política
BRICS ainda é prioridade estratégica para o Brasil
Serra faria bem em enviar um sinal inequívoco de que país está disposto a fortalecer a cooperação.
Há quase dez anos, em 2007, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva era um dos palestrantes mais esperados no Fórum Econômico Mundial de Davos. Um enorme fluxo de investimentos transbordava um dos mercados emergentes mais empolgantes do mundo, e o chanceler Celso Amorim — que mais tarde seria considerado “o melhor ministro das relações exteriores do mundo” pela revista norte-americana Foreign Policy — estava começando a expandir a presença econômica e diplomática do Brasil ao redor do mundo.
Era a primeira vez que um país da América do Sul estabelecia uma rede tão ampla de embaixadas, a ponto de rivalizar com as de grandes potências. Um ano mais cedo, Amorim começara a se encontrar regularmente com seus pares na Rússia, Índia e China para discutir como os países BRIC poderiam fortalecer seus laços de cooperação e articular posições para lidar com desafios globais de forma conjunta. O grupo BRICS (que desde 2010 passou a incluir a África do Sul) se tornou rapidamente uma das inovações mais importantes da política mundial desde a virada do século, e foi capaz de chamar a atenção de potências tradicionais para a necessidade de adaptar estruturas globais a novas realidades.
De volta a 2016, o desempenho da economia brasileira é um dos piores do mundo, o país é comandado por um Governo interino envolto em escândalos e abalado por protestos, medidas de austeridade e uma espantosa investigação de esquemas de corrupção que ameaça as carreiras de grande parte da elite política do Brasil. Observadores internacionais consideram os BRICS como algo do passado, e alguns analistas brasileiros acreditam que o grupo já não deve ser prioridade para a política externa brasileira.
Eles não poderiam estar mais errados.
A sugestão de negligenciar o BRICS não leva em consideração as amplas vantagens estratégicas que a participação no grupo traz ao Brasil. Não tratá-lo como uma prioridade (por exemplo, se esquivando de ir à Cúpula anual) seria um erro cabal. Há três razões pelas quais o grupo é essencial para os interesses estratégicos do Brasil.
A primeira e mais importante é que a adesão aos BRICS providencia ao Brasil acesso direto e institucionalizado às lideranças políticas em Nova Déli e Pequim — um privilégio que o país não necessariamente teria de forma automática a cada ano. Apesar da desaceleração do crescimento econômico, espera-se que a China cresça em torno (ou até mais) de 6% em 2016 e 2017. O desempenho da Índia tem sido ainda melhor e espera-se que o país crescerá mais rápido do que a China. O FMI prevê que a China e a Índia contribuirão com mais de 40% da expansão da economia global até 2020 – em comparação, os Estados Unidoscontribuirão com apenas 10%. Atualmente, já se contabiliza mais riqueza privada na Ásia do que na Europa, e espera-se que a China, independentemente da atual desaceleração, supere os Estados Unidos como a maior economia do mundo.
O Brasil deve fazer muito mais para se adaptar a essa nova realidade, e não há dúvidas de que o futuro do país dependerá em grande parte da Ásia. O grupo BRICS importa neste contexto porque representa muito mais do que cúpulas presidenciais anuais. Na realidade, o grupo inclui mais de 15 reuniões a nível ministerial por ano, que auxiliam na promoção de cooperação intra-BRICS em áreas tão diversas como agricultura, educação, economia, ciência e tecnologia — sem mencionar o Novo Banco de Desenvolvimento, criado no âmbito do BRICS.
Como a influência crescente da China na Venezuela afeta os interesses nacionais brasileiros? Como a região como um todo deveria responder ao papel da China? Nenhuma dessas questões tem sido abordada a sério.
Em segundo lugar, a próxima reunião de Cúpula do BRICS na Índia em outubro é uma chance única para o presidente interino Michel Temer apresentar como ele está tentando superar as atuais adversidades do Brasil. Com a reputação do país em frangalhos, investidores asiáticos precisam ser reassegurados de que a investigação sobre corrupção em andamento é um passo na direção certa, que em última instância levará o Brasil a ser um país mais amigável para investidores. Temer, portanto, deveria ser acompanhado dos principais líderes da sua equipe econômica, os quais deveriam visitar investidores em vários centros financeiros asiáticos após o encontro da cúpula.
