política
Luiz Carlos Azedo: Mudança de eixo
As reformas da Previdência e trabalhista estão sendo mitigadas porque o governo sofre chantagem da própria base
O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi embora cedo ontem da Câmara, depois de aprovar em votação simbólica a primeira das medidas necessárias para o “pacote de bondades” que o Palácio do Planalto preparou para ver se melhora a popularidade do presidente Michel Temer. Como sempre acontece nos momentos de crise política grave, o governo raspa o fundo do tacho com uma das mãos para poder gastar com a outra. No caso, trata-se da restituição aos cofres públicos dos precatórios depositados há mais de dois anos que não foram sacados pelos beneficiários. Com a aprovação da proposta, o governo federal espera reforçar os cofres da União com R$ 8,6 bilhões.
Precatórios são dívidas do poder público decorrentes de condenações judiciais definitivas. Para dar um caráter social ao projeto aprovado, foram incluídas duas exigências: que 20% desse montante seja aplicado pela União na manutenção e desenvolvimento do ensino e, pelo menos, 5% no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM). No embalo, foram incluídas as requisições de pequeno valor (RPV), oriundas de ações contra o poder público, mas com valor limitado a 60 salários mínimos.
Logo após o encerramento da sessão, quem também deixou a Câmara foi o relator da reforma da Previdência, deputado Arthur Maia (PPS-BA), cujo parecer está pronto. Indagado sobre a votação da reforma, foi curto e grosso: “Vamos ter que esperar, agora não dá”. Pra bom entendedor, isso significa que o governo ainda não tem votos para aprová-la, apesar da retórica oficial. A prioridade não é esticar a corda com a Câmara, é recompor a base do governo.
No outro lado do Congresso, acontece a mesma coisa. A reforma trabalhista caminha lentamente no Senado. Ontem, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) fez a leitura do relatório favorável à aprovação da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado. Manteve o projeto aprovado pela Câmara, mas indicou os vetos que serão recomendados ao presidente Temer, em troca do apoio da base aliada no Senado. Versam sobre ambiente insalubre para gestantes e lactantes; descanso de 15 minutos a que as mulheres têm direito antes de iniciar a hora-extra; acordo individual para determinar jornada de 12 horas de trabalho com 36 horas de folga; a “comissão de representantes dos empregados” em empresas com mais de 200 funcionários; e intervalo intrajornada de 30 minutos para horários acima de seis horas de trabalho.
O relatório será votado em 20 de junho e, depois, será encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça. Ferraço faz parte do time de tucanos que defende o desembarque do PSDB do governo Temer, mas afirma ter compromisso com as reformas. Uma coisa não teria nada a ver com a outra. Essa, porém, não é a posição da maioria da bancada de senadores tucanos, que defende a permanência do partido no governo. Na crise, a prioridade da bancada é evitar a cassação do senador Aécio Neves (MG), que está com mandato suspenso e precisa ser blindado pela legenda na Comissão de Ética, controlada pelo PMDB. Não é esticar a corda por causa das reformas.
Chantagem
O agravamento da crise ética, porém, começa a criar problemas para a equipe econômica. Não bastam as entrevistas do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sobre os problemas na economia. Analistas já alteraram as projeções para 2017. A previsão de crescimento caiu de 0,5% para 0,2%. A economia fecharia o ano em aceleração ascendente de 0,8% no último trimestre, ou 3,2%, a taxa anualizada, mas agora a projeção é declinante: 0,4%, 0,12% e 0,% no segundo, terceiro e quarto trimestres, segundo o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV).
Para alguns economistas, esse é o resultado das “bondades” do governo: reajustes nas faixas de renda e de financiamento para compra de imóvel; ampliação do volume de crédito subsidiado; não devolução antecipada de empréstimos do BNDES ao Tesouro, para aumentar o funding de créditos subsidiados; subsídio para a renovação da frota de veículos e à indústria automobilística; medidas de compensação à indústria nacional da cadeia de petróleo, a pretexto de perdas geradas pela redução do conteúdo local.
Na verdade, as reformas da Previdência e trabalhista, que serviriam para reduzir o ajuste fiscal e aumentar a produtividade, estão sendo mitigadas porque o governo sofre chantagem da própria base. Nada é feito para acabar com os cartórios na burocracia federal, que tanto encarecem a produção e favorecem a corrupção, além de servir de trincheira para os setores que apostam no “quanto pior, melhor” para manter seus privilégios. É ou não uma mudança de eixo?
* Luiz Carlos Azedo é jornalista
Luiz Carlos Azedo: Para onde vamos?
Com o avanço da Operação Lava-Jato, Temer deslocou o eixo de sua atuação das reformas para a preservação do próprio mandato
Boa parte do que pensamos hoje sobre a relação entre economia e política é fruto de um grande debate ocorrido na Europa após a II Guerra Mundial, no qual alguns intelectuais analisaram profundamente as causas do colapso político e econômico do começo do século passado e a ascensão do fascismo. Esse debate proporcionou um período de grande estabilidade. Aqui no Brasil, porém, ocorreu o contrário: por causa da Guerra Fria, esse período foi marcado por crises sucessivas, que resultaram no golpe militar de 1964, ou seja, em 20 anos de ditadura. Quem são esses intelectuais e quais as suas ideias básicas?
Em primeiro lugar, os fundadores da Escola de Chicago, Ludwigh Von Mises e Friedrich Hayek, ambos austríacos, cuja defesa do liberalismo, ou seja, de uma sociedade aberta e livre, visava manter o Estado o mais longe possível da economia, para isolar os radicais de direita ou de esquerda e impedi-los de planejar, dirigir ou manipulá-la.
Com as mesmas preocupações quanto ao passado, em segundo lugar, o economista britânico John Maynard Keynes, chegou a conclusões completamente diferentes, defendendo a intervenção do Estado na economia para garantir a segurança social com políticas anticíclicas e isolar os radicais. Com base nas suas ideias, governos social-democratas e neokeynesianos construíram o Estado de bem-estar social na Europa, até que a onda neoliberal de Margaret Tatcher, na Inglaterra, nos anos 1980, colocasse em xeque essa política.
Somente após a redemocratização, em 1985, as ideias liberais e social-democratas que proporcionaram estabilidade e progresso à Europa Ocidental encontraram um ambiente favorável ao debate aberto e livre aqui no Brasil, sem as contingências da radicalização política causada pela Guerra Fria desde o governo Dutra, em 1946. Entretanto, vivíamos o esgotamento do modelo de substituição de importações e uma profunda crise de financiamento do Estado, o que resultou na hiperinflação do governo Sarney (1985-1989). Foi a partir desse debate que conseguimos controlar a inflação e consolidar a democracia, o que nos proporcionou três inéditas décadas de estabilidade política, em que pese os impeachments de Collor de Mello (1992) e Dilma Rousseff (2016).
Entretanto, esse debate foi mitigado e hegemonizado pela polarização PSDB-PT, desde a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994. Num primeiro momento, em decorrência do sucesso do Plano Real e da estabilização da moeda. As correntes neoliberais e desenvolvimentistas foram neutralizadas pelo pensamento social liberal predominante na equipe do ministro da Fazenda, Pedro Malan, além da forte influência do pensamento de Peter Ducker nas políticas públicas (fazer com que os serviços públicos adotassem métodos e práticas de gestão das empresas privadas).
