política

Jose Roberto de Toledo: Temer pega onda

A economia brasileira vai tão bem quanto a política do país. Para quem enxerga com tal ponto de vista, não há motivo para insistir em investigações, afastamentos e tanto menos prisões que coloquem em risco o círculo virtuoso de conquistas e recordes alcançados – em tão pouco tempo – pelo gênio político de Michel Temer e pela austeridade de seus ministros.

Malas, ora, malas. Esses são os críticos, dizem os defensores do presidente. Quanto cabe numa mala? Nada comparado ao valor do resgate da confiança dos agentes econômicos. Se não se almoça picanha grátis, por que as reformas haveriam de sair de graça?

Economistas parecem enfim conformados com o adiamento do crescimento que tinham certeza que aconteceria em 2017, não fosse a realidade – sempre ela – a atrapalhar. Mais certeza ainda têm os empresários que defendem sustentar Temer em nome da estabilidade. Afinal, uma crise sem fim é uma crise estável.

O mercado financeiro emburrou com o resultado do governo central, divulgado semana passada. Tanto mimimi só porque o buraco de R$ 29,4 bilhões das contas federais foi o maior em 20 anos para um mês de maio. Tudo bem que o rombo superou as expectativas mais pessimistas, mas qual a novidade?

Foi o oitavo recorde mensal quebrado pela dupla Temer/Meirelles em apenas um ano. Eles detêm os maiores déficits fiscais para fevereiro, março, maio, junho, julho, agosto, setembro e novembro. Se ajustes metodológicos nem emendas parlamentares aumentarem o número de meses do ano, custará mais que uma visita do Joesley para lhes roubar o recorde de recordes deficitários.

Resta o desafio de quebrarem a própria marca e chegarem ao nono recorde mensal. Bom motivo para segurar o governo até outubro.

Com a ajuda da mão de Deus, é só aguentar mais umas flechadas por três meses e trocar o arqueiro em setembro. Para garantir, convém pedir ao Gilmar para tratorar o bambuzal, com Supremo com tudo. Quem segura o governo até outubro de 2017 segura até outubro de 2018. Aí já emenda com as eleições presidenciais e não se fala mais em malas. Só em caixas.

Todos juntos, vamos
O Datafolha mostrou que Marina Silva é quem mais ganharia se Lula não fosse candidato a presidente. Herdaria, hoje, pelo menos 1 de cada 4 ex-eleitores do petista. Mas e se o ex-presidente pegar jacaré na mesma onda que tenta empurrar Temer até o fim do mandato? Se Lula conseguir se manter na disputa presidencial, qual rival tem mais a ganhar com sua permanência?

O Ibope fez um estudo estatístico dos mais interessantes para tentar responder essa questão. Calculou a razão de possibilidades (“odds ratio”, em inglês) de os eleitores que declaram que não votariam em Lula de jeito nenhum votarem nos demais presidenciáveis. Dos oito nomes testados além do petista, João Doria é quem tem a maior chance de se tornar o anti-Lula.

E não é por pouca diferença. A chance de o prefeito paulistano vir a conquistar a metade que não quer Lula presidente pela terceira vez é 37% maior do que a de Bolsonaro e 40% superior à de Alckmin, segundo o Ibope. De acordo com o estudo, Doria levaria ainda mais vantagem nesse eleitorado anti-Lula sobre Joaquim Barbosa (65% mais), Marina (127% mais) e Ciro (192%).

Em resumo, se Temer ficar e Lula também, a sucessão presidencial tem boas chances de ter um tucano disputando contra um petista pelo quinto segundo turno consecutivo. Estatisticamente, há uma confluência de interesses entre a Turma do Pudim, tucanos e lulistas.

Tanto quanto as matreirices de quem visita Temer escondido no Palácio do Jaburu, essa conjunção pode ajudar o presidente a se segurar mais tempo no cargo do que merece.
* José Roberto de Toledo é jornalista

Fonte: http://politica.estadao.com.br/blogs/vox-publica/temer-pega-onda/

 


Luiz Werneck Vianna: A política não é jogo de azar

Os alardeados arquitetos do futuro não se dão conta do terreno em que pisam

A bordo de uma embarcação precária estamos em pleno mar com tripulantes e passageiros surdos aos avisos dos perigos que correm por navegarem sem atinar com os rumos a seguir. Cada qual aferrado a seus interesses particulares sinaliza um caminho: sem forças próprias à mão há os que confiam na sorte e clamam pela eleição direta para a Presidência, remédio heroico inconstitucional e de resultados sabidamente aleatórios; outros, com as virtudes da prudência, recomendam a singela travessia de uma pinguela ainda à disposição.

Vozes dissonantes sugerem o recurso ao clamor popular a fim de obrigar a renúncia da tripulação, embora o som ao redor não aparente estimular os que recorrem a essa solução. Mas nestes tempos estranhos que vivemos se faz ouvir em alto e bom som o grito de guerra salvacionista: fiat iustitia, pereat mundus. O nó górdio que nos ata deveria ser cortado de imediato por decisão judicial, a cabeça presidencial exibida como o bode expiatório que nos expurgaria dos nossos males.

As soluções engenhadas nessa alquimia hermenêutica a que estamos sujeitos encontram, como no poema, uma pedra no seu caminho, o Estado Democrático de Direito e a Carta Constitucional que o institui. No caso, a denúncia a ser apresentada por presumidas ilicitudes contra o presidente da República demanda, conforme a lei, sua aprovação por dois terços de votos na Câmara dos Deputados, inviável, segundo consta, diante da correlação de forças políticas vigente.

Mas há quem sustente que os objetivos maiores de salvação nacional não deveriam recuar diante de questiúnculas formais – conservadores empedernidos ousam falar sem enrubescer a linguagem das revoluções. Que se mude de afogadilho a Constituição para se instituírem de um só golpe as diretas já – há juristas para isso? – se esse for o preço a ser pago pela cabeça do presidente. A ser sucedido por quem, mesmo?

A política virou jogo de azar e diante da roleta se aposta com audácia contra a banca, como se a invocação do grande número – a multidão ainda em silêncio obsequioso – tivesse o condão de fazer a roda do destino favorecer os desejos recônditos dos apostadores. Não se flerta impunemente com as revoluções. As paixões das multidões podem ser desencadeadas por intervenções messiânicas de setores da elite do Judiciário em aliança com a mídia hegemônica, mas é preciso viver no mundo da lua para cogitar, no caso de elas irromperem na cena pública de modo generalizado, de que seriam apaziguadas num passe de mágica com a mera higienização do sistema político. As jornadas de junho de 2013, que conheceram seu momento de fúria, quando apresentaram sua conta não havia quem pudesse pagá-la. A conta de agora pode ser muito maior.

Os alardeados arquitetos do futuro não se dão conta do terreno em que pisam e, definitivamente, o Brasil não é um país para principiantes, em particular para aqueles jejunos em matéria política e que dela só conhecem o que se passa no círculo fechado das corporações. Com efeito, somos aqui refratários à linha reta, amigos do barroco, onde temos fixado boa parte de nossas raízes. Sobretudo, não somos, para o bem e para o mal, filhos da Reforma. Não tememos os ziguezagues, nosso Estado-nação foi criado em nome do liberalismo político e dos ideais da civilização, mas preservou instrumentalmente a escravidão, fizemos a revolução burguesa sem revolução, nos moldes das revoluções passivas, e realizamos uma potente obra de modernização econômica e social sem remover as estruturas patrimonialistas do Estado, que, aliás, também foram instrumentais a ela.

No processo constituinte que conduziu a promulgação da Carta de 88, realizado ainda no curso de uma difícil transição do regime autoritário para a democracia política – vale dizer, sem ruptura com a ordem anterior –, essa história errática foi a matéria-prima com que o legislador teve de se confrontar nos seus pontos mais sensíveis. A questão agrária foi um deles, frustrando-se as tentativas de democratização da propriedade da terra com ameaças de resistência armada por parte de grandes proprietários. A questão sindical não teve melhor sorte, constitucionalizando-se mais uma vez, tal como ocorrera na Carta de 1946, o cerne da legislação do Estado Novo, com o expurgo de sua ganga autoritária.

O gênio do legislador constituinte foi o de continuar descontinuando, democratizando o que lhe foi acessível numa arriscada circunstância de transição. Compensou, no entanto, sua atitude prudencial em alguns temas com uma arrojada legislação em matéria de direitos civis e sociais, criando novos institutos, entre os quais o Ministério Público, destinados a ser lugares de concretização dos direitos que estatuiu, alguns deles facultados à intervenção da sociedade civil para a defesa ou mesmo a aquisição de direitos. Ao estilo de uma obra aberta, o constituinte confiou à sociedade a materialização, ao longo do tempo, do espírito que a animou.

A Operação Lava Jato, herdeira da Carta que criou esse Ministério Público que aí está, não deixa de exercer, em surdina, “papéis constituintes” quanto ao sistema político, dimensão que, em face do clima libertário dos anos 1980, foi negligenciada. Nesse sentido, tem sido muito bem-sucedida, embora, ao contrário do legislador constituinte, que se manteve atento ao realismo político, arrisque temerariamente comprometer sua obra pelo comportamento de “apóstolos iluminados” de alguns dos seus quadros que, visando a passar nossa História a limpo, não temem jogar fora o bebê com a água do banho – no caso, o bebê é a política e a Constituição.

O filósofo Roberto Romano, em Sobre golpes e Lava Jato, luminoso artigo publicado nesta página em 18 de junho, identificou os efeitos nefastos do uso da lei como recurso tático em nome da salvação pública. Eis aí o caminho aberto para um Estado de exceção.

*Luiz Werneck Vianna é sociólogo, PUC-RIO

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-politica-nao-e-jogo-de-azar,70001873316

 


Fernando Henrique Cardoso: Crise, não só política

Está nos faltando a mensagem que aponte caminhos de esperança para passos à frente

Há poucas semanas participei de um encontro preparatório de uma conferência que organizarei em Lisboa para a Fundação Champalimaud sobre a crise da democracia representativa. Ao encontro compareceram, ademais dos responsáveis pela fundação, Alain Touraine, Pascal Perrineau, Michel Wieviorka, Ernesto Ottone, Miguel Darcy e Nathan Gardels, entre outros intelectuais. Os debates ressaltaram que a população desconfia da justeza e mesmo da capacidade de gestão dos sistemas político-partidários prevalecentes nas democracias representativas. Um dos presentes citou o abade Sieyès, que afirmava: “Se o poder vem dos que estão em cima, a confiança vem dos que estão em baixo”. Escapam dessa crise, por óbvio, os países onde prevalecem formas autoritárias de mando em que conta a repressão, não o consentimento.

Perrineau chamou a atenção para dados mostrando que não diminuiu a confiança nas famílias, nas instituições comunitárias, no localismo. A crise parece ser mais “política” e quanto mais distante a pessoa está dos centros de poder, mais desconfia deles. Tem inegavelmente uma dimensão territorial: quanto mais afastados estão os núcleos populacionais das novas modalidades de produção e da vida associativa contemporânea “em rede”, maior a probabilidade do seu enraizamento nas tradições, maior o “conservadorismo” e maior temor do “novo”, principalmente da substituição do trabalho humano por máquinas. Pior ainda, por máquinas “inteligentes”.

Há mais: nessa quebra de confiança vão de cambulhada as instituições políticas criadas ao longo dos dois últimos séculos, os partidos e os parlamentos. O analista se surpreende quando vê que na distribuição de voto, tanto nas últimas eleições francesas como nas inglesas do Brexit ou nas norte-americanas que elegeram Trump, o “voto operário” se deslocou para a “direita” e com ele se foi também boa parte do voto proveniente do que se chamava de “pequena burguesia”. O Labour Party inglês, os democratas nos Estados Unidos e os socialistas e comunistas na França foram levados de roldão pelo voto “conservador” ou, quem sabe, pela formação de uma maioria de outro tipo, como fez Macron.

Em resumo, há algo de novo no ar e não apenas nas plagas brasileiras. Uma nova sociedade está se formando e não se vê claramente que instituições políticas poderão corresponder a ela. Dito à moda gramscsciana: o velho já morreu e o novo ainda não se vislumbra; ou, se vislumbrado, não é reconhecido, acrescento.

Que força motora provoca tão generalizadas modificações? Relembrando o assessor de Clinton que dizia sobre o fator-chave nas eleições “é a economia, seu bobo”, poder-se-ia dizer agora: é a globalização (como digo há décadas). Esta surgiu com as novas tecnologias (nanotecnologia, internet, robotização, contêineres, etc.) que revolucionaram as relações produtivas, permitiram a deslocalização das empresas, a substituição de mão de obra por máquinas, a interconexão da produção e dos mercados, etc. Tudo visando a “maximizar os fatores de produção”, ou seja, concentrar os centros de criatividade, dispersar a produção em massa para locais de mão de obra abundante e barata e unificar os mercados, sobretudo financeiros. Criaram-se assim condições para a emergência de sociedades novas.

Novas não quer dizer “boas sociedades”, depende de para quem. Sem dúvida o crescimento exponencial da produtividade e da produção aumentou a massa de capitais no mundo. Sua distribuição, entretanto, não sofreu grande desconcentração. Mais ainda, o “progresso” trouxe, ao lado da diminuição da pobreza no mundo, o aumento do desemprego formal e dificuldades para a empregabilidade, posto que o trabalho humano conta mais, nos dias de hoje, se com ele vier criatividade. Globalmente houve um amortecimento do controle nacional de decisões (pela concentração de poder nos polos criativo-produtivos e bancários) sem haver regras de controle financeiro global. Com isso a ameaça de crises, ou ao menos a percepção da possibilidade delas, aumentou as incertezas.

É inegável que a “nova sociedade” incrementa a mobilidade social (forma-se o que, à falta de melhor nome, se está chamando de “novas classes médias”) e ao mesmo tempo se criam contingentes não desprezíveis de inocupados ou impropriamente ocupados (novas formas de subemprego). Ao mesmo tempo se deslegitimam as formas institucionais anteriores, os partidos, e mesmo as de coesão social (as classes com seus sindicatos e associações). Criam-se sociedades fragmentadas, às que se somam, em situações como a brasileira, a fragmentação dos partidos. Em qualquer caso, dá-se perda de sua credibilidade. Pouco a pouco se dissipam os laços entre “a sociedade” e o “sistema político”. Há, portanto, mais a ser entendido e contextualizado do que uma crise do sistema representativo.

Isso implica novos populismos e leva a “direita” ao poder? Não necessariamente. Alain Touraine, em sua apresentação, referiu-se a um tema que lhe é caro: liberdade, igualdade e dignidade são os motes nos quais há que persistir. Mas como? Trump juntou os cacos da “velha sociedade”, o rustbelt, temerosa dos outros e do futuro (lá vêm os imigrantes, ou os terroristas ou, extremando, os “muçulmanos”) e ganhou. Macron, contudo, ganhou defendendo a liberdade e o progresso (a globalização e a integração da Europa) e combateu as corporações, poderosas na França.

Em países como o nosso, isso não basta: há que insistir na igualdade (nas políticas sociais, em reformas que combatam os privilégios corporativos). E, principalmente, na “dignidade”, no respeito à pessoa e à ética. O “basta de corrupção!” não é uma palavra de ordem “udenista”. É um requisito para uma sociedade melhor e mais decente.
Em momentos de transição, a palavra conta: só ela junta fragmentos, até que as instituições e suas bases sociais se recomponham. É o que nos está faltando: a mensagem que aponte caminhos de esperança para passos à frente.

* Fernando Henrique Cardoso é sociólogo. Foi Presidente da República

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,crise-nao-so-politica,70001873312

 


Ruy Fausto: 'Hegemonia de esquerda não pode ser mais do PT'

Para Ruy Fausto, sigla deve se articular com outras frentes e partidos, como o PSOL, nas eleições do ano que vem

Marianna Holanda, O Estado de S. Paulo

É de esquerda e critica o chavismo, trotskismo, maoismo e o marxismo. Repudia todas as formas de populismo, totalitarismo e adesismo – às quais tem dado o nome de “patologias da esquerda”.

Aos 82 anos, o professor emérito de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) Ruy Fausto, radicado na França, transformou o artigo que publicou na edição da revista piauí de outubro passado no livro Caminhos da Esquerda: elementos para uma reconstrução (Companhia das Letras), a ser lançado em 3 de julho.

Em entrevista ao Estado, Fausto defende o fim da hegemonia do PT no campo da esquerda e a formação de uma frente única progressista para a eleição presidencial de 2018 com, por exemplo, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ).

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

ESTADÃO - Há uma hegemonia de direita?

RUY FAUSTO -  No mundo, há uma ofensiva grande da direita que surgiu, principalmente, com o fim da União Soviética. Me assusta muito, particularmente, a extrema direita, que tem uma linguagem muito violenta. Tem ainda a situação brasileira, com o PT, que acabou fortalecendo a direita. A política petista trouxe maior distribuição de renda, mas também houve uma corrupção absolutamente intolerável. Ainda assim, nada justifica o impeachment (da presidente cassada Dilma Rousseff), que foi um desastre. Mas a direita se lançou nessa aventura, conseguiu e isso permitiu que eles levantassem a cabeça. A corrupção foi um discurso bem apropriado pelos movimentos de direita.

Como o senhor avalia as críticas ao que o PT fez enquanto ocupou o governo?

Um partido de esquerda que se pretende democrático tem de ter lisura administrativa absoluta. Há uma política de “fins justificam os meios”. A lição que se tira no PT hoje é: “nós não fomos suficientemente oportunistas”. Isso é um desastre total e tem intelectual saudando isso aí. Certamente faltou um mea-culpa. Nesse sentido, os melhores são o Tarso Genro (ex-governador do Rio Grande do Sul), o José Eduardo Cardozo (ex-ministro da Justiça no governo Dilma). O PT vai continuar a existir. Mas o caminho é de queda, para haver uma renovação.

Lula seria um bom candidato?

Acho que não. Primeiro, acho muito difícil que ele concorra, a situação jurídica é muito difícil. Eu não desejo a condenação do Lula, embora ache difícil ele conseguir evitar isso. Desejo, sim, que ele possa legalmente se candidatar, mas não acho que, nas condições atuais, ele seria um bom candidato para a esquerda. Acho que os melhores nomes podem vir do PT, do PSOL, ou mesmo da sociedade civil.

O senhor acredita que a esquerda deveria sair unificada em 2018?

Sim, é essencial que se crie uma frente única de esquerda, fazer uma espécie de fórum desses movimentos independentes. Não é para ter uma ruptura total com o PT, mas a hegemonia não pode mais ser dele, no campo da esquerda. Isso também não significa que a gente vá ganhar em 2018. A gente tem de ter uma boa campanha. E, aí, surgem possíveis nomes. O Fernando Haddad (ex-prefeito de São Paulo), por exemplo, é bom sujeito, competente, não é corrupto. Outro nome é o Marcelo Freixo, que me parece um sujeito bom. Acho que talvez o Fernando Haddad possa sair como candidato ou como vice. Às vezes, um dos melhores do PT com um dos melhores do PSOL poderia funcionar.

Mas Fernando Haddad não conseguiu se reeleger em São Paulo e Marcelo Freixo também não foi eleito prefeito no Rio na eleição do ano passado...

O Haddad, eu não estive aqui (no Brasil) durante toda a sua gestão na Prefeitura, mas tenho a impressão de que fez um bom governo. Ele teve uma péssima campanha, foi muito atacado e avaliou mal os movimentos das ruas. Já o PSOL é até meio de extrema esquerda. Há muito essa ideia de que se deve ir mais à esquerda – como se a luta política fosse uma espécie de escala. Você pode até dizer isso, mas redefina a esquerda. Enfim, o PSOL tem seu mérito por ter criticado a corrupção e as alianças sem escrúpulos do PT, mas ainda é de extrema esquerda. Alguns flertam com chavismo e castrismo. Mas, na verdade, é um partido muito variado.

Existem ainda outros nomes que surgem: o ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes (PDT), o Guilherme Boulos, líder do MTST, e mesmo a ex-ministra Marina Silva (Rede)...

A Marina, eu respeito a biografia, mas seu programa econômico não é bom e ela não se move muito bem na política. O Ciro é um sujeito que fala muitas verdades, mas fala demais. O Boulos não conheço de perto. Ele certamente faz um trabalho muito importante na periferia, mas ainda tem um discurso muito bolivariano, e acho que isso tem de mudar. Devemos priorizar um programa mais democrático.
* Ruy Fausto é doutor em Filosofia pela Universidade de Paris I e professor emérito da USP. Irmão do historiador Boris Fausto, escreveu livros como A esquerda difícil, em que fez rigorosas análises políticas. Aos 82 anos, lançará uma obra com possíveis saídas para a crise da esquerda no País.

O Estado de São Paulo

Fonte: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,hegemonia-de-esquerda-nao-pode-ser-mais-do-pt,70001861049

 


Cristovam Buarque: Escadas ou caminhos

Cada grupo busca aumentar os seus benefícios e não o melhor para o país

Houve um tempo em que os políticos debatiam qual o melhor caminho para o progresso, hoje discute-se como o Brasil pode oferecer escadas mais fáceis para permitir ascensão social aos grupos com poder de pressão no uso dos recursos públicos. Procura-se beneficiar indivíduos, não o país. A discussão sobre as reformas, trabalhista e previdenciária, é exemplo deste desvio da estratégia do “caminho” para a estratégia da “escada”.

Cada grupo estuda e defende suas posições, favoráveis ou contrárias às reformas, não em função de qual será o melhor caminho para desamarrar o Brasil e permitir caminhar para o aumento de nossa eficiência, produtividade, justiça, independência, sustentabilidade, incentivo aos jovens, proteção aos velhos, pobres e doentes; mas em função de como evitar perdas para seu grupo, ou para conseguir aumentar seus benefícios ou seus votos. Busca-se escadas para indivíduos, não caminhos para o conjunto do país.

Este não é um fenômeno novo. Em reação aos anos de chumbo da ditadura, durante a elaboração da Constituição decretou-se mais direitos do que deveres. Desde a luta pela democracia, que buscava definir os rumos para o país, o debate político perdeu a discussão de quais os melhores caminhos para todos os brasileiros e se concentra até hoje, salvo exceções, em quais são as escadas para servir a cada grupo e cada indivíduo.

Até mesmo boas políticas para corrigir injustiças têm sido definidas mais para atender interesses de grupos do que para formar compromissos com o país: preferimos o uso de cotas para ingresso na universidade, do que o caminho mais ambicioso de assegurar a educação de base com a mesma qualidade para brancos e negros, pobres e ricos. Nos contentamos com um programa justo de assistência por meio de transferência de renda para cada família pobre, no lugar de uma estratégia ousada para fazer a emancipação da população pobre e ninguém precisar de bolsas. O Ciência Sem Fronteiras foi mais orientado para beneficiar jovens do que para construir um potente sistema de ciência e tecnologia a serviço de todo o país e seu futuro.

A operação Lava-Jato e a Lei da Ficha Limpa têm a grande vantagem de tirar escadas para a eleição de políticos corruptos, mas não vai construir o caminho para a escolha de políticos honestos. Felizmente, já temos o sistema judiciário que prende corruptos, mas ainda não formamos uma massa de eleitores capazes de eleger políticos honestos.

O Brasil precisa sair da discussão de escadas que atendem a interesses de grupos e fazer o debate sobre quais são os melhores caminhos para o futuro desejado. Mas isto é difícil porque, no lugar de buscar construir coesão nacional, preferimos continuar a política de atender corporações, sindicatos, associações, grupos. Não percebemos que esta falta de coesão é a principal causa de nossos problemas e frustrações: porque sem coesão, política e social, não vamos definir um rumo para o conjunto de nosso povo e nossa nação.
*Cristovam Buarque é senador (PPS-DF)
Fonte: http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2017/06/escadas-ou-caminhos.html

 


Luiz Carlos Azedo: Descompressão

Governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), é autor do pedido a ser julgado hoje no STF para que Fachin deixe a relatoria do caso JBS

Em decisão surpreendente, que para muitos alivia a pressão sobre os réus, o ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), tirou da alçada do juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, quatro investigações relacionadas às delações premiadas dos executivos da construtora Odebrecht. A pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o próprio Fachin havia remetido os trechos das delações que mencionam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para Moro, responsável pelos processos da Lava-Jato na primeira instância. Ontem, porém, voltou atrás.

Advogados de Lula e Cunha haviam recorrido ao relator da Lava-Jato, com o argumento de que os quatro episódios citados pelos delatores da empreiteira não têm relação com as irregularidades cometidas na Petrobras. Os executivos e ex-dirigentes da Odebrecht disseram que o ex-presidente da República teria favorecido a empreiteira em Angola. Também há referências a irregularidades na construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira (RO), e suposto pagamento de mesada a um dos irmãos de Lula. Em relação a Cunha, a cotação trata da contratação da empresa de investigação Kroll para supostamente barrar as investigações da Lava-Jato.

Nos bastidores, essas decisões foram interpretadas como uma espécie de volta ao leito do chamado “devido processo legal”, pois o que estava em questão era o princípio do juiz natural. Fachin foi muito criticado por aceitar a delação premiada da JBS, protagonizada pela gravação de uma conversa entre o empresário Joesley Batista e o presidente Michel Temer. Como o caso não está ligado à Petrobras, o relator da Lava-Jato não seria o juiz natural. Outra interpretação dada à decisão é mais política do que jurídica: ao tirar as acusações da alçada de Moro, Fachin sinaliza que abrirá mão do caso JBS.

O plenário do STF julgará hoje o pedido do governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), para que Fachin deixe a relatoria do caso JBS. Citado nas delações, o governador tucano argumenta que os fatos narrados pelos delatores da JBS não têm relação direta com o esquema de corrupção que atuou na Petrobras e, portanto, as delações estão fora da Lava-Jato. Essa não é, porém, a posição do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que ontem enviou parecer ao Supremo defendendo a permanência de Fachin.

Também foram tomadas, ontem, pela Primeira Turma do STF, decisões que ajudaram a reduzir as tensões entre o STF e o Congresso. A prisão preventiva de Andréa Neves e Frederico Pacheco, respectivamente irmã e primo do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG), foi convertida ontem em prisão domiciliar, com monitoramento com tornozeleira eletrônica. Por 3 votos a 2, os ministros da turma estenderam a ambos o mesmo tratamento anteriormente dado a Mendherson Souza Lima, ex-assessor parlamentar do senador Zezé Perrella (PMDB-MG).

Os três são investigados junto com Aécio por suposta prática de corrupção, organização criminosa e embaraço às investigações. Eles já foram denunciados e estavam na cadeia desde o último dia 18 de maio. Votaram por medidas alternativas os ministros Marco Aurélio Mello (relator), Alexandre de Moraes e Luiz Fux. Luís Roberto Barroso e Rosa Weber foram derrotados. Na Operação Patmos, Andréa Neves foi denunciada pela suposta prática de corrupção, por supostamente pedir ao empresário Joesley Batista R$ 2 milhões. A defesa de Andréa alega que ela pediu o dinheiro para bancar a defesa de Aécio Neves na Lava-Jato, depois de tentar vender um apartamento de R$ 40 milhões no Rio de Janeiro ,a Joesley. Sem sucesso.

Adiamento
Também contribui para desanuviar as tensões o adiamento do julgamento do pedido de prisão de Aécio Neves (PSDB-MG), acusado de tentativa de obstrução da Justiça pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A defesa de Aécio requereu que a decisão de afastá-lo do exercício do cargo seja revista. O relator do caso, Marco Aurélio Mello, que preside a turma, disse que vai decidir individualmente se leva ou não o processo para deliberação do plenário da Corte, como pleiteiam os advogados. Essas decisões do Supremo desanuviaram o ambiente político ontem, que estava muito tenso em razão do julgamento em meio a uma queda de braços com o Ministério Público Federal.

Até breve

A partir de amanhã, estarei em férias.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-descompressao/


FAP promove II Encontro de Jovens Lideranças

Evento destaca curso de formação política e contará com a presença de 120 jovens de todo o país, além de dirigentes do PPS, conselheiros e diretores da Fundação Astrojildo Pereira e palestrantes convidados

Germano Martiniano

(Brasília, 21/06/2017) - Está tudo pronto para o II Encontro de Jovens Lideranças promovido pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), que contará com a participação de 120 jovens de todo o país. Dirigentes do PPS, conselheiros e diretores da FAP e palestrantes garantirão o sucesso da programação, entre os quais o ex-ministro da Cultura e deputado Roberto Freire (SP), presidente do PPS; o senador Cristovam Buarque (DF); o deputado estadual Conte Bittencourt; o deputado federal Arnaldo Jordy; e os prefeitos de Vitória, Luciano Rezende (ES), e Rafael Diniz, de Campos (RJ). Será de 11 a 15 de julho, na Colônia de Férias Kinderland, em Paulo de Frontin (RJ).

Com características de treinamento em regime de imersão política, dinâmicas de grupo para trabalho em equipe e exercícios de liderança, a novidade do II Encontro será a realização de um curso de formação política com carga horária de 12 horas, que abordará os seguintes temas: Ação coletiva, associativa e partidária; Política e democracia no mundo contemporâneo; A trajetória da modernização brasileira; Os desafios da mudança econômica na atualidade; Da revolução à democracia: uma esquerda a inventar; e Desafios da democracia no Brasil.

As aulas serão ministradas por Cláudio Vitorino, Marcus Vinicius Oliveira, Hamilton Garcia, Everardo Maciel, Caetano Araujo e Alberto Aggio. O humorista e diretor Cláudio Manoel, o diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Sérgio Besserman; a atriz Naura Schneider; o presidente do Sebrae-RJ, Cezar Vasquez: o presidente da Frente Nacional das Cidades Inteligentes e diretor da Terracap, André Gomyde; o psicoterapeuta e líder da Diversidade do PPS, Eliseu Neto e o monge yogue Dada Jinanananda farão palestras sobre os mais diversos temas, da violência contra a mulher ao respeito à diversidade, da questão ambiental ao empreendedorismo e do futuro da cidades ao mercado de trabalho para os jovens. Entre as atividades lúdicas e recreativas, uma aula de meditação, um show performático, muito rap e uma festa caipira que vai terminar em funk.

Conhecimento
Para Raquel Nascimento Dias, coordenadora de Mulheres do PPS, do Igualdade23, da Diversidade e secretária nacional da JPS, que também é uma das colaboradoras do evento, o conhecimento é a maior “arma” que pode ser dada à juventude. “Despertar a curiosidade nos jovens para o mundo do conhecimento e permitir que eles descubram seus processos de liderança, lhes dando a oportunidade de conhecer outras realidades tão próximas e tão distintas das suas, é a maior importância do II Encontro de Jovens”, destaca a dirigente.

Marcelo Barreto, jovem advogado e filiado do PPS de Campos dos Goytacazes/RJ, que esteve no I Encontro como participante e estará neste segundo como monitor, relatou que estes eventos, além de servirem para ampliar o horizonte político dos jovens, também são ótimas oportunidades de trocas de experiências e de se fazer novas amizades. “Pude perceber que, ao final do curso, além dos aprendizados políticos, eu estava também com novos amigos e companheiros de caminhada política, filosófica e psicológica”, disse Barreto.

Atriz, filiada ao PPS e residente na cidade do Rio de Janeiro, Eduarda Benevides tem boas expectativas sobre este II Encontro de Jovens Lideranças. “Essa é minha primeira vez no Encontro. Após receber o convite e ficar sabendo de toda a programação referente às atividades, minhas expectativas são as melhores", avalia. "Me interessou bastante o fato de montarem, nesse encontro, um curso de formação política, importantíssimo para nos prepararmos moral e intelectualmente para as questões que estamos vivendo ultimamente no cenário político nacional’, completa Eduarda.


Marco Aurélio Nogueira: Estamos sem ponte e sem projeto

Houve uma época, na virada dos anos 1970 para os anos 1980, que a política brasileira era pura animação e esperança. Havia crise econômica, a inflação era alta, o desemprego estava presente, a ditadura ainda mostrava seus dentes, mas se fazia política com entusiasmo e confiança. A anistia era recente, a “abertura lenta, gradual e segura” dos militares era contrastada por um processo objetivo de democratização e em boa medida era ultrapassada por ele. Era preciso lutar e os espaços de atuação ainda eram restritos. Mas cada corrente, cada grupo, cada indivíduo buscava fazer sua parte e contribuir para que se avançasse.

Partidos até então clandestinos voltavam a se projetar. Jornais alternativos davam vazão ao que se buscava construir como opção política, mais à esquerda ou menos. O Opinião havia perecido pelo caminho (1977), assim como Nós, mulheres e Mulherio (entre outros), Movimento deixaria de circular em 81, mas surgiam novos, como a Voz da Unidade. Revistas, editoras e iniciativas culturais se multiplicavam. O PMDB, com suas virtudes e seus limites, funcionava como abrigo e referência, e ajudava a fazer com que a expectativa que germinava na sociedade civil chegasse ao Congresso. Eram anos de Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro, Mario Covas, Orestes Quércia, Alberto Goldman, Leonel Brizola e Fernando Henrique Cardoso, cada qual com seu estilo e sua tribo.

Naqueles anos, fixou-se uma estratégia de democratização, que se tornou vitoriosa em 1985, e ela possibilitou a constituição de um poderoso bloco de pessoas afinadas entre si, diferenças respeitadas. Políticos, ativistas, intelectuais, sindicalistas, militantes vários, que foram isolando os extremos, costurando alianças, diluindo vetos, erguendo pontes com dissidentes do regime e abrindo caminho para o carro da democracia, que progressivamente empolgava e anunciava novos tempos.

Penso nisso ao olhar para os dias atuais. Andamos para trás. Quanto desperdiçamos de talento e energia!
Hoje, os que estiveram unidos décadas atrás se desuniram. Muitos se tornaram inimigos entre si. Amizades foram desfeitas como se nada tivessem significado, biografias foram reescritas, focos se alteraram. Os campos políticos se desorganizaram e a dissonância cresceu sem limite. Houve quem se entregou cegamente ao Estado, quem cedeu ao mercado e quem se deixou levar por promessas messiânicas e lideranças carismáticas, largando pela estrada a aposta na força das instituições democráticas e na sociedade civil. A opção foi, majoritariamente, pelo acirramento da competição e da polarização, com o que gradativamente deixou de haver lugar para a cooperação.

O bloco que se consolidou na primeira metade dos anos 1980 foi-se inviabilizando aos poucos. Já no governo FHC ele apresentava fissuras e rachaduras, impulsionadas pela competição eleitoral, pela complexificação sociocultural trazida pela globalização e pela revolução tecnológica e, sobretudo, pela avidez com que se passou a disputar o poder. A luta contra a ditadura, que unia, foi substituída pela luta contra o neoliberalismo, que desunia. Perdeu-se o que havia de estratégia de democratização, substituída em parte pelo afã de um “novo desenvolvimento” e em parte pelo assistencialismo, tudo devidamente financiado a fundo perdido pelo Estado e sem conseguir suportes claros na sociedade civil. Em vez de estratégias, passou-se a ter táticas de conquista e conservação do poder político.

Ao longo dos anos 2000 essa inflexão se cristalizou.

Os políticos foram ficando sem referências, movendo-se tão somente pelo imediato. A intelectualidade democrática e progressista de antes — na qual se incluíam combativos liberais, socialistas e comunistas de diversas famílias, reformistas, nacionalistas, trabalhistas e esquerdistas – foi-se entregando ao culto da eficiência e da “produtividade”, trancando-se nos departamentos acadêmicos, nos negócios privados, nos nichos culturais. Continuou-se a produzir ciência e cultura, mas os produtos ficaram represados, deixaram de chegar aos destinatários. Esmaeceram os intelectuais públicos. O processo se completou com o empobrecimento do debate público democrático e a desqualificação das lideranças políticas, que foram se rebaixando e perdendo o eixo. O mundo da cultura e o mundo da política se afastaram.

Foi uma verdadeira obra de demolição. Empreendida não por ditadores, nem pelo “sistema”, mas pelos próprios protagonistas, que atiraram em si mesmos.

O resultado está aí para quem quiser ver. Tornamo-nos uma sociedade sem rumo, sem consciência de si, que não sabe o que esperar do dia de amanhã, enrolado em suas próprias contradições políticas, vagando de crise em crise. Na qual a indignação e a retórica maximalista ocupam o lugar reservado para a política.

Hoje, a esperança esfarelou. Um patrimônio político, ético, cultural, associativo e intelectual foi perdido, e será preciso em boa medida começar de novo, como escreveu Luiz Sérgio Henriques no belo artigo que publicou em O Estado de S. Paulo de 18/06/2017, cuja leitura me serviu de referência para escrever estas linhas.

Está lá, nesse texto vigoroso e certeiro, a constatação de que estamos todos “atônitos”, vendo “as agonias que se acumulam, as hipóteses de saída que surgem e se desfazem como bolhas de sabão, os políticos que de uma hora para outra abandonam a ação parlamentar e passam a integrar tramas judiciárias cujo fim não parece próximo”. No tumulto dos dias, a impressão que se firma é a de “um enredo mambembe em que os personagens procuram, em vão, uma direção e um sentido para o que fazem”. A sensação, observa, “é de que os fatos caminham por si sós, assumindo aos trancos e barrancos um protagonismo além da capacidade dos atores, cujos movimentos se esgotam na busca da sobrevivência pura e simples”.

É um artigo que faz pensar: “Sabemos que o que nos trouxe até aqui não é ponte que nos conduzirá ao futuro. O PMDB já não parece ter quadros ou ser portador de ideias-força para sustentar um governo de reformas. A classe política que o viu nascer e lhe insuflou alma não existe mais. O antagonismo entre PSDB e PT, que nas quatro últimas eleições presidenciais favoreceu amplamente este último, mas assinalou afinal o fracasso histórico do petismo, não poderá mais ser a principal linha de clivagem do sistema partidário, a não ser que nossa sociedade se aniquile nas malhas da repetição neurótica”.

Henriques conclui com um alerta: “Sabemos que o presente cenário de terra arrasada é o mais favorável para aventuras extremadas. Refazer os cacos e ordenar razoavelmente a arena pública requer o emprego da arte da competição e da cooperação, da qual nos temos dissociado. Arte a ser exercida sob o império da Carta de 1988, longe dos fundamentalismos de mercado ou das utopias autoritárias do esquerdismo”.

Outro dia, FHC falou que “é preciso dar uma trégua ao Brasil”. Ele está certo. Parar um pouco para pensar, guardar o ódio e o ressentimento acumulados, buscar um foco mais interessante do que esta briga entre partidos mortos-vivos. O país está efetivamente estressado. Na política, sobretudo. Mas a vida não para e os humanos conseguem sempre sair de situações difíceis. Basta que consigam definir quais os seus grandes problemas e tenham tempo e determinação para modelar soluções e construir saídas. Com um sentimento de urgência, mas sem correria.

É muito, é custoso, é difícil, mas é o que temos.

 

Fonte: http://politica.estadao.com.br/blogs/marco-aurelio-nogueira/estamos-sem-pontes-e-sem-projeto/

 


Luiz Carlos Azedo: O homem que virou suco

A saída de João Batista da Cultura não foi boa para o governo, a senadora Marta Suplicy (PMDB) recusou convite para voltar à pasta

O drama da resistência de um poeta popular diante de uma sociedade opressora, que o obriga a eliminar suas raízes, é simultaneamente uma alegoria do desenraizamento, da clandestinidade e do exílio, aos quais muitos dos opositores do antigo regime militar foram submetidos. Esse é o enredo do filme O homem que virou suco, do diretor João Batista de Andrade, lançado num momento decisivo da história política do país, após a anistia e o fim do bipartidarismo. Em 1981, a oposição ao regime militar já havia ganho as ruas, mas enfrentava a resistência terrorista dos porões da ditadura, cujo momento mais dramático foi o frustrado atendado à bomba do Rio Centro, em 30 de abril daquele ano.

Deraldo é um nordestino esclarecido que busca sobreviver em São Paulo apenas de suas poesias e folhetos, o que ainda hoje é comum na capital paulista. De camiseta, calção e chinelos, Plínio Marcos, o consagrado dramaturgo de Dois perdidos numa noite suja e Navalha na carne, por exemplo, era visto com frequência vendendo seus livros nos eixos São João-Ipiranga, São Luiz -Augusta, Angélica-Consolação. Tudo vai muito bem com o herói do filme, até ele ser confundido com um funcionário de multinacional que matou o patrão na festa em que recebeu o título de operário padrão.

Perseguido pela polícia, Deraldo perde a identidade e a cidadania. Para sobreviver, refaz a trajetória da maioria dos nordestinos numa grande metrópole: vai trabalhar na construção civil, aceita realizar serviços domésticos, vaga pelo metrô, sofre toda sorte de humilhação e violências. Até que resolve contar a história do assassino e escreve o livro O homem que virou suco.

Além de consagrar seu diretor, o filme revelou o grande talento de José Dumont, ao lado de Denoy de Oliveira, Raphael de Carvalho, Ruth Escobar e Dulcinéia de Moraes. Colecionou prêmios em festivais: Melhor Filme em Moscou; Melhor Ator (José Dumont) em Nevers (França); Prêmio da Crítica em Huelva (Espanha); Melhor Roteiro, Melhor Ator (José Dumont), Melhor Ator Coadjuvante (Denoy de Oliveira) no Festival de Gramado; Melhor Roteiro, Melhor Ator (José Dumont) em Brasília; São Saruê da Federação dos Cineclubes do Rio de Janeiro; e Prêmio Qualidade (Brasil) no Concine.

Liquidificador
Na sexta-feira, para não virar suco na crise ética e política, João Batista de Andrade entregou sua carta de demissão ao presidente Michel Temer. Ministro da Cultura interino, pegou o boné porque já estava sendo moído pelo Palácio do Planalto, depois de uma queda de braços em torno da indicação do presidente da Ancine. Queria emplacar no cargo um nome de consenso no meio artístico: “A Débora Ivanov era a indicação de todas as entidades do cinema e também do Ministério da Cultura. O governo resolveu que vai nomear outra pessoa”. O candidato de preferência do presidente Michel Temer é Sérgio Sá Leitão, que já ocupa uma diretoria da Ancine.

O cineasta foi para a secretaria executiva do Ministério da Cultura a convite do ex-ministro Roberto Freire (PPS), a quem é ligado por laços partidários. Foi destacado membro do chamado “Setor Cultural” do antigo PCB, ao lado de outros cineastas, como Alex Viany, Leon Hirszman, Nelson Pereira dos Santos e Zelito Viana. Ex-secretário de Cultura de São Paulo, Batista presidia o Memorial da América Latina quando foi convocado por Freire, em meio à crise provocada pela barulhenta demissão do seu antecessor: o ex-ministro Marcelo Calero gravou uma conversa politicamente incorreta com Temer, na qual o presidente da República pedia que atendesse um pleito do ex-ministro da Articulação Política Geddel Vieira Lima, que também acabou caindo.
Batista pavimentou o caminho para Freire assumir a pasta, desarmando bombas junto à classe artística, na qual sempre foi muito respeitado. Com a saída do titular, a seu pedido, permaneceu à frente do ministério, interinamente, com toda a equipe que havia sido montada pelo presidente do PPS. O cineasta, porém, nunca foi um homem de aparelho partidário. Antes mesmo da saída de Freire, já se queixava das pressões do Palácio do Planalto em relação à Ancine.