Finalmente, a adesão do Brasil ao grupo BRICS, junto com seu status de membro fundador no Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) e o Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, são sinais importantes de que a presença global estratégica do país estabelecida na primeira década do século 21 é permanente e não será afetada substancialmente pela crise atual. As instituições citadas acima são símbolos de um maior deslocamento em direção à Ásia, que impactará o Brasil mais do que muitos estão cientes.
Enquanto a China se tornou o maior parceiro comercial do Brasil em 2009, a elite brasileira na política, nos negócios, na mídia e na academia estão ainda lamentavelmente ignorantes em relação à China e à Ásia como um todo. Pouquíssimos diplomatas brasileiros falam chinês e jovens estudantes nas melhores universidades brasileiras ainda preferem passar seus semestres de intercâmbio em Barcelona ou Paris em vez de Pequim ou Xangai. Não há um único programa de dupla diplomação entre universidades brasileiras chinesas e, no lugar de enviar correspondentes para a China, muitos jornais brasileiros compram conteúdo relacionado à China de jornais estrangeiros.
Isso mostra que o Brasil está entre os grandes países menos preparados para o surgimento de uma ordem mundial centrada na Ásia. Considerando a crescente influência da China na América do Sul, esta falta de preparo cria sérios riscos estratégicos. Como a influência crescente da China na Venezuela afeta os interesses nacionais brasileiros? Como a região como um todo deveria responder ao papel da China? Nenhuma dessas questões tem sido abordada a sério. O fato de que alguns pensadores (particularmente entre a esquerda da América Latina) ainda veem o crescimento da influência chinesa na região como positiva simplesmente porque Pequim é tido como adversário de Washington mostra quão incipiente é o debate na região — como o exemplo africano mostra, as coisas são bem mais complexas do que isso.
Independentemente da orientação ideológica de seu Governo, qualquer país no mundo hoje deve construir o conhecimento necessário para se envolver significativamente com a Ásia (e especialmente a China), que será em breve o centro econômico do mundo. Com o grupo BRICS, o Brasil já tem a sorte de ser parte de um fórum institucionalizado que facilita esse processo.
É pouco provável que o Brasil se afastará do grupo de maneira abrupta. O chanceler sabe da importância do BRICS. No entanto, considerando que há algumas dúvidas em Pequim e Déli em relação ao compromisso do novo Governo com o grupo, José Serra faria bem em enviar um sinal inequívoco de que o Brasil está disposto a não só manter, mas a fortalecer a cooperação intra-BRICS.
Oliver Stuenkel é Professor Adjunto de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo
Fonte: El País
'Brexit': O mundo deve agradecer ao Reino Unido
Britânicos demonstraram que a política não é, ou não deveria ser, um jogo frívolo.
“Nunca tantos deveram tanto a tão poucos”, disse Churchill sobre o sacrifício dos aviadores da RAF na Segunda Guerra Mundial. Podemos dizer o mesmo hoje do sacrifício que o Reino Unido fez pela humanidade.
O consenso quase total no mundo é que, ao aprovar sua saída da União Europeia no referendo de quinta-feira, os britânicos (ou, melhor dizendo, os ingleses) cometeram um erro incompreensível, demencial e de proporções épicas. Após conhecer o resultado, os rostos pálidos, os tons de voz entrecortados e inclusive as palavras assombrosamente sóbrias – não triunfais – dos dirigentes conservadores da campanha pelo Brexit deram a impressão de que eles acordaram de manhã, após uma noite de álcool e excessos, se perguntando: “Meu deus! O que fizemos?”.
Isso é ruim para o Reino Unido, mas bom para todos os outros. Os britânicos se encontram repentinamente numa crise econômica e política sem precedentes, tão gratuita como desnecessária, e pela qual só podem culpar a si mesmos. Consequentemente, a democracia parlamentar mais antiga deu ao mundo uma lição de incalculável valor, uma lição sobre como não fazer as coisas num país que aspira à prudência e à prosperidade.
O que o Reino Unido nos demonstrou é que a política não é, ou não deveria ser, um jogo frívolo; que os líderes demagogos, que para alimentar sua vaidade e sua ânsia de poder estimulam a noção de que a sabedoria das massas é a virtude máxima da democracia, devem ser ouvidos com cautela; que as decisões de Estado são todas debatíveis, mas exigem que quem as toma tenha um mínimo de responsabilidade cívica e um mínimo conhecimento de como funciona o Estado; que quando os políticos que governam ou aspiram a governar opinam sobre a economia, por exemplo, devem saber do que falam, ou pelo menos saber mais que o grosso da população.