A chegada do PT ao poder, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, com sua “Carta aos Brasileiros”, num primeiro momento, garantiu certa continuidade dessas políticas, com ênfase no “focalização” dos gastos sociais nas camadas mais pobres da população, via programas compensatórios de transferência de renda. Esse curso, porém, já no fim do primeiro mandato de Lula, foi alterado profundamente, com a adoção de práticas populistas e medidas nacionais desenvolvimentistas focadas no adensamento cartorial das cadeias produtivas.
E as reformas?
Tal política foi exacerbada ainda mais no governo Dilma. A “nova matriz”, porém, nada mais era do que a fusão do velho “capitalismo de laços” com um novo “capitalismo de Estado”, a serviço da formação de cartéis e grandes empresas monopolistas, os chamados “campeões nacionais”, que garantiram, por meios ilegais, a reprodução eleitoral do bloco político no poder. Esse processo ampliou o patrimonialismo, a corrupção e o fisiologismo, que estão sendo desnudados pela Operação Lava-Jato. E mergulhou o país na mais dura recessão, o que provocou o impeachment de Dilma.
Assim, chegamos ao atual governo. O velho PMDB, fisiológico e patrimonialista, continua o grande fiador da governabilidade e da estabilidade do sistema político. O presidente Michel Temer, o vice que assumiu o poder, recebeu pleno apoio das forças políticas que apoiaram o impeachment, mas não da opinião pública que se contrapôs ao governo Dilma. Seus cacifes: a forte base parlamentar e grande capacidade de articulação no Judiciário.
Temer assumiu o governo com um programa de combate à inflação, recuperação de estatais, limitação de gastos públicos e reformas da Previdência e das relações trabalhistas. Com o avanço das investigações da Operação Lava-Jato, que chegou às cúpulas do PMDB e do PSDB, deslocou o eixo de sua atuação das reformas para a preservação do mandato de presidente da República. Para onde vamos? Ninguém sabe. O cenário é de instabilidade política, incerteza econômica e inquietação social.
Luiz Carlos Azedo: A porta dos fundos
As provas da propina e do caixa dois na campanha da chapa Dilma-Temer podem não ser consideradas no julgamento da eleição, mas continuarão existindo nos processos da Lava-Jato
O relator do pedido de cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Herman Benjamin, durante a leitura de seu voto, independentemente do desfecho do julgamento — que deve ser concluído hoje —, abriu uma discussão sobre a utilização de propina nas eleições pelos maiores partidos do país que deve ir longe, muito longe, chegando mesmo ao Supremo Tribunal Federal (STF), quando ocorrerem os julgamentos dos políticos investigados na Operação Lava-Jato. Segundo o ministro, ao pedir a cassação da chapa, “os partidos que encabeçaram a coligação Com a Força do Povo acumularam recursos de ‘propina-gordura’, ou ‘propina-poupança’, que os favoreceram na campanha eleitoral de 2014”.
Herman Benjamin pôs o dedo na ferida da crise do sistema político e eleitoral: “Trata-se de abuso de poder político e ou econômico em sua forma continuada, cujos impactos, sem dúvida, são sentidos por muito tempo no sistema político-eleitoral”. O que não faltam são provas de caixa dois e de que a propina jorrou da Petrobras para a campanha eleitoral, o que seria motivo de sobra para a cassação da chapa. Mas não é aí que está a disputa no âmbito do TSE. A condenação ou absolvição de Temer depende da interpretação preliminar sobre a validade dessas provas, por parte dos ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Admar Gonzaga, Tarcísio Neto, Luiz Fux, Rosa Weber e Gilmar Mendes. Segundo o presidente do TSE, Gilmar Mendes, os fatos novos ligados à Odebrecht extrapolam os limites da ação.
Benjamin fez um diagnóstico do sistema de financiamento eleitoral: “Os dois partidos da coligação usufruíram, ao longo dos anos, de valores ilícitos, derivados de práticas corruptas envolvendo a Petrobras”. Segundo ele, ambos “estabeleceram fontes de financiamento contínuo, as quais sem dúvida permitiram-lhes desequilibrar a balança da disputa eleitoral”. Mas o modelo não se restringiria ao PT e ao PMDB: “Chamo atenção que não foram esses os dois únicos partidos a agir dessa forma. Há vastos documentos probatórios nos autos em relação aos outros partidos. Mas, como relator, e nós como juízes, só podemos analisar a coligação vencedora na eleição presidencial de 2014”.
Vamos supor que Benjamin perca a discussão nas preliminares, como tudo leva a crer, por 4 a 3, na queda de braços jurídica com o presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, contrário à inclusão das provas. O resultado do julgamento será o reflexo de um duplo posicionamento: primeiro, de natureza processual (as provas não são válidas); segundo, de mérito (Dilma já não é presidente; e/ou Temer não era responsável por suas contas). Essa daria alento às forças que participam do governo Temer, mas certamente será submetida por recurso do Ministério Público ao Supremo, que terá que examinar a questão, ou seja, anular o julgamento e mandar incluir as provas ou referendá-lo e encerrar esse assunto. E o que fazer com o caixa dois e a propina?
Partidos
Mais cedo ou mais tarde esse assunto voltará à baila, em razão da Lava-Jato. O que estará em jogo não é apenas o julgamento dos políticos que estão sendo investigados, inclusive o presidente Michel Temer, que corre o risco de ser denunciado pelo Ministério Público em razão da delação premiada do empresário Joesley Batista, dono da JBS. As provas cabais de que houve propina e caixa dois na campanha da chapa Dilma Rousseff- Michel Temer podem não ser consideradas no julgamento da eleição, mas continuarão existindo nos processos da Lava-Jato.
Também chegará um momento em que os partidos serão julgados pela “propina-poupança” e “propina-gordura”. Há, no próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE), três processos que ameaçam PT, PMDB e PP. A ministra Rosa Weber é a relatora das ações que podem cassar os registros de PT e PP, enquanto Luiz Fux é o do processo aberto contra o PMDB. Ninguém menos do que próprio presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, no ano passado, autorizou a investigação sobre o uso de verbas públicas da Petrobras em benefício do PT no âmbito da Operação Lava-Jato. Se a apuração concluir que houve uso de financiamento vedado pela legislação eleitoral, o resultado pode ser a extinção da sigla.
Gilmar também autorizou investigações contra o PMDB e o PP, com base em suspeitas similares levantadas nas investigações da Lava-Jato. Em fevereiro passado, o TSE destravou o andamento dos três processos, por 5 a 2, ao retirá-lo do então corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Herman Benjamin. No julgamento em curso hoje, Rosa Weber e Luiz Fux apoiam Benjamin. Parece coisa de maluco aventar essa hipótese, mas a legislação eleitoral, cumprida à risca, pode levar a isso. O julgamento de hoje, porém, parece abrir uma saída pragmática e conciliadora para o establishment político do país. Mas é a porta dos fundos.
