política

Cristovam Buarque: O foro jurídico privilegiado aos políticos deve ser abolido de imediato

República deve ser o sistema social e econômico que assegura a todos os mesmos direitos, mas a brasileira usa foro privilegiado para políticos, rompendo as bases republicanas, até porque estes processos se alongam tanto que prescrevem antes do julgamento, deixando impunes os “nobres da República”. Para corrigir esta deformação bastaria aprovar as reformas da Constituição propostas pelo senador Álvaro Dias e pelo deputado Rubens Bueno, eliminando o foro privilegiado que protege políticos com mandato. Mas isso não bastaria para fazer uma República, porque o regime brasileiro apresenta outros privilégios incompatíveis com o espírito e a prática republicana.

Se a República é o regime dos direitos iguais, é preciso quebrar o foro privilegiado à vida, que assegura a alguns o direito de manter-se vivo por comprar os serviços de saúde, enquanto outros morrem por falta do dinheiro necessário. O Brasil não será republicano enquanto prevalecer a atual indecência do "foro privilegiado na saúde", que permite a um brasileiro com renda igual ou superior a dez salários mínimos ter a chance de viver sete a oito anos mais do que aquele com renda igual ou inferior a dois salários mínimos.

É preciso acabar também com o foro privilegiado que restringe o acesso à educação de qualidade apenas para quem pode pagar por uma boa escola privada ou para os poucos que conseguem entrar em uma das instituições de ensino públicas de qualidade, como as federais. Especialmente no mundo contemporâneo, a República exige que seja ofertada a mesma qualidade de ensino a todos, desde o nascimento e ao longo de toda a vida, guardadas as diferenças pelo talento, pela vocação, pela persistência e dedicação aos estudos de cada um, não pela renda da família ou a cidade onde vive. Além de ser indecente socialmente, a desigualdade no acesso à educação é uma estupidez econômica, porque impede a República de beneficiar-se do mais promissor de seus recursos: o cérebro educado e com pleno desenvolvimento das potencialidades de cada brasileiro.

O foro jurídico privilegiado aos políticos deve ser abolido de imediato, mas é preciso eliminar também os outros foros privilegiados pela renda no direito de viver e no direito de desenvolver o potencial intelectual de cada brasileiro, cidadão republicano, não mais súdito de um imperador como até 1889.

Além do foro jurídico, a consolidação da República exige fazer as reformas necessárias para pôr fim, no tempo possível, aos demais foros privilegiados. Para isso, é preciso responsabilizar a República pela implantação de um sistema educacional que assegure a mesma chance educacional a cada criança brasileira.

Apesar de o país ter então 6,5 milhões de analfabetos, quando a República brasileira foi proclamada, escolhemos uma bandeira com um lema escrito. Cento e trinta anos depois, a “república” tem quase o dobro daquele número. Tudo seria diferente, se no lugar de "ordem e progresso" tivessem escrito "educação é progresso", sem foros privilegiados.


Zander Navarro: Por que somos assim?

Publicado no O Estado de S. Paulo em 01/03/2017

Não há nenhum grupo a quem entregar o bastão e que nos conduza a um futuro mais radiante

Vamo-nos fixar no Brasil, ignorando por ora a insanidade coletiva que caracteriza o estado do mundo. Afinal, seria demasiado desafiador entender por que o Parlamento russo sancionou a violência doméstica ou os deputados da Romênia tentaram liberar a corrupção até certo nível monetário. Por que será que países com História ilustre, como a Turquia, a Hungria ou a renascida Polônia e sua vibrante economia optaram por regimes autoritários tão primitivos? E os ingleses, sempre acesos, como se deixaram levar pela emoção e aprovaram o mergulho na escuridão fora da União Europeia? Sobre todos esses fatos, e muitos outros, surge um espertíssimo empresário, mas ignorante do mundo da política e, inacreditavelmente, os eleitores do país mais poderoso do mundo o elegem para a Presidência. São tempos sombrios e ameaçadores.

Sujeitos às nossas particularidades, não escapamos dessa marcha delirante. Basta abrir os olhos e ver à nossa volta, das episódicas evidências do cotidiano aos fatos mais impactantes. Somos um país que delicia os antropólogos, os especialistas dedicados às “coisas da cultura” que tentam explicar por que sempre escolhemos o irracional, o inconsequente e o mágico. Mas sua civilidade os impede de usar os termos corretos para designar as oceânicas patetices que conduzem a Nação. Mesmo a cordialidade permanente que nos caracterizaria (assim dizem) não camufla a gigantesca sensação de derrota e fracasso que está hoje fincada no fundo de nossos corações – a generalizada impressão sobre um país que, de fato, não tem futuro.

Como recordar é viver, diariamente observamos exemplos espantosos. Do presidente da República, que seria um especialista em Direito Constitucional, mas não se envergonha de exercer a censura em razão de uma infantilidade que teria incomodado sua esposa. E o outro que era então presidente do Supremo, mas nem ficou corado em “fatiar” a Constituição para proteger a ex-presidente, rasgando ao vivo e em cores a nossa Lei Maior?

E esta recente carnificina num presídio de Natal, quando atemorizados soldadinhos da Força Nacional entraram com contêineres para separar as facções em luta? Assustados, ficamos pensando: não conseguem sequer interromper a selvageria e dar fim à rebelião? São eventos nada educativos, sugerindo que o Estado brasileiro é ficcional e se vão esfumaçando os fundamentos da vida em sociedade.

Pior ainda: qualquer fato ou ação proposta sempre se defronta com duas expressões imobilizadoras tornadas obrigatórias no jargão da política. A primeira exige que “seja ouvida a sociedade”, vaga demanda que sugere democracia, como se esta fosse real no Brasil. E se for iniciativa com alguma implicação social, diversas vozes logo ecoarão:

“Chamem os movimentos sociais!”. É outra ficção, mas, na dúvida, opta-se por nada fazer. E seguimos entre a inércia e a boçalidade que talvez seja, esta sim, a nossa marca cultural mais distintiva.

Por que somos assim? Por que aceitamos tanta falsidade, tanto cinismo e manipulação com tal serenidade? Por que situações que são acintosamente ilógicas são passivamente recebidas pela população? Por que nos deixamos dominar tão rapidamente pelo autoengano, pelo fingimento e pelo pensamento mágico? Somos, de fato, estruturalmente incapazes de alguma reflexão crítica e, entre nós, a frase de Montaigne sobre o “maravilhoso trabalho da consciência: ela nos faz trair, acusar e combater a nós mesmos (...) nos denuncia contra nós mesmos”, não se aplicaria?

Por que somos assim? Ativado um debate nacional para obter respostas, listaríamos os fatores que são os mais conhecidos. Da baixa escolaridade às recentes raízes agrárias, pois a intensificação da urbanização se desenrolou no último meio século. Da modernidade industrial à extensão dos direitos e ao adensamento democrático, mudanças igualmente recentes. Outros enfatizarão o peso do catolicismo vigente, que exalta a pobreza e a vida comunitária, o que desenvolveria posturas que, na prática, acabam sendo anticapitalistas e inibem o empreendedorismo. Ou, então, heranças patrimonialistas de nossa História e até mesmo o legado de estruturas cartoriais que nos formaram ao longo dos séculos.

Todos esses determinantes, sem dúvida, têm algum peso que precisaríamos avaliar. Mas discutimos escassamente dois outros aspectos que parecem ser igualmente cruciais para explicar esse estado de prostração que atualmente é típico em nossa sociedade. Primeiramente, e ao contrário do que tem sido afirmado, nossas instituições (as formais e as informais) funcionam muito mal, são diáfanas de tão fracas, sem nenhuma robustez e eficácia, existem mais no papel e na retórica, com rala efetividade prática no cotidiano dos cidadãos. Não imagino que seja necessário ilustrar, todos conhecemos sobremaneira a inoperância de nossas instituições. Como adensá-las?