Em resumo, aqueles que têm em mãos o poder de influir nas vidas de milhões e milhões de pessoas precisam ser especialistas. E foram justamente os especialistas que tiveram seus argumentos rechaçados pela maioria britânica, que optou por seguir as sedutoras melodias dos flautistas do Brexit, conduzindo-os, como o do Hamelin, às catacumbas do inferno.
O 'Brexit' é o sintoma mais alarmante até agora do fenômeno global “antielite”
O momento mais revelador da campanha do Brexit foi quando uma das suas principais figuras, Michael Gove, declarou: “O povo deste país está farto dos especialistas”. Gove, que foi ministro da Educação durante quatro anos no governo de David Cameron, estava respondendo às advertências do Banco da Inglaterra, de líderes sindicais, dos principais empresários britânicos, de Barack Obama e de praticamente toda a gente informada e pensante do mundo, que se expressou contra a saída britânica da UE. Ouçam seus corações e seus julgamentos, dizia Gove aos eleitores, gente que majoritariamente, como as pessoas do mundo todo, se interessa muito mais por futebol, ou por telenovelas, ou por concursos de talento, ou pelas histórias das vidas íntimas dos famosos ou, obviamente, por suas famílias e seus trabalhos do que pela política, um esporte minoritário aonde quer que se vá. Isso, que tanto custa aos ideólogos profissionais aceitar, não é nem bom nem ruim. É o que é, e o que tem para hoje.
E é o motivo pelo qual o primeiro-ministro Cameron pecou de uma irresponsabilidade histórica e de uma idiotice monumental ao delegar a decisão sobre esse tema tão complexo, entendido por uma ínfima fração da população. Se tivesse sido fiel ao princípio da democracia representativa, que os próprios britânicos patentearam no século XVIII, teria deixado a decisão nas mãos de deputados eleitos, relativamente especialistas, entre os quais mais de três quartos eram favoráveis à permanência, e que agora se encontram na surrealista circunstância de precisar obedecer ao veredicto das massas e solicitar formalmente o desligamento a Bruxelas.
Muitos comentaristas da elite e que escrevem para a elite dizem que o Brexit é o sintoma mais alarmante até agora de um fenômeno global contemporâneo “antielite”. Isso virou um chavão, repetido (por um colunista de elite do The New York Times na sexta-feira, por exemplo) à exaustão. Assim é explicada dia após dia, nos Estados Unidos, na Europa e em todas as partes, a ascensão de Donald Trump, primo-irmão dos brexiters. Se tanta gente diz isso, algo de verdade deve ter, supõe-se, mas existe uma explicação mais simples para esses fenômenos, uma à qual as elites opinativas talvez resistam, por temor de serem tachadas de elitistas: que em questões políticas e econômicas nacionais as pessoas são facilmente manipuláveis por quem tem a cínica astúcia de apelar aos seus preconceitos e sentimentos mais viscerais ou tribais, como, no caso dos ingleses, o desdém e a desconfiança ancestrais pelos desumanizados “estrangeiros”, valores incutidos desde a infância.
Com sorte, será mais difícil que os norte-americanos sucumbam a Trump ou os franceses a Le Pen
Por que os londrinos e os escoceses, diferenciando-se de quase todo o resto do Reino Unido, escutaram os especialistas, ignoraram os populistas e votaram esmagadoramente a favor da permanência na Europa? Fácil. Porque os londrinos habitam a cidade mais cosmopolita do mundo, convivem e trabalham com estrangeiros todos os dias, e veem não só que estes contribuem muito para a cidade nos aspectos econômico e social como também que são tão reconhecivelmente humanos quanto eles próprios. No caso dos escoceses, que receberam enormes quantidades de imigrantes em sua terra nos últimos anos e que, quando são pobres, são tão pobres quanto os ingleses, há uma dupla explicação. Uma, que não foram doutrinados com sentimentos xenófobos desde a tenra idade, muito pelo contrário; a outra, que o sistema educacional estatal na Escócia é, como o bem sabe o ex-ministro Michael Gove, muito superior ao inglês. Os escoceses possuem em maior abundância que os ingleses as faculdades mentais necessárias para saber distinguir entre os pregadores farsantes e os sinceros, entre as políticas que lhes convêm e as que não.
