política
Luiz Carlos Azedo: A contradição principal
O Palácio do Planalto teme mesmo é uma eventual delação premiada do ex-ministro Geddel, que voltou a ser preso por causa do dinheiro que escondia
A nó da política brasileira é a contradição principal do governo Temer, que opõe uma equipe econômica capaz de tirar o país da recessão e apontar um horizonte de retomada gradual do crescimento, com inflação controlada e juros mais confortáveis, ao núcleo político no Palácio do Planalto, cada vez mais desmoralizado pelo envolvimento de seus principais integrantes na Operação Lava-Jato. Essa contradição se aprofundou ontem, com a segunda denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, desta vez pelos crimes de obstrução à Justiça e organização criminosa.
Dois ministros (Moreira Franco e Eliseu Padilha), dois ex-ministros (Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves), dois ex-deputados (Eduardo Cunha e Rodrigo Rocha Loures), um empresário (Joesley Batista) e um executivo (Ricardo Saud) foram denunciados, acusados de arrecadarem mais de R$ 587 milhões em propina. Esses recursos teriam sido desviados da Petrobras, Furnas, Caixa Econômica Federal, Ministério da Integração Nacional, Ministério da Agricultura, Secretaria de Aviação Civil e Câmara dos Deputados.
O empresário Joesley Batista, um dos donos do grupo J&F, e o executivo Ricardo Saud, ambos delatores da Operação Lava-Jato, estão entre os denunciados, mas somente pelo crime de obstrução de Justiça. Ontem, Janot pediu a transformação da prisão temporária de ambos em prisão preventiva e foi atendido pelo ministro do STF Edson Fachin. Mas essa não é a grande preocupação. O Palácio do Planalto teme mesmo é uma eventual delação premiada do ex-ministro Geddel, que voltou a ser preso por causa do dinheiro que escondia num apartamento de um amigo em Salvador. Mais de R$ 51 milhões em malas e caixas repletas de notas de R$ 50 e R$ 100.
Janot lançou a segunda flecha contra Temer em seus últimos dias no cargo de procurador-geral. Sustenta que “diversos elementos de prova” apontam que o presidente tinha o “papel central” na suposta organização criminosa. A denúncia acusa Temer, Henrique Alves e Eduardo Cunha de serem os responsáveis pela obtenção de espaços para o grupo político junto ao governo do PT, graças à influência que detinham sobre a bancada do PMDB da Câmara. “Ao denunciado Michel Temer imputa-se também o crime de embaraço às investigações relativas ao crime de organização criminosa, em concurso com Joesley Batista e Ricardo Saud, por ter o atual presidente da República instigado os empresários a pagarem vantagens indevidas”, afirma.
Segundo a PGR, o esquema utilizou transferências bancárias internacionais, na maioria das vezes com o mascaramento em três ou mais níveis, em movimentações sucessivas com o objetivo de distanciar a origem dos valores; e a aquisição de instituição financeira, com sede no exterior, para tentar controlar e ludibriar normas de ética, conduta e boa governança em empresas (práticas da chamada compliance) e dificultar o trabalho dos investigadores.
“Ao denunciado Michel Temer imputa-se também o crime de embaraço às investigações relativas ao crime de organização criminosa, em concurso com Joesley Batista e Ricardo Saud, por ter o atual presidente da República instigado os empresários a pagarem vantagens indevidas a Lúcio Funaro (apontado como operador financeiro de políticos do PMDB) e Eduardo Cunha, com a finalidade de impedir estes últimos de firmarem acordo de colaboração”, acusa Janot.
No mesmo barco
No começo de seu governo, quando surgiram as primeiras denúncias contra os ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha, o presidente Temer traçou uma espécie de círculo de giz para proteger a equipe: disse que as investigações não eram motivo para afastamento dos auxiliares, mas que não hesitaria em fazê-lo caso se tornassem réus. Acontece que o presidente da República também foi denunciado. E agora, se Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no STF, acolher a denúncia, o que deve acontecer? Temer tem a blindagem constitucional, e a Câmara pode também não acolher a segunda denúncia e sustar as investigações até o fim do seu mandato, como aconteceu na primeira. Mas não tem como impedir que seus ministros virem réus.
A contradição entre uma política econômica exitosa e esse processo contínuo de desmoralização do governo não deve se resolver antes das eleições de 2018. Por mais que o Palácio do Planalto suba o tom contra Janot, esse argumento cairá por terra a partir da próxima semana, uma vez que a nova procuradora-geral, Raquel Dodge, assumirá o cargo na segunda-feira. Depois da decisão tomada pelo STF, que não acolheu a suspeição arguida por Temer contra Janot, será muito difícil dar um cavalo de pau nas investigações. Ou seja, a crise ética evoluirá para mais uma discussão na Câmara sobre a aceitação ou não da denúncia.
José Roberto de Toledo: Eleitor não é idiota
Você não poderá saber quem está na frente e quem está atrás nas pesquisas
“É um bosta, é um merda.” Estádio de futebol? Longe disso. Após a “gourmetização” das arenas futebolísticas, é mais comum ouvir frases do tipo em palácios brasilienses. Os impropérios foram dirigidos ontem pelo vice-presidente da Câmara dos Deputados justamente ao responsável por zelar pelas boas relações do governo Temer com... os deputados. O ministro fez que não ouviu e deixou o deputado xingando sozinho, o que só aumentou sua ira.
Nada de muito anormal para uma turma que, a cada legislatura, bate recorde de processos, investigações, prisões e cassações. O único risco de chamar o atual Congresso brasileiro de o pior da história é ser desmentido pelo próximo Congresso. Risco alto.
Mas cusparadas e palavrões parlamentares são incômodo – se são – apenas para os próprios. Para quem não frequenta o Congresso, o problema não é o que eles dizem, mas o que eles fazem. Em especial, o que eles votam. Esta legislatura está caprichando.
Em uma sessão esvaziada, na terça-feira à noite, a comissão que urde a impropriamente chamada reforma política aprovou a proibição da divulgação de pesquisas eleitorais na semana anterior à eleição. Isso mesmo: você, eleitor, não poderá saber quem está na frente e quem está atrás, se seu candidato tem chances de chegar ao segundo turno ou não, nem se há uma onda de votos nulos e brancos se aproximando. Você não pode saber.
Não pode saber porque os deputados pressupõem que você é um idiota. Que você é incapaz de pensar por si próprio. Que você é um ser manipulável como um peão. Não se trata de julgarem os outros por si próprios, mas de projetarem nos adversários o que eles mesmos possam fazer. Sim, porque a proibição da divulgação de pesquisas não vai afetar as picaretagens nem os picaretas.