* Luiz Carlos Azedo é jornalista
Luiz Carlos Azedo: Truco na Lava-Jato
O polêmico acordo de delação da JBS na Operação Lava-Jato virou o jogo na opinião pública sobre as delações premiadas de empresários corruptos
De origem espanhola, o jogo de truco foi popularizado na América Latina por imigrantes espanhóis e italianos, sendo muito popular em São Paulo, Minas, Goiás e no Rio Grande do Sul. O apelo popular do jogo vem do sistema emocionante de apostas, nas quais cada tipo de pontuação pode ser escolhido para marcar mais pontos para a equipe. As propostas são aceitas, rejeitadas ou aumentadas. O blefe e o engano também são fundamentais para o jogo, inclusive na distribuição das “mãos” de cartas, cujo número precisa ser conferido a cada rodada. Com todo respeito, a crise chegou aos tribunais superiores como uma espécie de jogo de truco.
A defesa do presidente Michel Temer pediu, na sexta-feira, ao ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, o desmembramento do inquérito da JBS. O presidente da República é investigado com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR). O advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira sustenta que os fatos narrados sobre os três políticos na delação do empresário Joesley Batista, dono da JBS, não têm relação entre si. Em outra petição, Mariz pleiteou ao relator da Lava-Jato a “livre distribuição” do inquérito; ou seja, que outro ministro seja sorteado para cuidar do caso, em vez de permanecer com Fachin, como havíamos antecipado no domingo passado. Truco paulista!
No mesmo dia, quando parecia que a iniciativa estava com o presidente da República, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) autorização para que sejam interrogados Temer, Aécio e Rocha Loures, bem como outros citados na delação da JBS. Quem vai decidir a questão é o ministro Édson Fachin, que a defesa não reconhece como juiz natural, porque o caso não está ligado ao escândalo da Petrobras. Janot pede ao relator para definir como será feito o depoimento, que normalmente fica a cargo da Polícia Federal. Truco mineiro? Pode ser que não: o pleito da defesa de Temer é que seja feito por escrito, após a perícia da gravação do empresário Joesley Batista. O presidente da República é investigado no STF por suspeita de corrupção, organização criminosa e obstrução de Justiça. Ou seja, virou pivô da crise.
Para embaralhar as cartas, o ministro Gilmar Mendes trucou de verdade, à moda goiana. Anunciou que pretende rediscutir a forma como delações premiadas devem ser homologadas (validadas juridicamente) e também a decretação de prisão após a condenação em segunda instância. A oportunidade veio com o polêmico acordo de delação da JBS na Operação Lava-Jato, que virou completamente o jogo na opinião pública sobre as colaborações feitas por empresários corruptos. Mendes quer que as delações deixem de ser uma espécie de monopólio do relator e passem a ser homologadas de forma colegiada, pelos 11 ministros do STF, em sessão plenária, ou por uma de suas duas turmas, cada qual com cinco ministros.
Gilmar disse que o falecido ministro Teori Zavascki, antigo relator da Operação Lava-Jato, havia conversado com ele sobre essa questão. Se houver mais interlocutores com os quais o antigo relator tenha conversado, a chance desse truco é grande. “O que a lei diz? Que o juiz é quem homologa, mas o juiz aqui não é o relator, quando se trata de tribunal, é o próprio órgão. Ele pode até fazer a homologação prévia, mas sujeita a referendo.” O fato de o caso envolver o presidente da República praticamente consagra a tese, pois não há como deixar de discutir o tema no próprio plenário.
“Mão” gaúcha
O truco gaúcho é jogado com baralho espanhol, não o francês, e será a rediscussão da execução penal após a condenação em segunda instância, que tanto apavora os envolvidos na Operação Lava-Jato sem direito a foro especial, ou seja, principalmente aqueles que estão sendo julgados em Curitiba pelo juiz federal Sérgio Moro, cujas decisões quase sempre são referendadas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre. Os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello discordam das prisões após decisão em segunda instância e defendem que ocorra somente após a terceira instância, no caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Com base nisso, Gilmar pretende propor uma revisão da questão pelo Supremo, o que muda muito as regras do jogo para a força-tarefa da Operação Lava-Jato.
O ministro Gilmar Mendes vinha se mantendo em silêncio nas últimas semanas, quebrado ontem com novas e polêmicas declarações sobre a Lava-Jato. Mas confirmou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) iniciará em 6 de junho o julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, cuja eleição pode ser anulada por abuso de poder econômico, a pedido do PSDB. O vice-procurador-geral eleitoral, Nicolau Dino, pediu a cassação da chapa, ou seja, do mandato de Temer, e dos direitos políticos da ex-presidente Dilma Rousseff, por oito anos. O voto do ministro relator do caso, Herman Benjamin, anterior à delação premiada de Joesley Batista, pede a cassação. Hoje, teria apoio da maioria do plenário. Entretanto, é dado como certo o pedido de vista por um dos ministros indicados pelo presidente Michel Temer. Nesse caso, o julgamento vai para as calendas.
* Luiz Carlos Azedo é jornalista
Luiz Carlos Azedo: Ninguém morreu, ainda
A oposição não deve estimular a violência e o vandalismo nos protestos; uma saída para a crise ética e política depende do Congresso e do Supremo Tribunal
Uma das características da crise ética que o país vive é o fato de que ninguém morreu, até agora. Não houve “queima de arquivo” de potenciais delatores e testemunhas. Muito menos de delegados, promotores e juízes, como aconteceu na Operação Mãos Limpas, na Itália. Suicídios, nem pensar, não é da índole dos envolvidos. A personalidade do presidente Michel Temer também não se parece com a de Getúlio Vargas, e o contexto da crise atual é completamente diverso daquele de 1954 — embora o dia 24 de agosto esteja longe ainda. Mas, ontem, uma pessoa foi baleada durante os protestos da Esplanada dos Ministérios, ou seja, por muito pouco não apareceu o primeiro cadáver para incendiar o país.
Entretanto, em razão dos atos de vandalismo protagonizados por manifestantes convocados pelas centrais sindicais e pelos partidos de oposição, que chegaram a atear fogo nos ministérios da Agricultura e da Cultura e a depredar outros prédios da Esplanada, a crise ganhou contornos que podem resultar numa tragédia, se não houver uma mudança de rumo na situação. De um lado, a oposição precisa dar exemplo e deixar de estimular a violência e o vandalismo nos protestos; de outro, os poderes da República, notadamente o Congresso e o Supremo Tribunal, devem buscar uma saída para a crise ética e política que se instalou em razão da abertura de investigação contra o presidente Michel Temer no âmbito da Operação Patmos (ilha grega onde o apóstolo João teve as visões descritas no Apocalipse), deflagrada pela “delação premiada de Joesley Batista, dono da JBS”.
Lei e ordem
No fim da tarde, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, ao lado do ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Sergio Etchegoyen, anunciou que, a pedido do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente Temer determinou o emprego de forças federais numa operação de garantia da lei e da ordem na Esplanada. Durante os confrontos, a Polícia Militar utilizou os recursos habituais para enfrentar os manifestantes e conteve os protestos sem emprego de força desproporcional, mas não conseguiu impedir a escalada de vandalismo.
A decisão de recorrer à Garantia da Lei e da Ordem (GLO), uma prerrogativa exclusiva do presidente da República, tem um duplo significado. Primeiro, a disposição de não permitir que os protestos extrapolem os limites da manifestação livre e democrática e que degenerem em atos de vandalismo e violência, como vem ocorrendo com frequência. Segundo, o envolvimento das Forças Armadas na crise política, o que não é nada bom, porque a confrontação desses manifestantes com essas forças pode degenerar em repressão mais brutal.