A saudável lição que o resto do mundo deve tirar do disparate em que caíram os ingleses, portanto, é estar mais alerta do que nunca ao populismo barato daqueles que pretendem chegar ao poder apelando aos seus preconceitos e ressentimentos. Com sorte, o resultado do referendo britânico e as consequências desastrosas que ele acarretará tornarão mais difícil que o eleitorado norte-americano sucumba ao flautista Trump, ou o francês a Marine Le Pen, do mesmo modo que o apocalíptico fracasso do também disparatado projeto chavista na Venezuela com sorte servirá de advertência a outros países da América Latina.
Se o mundo não aprender com estas lições, talvez chegue o dia em que teremos que rever a ideia de que a democracia é o sistema político menos ruim já inventado pela humanidade. Meu pai, que combateu na RAF de 1939 a 1945, dizia com frequência algo de que tenho me lembrado muito nos últimos dias: que o melhor sistema de governo é a autocracia moderada pelo assassinato. Sempre achei que era uma loucura, e que ele dizia isso de brincadeira. Já não tenho mais tanta certeza.
Fonte: brasil.elpais.com
Alberto Aggio: As falácias vão ficando pelo caminho
Mesmo antes de ser aprovada a admissibilidade do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, o caudal de argumentos contra o impeachment, na imprensa e na opinião pública, adensou-se de maneira impressionante, ganhando parâmetros discursivos que ultrapassavam a fábula do golpe, ainda que este tenha permanecido como o eixo principal da retórica esgrimida pelo petismo para obter apoio, dentro e fora do País, a uma presidente sub judice.
No mais paradoxal de todos os argumentos, afirmava-se que uma possível vitória do impeachment não mudaria em nada a situação do País; não aplacaria a crise econômica e não possibilitaria a retomada do crescimento; não se conseguiria sustar a crise social que bate às portas dos lares brasileiros e, portanto, o desemprego seguiria crescendo.
E que o impeachment tampouco daria fim à corrupção, muito ao contrário: a presença do presidente da Câmara na condução do processo era o sinal de que um futuro governo Michel Temer exterminaria por completo as operações da Lava Jato. O curioso é que, ao se negar qualquer positividade ao impeachment, também se espera tudo dele. No fundo, retoricamente, cobra-se o restabelecimento in acto de um País novamente republicano, próspero e democrático. É um argumento de pés de barro. Como se sabe que, do ponto de vista do realismo político, se trata de uma expectativa inalcançável, pelo menos na dimensão imediata, denota-se que o impeachment, mesmo sendo bem-sucedido, apenas causaria aos brasileiros uma “frustração coletiva”, já que não solucionaria as profundas crises que assolam o Brasil.
Essa narrativa está centrada na interpretação de que o País entrou num beco sem saída, mas governo Dilma Rousseff estaria eximido de qualquer responsabilidade, tendo sido a oposição a causadora de toda a crise. Supostamente, a crise política teria sido iniciada no pedido de recontagem de votos e, em seguida, na cândida ideia de que a oposição não deu trégua à presidente reeleita, apostando no caos e prejudicando a Nação, especialmente os mais pobres. Esse argumento, por demais conhecido, oculta o fato de que o PT nunca admitiu sofrer oposição, mas especializou- se em fazê-la de forma contundente, já que se julga o único portador de uma política social digna do nome, o que é flagrantemente contestado por qualquer pesquisa séria a respeito da realidade nacional recente, desde a redemocratização.
Quando a admissibilidade do impeachment foi aprovada na Câmara, a falácia do golpe ganhou a companhia de discursos laterais: a vitória da “vingança” de um político corrupto, em referência ao deputado Eduardo Cunha, presidente daquela Casa, e a imposição à Nação de uma “eleição indireta” para presidente, representado no embate Dilma versus Temer. Essas avaliações falaciosas se combinaram com ameaças de violência e a busca de “alternativas” políticas à débâcle do governo petista. O ponto nevrálgico dessas alternativas emergiu na proposta, primeiro, de “eleições gerais” e, depois, de “novas eleições” para presidente, expressa na consigna “nem Dilma, nem Temer”.
