política

Pedro Doria: As redes manipuladas

Robôs e publicidade política na web farão parte do cenário de 2018. Sem dinheiro, acirrar divisões é a maneira mais barata de fazer campanha eleitoral

Na quarta-feira, Alex Stamos, responsável pela segurança do Facebook, publicou um longo post tratando do que a companhia descobriu a respeito da interferência russa nas eleições americanas usando sua plataforma. Os insights contidos ali são uma aula e um alerta sobre manipulação política em qualquer parte. No ano que vem, o Brasil realizará uma campanha eleitoral tensa, na qual os políticos terão pouco dinheiro. É inevitável que corram para uma estratégia nas redes sociais. E isto pode ser um perigo.

Entre junho de 2015 e maio deste ano, 470 contas falsas distintas do Facebook, todas operadas da Rússia, gastaram aproximadamente US$ 100 mil para comprar publicidade na rede. O Facebook acredita que as contas eram todas controladas pela Internet Research Agency, uma empresa russa que, apesar do nome assim sisudo, funciona, em essência, como um grupo de terrorismo on-line. Não mata, mas suas táticas são voltadas para disseminar mentiras, incitar desconfiança e gerar pânico.

A maior parte dos cem mil gastos nos EUA não eram pró-Trump ou anti-Hillary. Seu maior foco foi em questões do debate político. Temas como direitos LGBT, imigração, direito ao porte de armas e questões raciais. Pelo menos um quarto das propagandas eram dirigidas a regiões geográficas específicas. Seu propósito, muito claro: provocar discórdia. Aumentar o fosso entre bolhas de opinião. Dividir.

O tempo, no mundo, já é de uma política polarizada. As pessoas não mais discordam. On-line, odeiam-se, desconfiam umas das outras com base na opinião que têm a respeito dos destinos dos países. Tornam certos políticos heróis e, outros, vilões.

Agora, em 2017, outros US$ 50 mil foram gastos em publicidade política, também focada nas questões que mais dividem o eleitorado americano. Este dinheiro torrado no Facebook não veio de contas russas, mas de contas operadas por endereços baseados nos EUA. Uma característica chama a atenção, porém: embora aparentemente americanas, todas rodam o Facebook com a língua padrão configurada para russo.

Ou seja: no total, falamos de pelo menos US$ 150 mil gastos para ampliar as divisões entre americanos num cenário em que os grupos mais radicais já põem o pescoço para fora.

Essa discussão já tem a ver com o Brasil. Um estudo do DAPP, da Fundação Getulio Vargas, detectou que, nos grandes debates políticos que ocorrem por aqui via Twitter, a presença de robôs é enorme. Ou seja, software que se faz passar por inúmeros usuários para interferir nas discussões, fazer com que determinados tópicos subam para destaque, e pender um debate para determinado lado.

Nas eleições de 2014, robôs representaram até 10% do debate. Na greve geral de abril último, 20% das interações no Twitter foram forjadas.

É possível, para uma instituição tecnicamente capaz como a FGV, analisar de fora o Twitter. O Facebook, onde ocorre grande parte do debate, não permite acesso aos seus dados neste nível. Não temos como saber, portanto, o quanto das divisões políticas brasileiras são forçadas por máquinas políticas.

Não temos o problema americano, de interferência estrangeira. Mas, na falta de dinheiro, acirrar divisões via redes sociais é a maneira mais barata de fazer campanha política. Brasileiros já têm experiência com isso.

Em 2018, nós sequer saberemos. Sairá pouco nos jornais. E, salvo aumento de transparência das empresas desta nossa internet social, não vamos perceber. Mas aquilo que discutiremos on-line não tem nada de utopia democrática digital. Vai ter muita gente tentando manipular. Alguns conseguirão.

 


Ricardo Noblat: Geddel fez por onde ser preso novamente

Com mais um pouco, a segunda prisão, esta manhã, em Salvador do ex-ministro Geddel Vieira Lima teria vindo tarde. Ele abusou de fazer por onde ser preso outra vez. É verdade que cumpria prisão domiciliar sem a tornozeleira eletrônica a que estaria obrigado.

A nova prisão não será tão rápida quanto foi a primeira. Ele amargará muito tempo de cadeia na condição de reincidente. Como amarga em Natal, Rio Grande do Norte, seu amigo e ex-colega de governo Henrique Eduardo Alves, que jaz esquecido.

A descoberta de oito malas e de seis caixas com R$ 51 milhões em um apartamento em Salvador foi mortal para Geddel. Não pela quantidade de dinheiro em si mesma assombrosa. Mas porque a impressão digital de Geddel foi encontrada em parte das cédulas.

Batom na cueca! A caça ao batom foi o principal motivo das 14 horas ininterruptas levadas pela Polícia Federal para contar o dinheiro. Procuravam-se impressões digitais, datas de emissões das cédulas, tudo o que pudesse ligar Geddel ao tesouro. Bingo!

Mas teve mais. Além do dono do apartamento, outra pessoa confirmou que o espaço havia sido cedido a Geddel. E ele passou senhas incorretas do seu celular para a Polícia Federal e se recusou a fornecer sua digital para que acessassem o aparelho.

Por fim, o homem que deixou a Penitenciária da Papuda em Brasília depois de 13 dias recluso e que assegurou estar disposto a colaborar com as autoridades deu sinais claros de que poderia fugir do país, segundo concluiu a Polícia Federal.

Além de corrupção, Geddel também poderá ser processado por tentativa de obstrução da Justiça. De pouco adiantará que chore como já o fez antes de ganhar o direito à prisão domiciliar. A cruz de isopor que carregava virou uma cruz de ferro.

 

 


Luiz Carlos Azedo: Mudança de foco

A mudança de foco da Operação Lava-Jato para Lula e Dilma não tirou o procurador-geral Rodrigo Janot da berlinda em que se encontra por causa da atuação de Marcelo Miller

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot — que amarga os últimos dias no cargo tendo que se explicar sobre a dupla militância do ex-procurador Marcelo Miller no caso da JBS —, mudou o foco das denúncias do presidente Michel Temer para os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, denunciados ontem pelo Ministério Público Federal por obstrução da Justiça. Na véspera, Janot havia denunciado os petistas por formação de organização criminosa no escândalo da Petrobras. A nova denúncia se refere à nomeação de Lula por Dilma para a Casa Civil do governo, antes de seu afastamento da Presidência. À época, a decisão foi suspensa por liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. Também foi denunciado o ex-ministro Aloizio Mercadante, que telefonou para o senador cassado Delcídio do Amaral, supostamente para evitar a delação premiada de Delcídio.