Em tempos de mídias sociais universais, abundarão mais pesquisas apócrifas, falsas e fictícias tanto menos pesquisas registradas, científicas e de institutos conhecidos puderem circular. A proibição pretendida pelos deputados não vai produzir um deserto informativo. Vai, sim, plantar um canavial de desinformação.
Acabar com a oferta de pesquisas cuja metodologia é verificável, que se sabe quem pagou por elas e qual foi o questionário aplicado não suprimirá a demanda do eleitor por informação. Vai criar um mercado paralelo de produtos sem fiscalização, com a mesma qualidade e confiabilidade de quem aprovar essa lei.
A cada eleição a decisão do voto é mais tardia. Proibir a divulgação de pesquisas a uma semana do pleito é proibir as pesquisas mais importantes e determinantes para o eleitor. Submeter a medição das preferências do eleitorado a uma espécie de Lei Seca justamente quando o eleitor mais precisa de informação terá os efeitos da proibição de bebidas alcoólicas nos EUA de um século atrás: reservará mercado para mafiosos.
“Ah, mas as pesquisas influenciam o resultado da eleição.” Claro que influenciam, assim como o noticiário sobre as campanhas e a propaganda eleitoral dos candidatos na TV influem no que sai das urnas. Por essa lógica, o jornalismo devia ser proibido. Foram notícias da investigação do FBI sobre os e-mails de Hillary Clinton que ajudaram a eleger Donald Trump nos EUA.
Felizmente, o Supremo vem derrubando todas as tentativas de censura das pesquisas eleitorais no Brasil. A última foi em 2006, como lembra nota da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) contra a mais recente tentativa do Congresso de cercear o direito à informação.
O eleitor não é idiota. Ele tem o direito de saber o que quiser – e fazer o que bem entender com essa informação. Inclusive eleger deputados que xingam e escarram uns nos outros.
Murillo de Aragão: O acaso sorri para Doria
Imaginem que um deputado federal que se manteve mudo em boa parte de seu único mandato na Câmara seja escolhido para ser ministro da Fazenda por conta das injunções políticas.
Depois, esse ministro se elege governador de seu estado, vira candidato a presidente da República, é derrotado, lidera um golpe de Estado e se transforma em ditador. Tudo em pouco mais de quatro anos.
Essa é a trajetória de Getúlio Vargas contada magistralmente por Lira Neto em sua trilogia.
Imaginem agora a trajetória do prefeito João Doria (PSDB).
De celebridade do mundo dos negócios termina candidato a prefeito de São Paulo por conta da insistência do seu governador, Geraldo Alckmin (PSDB). Eleito prefeito, faz valer três características importantes hoje: uma imensa capacidade de trabalho, o uso intenso e eficiente das redes sociais e uma narrativa poderosa contra o ex-presidente Lula.
O sucesso dessas características o alavanca para uma situação de pré-candidato presidencial e a criatura ameaça engolir o criador.
Não é a primeira vez que tal fenômeno acontece em política nem será a última.
Em 1994, o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), não era o preferido de seu partido para disputar a Presidência, nem era o preferido do presidente da República, Itamar Franco (PMDB).
O senador Mário Covas (PSDB) queria ser candidato novamente, mas Itamar Franco pensava em seu ex-ministro Antônio Britto (PMDB). O Plano Real impôs FHC como candidato.
O acaso e as circunstâncias colocaram Fernando Henrique no lugar certo e na hora certa e com as virtudes certas para enfrentar o momento.
Até hoje a fortuna e as virtudes de Doria têm trabalhando a seu favor. Já mencionei suas virtudes. Falo agora da sua fortuna.
Geraldo Alckmin, seu patrono e competidor, é um candidato “analógico” que não empolga nem tem uma trajetória de sucesso inquestionável. Como governador do maior estado do país, centro financeiro, industrial e cultural do Brasil, teria a possibilidade de fazer um governo espetacular. Não o faz. Ponto para Doria.
No episódio da denúncia encaminhada ao Supremo pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, o PSDB – como sempre – ficou dividido, nervoso e fragilizado. Aliás, o PSDB foi uma das vítimas da denúncia. Enquanto os caciques do partido se debatiam, Doria passou ao largo do problema a ponto de manter abertos seus canais de comunicação com Temer e o governo. Doria sabe que o apoio do governo federal, em uma eleição curta e sem recursos privados como será a de 2018, será decisivo na campanha. Mais um ponto para Doria.
Além disso, Doria não sofre significativa rejeição pela população, não é considerado um “político velho” e, melhor dos mundos, nada tem a ver com a Operação Lava-Jato. Pontos para Doria.
Mesmo tendo convivido de perto com a política e os políticos, nunca se envolveu em nada que possa comprometer sua imagem. Mais um ponto.
Ainda que estejamos longe das próximas eleições, o acaso – até agora – tem trabalhado a favor de Doria, que pode sair candidato pelo PSDB ou por uma coligação de partidos. No momento, temos partidos demais e candidatos fortes de menos.
Por suas virtudes e pelas circunstâncias, Doria poderá ser um candidato muito forte no ano que vem. Em especial, se o acaso continuar sorrindo para ele e sua narrativa prosseguir eficiente.
* Murillo de Aragão é cientista político
José Serra: Sistema melhor e mais barato
O voto distrital misto pode representar a grande saída para o impasse brasileiro
Há muito insisto na tese de que o sistema eleitoral vigente é uma usina de impasses. Na sua fornalha, queimam-se montanhas de dinheiro público. Indomável e desagregador, o sistema ganhou impulso centrífugo adicional com a rejeição da cláusula de barreira pela Justiça. A fragmentação na Câmara avançou. Hoje temos 35 partidos registrados e devemos chegar a 50 no ano que vem. Um despropósito.
Ainda que a dispersão fosse menor, a competição entre correligionários em imensos distritos – que são os Estados – corrói a unidade dos partidos e os enfraquece em seu papel essencial: agregar as correntes de opinião, organizando-as, hierarquizando-as e estabelecendo processos de negociação e solução de conflitos, tudo com o objetivo de atender, na forma de programas de governo, as demandas majoritárias da sociedade.
Num sistema mais funcional, as legendas efetivas são em número suficiente para acomodar as minorias relevantes, mas não tão grande que impeça a maioria de tocar programas de governo. Um bom sistema deve se equilibrar entre dois objetivos contraditórios: ampla representatividade e governabilidade.
Nosso sistema eleitoral não faz nada disso. A sua tendência tem sido a de incentivar a dispersão, a pretexto de ampliar a representatividade. Só se submete a alguma lógica coletiva se for cevado continuamente com nacos da renda e do patrimônio estatais. Nem se tivesse sido feito por encomenda, serviria tanto para reforçar nosso histórico vezo patrimonialista e corporativista.