Duas alternativas inviáveis do ponto de vista constitucional, sem levar em conta a oposição que teriam nas duas Casas do Congresso e, ao que parece, entre as lideranças das bases sociais do PT. Vê-se claramente que não se trata mais de defender o governo Dilma. O que sustenta a inflação de falácias do petismo é a perspectiva de garantir algum futuro ao PT como ator político, levando a conjuntura a um grau extremo de polarização por meio de discursos que afrontam as instituições de representação da cidadania e visam à radicalização das ruas. Derrotado, o PT passou a adotar todo e qualquer casuísmo a fim de evitar que o impeachment devolva normalidade ao País e credibilidade ao novo governo.
Daí as artimanhas, as ameaças e, por fim, a negativa de um processo de transição administrativa, sonegando informações aos futuros governantes. O PT tanto falou em golpe que agora pretende aplicá-lo, com requintes de vingança, em relação ao futuro governo. Já se tornou exaustivo explicar que o processo de impeachment está plenamente justificado em termos legais e que sua legitimidade é indiscutível. Dilma violou a Lei de Responsabilidade Fiscal por meio de mecanismos fraudulentos para esconder, no período eleitoral e depois dele, que não tinha sustentação financeira para manter a economia em bom curso e evitar a crise. Uma política econômica desastrosa se somou a níveis de corrupção jamais vistos, jogando o Brasil numa crise inaudita e de grande profundidade.
Dilma é, portanto, o nome do “retrocesso” que o País está vivendo, em termos econômicos, políticos e até mesmo de convivência democrática. Assim como não há espaço vazio em política, também não há a possibilidade de deixarmos de atribuir a responsabilidade por todo este estado de coisas. Os verdadeiros culpados são mais do que evidentes. Um novo governo pós-impeachment, legítimo em termos constitucionais e necessariamente de transição até 2018, terá como missão primeira tentar paralisar o desastre e de nenhuma forma poderá ser inculpado pela situação do País.
As encruzilhadas da História brasileira invariavelmente encontraram soluções sustentadas pela “via autoritária”. Pode ser que esta seja a primeira vez que estejamos enfrentando um impasse condicionado e determinado pela democracia, que já é, entre nós, uma experiência concreta em termos constitucionais e institucionais, embora nos falte um lastro maior de cultura política democrática.
A insistência na falácia do golpe, com o seu vitimismo, sua artificialidade e suas ameaças, atua no sentido de enfraquecer e virtualmente bloquear a democracia. Desmistificar as falácias do petismo e superar a “herança maldita” do governo Dilma assumem hoje o mesmo significado. (O Estado de S. Paulo – 07/05/2016)
ALBERTO AGGIO É HISTORIADOR, É PROFESSOR TITULAR DA UNESP
As razões da sua política
"Quem não conhece as razões da sua política bem que merece seguir a dos outros, pensando que faz a sua."
*Luiz Werneck Vianna
As cidades em tempos de globalização
Está marcada para este ano em Quito (Equador), entre 17 e 20 de outubro, a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável. A chamada Habitat III é a primeira das conferências da ONU realizada após a definição da Agenda de Desenvolvimento de 2015. Trata-se de um encontro global que tem como um dos objetivos a definição de uma agenda urbana para o século XXI, além de discutir as relações entre progresso e vida nas cidades.
Já pertence ao senso comum a ideia de que o mundo hoje é cada vez mais urbano e menos rural. Imagens de grandes aglomerados urbanos são correntes e contribuem para a formação de um imaginário sobre o panorama das grandes cidades. Na Ásia, os grandes contingentes populacionais convivem com o surgimento de grandes favelas e a desruralização em massa. Na África, países experimentam taxas permanentes de crescimento econômico e ocupação desordenada, criando megalópoles, onde permanecem os problemas estruturais que enfrentam a maior parte dos países deste continente. Na América do Sul, novas iniciativas são desenvolvidas para criar soluções para problemas como violência urbana, delinquência juvenil, mobilidade, entre outros. Na Europa e nos Estados Unidos, os aspectos relacionados a mundialização, desregulação dos mercados, forjam o surgimento de novos debates sobre em que premissas a cidade deve ser planejada, mas também problemas com a socialização de grandes massas de migrantes são cada vez mais pertinentes.