Mas o tempo fechou mesmo para o ex-presidente Lula foi em Curitiba. O ex-ministro Antônio Palocci, em depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, disse que o Instituto Lula recebeu R$ 4 milhões da Odebrecht e que havia uma espécie de “pacto de sangue” entre o PT e os donos da empreiteira, que previa o pagamento de R$ 300 milhões ao partido. “O Paulo Okamotto me pediu para que eu ajudasse ele a cobrir o final de ano do instituto, que faltava recurso. Acho que foi meio para o final de 2013, começo de 2014. Ele tinha um buraco nas contas, me pediu para arrumar recursos. Eu fui ao Marcelo Odebrecht. Eu ia viajar para o exterior, ele disse que precisava com muita urgência. A ideia dele era que eu procurasse várias empresas. Eu disse: ‘Não posso, vou procurar só o Marcelo’. Pedi R$ 4 milhões”, revelou Palocci. Ele disse que os R$ 4 milhões foram dados a Lula em espécie.

Segundo Palocci, Lula sabia da compra de um terreno para o Instituto Lula e de um imóvel vizinho ao apartamento do ex-presidente, em São Bernardo do Campo: “Eu voltei a falar com ele sobre o prédio do instituto. Falei da minha conversa com o Bumlai e falei: ‘Eu não gostaria que fizesse desse jeito. Se o senhor está fazendo um instituto para receber doações e fazer sua atividade, não sei por que procurar agora um terreno. Não tem problema nenhum receber uma doação da Odebrecht, mas que seja formal ou que, pelo menos, seja revestida de formalidade’”.

A defesa de Lula apontou contradições no depoimento e disse que Palocci fez “acusações falsas e sem provas” porque está preso e sob pressão, enquanto negocia acordo de delação premiada com o MPF. O Instituto Lula também rechaçou as acusações: “O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirma que jamais cometeu qualquer ilícito nem antes, nem durante, nem depois de exercer dois mandatos de presidente da República eleito pela população brasileira”.

Berlinda

A mudança de foco da Operação Lava-Jato para Lula e Dilma não tirou o procurador-geral Rodrigo Janot da berlinda em que se encontra por causa da atuação de Marcelo Miller, que era um de seus homens de confiança e havia se exonerado do MPF para ingressar como sócio do escritório de advocacia Trench, Rossi, Watanabe, responsável pela assistência jurídica ao Grupo JBS. A comunicação de seu afastamento, entretanto, somente se tornou pública às vésperas do vazamento da gravação mantida entre Joesley Batista e o opresidente Michel Temer. Na época, a OAB-RJ chegou a abrir um processo de avaliação de conduta, mas foi acusada de haver instaurado o procedimento disciplinar para tumultuar o trabalho da Operação Lava-Jato. A Emenda Constitucional Nº 45/2004 estendeu aos membros do Ministério Público os mesmos três anos de quarentena impostos a ex-magistrados para que voltassem a advogar.

No Supremo Tribunal Federal (STF), a gravação da conversa do empresário Joesley Batista e o executivo Ricardo Saud, da JBS, causaram indignação. Os ministros Luiz Fux, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, porém, defenderam a validade das provas que os executivos entregaram na delação, mesmo que os benefícios obtidos por eles venham a ser anulados com uma eventual rescisão do acordo de colaboração, cuja revisão foi pedida por Janot. Fux chegou a pedir a prisão dos dois delatores. “Acho que eles ludibriaram a Procuradoria, degradaram a imagem do Brasil no plano internacional, atentaram contra a dignidade da Justiça, mostraram a arrogância dos criminosos de colarinho branco. Então, eu acho que a primeira providência que tem de ser tomada é prender eles”, disse.

A situação política de Janot, porém, se fragilizou. Está sendo frontalmente atacado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, e sofre um bombardeio severo no Congresso, onde foi pedida a abertura de uma CPI para investigar a delação premiada da JBS. O presidente Michel Temer, que chegou de viagem pela manhã, trabalhou o dia inteiro e comandou a reação governista. Ontem mesmo, a defesa do Temer pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que uma eventual nova denúncia contra ele seja suspensa até que as investigações sobre a primeira denúncia sejam concluídas. “Parte dos fatos ora noticiados denota a completa invalidade da prova produzida no bojo das delações, seja porque foi ratificada a arguição de suspeição do procurador-geral da República para atuar à frente dos casos que envolvam o chefe da nação”, diz o pedido, que acusa Janot de parcialidade e questiona o envolvimento de Miller nas negociações do acordo.

 

 


José Aníbal: A flechada contra a agenda de recuperação do Brasil

O Brasil é ainda jovem quando se pensa na comunidade internacional: neste 7 de setembro, completamos 195 anos como nação independente, sendo 128 como República, e o atual período democrático soma pouco mais de três décadas.

O regime constitucional em vigor chegará aos 30 anos no ano que vem, quando elegeremos o presidente que levará o país ao bicentenário de 2022.

Nesse curso da história, o quanto aprendemos a viver como nação? Quais as experiências e práticas institucionais que já estão consolidadas, e quais são as que ainda precisamos aprimorar?

São perguntas que naturalmente exigem reflexão e ganham mais densidade no mundo contemporâneo, quando estão em debate questões como as funções, a eficiência e musculatura do estado e o papel de suas instituições, a crise da representatividade política, os avanços e as limitações que a própria democracia propicia às sociedades.

No caso brasileiro, a complexidade torna-se maior, exigindo ainda mais discernimento, compromisso e responsabilidade dos agentes públicos.

Nesse sentido, causa assombro e indignação ver a repetição de distorções dos papéis a serem cumpridos pelos que abraçam a causa pública. Como bem disse nesta semana o governador Geraldo Alckmin, as novidades de que o Brasil precisa são a verdade e a defesa do interesse coletivo, para que este se sobreponha aos objetivos das corporações que tomaram conta tanto de setores estatais como privados.

A política no dia a dia do governo e do Congresso obviamente precisa ser exercida com mais responsabilidade, mais conectada com os anseios e exigências da sociedade. Mas também é preciso avançar – e muito – nos outros pilares fundamentais do estado: o Poder Judiciário e o Ministério Público.