Vivemos uma longa fase de retração e estagnação na economia, decorrente de nossa incapacidade de melhorar a qualidade do gasto público e segurar sua expansão, bem como de superar nossa histórica má distribuição de renda, riqueza e oportunidades. Não sou determinista, mas é preciso reconhecer que o colapso fiscal do Estado e seus revezes éticos, embora não inevitáveis, foram decorrência estrutural de nossas instituições políticas. É preciso reformá-las.
O problema é que o mosaico partidário engendrado pelo próprio sistema se mostra incapaz de operar essa transformação no rumo exigido pela sociedade. Mais um indicador de que tal sistema mal representa e pouco decide.
Uma das tentativas de solução é o chamado distritão. Porém, ao eleger os mais votados sem observar a proporcionalidade, o distritão poderia contribuir para a extinção do último traço de racionalidade do atual modelo, que, com todos os seus defeitos, ainda é capaz de contemplar os partidos com representação correspondente ao seu eleitorado. No distritão, haveria o risco de os Estados se transformarem numa arena hobbesiana, despartidarizada. Seria a luta de todos contra todos. Uma caça ao voto, um tumulto de vontades sem ideias.
É difundida a ideia de que, no distritão, a maioria dos deputados se reelegeria. Mas isso é duvidoso: não se pode tomar as votações obtidas no sistema atual como parâmetro do que ocorrerá no novo sistema. As mudanças de regras serão profundas e as estratégias dos partidos, dos candidatos e dos eleitores também mudarão. Os melhores jogadores numa quadra de vôlei não serão necessariamente vitoriosos no jogo de basquete. Além disso, é preciso considerar que o distritão poderá contribuir para enfraquecer ainda mais os fiapos de unidade programática que restaram nos partidos. Uma Câmara saída do distritão poderia contribuir para o colapso definitivo da governabilidade. Poucos eleitos se cingirão a compromissos partidários.
Felizmente, temos uma opção factível e muito superior ao estado de coisas atual: o voto distrital misto, que pode representar a grande saída para o impasse. Trata-se de um sistema eleitoral bom e muitíssimo mais barato, que racionaliza a disputa, ao pôr em confronto apenas um candidato de cada partido na mesma circunscrição. Cada eleitor escolherá duas vezes: um candidato do seu distrito e uma legenda partidária. O programa do partido passará a ser o grande tema da campanha, que deixará de ser personalizada em milhares de candidatos. Livre da algazarra dessa multidão de pleiteantes, os eleitores, postos a decidir entre poucos, terão mais chance de avaliar as propostas partidárias. Previamente à disputa, as agremiações serão obrigadas a se mobilizar e a escolher seus candidatos em processos que convergirão para prévias ou outros mecanismos que, no longo prazo, vão legitimar e enraizar os diferentes partidos.
No distrital misto, o caciquismo é enfraquecido, na medida em que, nos distritos, candidatos forçados pela cúpula têm chances muito menores de darem certo. O eleitor pode, inclusive, se dar ao luxo de não votar em um candidato imposto pelo partido no distrito, mas continuar dando seu voto ao partido de sua preferência na segunda cédula.
Diferentemente do que se imagina, no distrital misto a regra é o respeito à proporcionalidade. No fundo, as eleições nos distritos, que correspondem à metade das cadeiras, já são uma lista aberta. E a proximidade entre eleitos e eleitores aumentará muito a responsabilidade dos deputados, que estarão no foco de uma população geograficamente concentrada e, por isso, muito mais apta a cobrar desempenhos e resultados.
Uma outra dimensão essencial é a econômica. A população quer “moralizar” as eleições? Um grande passo é reduzir custos de campanha. A proximidade e a redução do número de candidatos permitirão a volta das campanhas feitas na sola do sapato, olho no olho. A despesa máxima por deputado eleito será várias vezes menor do que no sistema atual.
Finalmente, com os recursos da tecnologia da informação hoje disponíveis, a divisão dos distritos deixa de ser um desafio técnico. É perfeitamente possível desenhar, rapidamente, distritos livres da ingerência dos partidos, eliminando o risco do chamado gerrymandering. Essa atribuição será do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O eleitor quer isto: um sistema eficiente, bom e barato. Façamos a sua vontade.
*José Serra é senador (PSDB-SP)
O impeachment de Dilma Rousseff: crônicas de uma queda anunciada
Obra do jornalista Luiz Carlos Azedo mostra a queda da presidente Dilma Rousseff de forma analítica, refinada e concebida no calor das horas
A Verbena Editora e a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) estão lançado o livro "O impeachment de Dilma Rousseff - Crônicas de uma queda anunciada", de autoria do jornalista Luiz Carlos Azedo, colunista político dos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas. Com longa experiência na cobertura da política nacional na capital federal, o autor, a partir das colunas publicadas nos dois jornais de amplitude nacional, faz uma análise refinada de um dos períodos mais conturbados da história democrática do nosso país. São textos que mostram o desmanche do governo petista, a reação palaciana, as implicações da Operação Lava-Jato no governo petista, os efeitos colaterais da saída de Dilma Rousseff e os novos cenários enfrentados pelo país com o governo Temer.
"A leitura das crônicas de Azedo não deixa dúvida de que o impeachment de Dilma Rousseff está longe da chamada 'narrativa do golpe' construída pelos apoiadores do governo deposto", afirma o professor e historiador Alberto Aggio. Segundo ele, a obra "mostra que o impeachment foi um processo político, como não poderia deixar de ser - e todos sabiam disso - , sustentado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que sancionou o rito jurídico a ser seguido, de acordo com a Constituição e a legislação correspondente a esse tipo de processo."
De acordo com Aggio, a obra que o leitor tem em mãos é uma análise refinada, concebida no calor da hora, que faz jus ao melhor do jornalismo público. "Reler o impeachment de Dilma Rousseff pelas letras de Azedo ajuda a repensar esse processo processo tão cheio de controvérsias, mas que está longe de ser algo injusto ou despropositado", diz o professor e historiador. "O país soube enfrentar aquela situação dramática e o fez democraticamente", completa Aggio.
No prefácio que escreveu para a obra de Azedo, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), destaca que ainda é cedo para saber se o impedimento da presidente Dilma ficará como um simples pé de página ou será um capítulo importante da história do Brasil. "Em qualquer dos casos, O impeachment de Dilma Rousseff - Crônicas de uma queda anunciada, livro do jornalista Luiz Carlos Azedo, será um importante marco de pesquisa no futuro, e uma excelente lembrança para quem acompanha as notícias do dia a dia brasileiro", destacou o senador.