Na semana passada, sua posição tornou-se insustentável. Temer mandou um oficial de gabinete ligar para o ministro interino e comunicar sua indicação para a presidência da Ancine, Sá Leitão. Batista já havia anunciado publicamente o nome de Débora Ivanov e disse ao auxiliar de Temer que a nomeação seria acompanhada de sua exoneração. A saída de João Batista não é uma boa notícia para o governo, ainda mais porque logo veio acompanhada da informação de que a senadora Marta Suplicy, que já foi ministra da Cultura, já havia recusado o convite para voltar à pasta. A bancada do PMDB na Câmara, agora, pleiteia o cargo para o deputado André Amaral (PB). Temer só pretende anunciar o próximo ministro quando voltar da viagem à Rússia.

* Luiz Carlos Azedo é jornalista

Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-homem-que-virou-suco/

 


Alon Feuerwerker: Todos trabalham para nada acontecer. E o efeito didático desse travamento geral

O sistema político brasileiro travou, e isso torna muito difícil a ruptura organizada. A nossa história republicana tem sido feita de rupturas organizadas, mas está complicado produzir uma. A crise toma viés crônico. No geral, mas também na vida interna de cada ator. O traço mais visível da política brasileira hoje é a paralisia degradante.

Em todos os nossos impasses desde 1930, sempre houve alternativa à mão. Ou nascida de uma dissidência do sistema dominante, ou surgida da cooptação de dissidentes do poder por forças novas emergentes. E a vida seguia, com componentes de renovação e continuidade. Até um novo impasse exigir, mais uma vez, a solução prussiana de sempre.

Mas hoje não há dissidência efetiva no poder, unido no objetivo de conter o Partido da Justiça. E as “forças novas emergentes”, quando não caricaturais, são embrionárias e desprovidas de maior influência no único canal possível para acesso ao governo: os partidos. Daí que o debate no Brasil gire, apenas, em torno de como estes vão se salvar do tsunami.

É a lógica que comanda o PT, coeso no esforço para Lula poder ser candidato em 2018. Faz sentido para o PT, pois Lula é competitivo. Mesmo se perder, será forte puxador de votos para os candidatos da legenda e coligadas de esquerda. Mas o discurso do PT morre por aí. Eleger Lula para quê? Vai governar como? Com quem? Para fazer o quê? Não há pistas.

O PT está como o exército que espera fora das muralhas da cidade sitiada, enquanto dentro dela os inimigos se enfraquecem a cada dia nas disputas internas. Supõe-se que alguma hora ficarão suficientemente fracos e não poderão resistir. Mas é uma suposição perigosa. E se, sobrevivendo, conseguirem unir-se para enfrentar e esmagar a força adversária?

Parece ser o cálculo do PSDB, que luta para manter o sistema de alianças montado no impeachment de Dilma e na ascensão de Temer. Espera ganhar 2018 com esse bloco, contando ainda com o sempre tonificante controle das torneiras do orçamento federal. Os tucanos não estão debatendo se vão sair do governo. Estão procurando a melhor maneira de continuar nele.

O PSDB talvez seja a sigla mais bem posicionada por enquanto para 2018. Além de influência no federal, tem na mão os orçamentos do estado e da cidade de São Paulo. Tem um candidato com currículo, Alckmin, e um “novo”, Dória. E teria, certeza absoluta, apoio maciço do establishment, imprensa inclusive, num eventual segundo turno contra Lula.

O desafio do PSDB é evitar contaminar-se com a infecção galopante do governo Temer sem abrir mão das posições de poder. Num mundo ideal, o PSDB faria como fez com Collor: ajudou a derrubar o presidente e depois reaglutinou a base collorida para isolar e derrotar a esquerda. Mas Collor era um só e inorgânico. Temer e o PMDB são muitos. E muito orgânicos.

O PT, que viu o poder escapar assim em 1994, não enxerga vantagem em apoiar uma facção do peemedebismo-tucanismo contra a outra, pois não quer ajudar a consolidar uma nova hegemonia contra ele. Faz certo sentido. Mas com isso o PT abre mão de desestabilizar imediatamente o inimigo. E quem sobrevive pode ficar forte mais adiante.

Já o PSDB corre o risco de surgir em seu campo uma alternativa viável e não contaminada. Mas ela teria de vir de fora do mundo político hegemônico. E a lei brasileira reduz muito a permeabilidade do sistema eleitoral ao surgimento de Macrons, Corbyns ou Trumps. Aqui os partidos são donos da política, e os políticos são donos dos partidos. O sistema defende-se.

Se você anda estupefato por nada ter acontecido ainda diante da avalanche de fatos, eis a explicação: nada acontece porque acontecer alguma coisa não interessa a ninguém que pode fazer alguma coisa acontecer. Decepcionante talvez, mas com certeza didático. Você que sai à rua atrás de miragens tem aqui a chance de crescer. Políticos movem-se pelo poder.

Este talvez venha ser o principal saldo positivo desta crise. A possibilidade de absorver rapidamente, da vida prática, o que se levaria uma existência inteira para aprender dos livros. É um choque brutal de didatismo. As instituições “neutras” e os aparelhos “destinados à defesa do bem comum” ficam pelados na via pública e menos capazes de amortecer os choques.

O problema das calmarias são as tempestades que podem vir depois. Ainda mais quando tem eleição no calendário. Até a semana que vem. Ou até um fato novo, nosso visitante cada vez mais habitual.

* Alon Feuerwerker, analista político FSB Comunicação

Fonte: http://www.alon.jor.br/2017/06/todos-trabalham-para-nada-acontecer-e-o.html?m=1

 

 


Luiz Carlos Azedo: Ninho de aflitos

Fernando Henrique Cardoso sugeriu a antecipação das eleições presidenciais de 2018, o que é considerado uma heresia pela maioria dos políticos governistas

A crise ética chegou com tudo ao PSDB, que virou um ninho de aflitos. As agruras do partido se intensificaram por causa do pedido de prisão do senador Aécio Neves (MG), ex-presidente da legenda, que também foi afastado do exercício do mandato pelo ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, depois de conversa gravada pelo empresário Joesley Batista, dono da JBS. Novo pedido será julgado na próxima terça-feira, pelo STF, e pode se transformar num divisor de águas na relação entre Corte e o Congresso.

Candidato a presidente da República em 2014, Aécio foi o autor do pedido de cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, negado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por 4 a 3. Agora, está no epicentro da crise política envolvendo o Congresso e o o STF, porque sua eventual prisão precisa ser autorizada pelo Senado e uma decisão da Corte nesse sentido, atendendo o novo pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pode aprofundar a crise entre os Poderes. Antecipa, de certa forma, o impasse em torno da eventual denúncia do presidente Michel Temer, que, para ser julgada pelo STF, precisa primeiro ser aceita pela Câmara.

Como há um grande número de políticos envolvidos na Lava-Jato e outras operações da Polícia Federal, o ambiente no Congresso caminha para um alto lá no Ministério Público Federal e no próprio ministro Fachin, o que pode aprofundar a crise entre os Poderes. Quem farejou o aprofundamento da crise foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em nota surpreendente, na qual sugere a antecipação das eleições presidenciais de 2018, o que é considerado uma heresia pela maioria dos políticos governistas. Isso significa aceitar as bandeiras da oposição, num momento em que o PT arrefeceu seu entusiasmo com o “Fora, Temer!” e “Diretas, já”, pois prefere ver os partidos da base governista sangrando em razão do apoio ao presidente da República.

FHC deu um cavalo de pau nas suas próprias posições políticas: “A conjuntura política do Brasil tem sofrido abalos fortes e minha percepção também. Se eu me pusesse na posição de presidente e olhasse em volta, reconheceria que estamos vivendo uma quase anomia. Falta o que os politicólogos chamam de ‘legitimidade’, ou seja, reconhecendo que a autoridade é legítima e consentir em obedecer. A ordem vigente é legal e constitucional (daí ter mencionado como ‘golpe’ uma antecipação eleitoral), mas não havendo aceitação generalizada de sua validade, ou há um gesto de grandeza por parte de quem legalmente detém o poder pedindo antecipação de eleições gerais, ou o poder se erode de tal forma que as ruas pedirão a ruptura da regra vigente exigindo antecipação do voto.”

Na mesma linha, o presidente interino do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), defendeu a saída dos tucanos do governo, em sintonia com a maioria da bancada na Câmara. O partido só continua na base aliada porque os ministros tucanos Aloysio Nunes Ferreira (Relações Exteriores), Antônio Imbassahy (Secretaria de Governo), Bruno Araújo (Cidades) e Luislinda Valois (Direitos Humanos), no começo da semana, avisaram à cúpula da legenda que permaneceriam nos cargos, mesmo que a direção partidária decidisse abandonar Temer. O governador Geraldo Alckmin, o prefeito João Doria e o senador José Serra (SP) são hoje os principais apoios do presidente dentro da legenda, mas tudo pode mudar por causa do reposicionamento de FHC.

Às cegas
FHC praticamente decretou o desembarque do PSDB, ao avaliar que a situação se agravou — “Ou se pensa nos passos seguintes em termos nacionais e não partidários nem personalistas ou iremos às cegas para o desconhecido” — e afirmar que a legenda deve deixar o governo se o presidente Temer não convocar eleições antecipadas: “A responsabilidade maior é a do presidente, que decidirá se ainda tem forças para resistir e atuar em prol do país. Se tudo continuar como está com a desconstrução continua da autoridade, pior ainda se houver tentativas de embaraçar as investigações em curso, não vejo mais como o PSDB possa continuar no governo.”

A posição do PSDB gerou reações contrárias dos aliados. O presidente do PPS, Roberto Freire, que deixou o ministério da Cultura quando foi divulgada a gravação da conversa de Temer com Joesley Batista e defendeu, na ocasião, a renúncia do presidente, repercutiu assim a nota de FHC: “Temos que reafirmar que, dentro da Constituição, tudo. Fora dela, nada. A partir disso, dizer a FHC que presidente só é destituído por impeachment e se por moto-próprio renunciar; as eleições para preencher tal vacância estão previstas na Carta Magna. Qualquer outra solução é grave equívoco.”

Luiz Carlos Azedo é jornalista


Luiz Carlos Azedo: Mudança de eixo

As reformas da Previdência e trabalhista estão sendo mitigadas porque o governo sofre chantagem da própria base

O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi embora cedo ontem da Câmara, depois de aprovar em votação simbólica a primeira das medidas necessárias para o “pacote de bondades” que o Palácio do Planalto preparou para ver se melhora a popularidade do presidente Michel Temer. Como sempre acontece nos momentos de crise política grave, o governo raspa o fundo do tacho com uma das mãos para poder gastar com a outra. No caso, trata-se da restituição aos cofres públicos dos precatórios depositados há mais de dois anos que não foram sacados pelos beneficiários. Com a aprovação da proposta, o governo federal espera reforçar os cofres da União com R$ 8,6 bilhões.

Precatórios são dívidas do poder público decorrentes de condenações judiciais definitivas. Para dar um caráter social ao projeto aprovado, foram incluídas duas exigências: que 20% desse montante seja aplicado pela União na manutenção e desenvolvimento do ensino e, pelo menos, 5% no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM). No embalo, foram incluídas as requisições de pequeno valor (RPV), oriundas de ações contra o poder público, mas com valor limitado a 60 salários mínimos.

Logo após o encerramento da sessão, quem também deixou a Câmara foi o relator da reforma da Previdência, deputado Arthur Maia (PPS-BA), cujo parecer está pronto. Indagado sobre a votação da reforma, foi curto e grosso: “Vamos ter que esperar, agora não dá”. Pra bom entendedor, isso significa que o governo ainda não tem votos para aprová-la, apesar da retórica oficial. A prioridade não é esticar a corda com a Câmara, é recompor a base do governo.

No outro lado do Congresso, acontece a mesma coisa. A reforma trabalhista caminha lentamente no Senado. Ontem, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) fez a leitura do relatório favorável à aprovação da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado. Manteve o projeto aprovado pela Câmara, mas indicou os vetos que serão recomendados ao presidente Temer, em troca do apoio da base aliada no Senado. Versam sobre ambiente insalubre para gestantes e lactantes; descanso de 15 minutos a que as mulheres têm direito antes de iniciar a hora-extra; acordo individual para determinar jornada de 12 horas de trabalho com 36 horas de folga; a “comissão de representantes dos empregados” em empresas com mais de 200 funcionários; e intervalo intrajornada de 30 minutos para horários acima de seis horas de trabalho.

O relatório será votado em 20 de junho e, depois, será encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça. Ferraço faz parte do time de tucanos que defende o desembarque do PSDB do governo Temer, mas afirma ter compromisso com as reformas. Uma coisa não teria nada a ver com a outra. Essa, porém, não é a posição da maioria da bancada de senadores tucanos, que defende a permanência do partido no governo. Na crise, a prioridade da bancada é evitar a cassação do senador Aécio Neves (MG), que está com mandato suspenso e precisa ser blindado pela legenda na Comissão de Ética, controlada pelo PMDB. Não é esticar a corda por causa das reformas.

Chantagem
O agravamento da crise ética, porém, começa a criar problemas para a equipe econômica. Não bastam as entrevistas do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sobre os problemas na economia. Analistas já alteraram as projeções para 2017. A previsão de crescimento caiu de 0,5% para 0,2%. A economia fecharia o ano em aceleração ascendente de 0,8% no último trimestre, ou 3,2%, a taxa anualizada, mas agora a projeção é declinante: 0,4%, 0,12% e 0,% no segundo, terceiro e quarto trimestres, segundo o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV).

Para alguns economistas, esse é o resultado das “bondades” do governo: reajustes nas faixas de renda e de financiamento para compra de imóvel; ampliação do volume de crédito subsidiado; não devolução antecipada de empréstimos do BNDES ao Tesouro, para aumentar o funding de créditos subsidiados; subsídio para a renovação da frota de veículos e à indústria automobilística; medidas de compensação à indústria nacional da cadeia de petróleo, a pretexto de perdas geradas pela redução do conteúdo local.

Na verdade, as reformas da Previdência e trabalhista, que serviriam para reduzir o ajuste fiscal e aumentar a produtividade, estão sendo mitigadas porque o governo sofre chantagem da própria base. Nada é feito para acabar com os cartórios na burocracia federal, que tanto encarecem a produção e favorecem a corrupção, além de servir de trincheira para os setores que apostam no “quanto pior, melhor” para manter seus privilégios. É ou não uma mudança de eixo?

* Luiz Carlos Azedo é jornalista