As operações de GLO estão previstas nos casos de esgotamento das forças tradicionais de segurança pública e graves situações de perturbação da ordem. São reguladas pelo artigo 142 da Constituição, pela Lei Complementar 97, de 1999, e pelo decreto 3.897, de 2001. Nessas ações, as Forças Armadas agem de forma episódica, em área restrita e por tempo limitado, com o objetivo de preservar a ordem pública, a integridade da população e garantir o funcionamento regular das instituições. Passam a ter poder de polícia até o restabelecimento da normalidade.
Essas operações já foram realizadas no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Norte e no Espírito Santo, a pedido dos governos estaduais; durante a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável do Rio de Janeiro (Rio+20), em 2012; na Copa das Confederações da Fifa; e na visita do papa Francisco a Aparecida (SP) e ao Rio de Janeiro, durante a Jornada Mundial da Juventude, em 2013; e na Copa do Mundo de 2014 e nos Jogos Olímpicos Rio-2016. É a primeira vez que se realiza em razão de manifestações políticas na Esplanada. Não é um bom sinal.
Roberto Freire: O governo das reformas
Há exatamente um ano, no dia 12 de maio de 2016, se iniciava o governo de transição do presidente Michel Temer, ainda na condição de interinidade após a instauração do processo de impeachment de Dilma Rousseff pela Câmara dos Deputados. Nesse período, em meio a enormes dificuldades decorrentes de um perverso legado de desmantelo e irresponsabilidade deixado pelas gestões lulopetistas nos últimos 13 anos, o Brasil já logrou êxito em diversas áreas e vem caminhando a passos largos para superar a crise e retomar o caminho do desenvolvimento.
Uma série de mudanças necessárias para fazer o país voltar aos trilhos vêm sendo levadas a cabo de forma corajosa pelo atual governo, que conta com um apoio parlamentar poucas vezes visto. Trata-se de uma gestão que já pode ser apontada como uma das mais reformistas da história republicana brasileira, sendo comparável ao período de Itamar Franco (1992-1994), a quem servi honrosamente como líder na Câmara.
A aprovação do texto-base da reforma trabalhista é um exemplo importante do compromisso do governo com a modernização das relações de trabalho e o avanço do país. O projeto, que ainda será analisado pelo Senado, dá força de lei aos acordos coletivos entre empresas e trabalhadores e busca posicionar o Brasil na vanguarda, superando o engessamento e o anacronismo de uma legislação que não é mais capaz de se conectar com a realidade do mundo de hoje e do futuro.
A proposta da reforma da Previdência, já aprovada em uma comissão especial da Câmara antes de seguir para análise do plenário da Casa, também faz parte desse pacote de medidas fundamentais para tirar o Brasil do atoleiro. O texto é resultado de um amplo debate com as bancadas de todos os partidos e representa a possibilidade de o país economizar nada menos que R$ 600 bilhões nos próximos dez anos – aliviando o déficit previdenciário que hoje ameaça a aposentadoria de milhões de brasileiros e a própria sustentabilidade do sistema.
Além das reformas mais importantes, o governo do presidente Temer acertou ao decidir pela liberação de saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Até a última atualização da Caixa, mais de R$ 16,6 bilhões foram sacados. As estimativas dão conta de que mais de 30 milhões de trabalhadores que pediram demissão ou foram demitidos até 31 de dezembro de 2015 sejam beneficiados em todo o país. Os recursos totalizam R$ 43,6 bilhões referentes a cerca de 50 milhões de contas inativas.
Ao contrário do que diziam os lulopetistas, o atual governo também se preocupou com o fortalecimento dos programas sociais. Uma das primeiras medidas foi o reajuste de 12,5% do Bolsa Família, valor acima da inflação registrada nos 12 meses anteriores. Além disso, mais de 10 mil unidades habitacionais do Minha Casa Minha Vida, cujas obras estavam paralisadas, foram retomadas.
Na área educacional, foram renovados mais de 1,1 milhão de contratos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e houve o repasse de R$ 5 bilhões para instituições federais dos ensinos básico, técnico e superior. O governo ainda aprovou a medida provisória que reformula o Ensino Médio, um passo determinante para reformarmos um modelo que já não funciona e conduzirmos o país a um novo patamar de desenvolvimento.
Em apenas um ano, foram aprovadas outras medidas fundamentais como a PEC do Teto dos Gastos Públicos, a MP do setor elétrico, o projeto que desobriga a Petrobras de participar de todos os consórcios de exploração do pré-sal, a Lei de Governança das Estatais, entre tantas outras que ajudam a recuperar a confiança perdida junto à sociedade e aos agentes econômicos.
Após o desastre econômico gerado por Lula e Dilma, o Brasil já vislumbra um horizonte menos tempestuoso. O último boletim Focus, do Banco Central, indica uma perspectiva de inflação menor e crescimento maior do PIB brasileiro em 2017. A estimativa é de um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), antes em 4,03%, agora em 4,01% - a 9ª redução consecutiva do indicador, que está dentro da meta estipulada pelo governo (4,5%). Já em relação ao desempenho do PIB, a projeção oscilou positivamente de 0,46% para 0,47%. Para 2018, a expectativa é de alta de 2,5%.
É evidente que não se resolverão todos os graves problemas do país da noite para o dia, mas o importante é que o Brasil está de volta aos trilhos e no rumo certo. Ainda vivemos um momento delicado, com cerca de 14 milhões de desempregados. Historicamente, o emprego é o último indicador a se recuperar em meio às grandes crises econômicas, mas certamente isso também vai acontecer, sobretudo a partir da aprovação das reformas.
Há um ano, quando Temer assumiu a Presidência da República, poucos imaginavam que o Brasil seria capaz de se reerguer e sair do fundo do poço em tão pouco tempo. O caminho que temos pela frente ainda é longo e árduo, mas os primeiros passos foram dados e servem como alento para que a população não perca a esperança no país. Atravessaremos essa transição com um governo corajoso e reformista, que nos levará ao porto seguro de 2018.
* Roberto Freire é ministro da Cultura
Luiz Carlos Azedo: O juiz de Bruzundanga
Afinal, o que seria de Bruzundangas se todos tivessem a mesma aposentadoria e os mesmos direitos?
A República de Bruzundanga, de Lima Barreto, completa 95 anos, uma efeméride pouquíssimo lembrada, a não ser por alguns estudantes de Literatura. Às vésperas de Natal de 2014, ela já havia sido abalada por um escândalo envolvendo a maior empresa estatal do país, uma petroleira, e os donos da nação, entre os quais estavam a Mandachuva — a primeira mulher a assumir a Presidência — e seu padrinho, o Mandachuva que a antecedera. O problema é que ninguém ainda sabia disso, a não ser o cronista que reconta essa história, num tributo ao escritor carioca maldito (ele era pobre, mulato e gay).
No país imaginário de Lima Barreto, a esposa do presidente de uma grande empresa que estava preso ameaçara contar tudo o que sabia à polícia e à Justiça sobre o maior escândalo de corrupção da nação, se o marido passasse o ano-novo na cadeia. Estava revoltada porque os donos da empresa decidiram demitir todos os executivos e foram passar o Natal em um balneário do Caribe, depois de encerrar os negócios no ramo da construção para viver de outras fontes de renda. O recado veio cifrado numa nota de coluna de jornal.
Por essa razão, o executivo foi solto, chegou a fazer uma delação premiada, mas ela foi incinerada pelas autoridades porque houve um vazamento do conteúdo para jornais e revistas sensacionalistas, que insistiam em escandalizar o povo com os podres da República. O problema é que ele não desistiu, negociou nova delação, com mais 40 executivos da empresa. Em sua obra póstuma, o mestre do escárnio já havia desnudado a essência de Bruzundanga. Quase cem anos depois, nada havia mudado quanto aos costumes políticos. Só as velhas patacas foram substituídas pelo barusco, a moeda criada em homenagem ao ex-diretor da petroleira local que resolveu denunciar as falcatruas que escandalizavam o mundo naquele Natal. Mas já estavam inflacionadas pela enxurrada de dólares que jorraram das plataformas da petroleira para misteriosas contas no exterior.
O ex-mandachuva continuou a trajetória como aquele personagem de Todos os homens são mortais, de Simone de Beauvoir, o Conde Fosca, já citado em 2014, quando começou a Operação Enxuga Devagar. Se vocês não se lembram, por ser imortal, esse personagem podia decidir o que quisesse, os outros pagavam com a própria vida quando algo dava errado. Naquele Natal, a esposa de um executivo da petroleira que havia sido preso procurara o secretário particular do ex-mandachuva e avisara que contaria tudo se o marido continuasse em cana. Ele também foi solto a tempo de participar do amigo oculto da família, graças à Mandachuva, que gastou um dos cartuchos que tinha no tribunal para conseguir-lhe um habeas corpus. Coisas que ainda aconteciam em Bruzundangas.
Privilégios
Mas havia um juiz ferrabrás numa das províncias que resolveu subverter a ordem natural das coisas e pôs em cana todos os envolvidos no escândalo ao seu alcance. O ex-diretor da petroleira, convencido pela família, resolveu falar o que sabia. Relatou três encontros com o ex-mandachuva, que tinha conhecimento de tudo o que se passava na petroleira e agora ele está na iminência de ser preso. O executivo da estatal também entregou a ex-mandachuva, que meteu as mãos pelos pés e, no passado, acabou apeada do poder. Agora, também corre o risco de ser condenada e presa.
No meio de tanta confusão, o vice-mandachuva assumira o poder. Nele ainda se equilibra para terminar o mandato e chegar às eleições nacionais do ano que vem. A situação no país continua delicada. Durante a crise mundial, o povo viveu no mundo da fantasia, gastando mais do que podia, como naquela fábula da cigarra e da formiga. Agora, a saída é acabar com os privilégios e reinventar a economia, mas a elite política, os empresários que mamam nas tetas do governo e a alta burocracia resistem às reformas. Afinal, o que seria de Bruzundangas se todos tivessem a mesma aposentadoria e os mesmos direitos? O escândalo na petroleira virou o país de cabeça pra baixo. Quem foi mandachuva em Bruzundanga jamais perde a majestade. Na quarta-feira, ele será interrogado pelo juiz ferrabrás. O problema é que o tal magistrado veio de Curitiba.
* Luiz Carlos Azedo é jornalista.
Luiz Carlos Azedo: A resiliência petista
A volta do PT às ruas, com suas velhas bandeiras vermelhas, acaba por transformar em satélites outros setores de oposição, como o PSOL
Os petistas comemoram a saída da cadeia do ex-ministro José Dirceu, que aguardará seu julgamento em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica. Com razão, pois o petista é o líder político mais importante da legenda depois dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. De longe, é o que melhor conhece os quadros da legenda e a psicologia dos militantes petistas. Está proibido de agir em relação à Lava-Jato, mas não pode ser impedido de pensar a política, nem orientar politicamente seus aliados. Isso ele sabe fazer nas mais diversas circunstâncias, porque acumulou essa experiência na clandestinidade e no exílio.
No auge da crise do mensalão, quando já havia sido defenestrado da Casa Civil e às vésperas de ter o mandato de deputado federal cassado pela Câmara, Dirceu parecia enxergar na escuridão ao apostar na reeleição de um Lula que andava acabrunhado e deprimido, enquanto a oposição acreditava que o então presidente da República sangraria até definhar eleitoralmente. Sua confiança estava depositada na resistência dos militantes petistas. Ao contrário de outros parlamentares que deixaram a legenda e fundaram o PSOL, Dirceu não queria saber de autocrítica, mas de um discurso que possibilitasse à legenda sair da defensiva e partir para cima dos adversários nas eleições de 2006. Foi o que aconteceu.
A liderança de Dirceu no PT não deve ser subestimada, seja porque foi o artífice da ascensão política de muitos quadros petistas, seja porque seu comportamento durante a prisão contrasta com o de outros envolvidos na Operação Lava-Jato que recorreram à delação premiada. Caso se confirmem as delações do ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, o que parece acontecer, (haja vista a operação de ontem da Polícia Federal, que prendeu três ex-gerentes da estatal) e do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, a estrela de Dirceu pode voltar a brilhar na constelação de dirigentes petistas, muitos dos quais também são investigados na Lava-Jato e dependem do silêncio de Dirceu. Quem quiser que pague pra ver.
A última pesquisa Datafolha mostra que o PT está saindo do fundo do poço e volta ao patamar de 15% de preferência do eleitorado, seu melhor desempenho desde setembro de 2014. É um voo de fênix diante da acachapante derrota eleitoral de 2016, que deixou o partido na lona nas eleições municipais. Analistas destacam que a preferência pelo PT aumentou de 9% para 14% no Sudeste, de 5% para 10% no Sul, de 14% para 22% no Nordeste, de 7% para 13% no Centro-Oeste e de 6% para 15% no Norte. Cresceu entre os mais pobres (de 11% para 19%) e entre os de renda alta (de 5% para 10%); entre quem fez o fundamental (de 10% para 18%) e fez faculdade (de 7% para 10%). Como explicar esse fenômeno?
Em primeiro lugar, a imagem do PT historicamente sempre esteve associada ao desempenho eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Acuado pela Operação Lava-Jato, ameaçado de ser preso por causa das delações premiadas da Odebrecht e da OAS, o petista reagiu politizando as acusações, numa queda de braço com o juiz federal Sérgio Moro. E decidiu andar pelo país, em busca de seus eleitores mais empedernidos, aquela parcela da população diretamente beneficiada pelo programa Bolsa Família.
Biombos
Há que se considerar, em segundo lugar, o fato de que, passado o atordoamento do impeachment de Dilma Rousseff, a legenda voltou a intensificar sua atuação nos movimentos sociais, principalmente nos sindicatos. Finalmente, em terceiro, a narrativa do golpe — o biombo para evitar o isolamento e fugir à autocrítica —, que era uma estratégia defensiva, foi robustecida pelas palavras de ordem contra as reformas trabalhista e da Previdência, que unificam a oposição ao governo Temer e embaralham as cartas na opinião pública, além de causar fissuras na base do governo.
É a volta do PT às ruas, com suas velhas bandeiras vermelhas, que acaba por transformar em satélites outros setores de oposição, como o PSOL, que estava até crescendo com a Lava-Jato. Além disso, os grandes partidos governistas foram lançados à vala comum da Operação Lava-Jato, o que está possibilitando uma espécie de acordo tácito entre todos esses protagonistas, não em relação às reformas, mas contra a Operação Lava-Jato e a favor da reforma política.
Não é à toa que o relator da reforma política é um petista, o deputado Vicente Cândito (SP), um dos mais hábeis articuladores da Câmara, que costura um acordão entre as grandes legendas para canibalizar os pequenos partidos. Ironicamente, os partidos ameaçados de perderem o tempo de televisão e os recursos do fundo partidário não são os mais envolvidos na Operação Lava-Jato. A reforma política está sendo feita para salvar os grandes partidos e seus quadros principais, permitindo até que eles escondam suas legendas em frentes partidárias, como a que já está sendo organizada pelo PT.
*Luiz Carlos Azedo é jornalista
Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-resiliencia-petista/
Luiz Carlos Azedo: A greve geral
“Não houve greve geral, houve paralisações de servidores e nos transportes, muita agitação e vandalismo”, disparou o Sueco
“No meu tempo, Saldanha, essa greve seria considerada um fracasso; cadê a classe operária? Greve foi a de 1953, em São Paulo. O que você acha, Chamorro?”, indagou o Sueco, como era conhecido Geraldo Rodrigues dos Santos, o Geraldão, um negro alto, de fala mansa e sorriso fácil. Santista, Geraldão era portuário e participou intensamente da greve que parou São Paulo e o Porto de Santos na década de 1950. Durante o regime militar, dirigiu o PCB na antiga Guanabara, na mais rigorosa clandestinidade, onde reencontrou os dois camaradas.
Seu amigo João Saldanha, o Souza, ficou famoso como comentarista esportivo e técnico da seleção brasileira de futebol, mas, na década de 1950, era dirigente do PCB no bairro paulista da Moóca, onde a greve começou. Fazia a ligação entre o líder comunista Carlos Marighella e o comando de greve. Durante a ditadura, deu cobertura para o velho amigo Geraldo, que andava com uma cápsula de cianureto no bolso para ingerir caso fosse preso. O Sueco havia jurado não delatar nenhum companheiro na tortura; preferiria morrer se fosse preso.
Geraldão vivia num “aparelho” na Favela da Maré, que somente alguns familiares e o motorista Dedé, que tinha um táxi, conheciam. O terceiro camarada na conversa vivia clandestino em Niterói, com o nome de Paulinho, onde organizava os trabalhadores têxteis e operários navais. Era ninguém menos do que Antônio Chamorro, um dos líderes da greve geral, ao lado da também tecelã Maria Sallas e do metalúrgico Eugênio Chemp.
“O Marighella chegou na redação do Notícias de Hoje, reuniu todo mundo e apresentou o plano de parar a capital, a ferrovia e o porto de Santos. Depois, pretendia abrir as sedes do partido na marra”, relata Saldanha, que já era jornalista. O PCB vinha de uma derrota eleitoral fragorosa para Jânio Quadros, que obtivera 285 mil votos na disputa pela Prefeitura da capital, na capital paulista, enquanto André Nunes Júnior, apoiado pelos comunistas, não chegara a 17 mil votos. A eleição havia acontecido três dias antes, em 22 de março. A tese parecia uma loucura do líder comunista, que, na década de 1970, viria a aderir à luta armada e acabou morto pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, durante a Operação Bandeirantes.
Naquele 25 de março, o PCB completava 31 anos. Chamorro e Maria Sallas lideravam uma assembleia de trabalhadores da indústria têxtil no Salão Piratininga, na rua da Moóca, na qual reivindicavam 60% de aumento salarial. Por causa da inflação, o apoio à greve foi quase unânime. No dia seguinte, encabeçados por Eugênio Chemp, os metalúrgicos aderiram à greve, lutavam por 800 cruzeiros a mais nos salários. No terceiro dia de greve, eram 70 mil operários concentrados no antigo hipódromo da Moóca. Piquetes de mil trabalhadores saíram em direção às demais fábricas de São Paulo, parando 70 empresas no dia seguinte. Houve repressão, mais de duas mil pessoas foram presas, Chemp quase levou um tiro. Uma tecelã e um metalúrgico foram feridos à bala. Mesmo assim, marceneiros, carpinteiros, padeiros, sapateiros, vidreiros, gráficos e até os trabalhadores da cervejaria Brahma pararam. Eram 300 mil operários de braços cruzados.
Chemp encerrava ali sua carreira paralela de craque do São Paulo Futebol Clube, onde até hoje figura na lista dos estrangeiros que mais brilharam no clube: 14 gols em 19 jogos, em oito vitórias, seis empates e cinco derrotas. Nasceu em Kiev, na Ucrânia, mas tinha nacionalidade uruguaia. Chamorro era brasileiro, descendente de espanhóis. O Brasil transitava do rural para o urbano com a industrialização de São Paulo, cuja capital passara a ser a maior cidade do país. No começo da década de 1950, mais de 1 milhão de trabalhadores fizeram greves, que traziam a novidade de lutar contra a carestia, ou seja, contra a inflação, e não apenas por aumentos salariais.
Paraquedas
O Pacto de Unidade Intersindical (PUI), que resultou dessas greves, foi uma reação à CLT de Vargas e ao atrelamento dos sindicatos ao Ministério do Trabalho, que hoje as centrais sindicais estão defendendo, num período de expansão da indústria e do trabalho assalariado no campo; em contrapartida, havia inflação alta e superexploração do trabalho. Com o fortalecimento dos sindicatos, o movimento desaguou na greve geral de julho de 1962, quase dez anos depois, que resultou na conquista da lei do 13º salário, sancionada pelo presidente João Goulart. Mas voltemos à conversa entre os três amigos, sentados na beira de uma nuvem bem alta, lá no céu.
“O que você achou da greve, Geraldo?”, perguntou Saldanha. “Não houve greve geral, houve paralisações de servidores e nos transportes, muita agitação e vandalismo”, disparou o Sueco. “Só espero que ninguém morra”, completou Chamorro. Foi uma alusão ao Primeiro de Maio de 1953, comemorado no antigo hipódromo da Moóca, após a conquista de 32% de aumento salarial para praticamente todas as categorias grevistas.
A história é a seguinte: Um anarquista italiano, para abrilhantar a festa, resolveu saltar de paraquedas. Acontece que o equipamento não abriu e a festa virou tragédia. Revoltada, a família não queria um enterro de herói da classe operária. Os grevistas, porém, insistiram e fizeram, na marra, um funeral de gala. Bradavam: “O cadáver é nosso!”
Luiz Carlos Azedo é jornalista
Luiz Carlos Azedo: Outro rombo no casco
O coração da investigação sobre Duque é a criação da Sete Brasil, pela Petrobras, para a construção de 21 sondas de perfuração no pré-sal
Às vésperas da greve geral convocada para hoje, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu mais um torpedo abaixo da linha d’água: a notícia de que o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque fará delação premiada. Preso em Curitiba, a sua defesa protocolou ontem um pedido de novo interrogatório ao juiz federal Sérgio Moro, no qual os advogados afirmam que “o acusado de forma espontânea e sem quaisquer reservas mentais, pretende exercer o direito de colaborar com a Justiça”. Ao lado do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, Duque fazia parte da blindagem petista a Lula e Dilma Rousseff no escândalo da Petrobras.