"Ao longo dos últimos anos, como leitor do Correio Braziliense, eu já havia lido todos os artigos que o Azedo nos oferece nesta sua obra. Ao reler cada um deles, desde que os fatos aconteceram, na curta distância dos meses, senti como se o autor fosse um historiador em campo", avalia Cristovam Buarque. "Isto é possível porque ele é um profissional de imprensa com robusta, múltipla e variada bagagem de leitura. Por isto, reúne a sensibilidade de jornalista, do local e do agora, com o sentido do conjunto de conhecimentos relativos ao passado e ao presente e sua evolução, do rumo para o futuro", completa o senador.
A publicação deste livro "é um presente para quem deseja navegar pela complexa conjuntura brasileira, tornada simples e cristalina no texto de Luiz Carlos Azedo", avalia o jornalista Fernando Rodrigues, diretor do portal de notícias Poder360 (http://www.poder360.com.br). "A erudição política e o conhecimento nos escritos de Azedo ajudaram a compreender o tortuoso processo do impeachment da então presidente Dilma Roussef, em 2016", completa Rodrigues.
O senador José Antonio Reguffe (sem partido) destaca que a qualidade dos textos e o conteúdo histórico das colunas publicadas por Azedo, que resultaram nesta obra. "Quem lê suas colunas no Correio Braziliense vê análises profundas, embasadas, fora das análises rasas e superficiais que vemos muitas vezes hoje em dia. Além disso, se delicia com vários casos históricos testemunhados ou acompanhados de perto pelo autor". De acordo com o senador, "nesse livro, Azedo relata e deixa para as próximas gerações a sua análise sobre este importante período de nossa história".
A versão digital do livro "O impeachment de Dilma Rousseff - Crônicas de uma queda anunciada" pode ser baixada em http://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/produto/o-impeachment-de-dilma-rousseff/
Luiz Carlos Azedo: Movimento dos barcos
Quando a notícia chegou, lembrei-me da velha música de Jards Macalé e José Carlos Capinam, na voz de Maria Bethânia, um dos ícones da Tropicália. “Tô cansado/E você também/Vou sair sem abrir a porta/E não voltar nunca mais/Desculpe a paz que eu lhe roubei/E o futuro esperado que eu não dei/É impossível levar um barco sem temporais/E suportar a vida como um momento além do cais”. No contexto em que foi lançada, a letra do baiano Capinam tinha duplo sentido, assim como a melancólica melodia tecida no violão de Macalé.
No começo dos anos 1970, o regime militar estava em pleno processo de fascistização. Ninguém imaginava a política de distensão de Geisel e a acachapante vitória da oposição nas eleições de 1974, que desencadeou nova onda de repressão contra os que conseguiram permanecer no país e organizaram a resistência pacífica e democrática de oposição. Naquela época, muitos foram forçados ao exílio, estavam presos, foram mortos ou haviam desaparecido. Hoje, o sentido pode ser outro, em meio à crise ética. Ainda bem que a recessão acabou.
A letra fala em partida e derrota, em decepção e separação: “Não quero ficar dando adeus/Às coisas passando, eu quero/É passar com elas, eu quero”. E deixa um fio de esperança: “Não, não sou eu quem vai ficar no porto chorando, não/Lamentando o eterno movimento/Movimento dos barcos, movimento”. Lembrei-me do Porto de Santos, cuja barra já cruzei no velho Normandie, do meu amigo Jadir Serra, saindo do canal do Guarujá rumo à Ilha Grande, no litoral fluminense.
Perdão pela licença poética, a notícia do dia me fez viajar no tempo. Vamos a ela: a abertura de inquérito para investigar o presidente da República, Michel Temer, por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro na edição de um decreto no setor de portos, por decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, vai exumar velhas histórias policiais do Porto de Santos, da época em que gente graúda embarreirava uma investigação.
Segundo Barroso, existe razoabilidade no pedido da Procuradoria-Geral da República para a instauração de inquérito. Supostamente, “os elementos colhidos revelam que Rodrigo Rocha Loures, homem sabidamente da confiança do presidente da República, menciona pessoas que poderiam ser intermediárias de repasses ilícitos para o próprio presidente da República, em troca da edição de ato normativo de específico interesse de determinada empresa, no caso, a Rodrimar”. Esse pedido do procurador-geral Rodrigo Janot não fazia parte das suas flechadas de fim de mandato, foi encaminhado em junho para o Supremo Tribunal Federal (STF) e redistribuído. O assunto não integra o escopo de investigações da Operação Lava-Jato, cujo relator é o ministro Edson Fachin. Por sorteio, foi parar logo nas mãos de Barroso, um ministro defensor da Lava-Jato.
“A ninguém deve ser indiferente o ônus pessoal e político de uma autoridade pública, notadamente o presidente da República, figurar como investigado em procedimento dessa natureza”, disse Barroso. “Mas esse é o preço imposto pelo princípio republicano, um dos fundamentos da Constituição brasileira, ao estabelecer a igualdade de todos perante a lei e exigir transparência na atuação dos agentes públicos”, completou o ministro.
A investigação vai apurar se o decreto que prorrogou as concessões dos portos por 30 anos foi editado com o objetivo de beneficiar a empresa Rodrimar, que atua no Porto de Santos. O Palácio do Planalto foi pego de surpresa. Temer esperava a tão anunciada segunda denúncia de Janot, que seria baseada na delação premiada de Lúcio Funaro. Aparentemente, o procurador-geral aguarda a sessão plenária do Supremo desta quarta-feira, que julgará os recursos de Temer que pedem a paralisação de toda e qualquer ação de Janot enquanto não se esclarecer o caso das relações do empresário Joesley Batista com o ex-procurador Marcelo Miller.
Bateu, levou!
Ontem, o Palácio do Planalto adotou o estilo bateu, levou! Em nota, afirmou que “mais de 60 empresas tiveram seus processos de licitação prorrogados com as condições de investimento e modernização dos terminais e portos brasileiros”. E que o presidente Michel Temer “não teve interferência no debate e acatou as deliberações e aconselhamentos técnicos, sem que houvesse qualquer tipo de pressão política que turvasse todo esse processo.” Pela manhã, já havia sido divulgada uma nota duríssima: “O Estado democrático de direito existe para preservar a integridade do cidadão, para coibir a barbárie da punição sem provas e para evitar toda forma de injustiça. Nas últimas semanas, o Brasil vem assistindo exatamente ao contrário”.
A denúncia é contra Janot: “Garantias individuais estão sendo violentadas, diuturnamente, sem que haja a mínima reação. Chega-se ao ponto de tentar condenar pessoas sem sequer ouvi-las. Portanto, sem se concluir investigação, sem se apurar a verdade, sem verificar a existência de provas reais. E, quando há testemunhos, ignora-se toda a coerência de fatos e das histórias narradas por criminosos renitentes e persistentes. Facínoras roubam do país a verdade. Bandidos constroem versões “por ouvir dizer” a lhes assegurar a impunidade ou alcançar um perdão, mesmo que parcial, por seus inúmeros crimes. Reputações são destroçadas em conversas embebidas em ações clandestinas”.