Por fim, o outro grande tema que está exigindo urgente discussão diz respeito à inacreditável indigência que caracteriza as nossas elites, seja no tocante ao seu minúsculo estofo cultural ou, então, em relação à sua incapacidade decisória. Todas elas, da política à empresarial, da educacional à estatal, da Justiça à científica.

Não há grupo algum a quem possamos entregar o bastão e pedir que nos conduza para um futuro mais radiante. Sobre esse tema novamente Montaigne nos inspira: “Para quem não tem na cabeça uma forma do todo, é impossível arrumar os elementos (...) nossos projetos descaminham-se porque não têm direção nem objetivo. Nenhum vento serve para quem não tem porto de chegada”.

Todas as grandes sociedades se consolidaram em função de projetos societários impulsionados sob o comando de elites que conseguiram desenvolver “uma forma do todo”. Ainda veremos essa estratégia transformadora concretizar-se no Brasil algum dia?


*Sociólogo e pesquisador em ciências sociais

Marcus Oliveira: O sujeito cosmopolita de Gramsci, segundo Vacca

As leituras de Giuseppe Vacca em torno da figura de Antonio Gramsci não são recentes, de modo que o filósofo italiano, ex-presidente da Fondazione Gramsci, se coloca como um dos principais intelectuais, tanto na Itália quanto no exterior, que se dedicam à hercúlea tarefa de se debruçar sob o pensamento gramsciano. As primeiras reflexões de Vacca acerca de Gramsci ocorrem no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Consequentemente, a obra em questão, publicada no final de 2016 no Brasil, é fruto de um denso percurso investigativo construído por Vacca. Deste modo, Modernidades alternativas se configura, concomitantemente, como aprofundamento e conclusão de um ciclo de produções iniciado anteriormente.

Diante disso, a presente obra não pode ser apreendida em si mesma, não apenas porque fruto desse intenso processo de pesquisas, mas também porque se propõe como complemento de uma produção anterior, publicada no Brasil em 2012 também pela Fundação Astrojildo Pereira [1]. Tal publicação girava em torno de uma proposta de reconstrução de Gramsci a partir de sua historicização integral, centrada nos nexos necessários entre os contextos históricos e biográficos que atravessam o pensamento político gramsciano. Modernidades alternativas figura como complemento a essa discussão mais marcadamente biográfica, uma vez que pretende, em primeiro lugar, desenvolver um percurso interpretativo das notas carcerárias para, posteriormente, revelar as possibilidades de utilização dessas notas no mundo contemporâneo.

Em Modernidades alternativas não abandona a proposta de uma historicização integral do pensamento de Gramsci. Todavia, apropria-se mais intensamente do método filológico e diacrônico desenvolvido a partir dos anos 1980 por Gianni Francioni. Esse método consiste na percepção de uma temporalidade interna inerente à escrita dos Quaderni, que denota a existência de um determinado ritmo de pensamento subjacente ao processo de trabalho de Gramsci, de modo que os conceitos desenvolvidos ao longo do cárcere só podem ser apreendidos a partir de sua mutabilidade temporal. Assim, ao se apropriar desse método filológico e diacrônico, Vacca procura perscrutar os principais conceitos desenvolvidos por Gramsci, observando suas transformações no tempo no intuito de auferir sua força heurística para a interpretação dos rumos da política contemporânea.

O primeiro conceito no qual Vacca se detém é o de hegemonia, uma vez que considera a teoria da hegemonia como o centro sobre o qual gravitam as outras reflexões desenvolvidas nos Cadernos. Nestes, a teoria da hegemonia é constituída a partir de experiências históricas específicas que envolvem as principais questões políticas das primeiras décadas do século XX. Tais experiências, em virtude de sua intensidade, alteram as formas com as quais se pensava a política e a história, gerando a necessidade de criação de novos instrumentos teóricos e metodológicos capazes de captar a política diante dessas novas configurações históricas. Em razão disso, nos Cadernos, o conceito originalmente elaborado por Lenin ganha uma nova leitura, deixando de ser compreendido a partir de um corte classista referente à direção do proletariado para se tornar uma ferramenta ao mesmo tempo analítica e estratégica capaz de compreender questões referentes à conquista e ao exercício do poder.

O cerne dessa redefinição do conceito de hegemonia, para Vacca, reside em seu vínculo necessário com aquilo que o autor nomeia por teoria da interdependência [2]. Essa teoria implica a consideração das relações de forças, fundamentais para a compreensão da hegemonia, a partir de nexo essencial entre as dimensões nacional e internacional, central na contemporaneidade em razão do avanço do processo de globalização impulsionado pelo movimento da economia capitalista. O problema, nesses termos, é que a política, ainda vinculada à figura do Estado-nação, se mostra incapaz de acompanhar o movimento da economia, de modo que há um certo atraso da primeira em relação à última. Para Gramsci, esse contraste entre o cosmopolitismo da economia e o nacionalismo dos Estados se configura como o cerne das crises experimentadas nas primeiras décadas do século XX.

Nesse contexto, a construção da hegemonia não deve ser apreendida pelo viés estatal ou nacional, mas a partir do equilíbrio das correlações de forças operadas entre os diversos Estados. Por isso, Vacca procura apontar que a validade do conceito gramsciano de hegemonia está para além das fronteiras dos Estados, uma vez que parte exatamente do diagnóstico da crise dessa forma política, estando inserido na complexidade das relações internacionais. Deste modo, não se trata de perceber a hegemonia como um conceito unívoco e estável, mas de captar sua mobilidade nos processos formativos daquilo que o autor nomeia como constelações hegemônicas.

Em termos políticos, isso significa uma transformação significativa nas formas de ação. Na medida em que o movimento histórico caminha para a superação da centralidade do Estado, as lutas políticas também devem ocorrer em um nível cosmopolita. Vacca pretende demonstrar que a estratégia delineada por Gramsci se orienta para a construção de uma regulação econômica e política operacionalizada mundialmente a partir de um equilíbrio de compromisso entre as forças antagônicas. Nesses termos, o autor distancia a proposta cosmopolita de Gramsci daquela própria à cultura política bolchevique. Enquanto a última se encontra marcada pela iminência da catástrofe bélica, a primeira se assenta em uma rede intricada de forças políticas que não se anulam.

Todavia, a centralidade que a teoria da hegemonia assume nas reflexões de Vacca termina por reduzir o potencial interpretativo do conceito de revolução passiva, ainda que não o elimine. Nos termos do autor, a revolução passiva também obedece ao mesmo movimento histórico que perpassa a hegemonia, operando uma revisão na concepção marxista da história ao relativizar seu corte classista. Nesse sentido, o conceito de revolução passiva passa a figurar como um corolário historiográfico do conceito de hegemonia, não podendo ser manejado para a compreensão internacional.

Isso ocorre, na visão de Vacca, em razão do caráter assumido pelo processo histórico naquele momento. Nessa leitura, a visão de Gramsci acerca das primeiras décadas do século XX se encontra marcada pelo diagnóstico de uma crise de hegemonia, caracterizada pela incapacidade de construção de uma constelação hegemônica em nível global. Consequentemente, a revolução passiva, encarada como conceito responsável por apreender as modalidades pelas quais os equilíbrios de compromisso se constroem, se mostra insuficiente para interpretar as relações internacionais desse momento.

Esse amplo processo de revisão do marxismo culmina, para Vacca, na construção da filosofia da práxis. Essa construção, marcada pela transformação do materialismo histórico em filosofia da práxis, se encontra condicionada por uma mudança fundamental na concepção de sujeito, bem como por uma historicização integral da política e da economia. Ao se afastar das hipóteses causais e deterministas do marxismo de sua época, Gramsci logrou construir uma teoria da constituição dos sujeitos no mundo contemporâneo, na qual a questão da formação de uma vontade coletiva emerge como um dos aspectos centrais para a formação de um mundo unitário, regulado globalmente a partir da hegemonia. Assim, na leitura de Vacca, a filosofia da práxis aparece como uma teoria da “constituição dos sujeitos políticos baseada gnosiologicamente no conceito de hegemonia e historiograficamente no de revolução passiva” (Vacca, 2016: 263).

