque um presidente não tem o poder de definir os limites que ele deve ou não respeitar. É autoritário porque vem acompanhado de sinais nada velados de uso da violência, com acenos às Forças Armadas, incentivo ao envolvimento da polícia e incitação de militantes que falam claramente em invadir o Congresso e o STF.
Os primeiros alvos de Bolsonaro são as decisões do Supremo que incomodam sua família e seu grupo político, como a prisão de aliados e as investigações sobre ameaças ao processo eleitoral. Em 2022, essa mesma plataforma tende a ser explorada para ignorar decisões de tribunais superiores durante a campanha e desrespeitar o resultado da urna.
Essas investidas também ajudam Bolsonaro a reaglutinar parcelas de uma base de apoio que esmoreceu ao longo do governo. Até aqui, parece improvável que a expansão desse núcleo seja suficiente para garantir uma vitória no voto, mas pode ser forte o bastante para dar sobrevida a seu plano de melar as eleições.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/09/ameaca-de-bolsonaro-ao-stf-ja-representa-manobra-autoritaria.shtml
Hélio Schwartsman: É preciso agir contra os ataques de Bolsonaro
Num país mais decente, Bolsonaro já teria sofrido impeachment há tempos
Hélio Schwartsman / Folha de S. Paulo
O tão temido 7 de Setembro de Bolsonaro não produziu mais do que discursos delirantes e incidentes isolados, como era mais ou menos esperado. O problema é que a coisa não acabou. O capitão reformado segue à frente do Executivo e continuará a investir contra os outros Poderes. Nesse contexto, o Dia da Pátria foi uma escalada, precipitada pelo desespero de quem vê suas chances de reeleição minguarem, mas ainda assim uma escalada. Devemos esperar mais ataques à democracia.
Num país mais decente, Bolsonaro já teria sofrido impeachment há tempos. Ao nem sequer abrir um processo para avaliar se o presidente comete crimes de responsabilidade, a Câmara dos Deputados normaliza suas atitudes antidemocráticas. Felizmente, a resistência ao golpismo presidencial não está limitada ao Parlamento. A cúpula do Judiciário, alvo dos principais ataques de Bolsonaro, sentiu na pele a pressão e resolveu reagir.
A capacidade de resposta do STF e das cortes superiores, porém, é limitada, porque a Constituição blinda o presidente contra ações penais. Elas só podem ser iniciadas com o aval do procurador-geral da República e de 2/3 dos deputados. Mas é possível tentar frear o presidente por outras vias. O TSE já tem os elementos para considerá-lo inelegível em 2022. Também é possível encarcerar os aliados mais exaltados do capitão reformado e até algum dos filhos. No limite, o STF poderia determinar medidas cautelares contra um presidente que comete crimes inafiançáveis e imprescritíveis descritos na Constituição.
Esses são remédios de emergência que talvez se façam necessários. A resposta correta, contudo, como venho insistindo aqui há mais de um ano, teria sido o impeachment. Um observador benigno pode até achar que a população foi enganada pela campanha mentirosa de Bolsonaro quando o elegeu. Mas não há desculpa para a sociedade que tolera ver ataques constantes à democracia sem tomar uma atitude.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/09/e-preciso-agir-contra-os-ataques-de-bolsonaro.shtml