O cruzamento dos dados que envolvem urbanização e desenvolvimento econômico e social tem suscitado a maior parte dos debates no mundo. Estes temas, antes muito restritos aos campos do urbanismo, hoje recebem atenção de cientistas políticos, sociólogos, analistas internacionais, entre outros. Neste último campo, o grande interesse é interpretar os padrões mundiais que interferem sobre as cidades, e como os grandes fluxos de capital e a nova ordem e divisão de poder definem a nova localização destas cidades. Em 1950, por exemplo, as 25 maiores cidades do planeta eram, majoritariamente, européias ou norte-americanas. Nova York era a única megacidade, com mais de 25 milhões de habitantes. Em 50 anos, este quadro mudou inteiramente, e hoje estas cidades estão mais concentradas na Ásia. Hoje, são 23 megacidades, incluindo-se aí Lagos (Nigéria) e Daca (Bangladesh) entre o rol das mais populosas.
Na maior parte do planeta, as instituições políticas não demonstram estar adequadas à esta nova condição. Fala-se de crise de representação, degradação democrática, entre outros conceitos que atestam uma redução da atividade pública política em favor de novos arranjos entre grupos econômicos dominantes. O neoliberalismo e o amplo processo de desregulamentação dos agentes econômicos que constava em seu projeto tiveram como efeito, entre outras coisas, uma retração mundial nestes termos de ocupação do espaço público. Este é um paradoxo, entre o aumento da população urbana e o declínio da participação cidadã.
Esta expansão promoveu um declínio forte na vida pública. O consumo no comércio tradicional em feiras, lojas de rua, foi substituído pelo surgimento de grandes centros comerciais, que reproduziam cidades em seu interior. A (in)segurança pública passou a ser mote para o surgimento de enormes condomínios fechados, que passaram a oferecer toda sorte de serviços, sem que seu morador precisasse deixar seus muros.
A ideia em si do estado de bem-estar foi desvirtuada. A nova realidade política e econômica do pós – Guerra Fria gerou efeitos uniformes em todo o mundo. As políticas neoliberais abriram horizonte para uma ocupação ainda maior das empresas nas cidades. Os conglomerados mundiais passaram a ver a cidade como oportunidade de novos negócios, novas possibilidades de expansão do capital e sua multiplicação.
É preciso, portanto, repensar as formas de viver na cidade. Acompanhe os próximos textos, e veremos como a América do Sul se tornou o lugar essas novas formas de vida política na cidade começaram a surgir com mais força.
Por: Danillo Bragança
Fonte: multimundi.org
1964: A luta política pela democracia - Raimundo Santos
O golpe de 1964 depôs João Goulart e interditou as liberdades democráticas. O seu governo refletia as lutas em favor das "reformas de base" e pela ampliação de direitos. Crescia o movimento de opinião pública em defesa da economia e das riquezas nacionais, inclusive com repercussão nas Forças Armadas. Fortaleciam-se o sindicalismo urbano, os sindicatos rurais, as ligas camponesas e o associativismo de diversas categorias. Intelectuais, áreas do mundo da cultura e estudantes dinamizavam o campo progressista dessa época.
Goulart enfrentou dura oposição da União Democrática Nacional (UDN) e de setores reacionários. Áreas da sua base de apoio, nucleada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e pelo Partido Social Democrático (PSD), oscilavam diante das dificuldades, sobretudo econômicas. As esquerdas se dividiram, parte dela se radicalizou, passando a combater o que chamava de “conciliação” do governo com os conservadores. Goulart chegou ao final de março de 1964 politicamente isolado.
Diferentemente dessa experiência da frente nacional e democrática (expressão daqueles anos), o campo da resistência ao regime de 1964 iria ter como norte as liberdades democráticas (cf. Resolução política do PCB, maio de 1965) e iria se firmar a valorização da democracia política como caminho para alargar direitos e realizar reformas estruturais.
A ditadura logo se deparou com oposição. Em 1965, foi derrotada nos estados da Guanabara e Minas Gerais nas eleições para governador. Entre 1966 e 1968 se formou um campo oposicionista ativado pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), pelas ações de intelectuais e de áreas da vida cultural e artística e pelos estudantes. Os sindicatos recuperavam suas entidades sob intervenção. Essa animação teve o seu ponto alto na passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro.
A ditadura impôs o Ato Institucional n. 5 (AI-5) em 13/12/68, fechou o Congresso, cassou mandatos e direitos políticos e extremou a repressão. Nos anos de chumbo (1969-1975), a tortura teve uso sistemático, numerosos opositores desapareceram e os exílios aumentaram.