Com isso, a filosofia da práxis se baseia em um princípio imanente da história responsável por superar o caráter geralmente mecânico e determinista que as relações entre estrutura e superestrutura assumiram no interior do marxismo. Ao historicizar a própria noção de mercado, Gramsci pôde rever também as perspectivas liberais que consideravam de modo orgânico a separação entre Estado e sociedade civil, apontado como tais dimensões se solidificam a partir de um intrincado jogo de forças que se chocam historicamente.

Nessa leitura, a noção da história própria da filosofia da práxis se baseia em jogo antagônico de forças imprevisível em razão de sua regulação política. Nos termos de Vacca, a dialética gramsciana aparece como um movimento no qual a formação do par amigo-inimigo se torna impossível, uma vez que o choque das forças em questão não significa anulação de uma das forças, mas um processo de síntese que caminha para um equilíbrio em movimento perpétuo. Como consequência dessas noções de história e política, a filosofia da práxis se encontra intimamente vinculada à política democrática, visto que só a democracia pode garantir a instauração desses conflitos sem a anulação das forças em confronto. Portanto, a democracia para a qual Gramsci pretende apontar é profundamente calcada no cosmopolitismo, com vistas à produção de formas democráticas supranacionais.

Assim, o Gramsci de Vacca se configura como um pensador essencialmente cosmopolita, habilitado para enfrentar as questões contemporâneas, sobretudo aquelas ligadas aos impactos políticos e econômicos da globalização. Nesse cenário cada vez mais mundial, Gramsci pretende abarcar o mundo como um todo, não abandonando a perspectiva universalista, essencial à tradição comunista. Todavia, esse universalismo se mostra distante daquele bolchevique ou mesmo liberal, uma vez que se fundamenta em uma democracia supranacional capaz de regular o mundo pela ótica da política, a partir da ação fundamental de sujeitos também constituídos no interior desse cosmopolitismo, aptos a regularem uma democracia global.

Com Gramsci, pois, Vacca pretende, em meio aos escombros da contemporaneidade, repropor a questão fundamental do sujeito dentro da política, colocando a possibilidade de pensar um sujeito universal e cosmopolita longe de uma versão de totalidade incapaz de perceber a divergência, mas a partir de um universalismo capaz de instituir o conflito e a divergência.

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Marcus Vinícius Furtado da Silva Oliveira é doutorando em história e cultura política pela Unesp/Franca. Escreveu Em um rabo de foguete: trauma e cultura política em Ferreira Gullar (Fundação Astrojildo Pereira/ Contraponto, 2016); membro da incubadora cultural Cupim Literário (Uberaba – MG).

Fonte: http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=2102

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Notas
[1] Vacca, Giuseppe. Vida e pensamento de Antonio Gramsci. Brasília/ Rio de Janeiro, FAP/ Contraponto, 2012.
[2] Os apontamentos de Vacca em torno da teoria da interpendência em Gramsci se mostram como aprofundamento de reflexões anteriores que remontam o início dos anos 1990. Para consultar tais reflexões ver: Vacca, Giuseppe. Pensar o mundo novo – rumo à democracia do século XXI, São Paulo, Ática, 1996.


Luiz Carlos Azedo: A vez dos garantistas

A decisão de Celso de Mello tranquiliza Temer quanto à permanência no governo ministros citados na Lava-Jato

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello que manteve no cargo o secretário-geral da Presidência, Moreira Franco, com direito a foro especial, sinalizou a linha de atuação da Segunda Turma da Corte nos casos dos demais ministros citados na Operação Lava-Jato. Todos serão julgados pelo STF, enquanto permanecem no cargo. A decisão revela uma hegemonia “garantista” nos julgamentos da Lava-Jato, ainda que o ministro-relator, Luiz Edson Fachin, venha a ter a mão mais pesada. Os demais integrantes da turma, Gilmar Mendes, seu presidente, e os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli têm a mesma orientação.

Em sua decisão, Celso de Mello afirma que a nomeação para o cargo de ministro não leva à obstrução ou paralisação de eventuais investigações: “A mera outorga da condição político-jurídica de ministro de Estado não estabelece qualquer círculo de imunidade em torno desse qualificado agente auxiliar do Presidente da República, pois, mesmo investido em mencionado cargo, o ministro de Estado, ainda que dispondo da prerrogativa de foro ‘ratione muneris’, nas infrações penais comuns, perante o Supremo Tribunal Federal, não receberá qualquer espécie de tratamento preferencial ou seletivo, uma vez que a prerrogativa de foro não confere qualquer privilégio de ordem pessoal a quem dela seja titular.”

É o ponto final de uma guerra de liminares na Justiça Federal em torno da indicação de Moreira Franco, na qual juízes e tribunais regionais faziam diferentes interpretações. A decisão de Celso de Mello tranquiliza o presidente Michel Temer quanto à permanência no governo de outros ministros importantes citados na Operação Lava-Jato, como José Serra (Relações Exteriores), Gilberto Kassab (Cidades) e o fiel escudeiro Eliseu Padilha (Casa Civil). Ou seja, o governo ganhou fôlego para lidar com as delações premiadas da Odebrecht.

Na verdade, Temer dá tempo ao tempo e toca para a frente. A sabatina do ministro da Justiça licenciado, Alexandre de Moraes, estava marcada para ontem, mas o pau quebrou entre governo e a oposição. O presidente da Comissão de Constituição de Justiça, Edison Lobão (PMDB-MA), mergulhou e tudo ficou para a próxima terça-feira. A aprovação de seu nome, porém, não subiu no telhado. Moraes peregrina pelos gabinetes dos senadores. Foi simbólico o “beija-mão” do líder do PMDB, Renan Calheiros (PMDB-RJ), que havia chamado o titular da Justiça de “chefete de polícia” ao protestar contra a operação de busca e apreensão feita pela Polícia Federal nas dependências do Senado, no ano passado. Alguém já disse que “fulanizar” a política tem esses inconvenientes.

Visitar os gabinetes dos senadores é um ritual mais importante do que a sabatina propriamente dita, desde que o indicado não atravesse a rua para escorregar nas cascas de banana da oposição nem assombre os meios jurídicos, principalmente os ministros do Supremo. Ontem, o senador Eduardo Braga (PMDB-AM) leu seu relatório na comissão, no qual enalteceu as qualificações de Moraes para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), aberta com o trágico falecimento do ministro Teori Zavascki: “Demonstra ter experiência profissional, formação técnica adequada e afinidade intelectual e moral para o exercício da atividade.”

A próxima cartada de Temer é a indicação do novo ministro da Justiça, uma construção que passa pela bancada de Minas Gerais, que se considera sub-representada na Esplanada. O sinal de insatisfação veio na eleição do vice-presidente da Câmara, Fábio Ramalho (PMDB-MG), que derrotou de lavada o candidato oficial do governo, o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA). Temer pisa em ovos para indicar um ministro da Justiça que não seja identificado como um adversário da Operação Lava-Jato. Uma conversa com o ex-ministro do Supremo Carlos Velloso dobrou as apostas de que o jurista mineiro seria o nome certo, para o lugar certo, na hora certa. Faz sentido.