Quando regras são desrespeitadas, interesses pessoais e corporativistas são colocados à frente dos deveres institucionais, joga-se o país em aventuras e incertezas. Coloca-se em xeque a credibilidade não só deste ou daquele agente público, mas da própria ideia de república e de nação civilizada e democrática.

O ímpeto com que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se lançou nos últimos meses a disparar denúncias e acusações aos cântaros com base numa delação premiada bastante questionável, promovendo uma tempestade institucional sem precedentes, revelou-se agora açodado, inconsistente e movido por motivações ainda a serem explicadas.

Sob o pretexto de combater a corrupção e defender os interesses coletivos, deixou livres a dupla de empresários enriquecida pelo mais nocivo “capitalismo de compadrio” do lulopetismo e provocou um abalo que trouxe prejuízos intangíveis e incalculáveis. Foi uma verdadeira flechada na agenda para a retomada do crescimento econômico e da reorganização do estado brasileiro.

Quando Janot apresentou pedido para investigar o presidente da República durante o exercício do mandato, uma situação inédita e grave na história republicana, o Congresso estava prestes a aprovar a mais fundamental das medidas de ajuste das contas públicas.

A reforma da Previdência vai colocar um ponto final definitivo nas benesses previdenciárias da elite da burocracia – da qual fazem parte políticos e assessores legislativos, mas principalmente juízes, desembargadores, promotores e procuradores – e garantiria a sustentabilidade das aposentadorias e pensões da imensa maioria dos brasileiros. Por isso despertam tão forte reação das corporações, auxiliadas pela turma do “quanto pior melhor” de sempre.

Coincidentemente, no mesmo dia em que o procurador-geral admitiu falhas na delação dos irmãos Batista, o Conselho Nacional de Justiça atualizou as estatísticas de um problema bastante conhecido: o Judiciário brasileiro resolve menos de 1 em cada 4 processos em tramitação e custa mais caro do que os equivalentes de países europeus ou dos Estados Unidos. Em média, um magistrado brasileiro custa quase R$ 48 mil mensais. O salário mínimo é R$ 937,00. O salário médio dos trabalhadores brasileiros gira em torno de R$ 2.000,00.

A eficiência da Justiça é tão importante quanto a do Congresso e do governo. Todos os poderes devem prestar um bom serviço ao cidadão, cumprir com suas tarefas e ter o interesse coletivo como prioritário. É assim que se tornarão fortes, e não com arroubos de justiçamento ou voluntarismo. É assim que, perto de seus 200 anos de independência, o Brasil poderá ser um país com instituições sólidas e um povo orgulhoso de sua República.

 

 

 


Luiz Carlos Azedo: Fim da Lava-Jato?

A imagem do dia foi a apreensão de malas de dinheiro num apartamento que seria utilizado por Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), em Salvador

Quem imagina que a Operação Lava-Jato vai acabar no dia 18, quando tomar posse a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pode tirar o burrinho da sombra. A operação continuará, como um rio que forma um grande estuário, para usar uma imagem geográfica. Como o Delta do Parnaíba, por exemplo, que se abre em cinco braços, com 73 ilhas fluviais, dunas e mangues, no Maranhão e Piauí. O procurador-geral Rodrigo Janot, fragilizado pelo escândalo envolvendo o ex-procurador Marcelo Miller, contratado pelo escritório Watanabe e Associados supostamente antes de deixar o Ministério Público Federal, afunda como uma velha canhoneira alvejada abaixo da linha d’água: atirando.

Ontem, Janot denunciou ao Supremo Tribunal Federal os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, os ex-ministros Antônio Palocci Filho, Guido Mantega, Edinho Silva e Paulo Bernardo, a senadora Gleisi Hoffmann e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto pelo crime de organização criminosa. São acusados de formação de quadrilha no âmbito da Petrobras pela Operação Lava-Jato. Caberá ao ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava-Jato, levar o caso à Segunda Turma do STF, que decidirá se eles viram réus ou não.

No Supremo, a chapa também esquentou. Por causa das gravações entregues pela defesa de Joesley Batista ao procurador Rodrigo Janot, aparentemente sem saber da existência de quatro horas de conversas comprometedoras do empresário com Ricardo Saud, o operador do caixa dois eleitoral da JBS, nas quais foram citados ministros da Corte. Em resposta, a presidente do STF, ministra Cármem Lúcia, pediu à Polícia Federal a “investigação imediata” das menções. “Agride-se, de maneira inédita na história do país, a dignidade institucional deste Supremo Tribunal Federal e a honorabilidade de seus integrantes”, disse.

Joesley e Saud falam sobre as negociações para fechar o acordo de colaboração. Seus comentários causaram euforia no Palácio do Planalto e na base governista no Congresso, porque poderiam supostamente servir de base para anular as denúncias contra o presidente Michel Temer e desmoralizar Janot. Ontem, o ministro Luiz Edson Fachin levantou o sigilo das gravações. As quatro horas de áudio, que ainda vão dar muito pano pra manga, acirraram o choque entre o procurador-geral e o ministro Gilmar Mendes, presidente da Segunda Turma da Corte, para quem o STF errou ao não conter “os delírios de Janot”. Nos áudios, Joesley afirma que Janot seria contratado pelo mesmo escritório no qual Miller trabalhava após deixar o cargo.

Dinheiro vivo
Em mais um indício de que a Lava-Jato seguirá em frente, o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou a delação premiada do operador financeiro Lúcio Funaro, cujo conteúdo supostamente serviria de base para a segunda denúncia contra Temer. Funaro é apontado pelos investigadores da Lava-Jato como operador de propinas do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A homologação valida a abertura de novas investigações com base nos fatos narrados pelo delator.

O acordo dá validade jurídica à delação e permite a abertura de novas investigações. No caso de Temer, porém, a investigação precisa ser aprovada pela Câmara. Funaro confirmou a cobrança de propina de empresas que buscavam empréstimos na Caixa Econômica Federal. Em um dos casos, por exemplo, o ex-deputado Eduardo Cunha é acusado de cobrar e receber R$ 52 milhões de construtoras, entre 2011 e 2014, para viabilizar o financiamento da revitalização do porto do Rio de Janeiro.

Mas a imagem do dia foi a apreensão de grande quantidade de dinheiro em malas guardadas num apartamento que seria utilizado por Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), em Salvador, operação batizada de Tesouro Perdido. O ex-ministro da Secretaria de Governo de governo Temer foi vice-presidente de Pessoa Jurídica do banco entre 2011 e 2013, durante o governo de Dilma Rousseff. As caixas e malas de dinheiro encontradas pela PF estavam em um imóvel em área nobre da capital baiana. Em vídeo divulgado à tarde, durante a contagem do dinheiro, já haviam sido contabilizados mais de R$ 40 milhões.

No Rio, o presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e do Comitê Rio 2016, Carlos Arthur Nuzman, foi obrigado a depor na Polícia Federal do Rio para prestar esclarecimentos sobre a suposta compra de jurados na eleição da cidade-sede da Olimpíada de 2016. A ação é mais uma etapa da Lava-Jato no Rio de Janeiro. Nuzman se reservou o direito de não falar durante o interrogatório.

 


Valor Econômico: Maia costura acordo para votar reforma política

Sob o comando do presidente da República em exercício, Rodrigo Maia (DEM-RJ), as articulações para viabilizar a votação da reforma política avançaram na semana passada e a proposta deve começar a ser votada amanhã no plenário da Câmara, que tem suas sessões conduzidas interinamente pelo deputado André Fufuca (PP-MA).

Marcelo Ribeiro, do Valor Econômico

O próprio PP, que foi o principal responsável por emperrar a tramitação da matéria na terça-feira da semana passada, cedeu às investidas de Maia - que chegou a deixar o Palácio do Planalto e ir ao plenário da Casa para interceder a favor da reforma na quarta-feira - e entrou no acordo para tentar tirar a proposta do papel.

Os parlamentares correm contra o tempo para aprovar alguns pontos da reforma, que, para entrarem em vigor nas eleições de 2018, precisam passar pelo crivo dos deputados e dos senadores até 7 de outubro. Esta semana é considerada decisiva, pois o prazo já está apertado, por conta do feriado.

Outra questão que pode atrapalhar os planos de Fufuca e Maia de votarem a reforma nessa semana é a resistência de algumas legendas de analisarem isoladamente o fim das coligações partidárias e o estabelecimento da cláusula de desempenho, se não for fechado um acordo prévio sobre o sistema eleitoral. Quem emperra o avanço é o PR e o PRB, que são as legendas que mais se beneficiam com o atual sistema.

"Houve acordo para votar a reforma, mas ainda é preciso aparar algumas arestas", afirmou o líder do PP na Câmara, deputado Arthur Lira (AL), ao Valor.

Na avaliação de Lira, a proposta relatada pela deputada Shéridan (PSDB-RR) que proíbe as coligações tem tantos problemas quanto a de Vicente Cândido (PT-SP), mas será votada primeiro por apresentar menos resistência.

Lira adiantou que apresentará um destaque referente à cláusula de desempenho. Na proposta original, a tucana sugere que, na legislatura seguinte às eleições de 2018 tenham acesso ao fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão os partidos que conquistem 1,5% dos votos válidos, em pelo menos 9 Estados, com no mínimo 1% de votos válidos em cada um deles. O destaque do PP vai propor que a linha de corte seja mais rígida e que as legendas só tenham acesso aos benefícios se conseguirem 2,5% dos votos válidos, em ao menos 14 Estados.

O PT, que chegou a ser apontado como obstáculo para que a votação fosse adiante, sinalizou nos últimos dias que, dada a urgência de se pautar a proposta, está menos resistente e com disposição para aprovar alguns pontos para que a reforma saísse do papel.

 

 


Luiz Carlos Azedo: Violência e desemprego

Grosso modo, os indicadores de violência estão associados ao desemprego e à educação. Por isso, a política de segurança pública não dá conta do problema sozinha

O referendo sobre a proibição do comércio de armas de fogo e munição no Brasil, rejeitada por quase dois terços dos eleitores, em 23 de outubro de 2005, é um dos fenômenos mal estudados da política nacional. A derrota da proibição do comércio de armas e munições foi resultado de uma reviravolta na opinião pública, ocorrida num prazo de 20 dias. No começo, 80% dos cidadãos apoiavam a proibição; quando foram apurados os votos, 63% (59,1 milhões de eleitores) votaram não; 36,6% (33 milhões de eleitores), sim. A frente parlamentar vitoriosa foi coordenada pelo ex-governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury (PTB), um político em decadência, e pelo polêmico deputado Alberto Fraga (então PFL-DF), coronel reformado da Polícia Militar.

A chamada “bancada da bala” derrotou toda a elite política do país, ou seja, os líderes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, o alto clero e os mais importantes representantes da sociedade civil, como a OAB, por exemplo, sem falar nos artistas e intelectuais que aderiram à campanha. O “não” venceu em todos os estados, com destaque para Rio Grande do Sul, Acre e Roraima, onde a opção recebeu cerca de 87% dos votos. O melhor desempenho do “sim” foi em Pernambuco e no Ceará, com pouco mais de 45% dos votos.

De acordo com o TSE, a abstenção foi de pouco mais de 21% dos 123 milhões de eleitores registrados. Os números se mostraram semelhantes ao resultado do segundo turno das eleições presidenciais de 2002, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dos derrotados na consulta popular, se elegeu pela primeira vez. Somente 20,45% dos eleitores deixaram de votar. O direito à autodefesa e a fragilidade da segurança pública fizeram a cabeça dos cidadãos, num país em que eram assassinadas a tiros 108 pessoas por dia.

Na verdade, o cotidiano violento da população falou mais alto, num país no qual se estimava a existência de 17 milhões de armas em poder de civis. Estatísticas do governo de São Paulo, no ano anterior, revelaram que 5% das vítimas de homicídios ocorridos no estado foram casos de latrocínio (morte seguida de roubo); os demais, execuções. Uma década depois do plebiscito, a violência aumentou: o Brasil atingiu a marca recorde de 59.627 homicídios em 2014, uma alta de 21,9% em comparação aos 48.909 óbitos registrados em 2003.

A média de 29,1 para cada grupo de 100 mil habitantes também é das maiores já registradas na história do país, e representava uma alta de 10% em comparação à média de 26,5 de 2004. Os números são do Atlas da Violência 2016, estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FPSP). A pesquisa confirmou que jovens negros e com baixa escolaridade são as principais vítimas. Os homicídios representam cerca de 10% de todas as mortes no mundo, e, em números absolutos, o Brasil lidera a lista desse tipo de crime, mesmo considerando países em guerra civil, como Afeganistão, Iraque e Síria.

Humores

Grosso modo, os indicadores de violência estão associados ao desemprego e à educação. Por isso, a política de segurança pública não dá conta do problema sozinha, embora seja fundamental para reduzir os indicadores de violência, haja vista, por exemplo, a situação da crise de segurança no Rio de Janeiro, onde os indicadores vinham melhorando (redução de 33,3% de mortes por homicídio, de 48,1 para 32,1 por mil habitantes), até que o governo fluminense entrou em colapso.

O país tem 13,3 milhões de desempregados, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, divulgada ontem pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A redução foi de 0,8 ponto percentual em comparação ao trimestre de fevereiro a abril (13,6%), mas é irrisória, diante do fato de que a melhora foi proporcionada pela informalidade e não pela criação de vagas de carteira assinada, como era esperado. Ao comparar com o mesmo trimestre de 2016, 1,5 milhão de trabalhadores ficaram desempregados.O número de trabalhadores com carteira assinada manteve-se estável em 33,3 milhões frente ao trimestre anterior. Na comparação com o mesmo trimestre de 2016, a queda foi de 1 milhão de pessoas (2,9%).

O volume de empregados na informalidade, ou seja, sem carteira assinada, cresceu 4,6%, para 10,7 milhões de pessoas. Isso significa que 468 mil pessoas ingressaram no mercado de trabalho na informalidade (em um ano, a alta ficou em 5,6%, com 566 mil pessoas inseridas). O contingente de trabalhadores por conta própria aumentou em 351 mil, para 22,6 milhões de pessoas (1,6%), na comparação trimestral.

Há uma correlação entre os índices de desemprego e os indicadores de violência, embora não seja a única. Há que se considerar, por exemplo, o fator educação; sem falar na questão da legalização do aborto, cujo impacto nos indicadores de violência são comprovados. Desemprego e violência mexem com os humores do eleitor. Nesse aspecto, é bom lembrar o que houve no referendo das armas.


Cristovam Buarque: Comemoração incompleta

Daqui a cinco anos, o Brasil ingressará no terceiro centenário de sua história como país independente. Neste 7 de setembro, aos 195 anos de nossa independência, é possível comemorar o que nossos antepassados conseguiram.

Atravessamos quase 200 anos consolidando um imenso território soberano e unificado por redes de transporte, de comunicações, de distribuição de energia, a economia brasileira está entre as maiores do mundo no valor do produto, passamos de 200 milhões de habitantes. Não há dúvida de que temos que comemorar os primeiros dois séculos.

Mas se, no lugar de olharmos para a história, olharmos ao redor, a festa perde seu brilho. Comemoramos um elevado PIB, o oitavo do mundo, mas 84º por habitante, por causa de nossa baixa produtividade.

Igualmente grave, nossa economia se concentra em bens agrícolas e minerais ou indústrias tradicionais, porque somos um país de baixa capacidade de inovação.

Do ponto de vista social, carregamos a vergonha de sermos campeões em concentração de renda, temos formidáveis ilhas de riqueza e um trágico mar de pobreza.

Chegamos ao nosso terceiro século divididos tão brutalmente que podemos nos considerar um sistema de apartação, um país onde a população está dividida e separada por “mediterrâneos invisíveis” intransponíveis.

Somos um país integrado fisicamente e desintegrado socialmente. Por isso, somos hoje, em parte, campeões de violência urbana com mais de cem mil mortos por ano, 50 mil assassinatos e 45 mil vitimados por acidentes de trânsito.

Na política, apesar de comemorarmos o aniversário com um sistema democrático e instituições funcionando, em nenhum outro momento tivemos uma classe política tão desacreditada.

As promessas foram descumpridas, a corrupção se alastrou, os partidos se desfizeram, as finanças públicas foram quebradas, as estatais arrombadas, as corporações dividiram o país em republiquetas sem sentimento nacional.

A sensação é de que o país entra no seu terceiro século desagregando-se, sem coesão social, sem rumo histórico.

O mal-estar se explica por muitas causas, mas certamente a principal está no descaso com a educação de nossa população, desde a primeira infância. Chegamos ao nosso terceiro século com 13 milhões de compatriotas adultos incapazes de reconhecer a própria bandeira da República, por não saberem ler o lema “Ordem e Progresso”.

Além destes, segundo o IBGE, são quase 28 milhões de adultos analfabetos funcionais, apenas um pequeno número de jovens recebe formação necessária para construir a economia e a sociedade do conhecimento que vai caracterizar o século adiante.

Passados dois séculos, ainda somos um país com baixíssimo grau de instrução e com abismal desigualdade no acesso à educação conforme a renda da família.

E não seria difícil fazer com que, bem antes do quarto século, o Brasil conseguisse ser um país com educação de qualidade para todos: os filhos dos mais pobres em escolas com a mesma qualidade dos filhos dos mais ricos; uma sociedade que não dispensaria um único talento intelectual de sua população. Sem isso, certamente não teremos o que comemorar quando o quarto centenário chegar.

 

 

http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2017/09/comemoracao-incompleta.html


Roberto Freire: Memórias do impeachment e um olhar sobre o futuro

Há um ano, em 31 de agosto de 2016, com 61 votos favoráveis e apenas 20 contrários, o Senado Federal sacramentava o impeachment de Dilma Rousseff e colocava um ponto final no período de mais de 13 anos de desmantelo do lulopetismo, que tanto infelicitou o Brasil.

Quatro meses depois de a Câmara dos Deputados autorizar a abertura do processo contra a então presidente da República em decorrência dos crimes de responsabilidade por ela cometidos em uma desastrosa gestão, o que levou ao seu afastamento do cargo e à posse de Michel Temer, o país pôde finalmente virar uma das páginas mais tristes de sua história e seguir adiante.

Desde então, apesar de todos os problemas e percalços pelo caminho, não há dúvidas de que avançamos e o país retornou aos trilhos.

O segundo impeachment da história de nossa República começou a ser construído a partir de um encontro que tive com o jurista Hélio Bicudo e a advogada Janaína Paschoal, em São Paulo, ainda quando a cassação de Dilma era considerada improvável por muitos.

A esses importantes nomes do Direito brasileiro, se somou outro notável jurista, Miguel Reale Júnior, e os três foram os grandes responsáveis por viabilizar o pedido de impedimento da presidente e dar sustentação jurídica à peça, que chegou à Câmara com toda a densidade e o embasamento necessários para prosperar.

Em meio a dezenas de outras representações, aquela era certamente uma das mais robustas, detalhadas e bem formuladas – tecnicamente irrepreensível, tanto que foi a escolhida para tramitar na Casa.

Desde o início do processo, o PPS assumiu um papel de protagonista e talvez tenha sido o primeiro dos partidos que faziam oposição ao governo do PT a se manifestar favoravelmente ao impeachment, enquanto algumas forças políticas ainda titubeavam. Aliás, a queda de Dilma começou a se tornar realidade nas ruas, com as maiores mobilizações populares da história da democracia brasileira, que tomaram o Brasil entre 2015 e 2016.

Apenas em um segundo momento, quando o clamor pelo impeachment se tornou irrefreável, o Congresso Nacional assumiu sua posição institucional e cumpriu o papel de levar a questão adiante, atendendo aos anseios da imensa maioria da população.

Ao fim e ao cabo, é forçoso reconhecer que a troca de um presidente nunca é uma medida simples e, invariavelmente, deixa traumas e causa um enorme desgaste a todos. Este é um dos maiores problemas do presidencialismo.

Quando um governo perde a sustentação política ou mesmo descumpre a lei de tal forma que isso enseje a abertura de um processo de impeachment, como foi o caso, o que se tem é um processo demorado, tortuoso, que praticamente paralisa o país até o seu desfecho.

No parlamentarismo, sistema de governo que entendemos ser o ideal também para o Brasil, quanto mais aguda é a crise, mais radical é a solução – que se dá sem traumas institucionais e de forma muito mais célere.

Um ano depois do impeachment, o governo de transição pode apresentar à sociedade uma série de medidas que levaram o Brasil a um outro patamar, no rumo certo para superar a maior crise econômica de nossa história e o perverso legado deixado pelo lulopetismo, com mais de 14 milhões de desempregados.

Foram aprovadas a PEC do Teto dos Gastos Públicos, a MP do setor elétrico, o projeto que desobriga a Petrobras a participar de todos os consórcios de exploração do pré-sal, a Lei de Governança das Estatais, a liberação de saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a MP que reformula o Ensino Médio, apenas para citar algumas delas.

Para alcançar tamanho êxito, o governo de transição conta com a sustentação das forças políticas responsáveis pelo impeachment e que se mantêm praticamente na totalidade apoiando a agenda das reformas. Inclusive o PPS, mesmo que o partido tenha decidido se afastar do governo desde o momento em que entreguei o cargo de ministro da Cultura – quando do confuso e obscuro episódio envolvendo a delação dos irmãos Wesley e Joesley Batista à Procuradoria-Geral da República –, mas deixando clara a nossa posição favorável à transição e às reformas.

Durante este ano, em uma quadra tumultuada da vida nacional, outro dado que merece ser ressaltado é a inequívoca força das nossas instituições e o avanço do combate à corrupção e às malfeitorias reveladas pela Operação Lava Jato.

O Ministério Público Federal, a Polícia Federal, o Poder Judiciário e os órgãos de fiscalização e controle estão em pleno funcionamento e com total independência para realizar seu trabalho, com acompanhamento cada vez mais assíduo por parte da própria sociedade. Não tenho dúvidas de que sairemos melhores da crise.

Já faz um ano que Dilma, Lula e o PT se tornaram página virada da história e ficaram para trás, embora continuem ensaiando narrativas e discursos vazios como se tivessem condições de retornar ao poder quando bem entendessem.

Apesar das dificuldades, a inflação despencou e hoje é a menor em décadas, a economia dá sinais de recuperação e reformas importantes foram aprovadas ou estão em andamento no Congresso. A responsabilidade pela transição existe e continuará, e ela é a maior segurança de que completaremos a travessia até 2018 e construiremos um país melhor.

 


Eugênio Bucci : Da toga loquaz à política alienada

Publicada no domingo, no alto da primeira página deste jornal, uma pesquisa do Instituto Ipsos trouxe mais uma notícia ruim: uma acentuada erosão de credibilidade que atinge nomes de expressão da vida pública brasileira. Representantes dos poderes da República e políticos de renome (alguns deles possíveis candidatos nas eleições presidenciais do ano que vem) estão mal na fita. O que isso quer dizer?

Em boa medida, podemos refletir sobre este quadro pelo prisma da péssima qualidade da comunicação entre poder público e sociedade. Logo de cara, porém, é preciso alertar que, neste caso, a miséria comunicativa não é causa – quando muito, é sintoma. Mesmo assim, valerá a tentativa de abordar a questão por essa trilha.

Comecemos por alertar. Normalmente, o problema de poderes que se comunicam mal não é técnico. Quase sempre, o problema é político. Quando os representantes não compreendem os representados e não se fazem entender por eles, o que lhes falta não costuma ser meramente a competência profissional de marqueteiros: no mais das vezes, falta-lhes legitimidade. A comunicação não cura a falta de legitimidade, embora a miséria comunicativa possa ser um sintoma disso – como ocorre no caso presente, ao menos quando falamos dos Poderes Legislativo e Executivo.

A pesquisa Ipsos não traz surpresas atordoantes. No geral, corrobora outros levantamentos, mais ou menos assemelhados, seja quando aponta o declínio de aprovação de autoridades e ex-ocupantes de cargos públicos, seja quando mostra que a rejeição ganha corpo. As curvas demonstram que a sociedade brasileira acredita cada vez menos nos agentes do poder público. Se fizermos uma extrapolação das linhas para além das bordas das planilhas – mas ainda assim uma extrapolação segura, cautelosa –, intuiremos que o grau de aderência dos brasileiros às suas instituições, bem como a confiança que depositam nos canais de representação, declina. É como se o Estado errasse um tanto à deriva, entregue a demandas corporativistas ou patrimonialistas, cada vez mais distante da sociedade civil.

Voltemos, então, ao prisma da comunicação. O que temos é que uma esfera (o Estado e as forças que o orbitam) e outra (a sociedade civil) não se entendem direito. Entre uma e outra, exaurem-se os nexos lógicos e racionais, assim como os afetivos, os emotivos e os identitários. As autoridades (ou os órgãos pelos quais elas respondem) não sabem conversar com os brasileiros e as brasileiras comuns, que se esfalfam na planície para manter a vida em dia, e quase sempre fracassam.

Se quisermos um mote inicial para pensar a respeito (embora, de pensar, morram todos os burros da tropa), poderíamos tomar o ponto de partida de uma diferença essencial entre os poderes quando se trata da comunicação pública. Nos Poderes Executivo e Legislativo, que se resolvem na política, o agente perde credibilidade quando fala o que ninguém entende (que é quase a mesma coisa que não falar coisa nenhuma); no Poder Judiciário, que não pode se confundir com a política, o agente perde quando fala demais. Políticos vivem da voz pública; juízes se expressam pela voz nos autos. A política é ativa, só se cumpre quando tem a iniciativa de incidir sobre a realidade; a magistratura só reluz quando se sabe passiva (só age quando provocada).

Inverter as bolas, neste caso, é pôr tudo a perder. Não obstante, há inversões perturbadoras no horizonte próximo. Vivemos dias de togas loquazes e de políticos que falam javanês – ou não falam coisa com coisa. Temos aí um dos vértices mais delicados da instável estabilidade institucional brasileira.

É interessante observar como o juiz Sergio Moro perdeu aprovação na pesquisa Ipsos. Ele não a perdeu por ser juiz, mas porque sua figura é confundida com a de um protagonista político (um “salvador da Pátria”, um “perseguidor do PT”, um “candidato a presidente”, etc.). O desgaste da figura de Moro tem mais fundo político do que jurídico. E ele nem é dos mais tagarelas. Entre os mais falastrões, apita a sirene babélica de Gilmar Mendes, cuja prosódia dispensa reflexões. Ele tem 3% de aprovação e 67% de rejeição. Não custa insistir no ponto: silentes diante dos microfones e atuantes em decisões, os juízes brasileiros prestariam grandes serviços e ajudariam a manter a confiança dos cidadãos na Justiça, confiança sem a qual não há democracia que pare de pé.

De onde chegamos à política alienada. Podemos, aqui, entender o adjetivo “alienada” em pelo menos dois sentidos: o termo tanto qualifica uma política que se perde de si como qualifica a política que se subtrair por alguns, digamos assim, amigos do alheio. Alienada é a política que não cria mobilização e pertencimento, que negligencia suas funções representativas (a ponto de pretender encaixotá-las em “distritões” estanques), que abre mão de ser um exercício de direitos para se entregar a malabarismos performáticos de reality show da boca do lixo. Alienada, também, é a política que presta contas a financiadores ocultos, enquanto, com a outra face, engambela os eleitores.

Tome-se o exemplo de Aécio Neves: 3% de aprovação, 91% de rejeição. Ou Lula: 66% de rejeição e 32% de aprovação. O primeiro não tem mais ninguém (não tem nem os tucanos). O segundo conta com um terço do eleitorado que lhe devota uma adoração carismática, avessa a argumentos racionais. O carisma, posto assim, não é apenas apolítico: é antipolítico, alienado e alienante. Indica que Lula, se candidato, pode chegar a um segundo turno, assim como indica que daí ele não passa.

Por fim, uma nota irônica: a muralha da aprovação em torno de Lula é também sintoma do mesmo mal profundo; resulta não do debate de ideias, mas de uma cristalização despolitizada de um culto sem laços com verdades factuais verificáveis. É terrível que, mesmo quando encontramos aprovação na pesquisa do Ipsos, essa aprovação se deva menos ao excesso e mais ao déficit de comunicação crítica.

* Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP

 


Luiz Carlos Azedo: Caixeiro viajante

A China, hoje, é o maior parceiro comercial do Brasil e trava uma disputa pelo controle do comércio mundial com os Estados Unidos, o nosso principal aliado na política internacional

O presidente Michel Temer viajou à China, onde participa de uma visita de Estado ao presidente Xi Jinping e do encontro da cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), como um caixeiro-viajante, o popular “mascate”, levando nas malas um pacote de 57 projetos de privatizações para oferecer a chineses, russos, indianos e sul-africanos. No Brasil, o vocábulo está associado à imigração árabe, devido ao grande contingente de libaneses e sírios que migraram para nosso país do antigo Império Otomano. A origem do termo “mascate” vem do árabe El-Matrac, usado para designar os portugueses que, auxiliados pelos libaneses cristãos, tomaram a cidade de Mascate (Omã), em 1507. Na escala em Lisboa, Temer se reuniu com o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa.

Fazem parte do pacote 14 aeroportos, 15 terminais portuários, 11 linhas de transmissão de energia elétrica e 2 rodovias, que podem alavancar investimentos privados da ordem de R$ 44 bilhões. Além da Eletrobras e da Casa da Moeda, estão no programa de privatizações Congonhas e outros 13 aeroportos, a serem leiloados até setembro de 2018, no valor estimado de R$ 19,4 bilhões. Do valor total, R$ 6,4 bilhões serão pagos à vista. Congonhas será licitado separadamente e deve responder por R$ 5,6 bilhões, pagos no ato de compra. Os demais foram agrupados em três grupos: Nordeste (Recife, Maceió, João Pessoa, Aracaju, Campina Grande e Juazeiro do Norte), Mato Grosso (Cuiabá, Alta Floresta, Sinop, Barra dos Garças e Rondonópolis) e Sudeste (Vitória e Macaé). Além disso, a Infraero venderá 49% de participação em Guarulhos (SP) Galeão (RJ), Brasília e Confins (MG). A estatal está quebrada, com um rombo no orçamento de R$ 3 bilhões.

Também estão no pacote as rodovias BR-153 (GO/TO) e BR-364 (RO/MT), os terminais de GLP de Miramar e de granéis líquidos do Porto de Belém; os terminais de granéis líquidos em Vila Conde, no Pará; os três terminais de grãos de Paranaguá (PR), os terminais de granéis líquidos de Vitória; a Codesa; a hidrelétrica de Jaguará, em Minas; 11 lotes de instalações de linhas de transmissão; a 3ª rodada sob regime de partilha de produção do pré-sal; a 15ª rodada de blocos para exploração e produção de petróleo; a 5ª rodada de licitações de campos terrestres maduros; a 4ª rodada de blocos sob regime de partilha de produção; a Casem, a Ceasa Minas, a PP da rede de Comunicações Integradas do Comaer; e a Lotex. A dúvida é a Cemig, que os políticos de Minas não querem privatizar. E a polêmica Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), leia-se também: de ferro, manganês, nióbio, níquel, ouro e petróleo.

Rota do Pacífico
Não custa nada reiterar que a modelagem dessas privatizações ainda é uma incógnita para os investidores e a sociedade brasileira, mas esse problema pode ser bem resolvido tecnicamente se houver disposição política. A grande questão subjacente à viagem de Temer é geopolítica. A China, hoje, é o maior parceiro comercial do Brasil e trava uma disputa pelo controle do comércio mundial com os Estados Unidos, o nosso principal aliado na política internacional. Nossa infraestrutura foi toda montada para o comércio no Atlântico, mas o eixo do comércio mundial se deslocou para o Pacífico, o que contribuiu para tornar nossa infraestrutura ainda mais obsoleta, sob forte impacto da necessidade de novos corredores de exportação para o agronegócio, principalmente no Centro-Oeste e no Norte do país.

No século passado, a disputa entre uma potência continental, a Alemanha, e uma potência marítima, a Inglaterra, pelo controle do comércio no Atlântico resultou em duas guerras mundiais. Agora, a disputa se instalou no Pacífico, novamente entre uma potência marítima (os EUA) e uma continental (a China), numa escala ainda maior, porém, num ambiente de cooperação mundial e regras de jogo definidas, embora existam elementos de instabilidade na península da Coreia, cuja divisão em dois países é uma herança da guerra fria.

É ingenuidade acreditar que a entrada maciça de capitais chineses no programa de privatizações de Temer seja uma miragem. Existe a possibilidade real de que isso aconteça. A vocação natural da economia brasileira na nova divisão internacional do trabalho é a de grande produtor de commodities, de alimentos e minérios. Nosso problema é a situação da indústria, que sofre as consequências de uma política equivocada de adensamento da cadeia produtiva nacional, quando a estratégia deveria ter sido a sua transnacionalização. Nada disso, porém, está sendo discutido mais profundamente. O programa de privatizações está sendo lançado sob a lógica de vender ativos para cobrir o deficit fiscal, sem reinventar o Estado brasileiro nem a nossa economia.

Calma aí
O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), devolveu a delação premiada do doleiro Lúcio Funaro para a Procuradoria-Geral da República (PGR) por causa de uma cláusula do acordo que blindava o operador de ações de improbidade. Seguiu a jurisprudência da Corte, que decidiu recentemente que acordos firmados pelo MPF só podem ter efeito na esfera penal, não nas esferas cível e administrativa. A segunda denúncia do procurador Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer, que seria baseada na delação de Funaro, subiu no telhado.

 


Cristovam Buarque: Aliança para salvar Brasília

Muitas vezes, a política promove alianças eleitoreiras e em outras, patrióticas. Não é fácil reunir em um mesmo projeto políticos com divergências anteriores. Quando isso ocorre, em geral, estão sacrificando princípios, programas e ideias em função de interesses puramente eleitorais.

Em ocasiões distintas, políticos adversários deixam de lado as divergências para se unirem em defesa de interesses maiores do país ou da cidade. São alianças para salvar a comunidade da crise que atravessa.

O Brasil viu isso quando Prestes, depois de anos preso e sabendo que sua esposa fora enviada para a morte na Alemanha, se uniu a Getúlio Vargas para trazer de volta a democracia; ou quando Mandela se uniu a De Klerk para acabar com o apartheid na África do Sul. São alianças salvadoras. Brasília está precisando de uma dessas.

Governos anteriores do Distrito Federal deixaram uma imagem negativa na política e um desastre fiscal nas finanças. O último governo, além de péssima imagem moral, deixou as contas públicas absolutamente falidas, diante dos compromissos assumidos, irresponsavelmente, para obter votos e se reeleger.

O Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha é o símbolo perfeito desse desastre. Uma obra sem sintonia com as necessidades da população, foco de corrupção de dirigentes, tanto nas prioridades, quanto no comportamento. Gastos de quase R$ 2 bilhões no estádio, no lugar de escolas, saneamento e saúde. Apropriou-se de parte disso sob a forma de propina, segundo a Polícia Federal.

Lamentavelmente, o estádio é uma entre dezenas de outras medidas imorais que destruíram o bom funcionamento da nossa cidade e a credibilidade de nossos políticos. O governador atual assumiu uma cidade com compromissos que não tem como cumprir, sejam aqueles determinados por seu antecessor, sejam alguns que ele prometeu na campanha eleitoral de 2014.

O resultado é que seu governo se arrasta há dois anos e meio no pântano das dificuldades fiscais — todos recursos são para pagar salários e outros poucos custeios. Apesar de receber mais de R$ 13 bilhões do Fundo Constitucional, que o resto do Brasil, inclusive estados pobres, nos transferem anualmente, agora não temos como pagar os salários de nossos servidores em dia.

Quando o governador assumiu, em 2015, deveria ter chamado todas as lideranças políticas, inclusive, os seus opositores, para tentar encontrar um caminho, com apoio de todos, e enfrentar as dificuldades. No lugar disso, preferiu se isolar com um pequeno grupo de auxiliares, que se consideram em condições de resolver todos os problemas. Fracassaram.

Brasília precisa superar sua dupla tragédia: fiscal e moral. Equilibrar suas contas, usar seus recursos para servir à cidade e ao seu povo e recuperar a credibilidade de seus dirigentes. Isso não será tarefa de nenhum líder carismático, de nenhum partido. Exige uma aliança de todos que tenham sentido de responsabilidade e respeito aos interesses públicos.

A aliança para salvar Brasília não deve abrir mão de convicções e não pode ter preconceitos: deve unir todos os políticos, independentemente de suas posições no passado, desde que respeitem princípios como:

— Não estarem sob suspeitas de corrupção;

— Terem responsabilidade no uso dos recursos públicos, não apenas pela ética no comportamento, mas também na responsabilidade do respeito pelas contas do erário;

— Entender que a gestão pública eficiente é um dos maiores compromissos necessários para servir bem à população;

— Não aparelhar e usar a máquina governamental para beneficiar seus partidos;

— Respeitar o mérito dos escolhidos para cargos e comprometer-se com a austeridade que elimine as chamadas mordomias e vantagens pessoais;

— Em nenhum momento cair na demagogia de prometer mais do que poderá fazer. Não se submeter às reivindicações de grupos corporativos, seja de empresários, seja de igrejas, seja de sindicatos de servidores;

— Definir um programa claro para corrigir os graves problemas na saúde, no emprego, na educação, na mobilidade, na segurança, no crescimento da economia e, obviamente, no equilíbrio fiscal.

Em termos políticos, os últimos que governaram Brasília contribuíram para que a população tivesse uma visão negativa do Distrito Federal. É preciso que nossas lideranças tenham grandeza e se unam pela cidade em uma aliança patriótica.