Ao contrário das correntes que não viam saída que não fosse o confronto direto, na frente democrática se acreditava, principalmente no Partido Comunista Brasileiro (PCB), que o endurecimento do AI-5 poderia ser barrado por meio da política. O MDB amplia sua atividade nas eleições controladas e até na eleição indireta para Presidente da República de 1973, quando Ulisses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho se lançaram anticandatos. A oposição se fortalece com outras mobilizações (trabalhistas, sobretudo do ABC paulista e do associativismo variado (professores, servidores públicos, comunitário etc.), e com as Diretas Já, até derrotar a ditadura ao eleger em 1985, no Colégio Eleitoral, Tancredo Neves e José Sarney. Em 1988, a nova constituição consolidou a forma democrática de vida dos brasileiros e definiu marcos para as mudanças.
Ir a esse passado ajuda a defender a cultura democrática neste tempo de desvalorização da política e da democracia representativa e suas instituições. E traz até nossos dias um padrão de agir das esquerdas referido ao conjunto da sociedade brasileira, cujos marcos se desenvolveram no contexto da frente democrática de resistência ao regime de 1964.
Raimundo Santos, professor do UFRRJ
Fonte: gilvanmelo.blogspot.com.br
Curso de Formação em Filosofia Política PPS/FAP
Ontem, dia 11 de março, ocorreu mais uma edição do curso de Formação em Filosofia Politica organizado pela parceria PPS municipal de São Paulo e a FAP. A aula, mais uma vez, com um bom número de participantes abordou os filósofos: Santo Tomás de Aquino e Maquiavel.
Santo Tomás de Aquino (1225-1274) foi o maior representante da escolástica, tendência da filosofia medieval influenciada por Aristóteles. Considera que o homem só encontra sua realização na cidade, e o plano político é a instância possível em que o governo não tirânico pode aliar ordem e justiça na busca do bem comum. Outro ponto importante no pensamento deste filósofo é a tentativa de separação entre o poder e a igreja. O poder político, mesmo que seja de origem divina, circunscreve-se na ordem das necessidades naturais do homem enquanto ser social que necessita alcançar seus fins terrenos. Daí que o estudo da política requer o uso da razão natural, não se circunscrevendo apenas ao âmbito da teologia. A Igreja, por sua vez, cuidará da dimensão sobrenatural do destino humano.
Nicolau Maquiavel foi um importante historiador, diplomata, filósofo, estadista e político italiano da época do Renascimento. Nasceu na cidade italiana de Florença em 3 de maio de 1469 e morreu, na mesma cidade, em 21 de junho de 1527. Em 1513, escreveu sua obra mais importante e famosa “O Príncipe”. Nesta obra, Maquiavel aconselha os governantes como governar e manter o poder absoluto, mesmo que tenha que usar a força militar e fazer inimigos. Para este pensador, a ética politica deve ser pensada fora da ética privada. A politica, portanto, é um jogo no qual os fins justificam os meios, e o governante deve ter as habilidades necessárias para joga-lo.
Dentro dessas duas formas de pensamento foram feitas três perguntas para embasar o debate politico entre alunos:
1) A unidade entre a fé e a politica, nos dias atuais, interfere na elaboração do direito positivo (Leis)?
2) É justo utilizar da violência para governar?
3) A ética politica está dissociada da ética privada?
Estes questionamentos geraram uma boa discussão em sala. O primeiro, poderíamos relacionar com a bancada evangélica que cresce, cada vez mais, na Frente Parlamentar do Congresso Nacional e possui caráter conservador. A segunda questão foi vinculada ao uso da força pelo governo de São Paulo para tentar evitar o movimento de ocupação das escolas. E a terceira liga-se ao fato de que a maioria de nossos políticos separam a ética privada da política e, por isso se valem de meios corruptivos para atingirem seus objetivos. Para pensar!
Na próxima quinta-feira mais dois filósofos serão abordados e continuaremos a contextualiza-los com a realidade politica brasileira. Até lá.
Por: Germano Martiniano, Assessor de Comunicação FAP
Cálculo, dissimulação e marketing
Dilma Rousseff sempre advertiu que aqueles que apostassem na ruptura entre ela e Lula perderiam em quaisquer circunstâncias. E assim tem sido desde que Lula a convidou para ser candidata à Presidência da República. Nas campanhas eleitorais, sempre figurou como a mulher que Lula havia escolhido para governar o País pela primeira vez. Uma mulher de capacidades notáveis e de história heroica. Desde que assumiu o poder, não foram poucas as vezes em que Dilma recorreu ao ex-presidente para ouvir seus conselhos, ainda que não os aceitasse de todo. Há aí uma relação entre criador e criatura até agora inabalável.
Lula sempre teve em Dilma Rousseff uma 'persona' tão distinta a ele que poderia cumprir com rigorosidade o papel que ele havia projetado: eleger-se como se Lula fora; e mais: não alçar voo próprio pelas limitações que ele conhecia, além de garantir uma situação favorável para quando ele desejasse retornar ao centro da vida política, reelegendo-se presidente da República.
Entre os dois sempre houve um jogo intencional que mesclou cálculo político, dissimulação e marketing. Precisariam sempre se manter e se refazer, movimentar-se no cenário e, por fim, vender-se como um mesmo produto.
Em relação ao PT, Dilma Rousseff sempre foi menos enfática, mais protocolar e, por fim, mais distante. Nunca se considerou devedora do partido. Dilma efetivamente não é e nunca foi uma liderança partidária, orgânica ao PT ou ao PDT, seu partido de filiação anterior. Suas origens, marcadas pelo voluntarismo da luta armada deixou marcas, não apenas de conduta mas de concepção política.
Mas o tempo não passou em vão. As bombas-relógio do segundo mandato de Lula começaram a explodir ao final do primeiro governo de Dilma. O horizonte já evidenciava a tempestade, e depois das manifestações multitudinárias de 2013 o cenário se mostraria sempre mais difícil. Desde a nova posse em 2015 a situação só se agravou: crise econômica, Lava Jato e outras operações contra a corrupção, atingindo diretamente o PT e seus aliados, e a perda de credibilidade entre agentes políticos e opinião pública acabaram por gerar uma situação de gravidade inaudita para os planos futuros de Lula.
Em meio a essa turbulência, os sinais de crítica sempre tiveram um vetor: de Lula para Dilma, e não o inverso. Ainda que de maneira errática, sempre que pode, Lula procura manifestar, embora de forma leve, sua contrariedade em relação às políticas de ajuste. O mesmo ele sempre fez em relação a alguns dos colaboradores de Dilma. Registre-se que Lula sempre procurou salvaguardar-se em relação aos indicados para compor o governo Dilma, procurando se resguardar de resultados não previstos.
Dilma não tem alternativa senão tentar debelar ou 'cozinhar' a crise. Sabe que não tem mais como construir uma grande obra de governo. Não teria com quem negociar e não teria apoio nem mesmo do PT, quanto mais da oposição.
Não tem liderança nem credibilidade para se afastar de Lula e do PT visando tomar as medidas necessárias para enfrentar a crise. E está convencida de que o programa do PT (que retoma o governo Lula) é irrealizável, tanto mais nas atuais circunstâncias. O PT e Lula têm mais área de manobra discursiva para realizar uma crítica a Dilma, sem romper com ela e nem com o governo.
Nessa zona cinzenta, o PT e Lula querem se revitalizar e sabem que não será com os possíveis êxitos do governo Dilma. Eles não virão: nem com o programa de ajuste e menos ainda se ela adotar o retorno à 'nova matriz econômica'”.
Cálculo, dissimulação e marketing são os ingredientes que compõem um quadro de desespero, ilusão e autoengano nas relações entre Dilma, Lula e PT.
Alberto Aggio,
historiador e professor titular da Unesp em Franca
Publicado no Estadão em 29/02/2016 - http://politica.estadao.com.br/discute/ao-se-afastar-de-lula-e-pt-dilma-ganha-ou-perde,266
Curso de Formação em Filosofia e Política
Período de realização do curso será de 03 de Março de 2016 até 30 de Junho de 2016.
Do pensamento grego até o século XXI, a necessidade de uma formação política teórica para a compreensão maior da política, oferecendo um aprofundamento conceitual das diversas correntes e interpretações políticas na história.
Homologação e Certificação pela Fundação Astrojildo Pereira!
Inscrições somente pela plataforma:
https://docs.google.com/forms/d/1bU6jcNt6Fc_j8ER1Sczsa0F4iYJS3kqiypSKgSUl6xo/viewform
Diretório Municipal do PPS de São Paulo
Rua Boa Vista, 76 - 4º andar - Centro
CEP: 01014-000 Fone(s): (11) 3101-9463 / 3101-9398