Dominó

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, anunciou ontem que 9 mil homens do Exército e da Marinha vão atuar no policiamento ostensivo no Rio de Janeiro, na capital, Niterói e São Gonçalo, a pedido do governador Luiz Fernando Pezão, que está agindo rápido para evitar que se repita no seu estado falido o que aconteceu no Espírito Santo na segurança pública. “Não existe nenhum descontrole, nenhuma insuficiência ou indisponibilidade dos recursos dos órgãos de segurança para garantia de lei de ordem. Não há descontrole e não há desordem. O efetivo da polícia é de 95%, 97% nas ruas (…) De fato, temos protestos aqui, mas isso não tem impedido que as forças policias trabalhem. Têm sido essas as informações do nosso setor de inteligência. É muito diferente a situação do Espírito Santo”, minimiza Jungmann. O fato é que falta policiamento nas ruas por causa do bloqueio dos quartéis pelas mulheres dos policiais militares.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo


Luiz Carlos Azedo: O pior governo…

Imaginemos que a tática das “paisanas” venha a ser adotada em todo o país, como já acontece no Rio de Janeiro

O governo Temer aprovou praticamente tudo o que quis no Congresso, e recuperou o controle das finanças públicas. Os sinais da economia são positivos, pois a inflação entrou numa espiral descendente significativa. Mas está perdendo o controle de segurança pública, cuja responsabilidade principal é dos estados. Depois da crise dos presídios do Maranhão, Amazonas e Roraima, depara-se agora com uma grave crise no Espírito Santo. O jurista italiano Norberto Bobbio dizia que todo governo, mesmo o pior, é a forma mais concentrada de poder. Quando nada nele funciona, as tarefas essenciais do Estado são mantidas: arrecadar, normatizar e coagir. Quando um governo perde a capacidade de manter a ordem pública, deixa de ser um governo ruim para ser desgoverno. É o que está acontecendo no Espírito Santo e pode se generalizar.

É paradoxal a situação capixaba (cujo governo aparentemente fez o dever de casa fiscal), que ameaça se alastrar para o Rio de Janeiro (cujo governo faliu ética e financeiramente), onde uma greve da PM teria consequências, digamos, “iraquianas”. Não é a primeira vez que policiais militares se amotinam, isso aconteceu nos governos FHC e Lula, mas é a primeira vez que o Exército, a Marinha, a Aeronáutica e a Força Nacional intervêm num estado, como agora, e não acontece nada. Os amotinados continuam aquartelados, embora 600 militares já tenham voltado a trabalhar. Já passou a hora de entrar no quartel-general da Polícia Militar do Espírito Santo, em Maruípe, para restabelecer a disciplina da tropa.

A negociação é conduzida pelas autoridades estaduais, que empurram a situação com a barriga porque há mais de 3 mil homens das tropas federais substituindo a PM. Estão convencidos de que uma intervenção do Exército pode resultar numa tragédia. Conversa fiada. Não existe um precedente, desde a Revolução Constitucionalista de 1932, de tropas estaduais se confrontarem com o Exército. A Constituição estabelece a subordinação hierárquica das polícias militares ao Exército, em casos excepcionais, exatamente porque a antiga Força Pública de São Paulo rivalizava com as tropas da União em poderio bélico. Não serão os militares capixabas que cometerão a loucura de patrocinar um confronto dessa espécie, ainda mais com a maioria da população revoltada com seu comportamento irresponsável e perverso.

Alguma coisa de muito estranha acontece. O governador Paulo Hartung, que reassumirá o governo amanhã, faz um discurso com começo, meio e fim, quanto ao ajuste fiscal e ao respeito à disciplina e à ordem, mas tergiversa quando fala do atual comando da Polícia Militar, que perdeu o controle da situação. O quartel-general de Maruípe continua sendo o reduto dos amotinados, que ameaçam reagir a tiros, caso o Exército disperse o grupo de mulheres que protestam à sua porta. É uma situação desmoralizante, que se alastra para vários quartéis do Rio de Janeiro.

O presidente Michel Temer determinou o envio de tropas na segunda-feira, mas manteve distância regulamentar da crise a semana toda, como todo velho político que mergulha quando a onda quebra. Somente na sexta-feira, pela primeira vez, se manifestou oficialmente. Sua nota é conciliadora, mas, se não for levada em conta — como parece que não será —, sua autoridade sairá desgastada. Ontem, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, desembarcou no Espírito Santo com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Reuniu-se com as autoridades do governo local e depois deu uma boa entrevista. Palavras ao vento, porque o estado-maior do motim continua o faz de conta em Maruípe.

A fortuna

Uma das características de Temer é a fleuma. Maquiavel, porém, dizia que nem sempre a prudência é uma virtú. Em determinadas circunstâncias, a fortuna exige certa dose de audácia. A aposta do governo nas reformas da Previdência e trabalhista, por exemplo, são iniciativas audaciosas no terreno do combate à crise fiscal e da retomada do crescimento. Mas enfrentam reações das corporações encasteladas no Estado, entre as quais, os oficiais das polícias militares.

Essa resistência ao ajuste fiscal não existe apenas no Espírito Santo. Imaginemos que a tática das “paisanas” venha a ser adotada em todo o país, como já acontece no Rio de Janeiro, e que o comportamento das tropas também se repita, o que felizmente ainda não aconteceu. Qual será a saída para o impasse? Cada um que imagine a resposta, vamos apenas contextualizá-la: a elite política do país nunca esteve tão desgastada, com o Congresso desmoralizado e vários ministros citados nas delações premiadas da Operação Lava-Jato. O que garante o Estado democrático de direito no Brasil não são seus líderes, é o funcionamento de suas instituições políticas. A nossa elite política afronta a sociedade com atitudes e decisões voltadas exclusivamente para seus próprios interesses, num momento em que o bem comum deve falar mais alto. É aí que está o perigo de os governos serem volatilizados, como no Espírito Santo.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo


Luiz Carlos Azedo: Sob a pinguela

O país terá de aprender a conviver com os julgamentos da Operação Lava-Jato e suas consequências. O cenário não é dos mais confortáveis

A nomeação de Alexandre de Moraes para a vaga do ministro Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal (STF), o que lhe garantirá o papel de revisor da Lava-Jato no plenário da Corte, provocou uma tempestade em copo d’água. A verdadeira tormenta, porém, é a delação premiada da Odebrecht, homologada pela presidente da Corte, ministra Cármem Lúcia, cujo relator é o ministro Luiz Edson Fachin, recém-sorteado na Segunda Turma. Moraes somente será revisor dos processos nos quais forem eventualmente julgados os presidentes do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); nos demais casos, o revisor é o decano da Corte, ministro Celso de Mello.

Moraes não participará do julgamento da maioria dos políticos, pois integrará a Primeira Turma do STF. A Segunda Turma do STF é presidida pelo ministro Gilmar Mendes e formada também pelos ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Edson Fachin. Ontem, por unanimidade, a turma negou um pedido de liberdade apresentado pelo ex-tesoureiro do PP João Cláudio de Carvalho Genu, por recomendação de Fachin. Preso em maio do ano passado por determinação do juiz Sérgio Moro, Genu está condenado a oito anos e oito meses de prisão por corrupção passiva e associação criminosa. Segundo a denúncia, recebeu ao menos R$ 3,1 milhões de propina da Diretoria de Abastecimento da Petrobras, que era controlada pelo PP.

Gilmar Mendes votou com o relator, mas criticou as prisões da Operação Lava-Jato: “Temos um encontro marcado com as alongadas prisões que vêm de Curitiba. Temos que nos posicionar sobre esse tema, que em grande estilo discorda e conflita com a jurisprudência que desenvolvemos ao longo dos anos”, advertiu. O quer isso tem a ver com a indicação de Moraes? Nada vezes nada. Esse é um embate que já ocorria nos bastidores da Corte, na qual a Segunda Turma já tem uma maioria garantista muito bem delineada quanto à Lava-Jato e que só espera a apresentação do voto do relator nos processos para decidir se o acompanha ou não. Há dezenas de recursos dos acusados que aguardam decisão do STF. Fachin já disse que dará prioridade a eles. O caso Genu foi somente um cartão de visitas.

Por mais que se critique o presidente Michel Temer, a indicação de Alexandre de Moraes é jogo jogado. Certamente enfrentará oposição na sabatina da Comissão de Constituição e Justiça, que deverá se realizar no prazo de três semanas, como anunciou ontem o presidente do Senado. Mas seu nome será aprovado na sabatina e no plenário. As restrições ao ex-ministro da Justiça são políticas e ideológicas, não são de natureza objetiva, a não ser que surja algum fato desabonador de sua probidade. Com sua indicação, a Corte estará completa para julgar a Lava-Jato. Esta, sim, é um rio caudaloso, que vai tragar os que caírem da pinguela, para usar a expressão irônica do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao se referir ao governo Michel Temer.