Duque mira a redução da pena. Em quatro ações penais, uma das quais por lavagem de dinheiro e ocultação de bens e valores, foi condenado a mais de 50 anos de prisão e responde a outros seis processos na 13ª Vara Federal de Curitiba. Tudo indica que sua delação está em linha com a do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, que também tentou convencer Vaccari a contar tudo o que sabe sobre o esquema de corrupção que operava em nome da cúpula do PT. Se Vaccari aceitar o acordo, a situação da cúpula petista, de Lula e de Dilma ficará mais complicada.
O coração da investigação sobre Duque é a criação da Sete Brasil, pela Petrobras, para a construção de 21 sondas de perfuração no pré-sal, com a participação da Odebrecht, dos fundos de pensão, do BNDES e alguns bancos. O caso foi delatado pelo ex-gerente de Serviços da Petrobras Pedro Barusco, que presidiu a empresa. A Odebrecht chegou a pagar propinas no valor de R$ 252,5 milhões aos envolvidos no escândalo, em troca de contratos no valor de R$ 28 bilhões. Duque pode relatar como foi o processo decisório na Petrobras, do qual o ex-presidente Lula teria tomado parte, segundo as delações de Marcelo e Emílio Odebrecht.
Mesmo em Vaccari, as duas delações vão apertar o cerco ao ex-presidente da República que deverá ser interrogado pelo juiz federal Sérgio Moro no próximo dia 10, em Curitiba. O depoimento estava marcado para o dia 3, mas acabou adiado a pedido da Polícia Federal. Ciente de que sua situação está se complicando cada vez mais, o petista aposta na politização do processo e antecipou o lançamento de sua candidatura a presidente da República em 2018. Além disso, vem subindo o tom contra Sérgio Moro, a ponto de dizer que vai se mudar para Curitiba e, assim, comparecer às audiências das 87 testemunhas que indicou, atendendo intimações do juiz. Ou seja, fará do julgamento um palanque eleitoral.
Mas se engana quem pensa que Lula escolheu Moro como adversário eleitoral. O petista já apontou as baterias para o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), que não se fez de rogado e também se movimenta como candidato a presidente da República, encarnando o figurino do anti-Lula. Nesse aspecto, hoje, em São Paulo, que as centrais sindicais pretendem parar, haverá um duelo entre Lula e o prefeito tucano, que gravou um vídeo convocando os funcionários da prefeitura ao trabalho e oferecendo transporte alternativo para os que desejarem trabalhar.
A greve geral
Desde o Germinal, de Émile Zola, cuja história se desenrola durante a preparação e eclosão de uma greve de mineiros no norte da França, a greve é descrita como a forma de luta mais eficaz e radical dos trabalhadores. O autor chegou a viver alguns meses entre os mineiros para reproduzir as condições de trabalho e vida deles, os primórdios da organização política e sindical e as divisões entre marxistas e anarquistas, que já existiam quando o livro foi lançado, em 1888. Germinal é o nome do primeiro mês da primavera no calendário da Revolução Francesa. Clássico do naturalismo, Zola associa as sementes das novas plantas à possibilidade de transformação social: os brotos das mudanças sempre voltarão a germinar. A história se passa na segunda metade do século XIX e virou leitura quase obrigatória de sindicalistas e militantes de esquerda no século passado.
A greve convocada para hoje contra a reforma trabalhista e a reforma da Previdência ocorre num mundo completamente diferente daquele que inspirou a criação das grandes centrais sindicais e o chamado Estado de bem-estar social, que se baseava na grande indústria mecanizada e nas linhas de produção do taylor-fordismo. Essa é uma realidade que já não existe mais nos setores mais dinâmicos da economia, haja vista as montadoras de automóveis completamente robotizadas e as modernas colheitadeiras de soja, que realizam em meia hora o trabalho de um dia. É uma greve de sindicalistas em defesa do imposto sindical e servidores públicos que não querem abrir mão do regime de Previdência diferenciado.
* Luiz Carlos Azedo é jornalista.
Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-outro-rombo-no-casco/
Luiz Carlos Azedo: O baixo clero
Todos os políticos são iguais. Será? Evidentemente que não. Os mais novos, porém, ainda estão engatinhando na grande política
Como diria Ulysses Guimarães, em uma de suas tiradas famosas, não existe bobo no Congresso. Por isso mesmo, não é o caso de se pôr a mão no fogo por ninguém, até porque as investigações estão apenas começando nos estados. Mas, fato é que somente 42 deputados estão relacionados na lista do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, o relator da Operação Lava-Jato, de um total de 513 representantes — 471 ficaram de fora. No Senado, embora a proporção de enrolados seja maior, são 29 senadores citados de um total de 81, isto é, 52 senadores não estão investigados na Lava-Jato.
Para usar uma expressão surrada da crônica política, o famoso baixo clero do Congresso — aqueles parlamentares que circulam anonimamente pelos corredores da Câmara e do Senado, que quase nunca aparecem nas entrevistas e jamais são escalados para uma relatoria ou presidência de comissão — está incólume na Operação Lava-Jato. Quem aparece na mais promíscua das relações que pode haver entre políticos e a Odebrecht é o alto clero da República, os caciques dos partidos políticos. Entretanto, o clima é de “fechem o Congresso!”.
Vamos devagar com esse andor. Não existe saída para a crise política que estamos vivendo sem o Congresso aberto e funcionando. As propostas no sentido de convocação de eleições antecipadas — “Constituinte exclusiva”, “Diretas, já!” para a Presidência —, essas, sim, são golpistas. Significam cassar os mandatos de 471 deputados e 52 senadores contra os quais não existe até agora sequer suspeitas que justifiquem uma investigação no âmbito da Lava-Jato. E lançar o país em um turbilhão que somente pode resultar em nova recessão e no colapso das instituições políticas. É dispensável dizer quem poderia, em circunstâncias dessa natureza, restabelecer a ordem no país.
Viva o baixo clero, que sem ser velho não meteu a mão em cumbuca. São esses parlamentares anônimos e alguns líderes políticos que não estão envolvidos na Lava-Jato que encontrarão saídas para a crise, ainda que para isso tenham que, mais uma vez, cortar na própria carne, como fizeram com Delcídio do Amaral (PT-MS), no Senado, e Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na Câmara. Motivos há de sobra, por exemplo, no caso de venda de medidas provisórias, caso claro de “quebra de decoro”. Ora dirão, há muitos parlamentares que não apareceram ainda, mas entraram no rateio da divisão da propina. É bem provável, inclusive na Câmara, onde a bancada de Eduardo Cunha era contabilizada em mais de 100 deputados, embora, na hora da cassação, apenas 10 tenham votado contra e nove se abstido.
Mas isso não muda o eixo do raciocínio: a maioria esmagadora dos congressistas não está sob investigação. Por que, então, o espanto generalizado e a revolta da sociedade? Porque os envolvidos são a elite da política brasileira, que controla os principais partidos do país. Estão todos sendo arrastados para a lama pela corrente de informações que jorra dos depoimentos em vídeo das delações premiadas da Odebrecht contra os caciques. O custo político, para a democracia, é a desmoralização do Congresso, até porque os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), estão entre os arrolados.
Propaga-se que todos os políticos são iguais. Será? Evidentemente que não. O problema é que os mais novos — alguns são muito novos, realmente —, ainda estão engatinhando no jogo da grande política, do qual foram deliberadamente excluídos. Alguns até são filhos de velhos políticos enrolados na Lava-Jato, outros representantes de oligarquias tradicionais cujos chefes políticos foram abatidos pela lei da Ficha Limpa. Mas tem gente qualificada e em condições de liderar a renovação política no país, que virá mais cedo ou mais tarde, seja de dentro pra fora ou de fora pra dentro do Legislativo e/ou do Executivo.
Pacto perverso
Alguns dirão: quanta ingenuidade! Ao contrário, não há caminho de saída para essa crise fora da democracia representativa. A saída não está no Executivo, que tenta bloqueá-la, nem no Judiciário, que tenta desobstruí-la com o expurgo. Para sair da crise política em bases democráticas é necessária uma reação de parte dos parlamentares que estão com a ficha limpa. Os políticos enrolados não farão um haraquiri, como muitos gostariam. Num passe de mágica, já se fala em entendimentos entre o presidente Michel Temer e os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso para viabilizar uma reforma política. Essa dança de acasalamento faz todo o sentido, mas não tem a menor chance de dar certo.
O problema é o baixo instinto da cúpula do Congresso. Enquanto alguns querem separar o joio do trigo, ou seja, o caixa dois eleitoral dos crimes conexos, os que estão muito enrolados pleiteiam uma anistia geral, ampla e irrestrita, o que ninguém aceita. Caminha-se para uma fórmula de legislação eleitoral e partidária que permita aos caciques disputar a eleição sem aparecer (voto em lista) e, depois, aos grandes partidos, que terão perdas eleitorais imensas, canibalizar os partidos menores, que não vão crescer devido à pulverização do voto por essa onda de que todos os políticos com mandato são ladrões.
Luiz Carlos Azedo é jornalista
Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-baixo-clero/
Luiz Carlos Azedo: O vácuo eleitoral
Em razão do esgarçamento do tecido social e do desgaste da política, é preciso ser porta-voz da “aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia” para vencer
Na astrofísica, “nada” se chama “vácuo”. Segundo os cientistas, o universo é composto por 74% de vazio; 22% de matéria escura (só interage com a gravidade) e os outros 4% são realmente matéria tangível e mensurável. Na política, porém, costuma-se dizer que não existe espaço vazio. O vácuo sempre será ocupado por alguém. Essa talvez seja a maior incógnita das eleições de 2018, no day after do strike político da Operação Lava-Jato, que pode levar de roldão a elite política do país.
Os candidatos “históricos” do PSDB — José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves — estão sendo volatilizados pelas delações premiadas da Odebrecht; candidato do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva corre sério risco de ser preso e ficar fora da disputa. Marina Silva (Rede) tangencia a política, como quem teme ser identificada com os demais. Por enquanto, quem está solto na raia é o ultradireitista Jair Bolsonaro (PSC-RJ).
Analistas costumam dizer que toda pesquisa é uma fotografia do momento, nada impede que possa haver grandes mudanças no processo eleitoral. É verdade, mas isso somente reforça a necessidade de identificar as linhas de força do processo, ou seja, aquelas tendências que podem se afirmar até o pleito. Por exemplo, há duas eleições que Marina Silva mantém em torno de um quinto do eleitorado: em 2014, obteve 21% dos votos válidos; em 2010, 19%. Resta saber se a tática que tem adotado segura esse eleitorado. As pesquisas não mostram isso. Marina aparece em empate técnico com Bolsonaro.
A competitividade da candidatura de Lula é real. Na última pesquisa CNT/MDA (15/02), o petista liderava em todos os cenários estimulados. A) Lula: 30,5%, Marina Silva: 11,8%, Jair Bolsonaro: 11,3%, Aécio Neves: 10,1%, Ciro Gomes: 5,0%, Michel Temer: 3,7%, Branco/Nulo: 16,3%, Indecisos: 11,3%; B) Lula: 31,8%, Marina Silva: 12,1%, Jair Bolsonaro: 11,7%, Geraldo Alckmin: 9,1%, Ciro Gomes: 5,3%, Josué Alencar: 1,0%, Branco/Nulo: 17,1%, Indecisos: 11,9%; C) Lula: 32,8%, Marina Silva: 13,9%, Aécio Neves: 12,1%, Jair Bolsonaro: 12,0%, Branco/Nulo: 18,6%, Indecisos: 10,6%.
Entretanto, o que mais interessa aqui é o vácuo político revelado na pesquisa espontânea, que geralmente aponta o voto consolidado. A situação é um espanto: Lula: 16,6%, Jair Bolsonaro: 6,5%, Aécio Neves: 2,2%, Marina Silva: 1,8%, Michel Temer: 1,1%, Dilma Rousseff: 0,9%; Geraldo Alckmin: 0,7%, Ciro Gomes: 0,4%, Outros: 2,0%, Branco/Nulo: 10,7%, Indecisos: 57,1%. É nesse cenário que o novo prefeito de São Paulo, João Doria, desponta como opção tucana em caso de o desastre anunciado pelas delações premiadas realmente ocorrer.
Dória foi catapultado nesta semana por uma pesquisa do instituto DataFolha que lhe garantiu uma aprovação de 76% (43% de ótimo/bom e 33% de regular), contra 20% que o consideram ruim/péssimo. É a melhor avaliação de um administrador da capital paulista em 30 anos. Eleito em outubro com 53,29% dos votos válidos, no primeiro turno, não é à toa que seu nome começa a ser apontado nos bastidores do PSDB como uma alternativa para ocupar o vácuo político criado pela Lava-Jato. Qual é o segredo de Dória?
O espetáculo
O “neotucano” é um craque da chamada “sociedade do espetáculo”. A melhor definição sobre o assunto é do filósofo francês Guy Debord (1931-1994): “O espetáculo consiste na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades, atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias — tudo transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia. O espetáculo é a aparência que confere integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida” (A sociedade do espetáculo, editora Contraponto).
A eleição de Doria não foi um fenômeno novo, pois outros candidatos que surgiram do nada (estamos nos referindo às fileiras dos partidos) surpreenderam os favoritos e venceram as recentes eleições municipais, mas não um pleito da envergadura da disputa paulista. Além disso, o novo prefeito contou com a estrutura do PSDB, o mais poderoso partido de São Paulo, para se eleger. Isso garante uma escalada do prefeito paulistano à presidência, como já se fala?
É difícil usar a prefeitura como trampolim para o Palácio do Planalto. Além disso, Doria teria que furar a fila na qual seu padrinho político está à frente. Mas tudo na política brasileira hoje é muito volátil, por causa da Lava-Jato. E na “sociedade do espetáculo”, em razão do esgarçamento do tecido social e do desgaste da política, é preciso ser porta-voz da “aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia” para vencer. Esse é perfil do candidato do vácuo.