Luiz Carlos Azedo: Delações perigosas
Às vésperas de encerrar seu mandato, Janot está na berlinda e acusa Miller de auxiliar o grupo J&F — controlador do frigorífico JBS — enquanto ainda atuava no Ministério Público Federal (MPF)
No fim de julho de 2015, a advogada Beatriz Catta Preta, numa entrevista bombástica, anunciou que estava abandonando os casos dos clientes que defendia na Operação Lava-Jato porque se sentia ameaçada e intimidada por integrantes da CPI da Petrobras. Ela disse que, devido às supostas ameaças, fechara o escritório e decidira abandonar a carreira. Havia sido convocada para depor pela tropa de choque do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que hoje está sem mandato e preso.
A advogada atuou em nove das 18 delações premiadas que deram início à utilização desse recurso jurídico pela força-tarefa da Operação Lava-Jato, beneficiando os executivos Júlio Camargo e Augusto Mendonça (Toyo Setal); o ex-gerente de Serviços da Petrobras Pedro Barusco; e o ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa, a esposa dele, as duas filhas e dois genros. Quando jogou a toalha, era responsável pela defesa de Barusco, Camargo e Mendonça.
Catta Preta era uma rara especialista na matéria e transformou um instrumento novo, que até então era assunto dos meios acadêmicos, num tsunami jurídico. Até então, as grandes bancas de advocacia do país tinham o monopólio da defesa dos crimes de colarinho branco envolvendo grandes empresários e executivos. O script era conhecido: uma grande falcatrua virava escândalo na mídia; políticos instalavam comissões parlamentares de inquérito que acabavam em pizza, como a da Petrobras; e advogados famosos empurravam com a barriga o “devido processo legal” até que os crimes prescrevessem, tudo sob sigilo de Justiça, por envolver autoridades constituídas.
A advogada ganhou um bom dinheiro com os seus clientes, mas não tanto quanto se dizia nas bancas concorrentes. À época, Barusco espantou seus colegas da Petrobras ao devolver US$ 100 milhões de livre e espontânea vontade e revelar tudo o que sabia sobre a Sete Brasil, a empresa criada para fabricar sondas de petróleo. Surgia ali um “mercado” que, no primeiro momento, deixou as bancas de advocacia perplexas. Os clientes eram abandonados com estardalhaço quando decidiam fazer “delação premiada”. Advogados de Curitiba, da noite para o dia, passaram a rivalizar com seus colegas famosos de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. A delação premiada era o novo filão a ser explorado.
É nesse contexto que o caso de Marcelo Paranhos Miller deve ser examinado. Ele foi contratado por um dos maiores escritórios de advocacia do Brasil, o Trench Rossi Watanabve e Associados, fundado em 1959, que mantém mais de 250 advogados em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Porto Alegre, para atender, sobretudo, grandes empresas com negócios no exterior.
Jogo duplo
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, planejava um desfecho glorioso para o seu mandato à frente da instituição. Com as delações premiadas da Odebrecht e da JBS, havia colocado o Congresso de joelhos. Toda a elite política brasileira estava no canto da parede; por muito pouco, não havia conseguido afastar Michel Temer do cargo ao denunciá-lo com base na gravação de uma conversa do presidente da República com Joesley. Essa possibilidade ainda não estaria descartada por causa da delação premiada do doleiro Lúcio Funaro, sua flecha de prata. Eis que pousa na sua mesa a gravação da “conversa de bêbado” entre Joesley Batista e o executivo da J&F Ricardo Saud, com revelações espantosas sobre as negociações de sua delação premiada e do acordo de leniência do grupo que controla a JBS. Incrivelmente, a fita fora entregue pela defesa, o escritório Watanabe e Associados.
Agora, às vésperas de encerrar seu mandato, Janot está na berlinda e acusa Miller de auxiliar o grupo J&F, enquanto ainda atuava no Ministério Público Federal (MPF). Com base em documentos apresentados pelo escritório Trench, Rossi, Watanabe — que contratou Miller, em março, para trabalhar no acordo de leniência da J&F —, identificou trocas de e-mails entre o então procurador da República e uma advogada da banca de advocacia para “marcações de voos para reuniões, referências a orientações à empresa J&F e inícios de tratativas em benefício à mencionada empresa”. As operações de busca e apreensão determinadas por Fachin nas residências e escritórios dos envolvidos poderão corroborar ou não as suspeitas de que teria ajudado Joesley a “filtrar informações, escamotear fatos e provas e ajustar depoimentos e declarações em benefício de terceiros que poderiam estar inseridos no grupo criminoso”. Miller deixou o antigo chefe no sal.
Ricardo Noblat: Relapso, foi. Desonesto, Janot não é
Janot está pagando o preço por ter sido descuidado, relapso e até temerário quando se reuniu com um advogado de Joesley em um botequim de Brasília
De Rodrigo Janot, Procurador Geral da República em final de mandato, o mínimo que se diz nos gabinetes mais poderosos de Brasília é que foi feito de bobo pelos delatores do Grupo JBS, e traído por seu homem de confiança Marcelo Miller, até há pouco procurador da República ocupado com casos da Lava Jato.
O máximo, que Janot e Miller embolsaram algum dinheiro do Grupo JBS para apressar os ritos de sua delação premiada. Miller abandonou o emprego estável na Procuradoria para ajudar na defesa do grupo. Mas desde antes de fazê-lo, orientou a delação de Joesley Batista e discutiu futuros honorários.
Faz sentido, sim, dizer que Janot foi feito de bobo. E que sua pressa em denunciar Temer levou-o a aceitar as exigências descabidas de Joesley para delatar. Daí a sugerir que ele possa ter sido desonesto, não faz o menor sentido. Nada tem a ver com a biografia dele. Nem com seus atos recentes. É maldade pura. Ofensa.
Janot estaria refém de Miller se com ele tivesse extraído vantagens financeiras da delação de Joesley e dos executivos da JBS. Uma vez refém, não o investigaria como fez, não o acusaria de ter atuado como advogado de defesa de Joesley enquanto era procurador, e não pediria sua prisão temporária negada pelo ministro Edson Fachin.
O que Miller não teria a contar para rebater Janot e destruí-lo se o procurador-geral de fato fosse seu refém... Janot está pagando o preço por ter sido descuidado, relapso e até temerário quando se reuniu com um advogado de Joesley em um botequim de Brasília. Não por ter prevaricado. Quem disser o contrário que prove.
Sérgio Besserman Vianna: 2018?
Qual é a solução que estamos todos a ansiar? A volta de Dom Sebastião nas eleições de 2018
Dom Sebastião, rei de Portugal, foi sequestrado ou morto na batalha de Alcácer-Quibir em 1578, no norte da Africa. Séculos depois, ainda havia quem depositasse esperanças em sua volta para redimir Portugal.
Mensalão, Lava-Jato e a incontornável constatação de que o Brasil não é uma sociedade emergente rumo ao desenvolvimento, e sim um capitalismo de Estado, selvagem e de compadrio, com uma desigualdade intolerável e instituições porosas e permeadas pelo crime.
Tudo isso movido pelo patrimonialismo, personalismo e prevalência das lealdades de grupo sobre as leis que deveriam ser iguais para todos, como mestre DaMatta insistentemente explica nesta página de jornal que orgulhosamente compartilho periodicamente.
E qual é a solução que estamos todos a ansiar? A volta de Dom Sebastião nas eleições de 2018.
Para uns, ele é o Lula. Monarcas e líderes religiosos têm, afinal, o poder de se autoperdoar. Para outros, é o Bolsonaro, patética afirmação da carência das palmadas de um pai ignorante. Para outros, qualquer coisa entre esses extremos, mas ainda assim vestido com o manto sebastianista (de acordo com o figurino de mais agrado do cliente).
O diálogo e o debate verdadeiros estão interditos. De um lado, a narrativa de um golpe de Estado feito pelo Parlamento e confirmado como dentro das leis pela corte suprema assegura antolhos defensivos ao exército vermelho-corporativo, mas bloqueia qualquer reflexão mais elaborada.
De outro lado, a emergência do reequilíbrio das contas fiscais e a de sinalizar a inversão da trajetória insolvente da dívida pública parecem justificar a interdição do debate da triste realidade institucional do país. Dão a impressão de justificar também excluir da discussão o problema de prazo mais longo, mas ainda maior, de que já estamos com os dois pés no brejo da armadilha da renda média — e isso numa sociedade com desigualdade aviltante.
Só que, como todos sabemos, Dom Sebastião não virá. O que poderia vir seria subir um ou dois degraus na evolução da qualidade de nossa democracia. Mudar o modelo de governança. Sem isso, com Lava-Jato ou sem, em pouco tempo tudo será como antes, ainda que, felizmente, não no quartel de Abrantes.
Para isso de nada servem sebastianismos. O que poderia ajudar seria um debate político mais profundo e cujas principais ideias fossem bem compreendidas pela população. Que conjugação de forças poderia avançar um pouco nessa caminhada? Muito curiosamente, as forças cujas antenas estão sintonizadas com o século XXI, com uma sociedade aberta e global, sejam elas de centro, esquerda ou direita.
E quem se opõe vigorosamente são as forças da falsa esquerda, corporativista, anacrônica e territorialista, e as forças da elite pantanosa e com ojeriza à competição, que preferem tudo como sempre foi no Brasil.
A esperança não precisa vencer o medo. A história não é nós contra eles. A esperança precisa vencer o vazio de ideias.
* Sérgio Besserman Vianna é presidente do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Luiz Carlos Azedo: Aposta na reforma
Temer tenta andar duas casas na frente da oposição, aproveitando a oportunidade criada pela escandalosa gravação da conversa entre Joesley Batista e Ricardo Saud
O presidente Michel Temer reuniu ontem, para um almoço, uma espécie de estado-maior das reformas política e da Previdência: os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE); os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles: da secretaria de Governo, Antônio Imbassahy; da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco; da Justiça, Torquato Jardim; e da Integração Nacional, Hélder Barbalho; além do deputado Heráclito Fortes (PSB-PI), que virou uma espécie de ministro sem pasta, como articulador de bastidores no Congresso.
Temer tenta andar duas casas na frente da oposição, aproveitando a oportunidade criada pela escandalosa gravação da conversa entre Joesley Batista e Ricardo Saud, sobre a atuação do ex-procurador Marcelo Miller nas negociações da delação premiada da JBS. O caso pôs na berlinda o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que tem apenas uma semana no cargo para fazer a tão anunciada segunda denúncia contra Temer, baseada na delação premiada do doleiro Lúcio Funaro. Janot corre o risco, porém, de ver a primeira denúncia, já rejeitada pela Câmara, ser anulada pelo Supremo Tribunal Federal (ST¨F), o que significará uma espécie de saída pela porta dos fundos da Procuradoria-Geral.
Janot pediu a prisão dos três protagonistas de sua desgraça: Joesley, Ricardo e Marcelo. Não havia outra saída, uma vez que, se não o fizesse, alimentaria as especulações de que tinha conhecimento das tratativas entre Marcelo e Joesley. Não bastou desovar, nessas últimas semanas, as denúncias que mantinha na gaveta, contra o PP, o PMDB, o PT e o PSDB. No próximo dia 18, a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, assumirá o cargo e dará um freio de arrumação na instituição, num momento crucial para a Lava-Jato. A velha guarda da PGR, que comemora a saída de Janot, jamais imaginaria uma situação como a atual. A preocupação agora é com o retrocesso que a trapalhada pode provocar nas relações entre o MP e os poderes da República, inclusive com a perda de vantagens e regalias.
Ofensiva
Para reagrupar sua base política no Congresso, fragilizada desde a primeira denúncia, Temer aposta na votação da reforma política e na aprovação da reforma da Previdência. Como se sabe, não houve votos suficientes para afastar o presidente da República, mas a operação para rejeitar a renúncia na Câmara desarrumou a base do governo. O Palácio do Planalto prometeu mundos e fundos para os parlamentares que garantiram o mandato de Temer, mas não entregou os cargos e as verbas que havia prometido. Temia-se, inclusive, que a segunda denúncia pudesse fomentar retaliações dos parlamentares insatisfeitos. Até as velhas desconfianças em relação à lealdade de Maia, o presidente da Câmara, estavam brotando nos jardins do Palácio do Jaburu, a residência de Temer.
Agora, mudou a correlação de forças. Parlamentares da base acuados pela Lava-Jato ganharam mais coragem para atacar Janot, as investigações e defender a inocência de Temer. A narrativa de que a Lava-Jato e as delações premiadas são uma excrescência jurídica ganharam vida nova a partir da conversa de Joesley e Saud, motivando um pedido de instalação de CPI contra a JBS. Além disso, a sensível mudança no ambiente econômico, com indicadores positivos de que a recessão acabou e o país lentamente está retomando o crescimento, encoraja os governistas a passarem à ofensiva. Temer voltou da China com o discurso afiado e não é à toa que o ministro da Fazenda foi chamado para o almoço de ontem.
O raciocínio é aquele mesmo da campanha eleitoral de Bill Clinton contra George Bush, que havia vencido a Guerra do Golfo, em 1991, e resgatado a autoestima dos americanos perdida após a derrota no Vietnã. Era o favorito absoluto nas eleições de 1992, ao enfrentar o então desconhecido governador de Arkansas, Bill Clinton. O marqueteiro de Clinton, James Carville, apostou que Bush não era invencível com o país em recessão e cunhou a frase que virou case de marketing eleitoral: “É a economia, estúpido!”. Mas esse tipo de análise não se aplica a uma economia que saiu da recessão, mas não recuperou ainda a capacidade de investimento e de geração de emprego necessárias para reverter a impopularidade do presidente da República, que é igual à de Dilma Rousseff à época da aprovação do impeachment.
Para reverter a impopularidade de Temer e tornar possível o surgimento de uma candidatura competitiva do Palácio do Planalto, a economia precisa crescer a taxa maiores. Isso não é possível com o atual deficit público, cuja meta foi aumentada de R$ 129 bilhões para R$ 159 bilhões. Para isso, é preciso aprovar a reforma política, blindando os grandes partidos e seus caciques com vantagens estratégicas que impeçam um desastre eleitoral, e a reforma da Previdência, que, tanto vai reduzir o deficit sem cortes ainda mais drásticos no Orçamento da União, quanto sinalizar aos investidores que o rumo de modernização da economia traçado por Temer foi consolidado. O problema é que essa insegurança dos investidores decorre também do cenário que está sendo armado para as eleições de 2018 e não apenas dos tropeços do governo Temer até aqui.
José Eduardo Faria: Corrupção sistêmica e Direito Penal
Quando o Brasil estará numa situação como a dos EUA, onde prevalece o rigor do FCPA?
No julgamento do mensalão, as discussões no STF giraram em torno da “teoria do domínio do fato”, doutrina criada por criminólogos alemães que dá margem às mais variadas interpretações – inclusive políticas. No julgamento das ações sobre corrupção sistêmica da Petrobrás e da Odebrecht, abertas com base numa operação que mudou os padrões de investigação criminal no País, destacam-se as acirradas discussões entre juízes de 1.º grau e de tribunais superiores sobre o alcance das leis penais mais recentes, que fundamentam as condenações de políticos e executivos acusados de atos ilícitos contra a administração pública nacional e estrangeira.
Uma dessas leis é a que trata das organizações criminosas (12.850). Sancionada em 2013, já propiciou um número expressivo de delações premiadas de dirigentes de corporações – só na Petrobrás foram mais de 60 e, na Odebrecht, 77. Outra é a Lei Anticorrupção (12.846/13), que referendou o compromisso do Brasil – um dos últimos signatários sem lei própria na matéria – com a Convenção Antissuborno da OCDE. Antes dela, uma empresa que fosse objeto de uma investigação podia alegar que o ato de corrupção foi iniciativa isolada de um funcionário, sendo trabalhoso comprovar a culpa de diretores e controladores. A lei introduziu a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, permitindo que uma empresa acusada de corromper agentes públicos e fraudar licitações seja punida por corrupção, independentemente da prova de dolo e conhecimento dos administradores envolvidos.
A fonte de inspiração da Lei Anticorrupção são leis americanas concebidas para garantir igualdade de condições entre competidores nos mercados nacionais, punindo empresas que obtêm vantagens subornando agentes de governos locais. Editado em 1977, o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) proíbe que operem nos EUA, independentemente de sua nacionalidade, empresas acusadas de subornar autoridades em outros países. Também tem jurisdição extraterritorial, à medida que pune empresas envolvidas em corrupção, independentemente de o ilícito ocorrer fora ou dentro do território americano. E estende as punições aos gestores e acionistas, independentemente do local de residência. Nos últimos seis anos, o Department of Justice (DoJ) e a Securities and Exchange Commission (SEC) processaram mais de 60 empresas por violação do FCPA. Em 2008, a Total pagou US$ 398 milhões para arquivar a acusação de ter subornado dirigentes iranianos. Acusada de ter um padrão de suborno sem precedentes, a Siemens pagou US$ 800 milhões.
A concentração do poder empresarial e a integração mundial dos mercados financeiros exigiram mudanças radicais num direito positivo elaborado com base em quatro pilares: soberania, poder, território e representação. Obrigados a se ajustar a cenários complexos, operadores jurídicos passaram a ter dificuldades para enfrentar conflitos inéditos por meio de normas concebidas para realidades mais simples. No campo do Direito Penal, considerado a manifestação jurídica por excelência da soberania dos Estados, essas dificuldades foram criadas pela expansão do narcotráfico, fraudes financeiras e terrorismo. Por envolverem sofisticadas redes de transgressão, esses delitos têm caráter transnacional, o que levou a articulação entre os recursos ilícitos captados por essas redes e os circuitos bancários a pôr em xeque o Direito Penal com jurisdição territorial. Como enfrentar o crime transnacional organizado com tipificações e procedimentos penais forjados para crimes interindividuais e de alcance nacional?
Desde então, cresceu a opção por novos critérios para determinar uma jurisdição penal transterritorial, sob influência do pragmatismo inerente à cultura jurídica anglo-saxã, em detrimento do formalismo da cultura romano-germânica. A OCDE tem estimulado a assinatura de convênios para fechar paraísos fiscais. Nos EUA, para adequar o FCPA a lidar com redes transnacionais de transgressão, o Sarbanes-Oxley Act, editado em 2002, após o escândalo da Enron Corporation, e o Dodd-Frank Act, editado em 2010 com o objetivo de proteger investidores contra falências bancárias, ampliaram o número de casos passíveis de punição. Quando a corrupção na Petrobrás foi denunciada, Dilma Rousseff tentou desqualificá-la. Mas, meses depois, a PwC Brasil, que auditava as contas da empresa, negou-se a aprová-las caso o presidente de uma subsidiária, acusado de irregularidades, não fosse afastado. Em seguida, o DoJ e a SEC abriram investigações para apurar denúncias de corrupção. Esse caso contrasta com o que afirmavam os juristas ingleses do século 18. “O que não está no território está fora do território”, diziam, ao justificar a circunscrição do Direito Penal às fronteiras de cada país. Como opera nos EUA, a Petrobrás está sujeita ao FCPA, podendo ser investigada pelo DoJ e pela SEC. A particularidade está no fato de que é controlada por um governo estrangeiro.
Neste cenário, são inevitáveis as tensões entre os planos locais e supraestatais de enfrentamento do crime transnacional. No plano nacional, é natural que investigações de corrupção sofram pressões políticas. Como as inovações introduzidas pela legislação anticorrupção são recentes no País, elas contêm falhas – a Lei 12.846/13, por exemplo, não define com clareza os limites dos órgãos com competência punitiva para firmar acordos de leniência. Isso permite que algumas decisões dos juízes da Lava Jato não só possam ser criticadas juridicamente, como também sirvam de pretexto para serem agredidos moralmente por políticos. Este clima estimula o Congresso a patrocinar projetos que cerceiam procuradores e magistrados. Nos países onde as mudanças no Direito Penal foram promovidas há mais tempo, como nos EUA, o cenário é outro. Nele, prevalece o rigor do FCPA, que blinda investigações de denúncias de corrupção contra pressões políticas, garantindo que executivos e acionistas – da matriz ou de coligadas – condenados por corrupção não fiquem impunes. Quando o Brasil estará numa situação como essa?
*É PROFESSOR TITULAR FACULDADE DE DIREITO DA USP E PROFESSOR DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
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FHC: Uma candidatura agregadora
O importante agora será constituir um polo democrático e popular que olhe para as eleições de 2018 com visão de futuro
Em sua fundação, em 1988, o PSDB se insurgira basicamente contra dois procedimentos: o compromisso de certas lideranças do PMDB com práticas de conduta reprováveis e a inconsistência, revelada durante a votação da Constituição, entre os objetivos proclamados pelo partido e o voto dado por muitos de seus membros. Mário Covas e eu então éramos líderes das bancadas do PMDB, respectivamente, na Constituinte e no Senado.
Na formação do PSDB, nossa base social não provinha dos sindicatos, como no caso dos partidos social-democratas europeus. As questões sociais que nos preocupavam não se restringiam aos trabalhadores fabris, abrangiam “o povo em geral”, inclusive o setor agrário e os novos profissionais urbanos, como os empregados de call centers, os programadores, etc. Não esquecíamos, tampouco, as classes médias, de onde provínhamos.
O PSDB nasceu com uma chave ideológica clara: o republicanismo (luta contra as iniquidades causadas por privilégios e abusos corporativos e clientelistas) e o primado do interesse coletivo sobre o particular. Isso, entretanto, não equivalia à defesa cega das leis do mercado nem à crença no intervencionismo estatal.
A defesa dos interesses gerais requer responsabilidade fiscal e critérios de eficiência e justiça social na tributação e no gasto público.
O partido nasceu, portanto, com posição ideológica nova, que aliava a técnica à política e, aos poucos, tornou as posições social-democratas mais contemporâneas à globalização.
O programa do PSDB recentemente difundido na TV mostrou a mutação maligna sofrida pelo sistema de alianças decorrente da Constituição de 1988. A eleição do presidente da República com pelo menos 50% mais um de votos quando seu partido não alcança mais do que 20% das cadeiras na Câmara, como ocorreu até hoje, obriga o presidente eleito a compor alianças para governar.
Esse sistema, dito “presidencialismo de coalizão”, com o passar do tempo, degenerou-se no “presidencialismo de cooptação”. Juntaram-se grandes empresas e partidos políticos para a sucção ilegal de recursos públicos, gerando um fluxo financeiro que beneficiava os partidos e parlamentares que sustentavam os governos. Isso se deu graças à persistência de uma cultura política oligárquica e clientelista e graças, também, ao fortalecimento de um capitalismo de laços entre partidos e empresas (públicas e privadas).
No modelo de coalizão, a maioria no Congresso se forma, em tese, com base no acordo entre os partidos sobre uma agenda do Executivo.
No presidencialismo de cooptação, o apoio passa predominantemente pela oferta de vantagens financeiras a partidos, empresas cartelizadas e indivíduos. Esse novo arranjo ganhou força com a ascensão do PT ao poder, movido por objetivos de ocupação hegemônica do Estado.
Foi no presidencialismo de cooptação que se centrou a crítica do citado programa do PSDB, dando ouvidos à voz das ruas no repudio à corrupção.
O Brasil clama por mudanças e o partido deve apoiá-las, dentre as quais: a cláusula de barreira para conter a fragmentação partidária e para impedir a criação de não partidos com acesso aos recursos públicos; a proibição de coligações nas eleições proporcionais; e o barateamento do custo das campanhas.
É preciso devolver aos programas “gratuitos” de TV o formato de debates propositivos, sem o apoio de “marquetagem” . Fundamental também é criar distritos eleitorais menores para as eleições às Câmaras já na eleição municipal de 2020.
A doação empresarial, se for aprovada, deve dirigir-se apenas a um partido em cada modalidade de eleição (federal ou estadual). Os recursos devem ser doados ao Tribunal Eleitoral, que abrirá contas em nome de cada partido, para as despesas de campanha. A doação voluntária de pessoas físicas deve ser estimulada, com fixação de teto. Sem tais alterações, a começar pelo barateamento das campanhas, mais recursos públicos para as eleições devem ser recusados bem como a criação de novos fundos eleitorais.
O PSDB apoiou o governo Temer pelo interesse nacional na governabilidade e porque ele se comprometeu com reformas que o partido deve assumir e liderar, lutando para garantir a conformidade entre elas e seu ideário. É inegável que houve avanços nas áreas econômicas e nas da educação, da habitação e da infraestrutura, assim como na política externa.
Não há apoios políticos incondicionais, nem por causa deles se deve deixar de criticar o que parecer errado. Se existirem divergências mais profundas e substantivas, que sejam explicitadas antes de um eventual “desembarque”.
O importante agora será constituir um polo democrático e popular que olhe para as eleições de 2018 com visão de futuro. A globalização, da qual devemos participar com mais intensidade do que até agora, baseia-se em uma tecnologia que requer inovação constante e formação técnico-científica, tanto de executivos como dos empregados e trabalhadores em geral.
O crescimento da economia dependerá da aplicação eficiente do conhecimento à produção e de sua melhor integração às cadeias internacionais de produção e valor.
É preciso gerar crescimento econômico sem comprometer o meio ambiente, já ameaçado em escala global. O olhar social requer compromissos morais inescapáveis: a bandeira da igualdade ganha enorme força diante da desigualdade gritante prevalecente e deverá implicar em mais e melhor educação, saúde e segurança.
A moralidade pública e privada é um requisito para que as pessoas possam voltar a crer nos que governam.
O país necessita uma candidatura agregadora para 2018, que assuma essas bandeiras. Chances de vitória existem se tivermos competência para retomar uma narrativa que, valorizando o muito que o PSDB fez na área social (Fundef, bolsa-escola, avanços na reforma agrária, estruturação do SUS, implementação das LOAS, etc.), abra os horizontes do futuro e defenda os valores morais.