A missão de Fachin é espinhosa. Está balizada, porém, pela composição da Segunda Turma, na qual há ministros indicados pelos ex-presidentes Sarney, Fernando Henrique, Lula e Dilma. É bom lembrar os padrinhos para mitigar a gritaria em relação à indicação de Temer. O leito do rio é o chamado “devido processo legal”. O mais importante é o STF romper a letargia e começar os julgamentos da Lava-Jato. A morosidade da Corte aumenta o estoque de políticos enrolados, sem que seus casos sejam julgados; com isso, a desmoralização do Congresso aumenta. É preciso romper a inércia.

Turbulências

O país terá de aprender a conviver com os julgamentos da Operação Lava-Jato e suas consequências. O cenário não é dos mais confortáveis. No plano internacional, o novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e seus aliados na Europa e Oriente Médio ampliam as incertezas. Na economia, os sinais de recuperação econômica não significam a elevação imediata dos níveis de emprego, até porque a modernização da economia implica mais automação e informatização, o que impacta negativamente a geração de postos de trabalho. As reformas trabalhista e da Previdência, necessárias para aumentar os níveis de emprego e de investimentos, como sempre, esbarrarão na resistência de sindicatos e das corporações e acabarão mitigadas pelos políticos.

O mais grave, entretanto, são os sinais de que o “contrato social” que regula a relação entre o Estado e a sociedade está muito esgarçado. Norberto Bobbio, ao analisar a crise italiana dos anos 1980, dizia que até o pior governo seria capaz de manter suas atribuições essenciais: arrecadar, normatizar e coagir. A crise no Espírito Santo, cujo governo era apontado como exemplo de equilíbrio fiscal e eficiência, é uma um sinal de alerta: o aparelho de segurança pública entrou em colapso e os bandidos tomaram as ruas; populares se aproveitam da situação para saquear o comércio e dezenas de mortos estão amontoados no necrotério.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo


Luiz Carlos Azedo: Rito de passagem

O resultado das eleições no Congresso é favorável à aprovação das reformas da Previdência e trabalhista, eixo do ajuste fiscal e da retomada do crescimento

A reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para a Presidência da Câmara dos Deputados, em primeiro turno, muito mais do que uma vitória do presidente Michel Temer, foi um sinal de que o país recuperou a estabilidade política, mesmo diante da crise ética. Uma espécie de rito de passagem para as eleições de 2018, para o qual colaboraram o Palácio do Planalto, ao isolar e derrotar os dissidentes de sua própria base, adversários declarados da Operação Lava-Jato, e o Supremo Tribunal Federal (STF), cujo decano, ministro Celso de Mello, rechaçou a tentativa de judicializar a disputa. Nada disso, entretanto, ofusca o brilho da vitória pessoal de Maia. À frente da Casa, em poucos meses, conquistou a confiança da maioria de seus pares. Maia obteve 293 votos. Esta é a segunda vitória expressiva do governo: na véspera, o senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE) foi eleito para a presidência do Senado, também com grande votação.

O segundo colocado, Jovair Arantes (PTB-GO), obteve105 votos. É uma votação significativa, que possibilita ao líder dissidente negociar as condições de sua permanência na base do governo ou liderar a oposição, que acabou isolada e dividida: André Figueiredo (PDT-CE), apoiado oficialmente pelo PT, obteve 59 votos, ou seja, foi traído; Júlio Delgado (PSB-MG) obteve 28 votos; e Luíza Erundina (PSOL-SP), 10 votos. Registra-se o isolamento de Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que obteve apenas quatro votos. PMDB, PSDB, PP, PR, PSD, PSB, PRB, PTN, PPS, PHS, PV e PTdoB formaram uma ampla coalizão de apoio ao governo, que incorporou, inclusive, quatro partidos do antigo Centrão (PP, PR, PSD e PRB).

Mas há sinais de turbulência nos dois principais partidos da base, PMDB e PSDB. A eleição do primeiro vice-presidente foi uma zebra. O candidato oficial do PMDB, indicado pelo Palácio do Planalto, deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), obteve 133 votos e ficou em terceiro lugar. Irmão do ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima, um dos principais aliados de Temer, foi atropelado facilmente pelo deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG), que depois derrotou o segundo colocado, o veterano Osmar Serraglio (PMDB-PR), ao obter 265 votos. No PSDB, houve uma disputa surda na bancada, na qual a deputada Mariana Carvalho (RO) deslocou da segunda secretaria um dos caciques da legenda, o deputado Carlos Sampaio (SP). Surpresa também no PSB, onde o candidato do clã Arraes, João Fernando Coutinho (IPE), perdeu a terceira secretaria para seu companheiro de bancada JHC (AL), também no segundo turno.

Reformas
O resultado das eleições no Congresso é favorável à aprovação das reformas da Previdência e trabalhista, que estão no eixo do ajuste fiscal e da retomada do crescimento. A primeira tem por objetivo restabelecer o equilíbrio das contas públicas, não somente em nível federal, mas também nos estados e municípios, alguns dos quais com a previdência em colapso; a segunda, visa estancar a onda de desemprego e flexibilizar a legislação trabalhista, pois o problema não é só consequência da crise econômica, mas também da informatização dos serviços e da robotização das indústrias.

Alguns analistas que estudam as votações do Congresso acreditam que a derrota e fragmentação do antigo Centrão facilitará a vida do Palácio do Planalto, mas há que se considerar o fato de que essas reformas enfrentarão forte oposição das corporações encasteladas no Estado, inclusive no Judiciário, como é caso da previdenciária, e também do movimento sindical, que tradicionalmente resiste a todas as mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), originária do Estado Novo do presidente Getúlio Vargas. Convém ao governo aprovar as reformas o mais rápido possível, pois a aproximação das eleições de 2018 tende a exercer força centrífuga sobre a sua base e fazer recrudescer o fisiologismo.

No embalo das vitórias no Congresso, o presidente Temer blindou um de seus principais colaboradores: medida provisória recriou a Secretaria-Geral da Presidência da República, para o qual foi nomeado Moreira Franco, atual secretário-executivo do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), que ganha status de ministro. Temer também deu novas atribuições ao ministro Alexandre de Moraes, cuja pasta passa a se chamar Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Transformou em Ministério a Secretaria de Direitos Humanos, cuja titular é a desembargadora Luislinda Valois. Finalmente, nomeou o deputado tucano Antônio Imbassahy para a Secretaria de Governo. Na contramão do ajuste fiscal, passou de 26 para 28 o número de ministérios.

Dona Marisa
Um gesto de afetividade, solidariedade e tolerância política: o abraço de condolências do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, logo após declarada a morte cerebral da ex-primeira-dama Marisa Letícia ontem à tarde.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo


Luiz Carlos Azedo: O leite das crianças

Sem qualquer constrangimento, a bancada do PT no Senado, ao contrário do que aconteceu na Câmara, fez uma composição com os “golpistas”

Uma das fotos mais famosas da Segunda Guerra Mundial foi tirada em Londres, durante os bombardeios da aviação alemã. Nela aparece um leiteiro impecavelmente vestido com um casaco branco, carregando com a mão direita as garrafas de leite destinadas às crianças que estavam nos abrigos antiaéreos. A rua na qual transita está completamente destruída e os bombeiros ainda apagam o fogo em alguns prédios atingidos pelas bombas. A foto simboliza a resistência inglesa à Alemanha nazista e a capacidade de o governo londrino manter os serviços básicos funcionado, depois de o primeiro-ministro Winston Churchill ter estatizado a entrega do pão, do leite e das correspondências.

Na época, havia rigorosa censura, na qual os fotógrafos mal podiam trabalhar, pois todas as imagens de destruição eram proibidas para não gerar pânico na população nem permitir que o alto-comando alemão avaliasse os estragos feitos pelos bombardeios. Na manhã de 9 de outubro de 1940, porém, o fotógrafo Fred Morley, ao presenciar o fogo sendo apagado pelos bombeiros, decidiu burlar a censura criando uma peça de propaganda: “armou” a cena do leiteiro no local do bombardeio, não se sabe até hoje como, pois seria ele próprio ou seu assistente o homem de casaco branco. A foto foi publicada e virou símbolo do espírito “stiff upper lip” britânico, que significa “lábio superior travado”. O primeiro sinal de medo é o tremor do lábio superior.

O senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE), eleito ontem para a Presidência do Senado, é um daqueles políticos que costumam travar o lábio superior nos momentos de tensão. Faz parte do grupo hegemônico na Casa, liderado pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL), com quem fez um roque de posições, passando-lhe o bastão da liderança da poderosa bancada do PMDB. Sem qualquer constrangimento, a bancada do PT no Senado, ao contrário do que aconteceu na Câmara, fez uma composição com os “golpistas” do PMDB.

O fato de Eunício e Renan terem articulado a maioria que abrandou o impeachment da presidente Dilma Rousseff, mantendo-lhe os direitos políticos, funcionou como um atenuante para neutralizar o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que pregava uma candidatura de oposição. O PT compôs a chapa de Eunício, indicando o senador José Pimentel (PT-CE) para ocupar a primeira secretaria da Mesa. Mas houve dissidência, pois o senador José Medeiros (PSD-MS), que desafiou o rodízio de integrantes do grupo de Renan no comando do Senado, obteve 10 votos, enquanto outros 10 senadores votaram em branco. Eunício foi eleito por 61 dos 81 senadores, uma vitória expressiva.

A imagem do leiteiro de Londres é emblemática para ilustrar o papel de Eunício à frente do Senado em meio à crise ética que atinge a elite política do país. Ele próprio já é citado em três delações. Precisará manter a Casa funcionando em meio às denúncias de corrupção. A homologação da delação premiada dos 77 executivos da Odebrecht pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, possibilitou que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal investiguem todos os políticos citados nos depoimentos, entre os quais muitos senadores. Ao se despedir do comando da Casa, Renan mandou recado aos investigadores da Lava-Jato: “Não se combate eventuais crimes cometendo outros crimes”, numa alusão às buscas e apreensões e vazamentos de informações da operação. Mas defendeu o fim do sigilo das delações, para evitar vazamentos seletivos.

Eunício fez um discurso conciliador após a eleição. Empresário, lembrou que “uma organização só prospera quando há união, entendimento, objetivos comuns”. Disse que “cada voto tem o mesmo valor na Casa e que os grandes interesses da nação superam os interesses e valores pessoais”. O novo presidente do Senado não é um grande orador nem um político carismático, mas tem grande capacidade de articulação e sangue nos olhos quando entra numa disputa política. Se conseguir manter o Senado funcionando em meio às delações premiadas da Odebrecht terá cumprido o seu papel. “O mais importante agora é votar as matérias que estão na pauta do Congresso para enfrentar a crise econômica, não importa o que venha a acontecer na Operação Lava-Jato”, destaca o senador tucano José Aníbal (SP).

Câmara

O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), candidato à reeleição, manteve seu favoritismo na disputa pela presidência da Câmara, cuja Mesa será eleita hoje. Também concorrem à presidência da Câmara: André Figueiredo (PDT-CE), Jair Bolsonaro (PSC-RJ), Jovair Arantes (PTB-GO), Júlio Delgado (PSB-MG) e Luiza Erundina (PSol-SP). Maia precisa vencer no primeiro turno; caso isso não ocorra, Jovair Arantes (PTB-GO) passará a ser um candidato muito competitivo e a eleição será uma incógnita.


Luiz Carlos Azedo: A delação do campeão

O grande segredo a ser revelado é como funcionava, no submundo da propina, a política dos “campeões nacionais” do BNDES

Preso na Penitenciária Bandeira Sampa, no complexo de Gericinó, zona oeste do Rio, ontem mesmo o ex-megaempresário Eike Batista foi levado à Superintendência da Polícia Federal, na Praça Mauá, para prestar depoimento sobre as acusações de pagamento de propina a políticos investigados pela Operação Eficiência. Seu advogado, Fernando Martins, nega a possibilidade de Eike fazer uma delação premiada, mas somente isso pode salvá-lo de uma longa pena de prisão, como as da banqueira Katia Rabelo (Banco Rural) e do publicitário Marcos Valério.

Eike pode destrinchar para a Polícia Federal e o Ministério Público Federal o seu segredo de Midas. Personagem da mitologia grega que tinha o dom de transformar tudo em ouro, o Rei de Frígia (um pedaço da Anatólia, na Turquia), segundo arqueólogos que localizaram seu túmulo, realmente existiu. Consta que Midas tinha orelhas de burro. A fronteira entre a ambição e a burrice é ambígua e sinuosa. Com certeza, foi atravessada por Eike.

O empresário Marcelo Odebrecht, quando foi preso, também dizia que não faria delação alguma. Na CPI da Petrobras – hoje sabemos que fora blindado pelos políticos cuja campanha financiara, – chegou a revelar que repreendia os filhos quando um entregava as traquinagens do outro para os pais. Eis, agora, as delações premiadas de Marcelo,seu pai, Emílio, e mais 76 executivos da empresa, que deixaram a elite política do país em estado catatônico.

O grande segredo a ser revelado é como funcionava, no submundo da propina, a política dos “campeões nacionais” dos governos Lula e Dilma. A CPI do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) acabou em pizza. Um dos centros de excelênciada administração pública brasileira, o banco tem técnicos competentes e muito honestos. Costumam bater no peito e rechaçar qualquer aleivosia quantoaos financiamentos concedidos pela instituição. Os mais jovens, inclusive, defendem a política de “campeões nacionais” como uma exitosa estratégia de desenvolvimento do país.

Quando se olha a movimentação financeira das empresas envolvidas na Operação Lava-Jato e os escândalos “conexos”, uma expressão na moda entre os procuradores, principalmente com foco na execução de grandes projetos no exterior, há sempre uma suspeita de que os financiamentos do banco, em que pese terem cumprido os trâmites normais, seriam uma das fontes de financiamento do caixa dois da Odebrecht. Eike pode lançar luz sobre os mecanismos de favorecimento pelo banco e como os recursos eram desviados para pagamento dos políticos.

Os políticos 

Para conseguir uma delação premiada, não basta que Eike confirme o que a polícia já sabe, por exemplo, em relação ao ex-governador fluminense Sérgio Cabral. Teria que oferecer coisas mais importantes, ou seja, denunciar políticos que ainda não foram envolvidos diretamente na trama. O governador Fernando Pezão e o ex-prefeito Eduardo Paes aparentemente estão nessa situação. A presidente Dilma Rousseff também; era encantada por Eike, que não perdia uma oportunidade de se deixar fotografar ao seu lado esbanjando charme. Eike teria muito a falar sobre as suas relações com o expresidente do BNDES Luciano Coutinho e, ainda, com o ex-presidente Lula.

Mas tudo isso está ainda no plano das especulações. Ao contrário das delações premiadas dos executivos da Odebrecht, que já foram homologadas pela president do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármem Lúcia, no mesmo dia em que Eike entrou em cana. Isso significa sinal verde para a Polícia Federal e o Ministério Público investigarem os políticos citados nas delações, independentemente de quem será escolhido relator da Operação Lava-Jato.

O que de melhor pode acontecer quanto a isso é o chamado “devido processo legal”. Ou seja, a Polícia Federal e o Ministério Público vão investigar os políticos citados, indiciá-los e denunciá-los, respectivamente, se as acusações forem comprovadas. Para o governo Temer, isso pode significar uma longa noite dos horrores, com a Esplanada dos Ministérios assombrada por demônios e fantasmas. Talvez a melhor saída seja quebrar o sigilo das delações, antes que vazem seletivamente.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br


Marco Aurélio Nogueira: A cidade em busca de regulação democrática

Doria precisa se concentrar em trabalhar em uma cidade de todos e para todos, que produza o máximo de igualdade possível, estruture redes permanentes de solidariedade e cooperação, se liberte da tirania dos automóveis e saiba criar e valorizar o belo, não só o funcional

O aniversário da cidade de São Paulo coincide, em 2017, com o início de uma nova gestão na Prefeitura. João Doria passará a mostrar aos paulistanos como pretende honrar os votos que recebeu maciçamente em outubro do ano passado.

É uma boa hora, portanto, para que se ponham as cartas na mesa. Tanto as do novo gestor como as dos cidadãos. A quantidade de problemas que a cidade enfrenta é tão grande que só se poderá chegar a uma equação razoável se Estado e sociedade civil cooperarem entre si, sem prejuízo de diferenças de opinião, responsabilidades institucionais e choques de interesses.

Doria chegou à Prefeitura apoiado num núcleo básico de proposições e em algumas expressões-chave: agilidade, eficiência, austeridade, redução do peso da máquina estatal, apoio à maior presença da iniciativa privada na oferta de serviços, tudo articulado por um protagonista principal, o “prefeito trabalhador”.

Pode ser que funcione, mas também pode ser que tudo se converta em jogo de cena e a cidade continue a mastigar suas dificuldades e fique mais exposta à competição econômica desenfreada. Em seus primeiros dias o novo prefeito mostrou apego a factoides e à hiperatividade. Resta ver como será a sequência, que rotina prevalecerá e quais de seus projetos serão de fato executados.

São Paulo é uma cidade de oportunidades, cujos dinamismo e gigantismo assombram e desafiam. Hoje a expansão dos problemas engole o cotidiano dos paulistanos. Há reclamações sobre tudo e ninguém, a rigor, se considera propriamente feliz ou satisfeito: o trânsito, a violência, a insegurança, as horas gastas nos deslocamentos – que sequestram o precioso tempo do lazer e da fruição cultural e exacerbam a exploração –, a exclusão, o desemprego, as periferias abandonadas, o centro descuidado. Na linguagem da vida cotidiana, o estresse anda pesando mais que a convivência, a leveza e a alegria.

Por isso, no léxico da cidade, as palavras fortes deveriam ser regulação democrática e humanização: uma cidade de todos e para todos, que produza o máximo de igualdade possível, estruture redes permanentes de solidariedade e cooperação, se liberte da tirania dos automóveis, saiba criar e valorizar o belo, não só o funcional, como diria um de seus grandes arquitetos, Vilanova Artigas. Uma polis efetivamente urbana, com o perdão da redundância. São Paulo precisa mais disso que de dinamismo e agilidade, ainda que os termos não se excluam.

A regulação democrática deve ser vista em sua dupla dimensão. Há a regulação estatal, a ser feita mediante leis, projetos e boas políticas públicas. Ela se destina a conter excessos, crimes e desigualdades, a prover regras e serviços, a fazer com que a lei prevaleça com base em direitos e justiça universal. E há a regulação dos próprios cidadãos, que se manifesta mediante formas variadas de participação e interação comunicativa, apoiando-se decisivamente na educação cívica da população. Ela se destina a controlar o poder e a direcioná-lo conforme os interesses coletivos e o bem-estar de todos.

Não há paulistano, por exemplo, que não se ressinta da falta de silêncio. O barulho excessivo é onipresente, produzido por fontes técnicas (motores) e por maus hábitos cívicos.

Os cidadãos têm pouco que fazer quanto aos motores, a não ser denunciar os abusos e exigir que a Prefeitura fiscalize mais e restrinja os barulhentos, exigindo silenciadores nas empresas com sistemas de refrigeração, impondo a regulagem dos ônibus, difundindo o uso de isolamento acústico, multando as motos turbinadas, os escapamentos abertos e os caminhões apocalípticos, que roncam dia e noite.

Mas os cidadãos, além de denunciar e fiscalizar os “ruídos do progresso”, podem agir contra os barulhos desnecessários, os que produzimos sem perceber ou sem levar em conta os outros. A festa do vizinho incomoda muito quem dela não participa. A música ao vivo do bar ao lado é bacana, mas depois das 22 horas se torna pura tortura para quem não está lá. Um cãozinho largado na janela do apartamento late incessantemente, incomodando moradores no raio de um quarteirão.

Obras são inevitáveis. A regulação estatal deve garantir que se cumpram os horários. A regulação cívica não só deve controlar e fiscalizar, como pode ajudar a que se atenue o ruído causado por reparos domésticos. Não há como impedir que motos e automóveis circulem, mas pode-se atuar para diminuir os estragos que causam, seja em termos de poluição (do ar e sonora) ou de tráfego.

Não são coisas irrelevantes. Ao se avolumarem, causam mal-estar, impedem o descanso, o lazer e as atividades de quem trabalha em casa. Provocam a sensação de que se vive numa selva submetida a comportamentos predatórios e indiferentes ao conjunto das almas viventes. A cacofonia dos sons impedindo que a cidade seja efetivamente falante, como gosta de dizer outro de seus gigantes, Paulo Mendes da Rocha.

Não há nada – o desenvolvimento, a prestação de serviços, a liberdade, o empreendedorismo, a revitalização comercial – que possa ser usado para justificar os excessos em termos de agressividade, de privatização do espaço público, da falta de acessibilidade, da má prestação de serviços, do descuido com calçadas e equipamentos coletivos.

Se o novo prefeito quiser mesmo marcar sua passagem pelo cargo, deveria olhar com atenção para o que se esconde por trás da cidade frenética e dinâmica e valorizar a cidade do tempo livre, do descanso, do convívio, da privacidade, da comunicação, da política com p maiúsculo. Depende dele, mas não só dele, pôr em curso ações que humanizem São Paulo e a convertam num local de menos estresse e mais civilidade, mais eficiência e produtividade, mas, sobretudo, mais regulação, beleza e urbanidade.

A cidade agradeceria. Os cidadãos que nela vivem, mais ainda.

* Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política e Coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da UNESP


Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-cidade-em-busca-de-regulacao-democratica,70001636856


Luiz Carlos Azedo: A “morte” da Lava-Jato

Teori era o principal esteio da atuação dos juízes de primeira instância nos casos envolvendo o ex-presidente Lula, que foram por ele desmembrados

O bimotor turbo-hélice King Air C-90 é uma aeronave pressurizada, de pequeno porte e alta performance para uso em viagens domésticas, com capacidade para quatro ou cinco passageiros. Ganhou fama porque sua certificação autorizava transportar o presidente dos Estados Unidos. Começou a ser fabricado na década de 1970, nos EUA, pela Beechcraf Corporation. É um avião robusto, com amortecedores no trem de pouso, capaz de voar a 470 km/h, em altitudes de até 9,1 mil metros. Era desse modelo o avião que caiu no mar em Paraty com o relator da Operação Lava-Jato no STF, ministro Teori Zavascki, o que inicialmente alimentou suspeitas de que possa ter sido um atentado.

Não faltam interessados na morte do ministro, que já foi seguido por arapongas e ameaçado de morte, como o juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba. Segundo relatos de testemunhas, porém, o mais provável é que o acidente tenha sido provocado pelo mau tempo na área. Quem conhece a região de Parati e Angra dos Reis, muito montanhosa, sabe que a chegada das frentes frias costuma provocar muita chuva e intenso nevoeiro, o que dificulta a visibilidade até mesmo ao nível do mar. É preciso aguardar as investigações para saber exatamente o que provocou o acidente.

Independentemente das causas, porém, a morte de Teori Zavascki terá grande impacto na Operação Lava-Jato, seja nas investigações dos políticos envolvidos com direito a foro especial, seja quanto ao julgamento dos envolvidos, devido ao seu papel de relator do caso. Teori conduzia-se à frente das investigações com muita discrição e firmeza, tendo atuado em momentos decisivos de maneira inédita para os padrões do STF, como foram os casos do afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e da prisão do ex-senador Delcídio do Amaral (PT-MS), então líder do governo Dilma Rousseff.

Morosidade

Embora tivesse mais de 7 mil processos sob sua responsabilidade no STF, pretendia acelerar ao máximo o andamento do processo, cuja morosidade no Supremo já era objeto de críticas. Para isso, formou uma equipe de juízes e promotores para examinar os autos do processo e trabalhou durante o atual recesso do Judiciário para dar início às oitivas das “delações premiadas” da Odebrecht. Logo após assumir a relatoria da Lava-Jato, em conversas com colegas, revelou seu espanto com as ramificações do escândalo da Petrobras: “você puxa uma pena, aparece uma galinha”.

As delações premiadas da Operação Lava-Jato ameaçam todo o establishment político do país, por causa do uso generalizado de caixa dois nas campanhas eleitorais, nas quais a Odebrecht e outras empreiteiras eram grandes doadores. Depois do vazamento da delação do executivo Cláudio Melo Júnior, que citou dezenas de políticos, entre os quais ministros do atual governo e até o presidente Michel Temer, ganharam força no Congresso as articulações para barrar a Operação Lava-Jato. Entre os setores não envolvidos no escândalo da Petrobras, porém, havia esperança de que Teori conduzisse o caso com equilíbrio e serenidade e apartasse os casos de doações legais do caixa dois eleitoral.

Em alguns momentos, Teori atuou para conter excessos de procuradores e até mesmo do juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, responsável pelo caso, que chegou a ser advertido por Teori, quando da divulgação da conversa por telefone da ex-presidente Dilma Rousseff com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entretanto, Teori era o principal esteio da atuação dos juízes de primeira instância nos casos envolvendo o ex-presidente Lula, que foram por ele desmembrados. Era grande a expectativa sobre o momento em que quebraria o sigilo da Operação Lava-Jato em relação aos políticos, o que estava previsto para acontecer agora em fevereiro, quando da oitiva dos executivos da Odebrecht. Caberia a Teori homologar ou não acordo de delação premiada dos executivos da empresa, entre eles Emílio e Marcelo Odebrecht. Sua morte, sem dúvida alguma, deixa no ar uma grande interrogação quanto ao futuro da Lava-Jato.

Perfil

Teori fazia parte da Segunda Turma do STF, ao lado dos ministros Gilmar Mendes (presidente), Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Sua saída altera o perfil político e jurídico do colegiado, que tem papel importante a desempenhar durante as investigações e na apreciação de recursos. O ministro com perfil mais próximo ao seu é Celso de Mello, decano do tribunal. Os demais ministros têm atuação polêmica em relação à Lava-Jato. Não é à toa que juízes de primeira instância já se mobilizam para defender a continuidade da operação, temendo que o falecimento de Teori represente também a “morte” da Operação Lava-Jato.

A escolha do novo relator poderá ser por sorteio. Pelo regimento do STF, seria o ministro mais antigo ou o revisor em caso de licença do relator. No caso de morte, o regimento é omisso. Pode ser que a presidente do STF, ministra Cármem Lúcia, avoque a decisão para o pleno da Corte. Não há dúvida de que o novo relator, seja quem for, imprimirá sua marca pessoal ao processo. Gilmar Mendes, por exemplo, publicamente tem criticado a condução da Lava-Jato e, nos bastidores, é apontado como um dos articuladores da aprovação da anistia ao caixa dois pelo Congresso.


Fonte:

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-morte-da-lava-jato/


Luiz Carlos Azedo: Os limites da União

O poder centralizador da União se manteve como herança do regime militar. Vem daí o desequilíbrio na relação entre os entes federados

O pacto federativo é assim chamado porque pressupõe, digamos, uma grande aliança nacional e acordos entre os estados e a União. Não é uma coisa simples. Muito sangue já correu no Brasil por causa disso. A Revolução Pernambucana, por exemplo, que completará 200 anos no próximo dia 6 de março, foi provocada pela insatisfação popular causada pela Corte de D. João VI, desde sua chegada ao Brasil, em 1808. A ocupação dos cargos públicos pelos apaniguados portugueses e os impostos e tributos criados por D. João VI causaram a revolução, que fechou o ciclo das revoltas do período colonial e, de certa forma, precipitou a Independência, pois seu caráter era emancipacionista.

Os pernambucanos sofreram grande influência das ideias iluministas, que se opunham à monarquias absolutas, a partir da Revolução Francesa. Liberdade, igualdade e fraternidade eram as bandeiras dos revoltosos. A crise econômica provocada pela queda das exportações de açúcar, consequência da guerra na Europa, foi agravada pela seca de 1816, que aumentou a fome e a miséria no sertão pernambucano. Seus revolucionários, liderados por Domingos José Martins, com apoio de Frei Caneca e Antônio Carlos de Andrada e Silva, queriam a independência, a República e uma Constituição. Mas foram duramente reprimidos e a revolta acabou esmagada.

A centralização política sempre foi submetida à prova. No Império, na Confederação do Equador (1824), uma espécie de repeteco da Revolução Pernambucana; na Cabanagem (1835 a 1840), no Pará; na Balaiada (1838 a 1841), no Maranhão; na Sabinada (1837 a 1838), na Bahia; na Guerra dos Farrapos (1835 a 1845), no Rio Grande do Sul e Santa Catarina; e na Revolta dos Malês (1835), uma rebelião de escravos muçulmanos em Salvador. Durante a República, pela revolta de Canudos, pelo movimento tenentista e, principalmente pela Revolução de 1930. O golpe militar de 1964 também teve elementos de esgarçamento das relações entre os estados e União, mas a influência da Guerra Fria e da radicalização política dela decorrente fizeram toda diferença.
Talvez a grande singularidade de hoje, em relação às situações anteriores, seja o fato de que o atual pacto federativo não se baseia apenas na relação entre a União e as oligarquias regionais, embora essa característica também dela faça parte. Na Constituinte de 1987, houve um pacto do Estado com sociedade em bases democráticas. O poder dos governadores acabou mitigado pela emancipação dos municípios, que passaram a ser considerados entes federados. Em contrapartida, o poder centralizador da União se manteve como herança do regime militar. Vem daí um desequilíbrio na relação entre os entes federados que foi exacerbado durante os governos Lula e Dilma. Como? Via desonerações fiscais (principalmente dos tributos compartilhados) e transferência seletiva de recursos para estados e municípios controlados pelos petistas e seus aliados.

Descompressão

O impeachment da presidente Dilma Rousseff funcionou como uma espécie de válvula de descompressão nessa relação com os governadores, que agora buscam jogar nas costas da União toda a responsabilidade pela crise fiscal. Tentam se aproveitar da fraqueza do governo Temer, numa hora em que o equilíbrio das contas públicas é o único caminho viável para o controle da inflação e a retomada do crescimento. Dos nove estados com folha salarial acima do limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, apenas três realmente estão em situação de calamidade: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Estão sem condições de pagar servidores e aposentados. Mato Grosso do Sul, Paraíba, Goiás, Paraná, Roraima e o Distrito Federal ainda podem segurar a onda se voltarem atrás na farra dos aumentos salariais.

Os demais estados apresentam situação fiscal sob controle, mas também tentam tirar vantagem da negociação do governo federal com os estados quebrados, principalmente a negociação com o Rio de Janeiro.Vários estados ingressaram com ações no Supremo Tribunal Federal (STF), que deu um prazo de 60 dias para que o governo federal chegasse a um acordo com os governadores que mitigasse os efeitos da crise sobre as finanças estaduais. O acordo foi feito e o Congresso aprovou uma lei dando um prazo de mais 20 anos para que os Estados quitassem a dívida que já tinha sido renegociada pela União, suspendendo o pagamento das parcelas mensais até o fim de 2016. O pagamento das prestações será retomado neste mês, com elevação gradual de 5,26 pontos percentuais até 2018. Foram ampliados também os prazos de créditos dos estados com o BNDES. O acordo vale R$ 26 bilhões (R$ 20 bilhões com o Tesouro e R$ 6 bilhões com o BNDES). Quem pagará essa conta? Todos nós!


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo