POLÍTICA PÚBLICA
Política de preços é do governo, diz senador cotado para Petrobras
Flávia Said*, Metrópoles
O senador Jean Paul Prates (PT-RN), integrante do grupo técnico (GT) de Minas e Energia na equipe de transição, afirmou nesta quinta-feira (24/11) que a política de preços dos combustíveis é do governo federal, não da Petrobras. Prates é cotado para assumir o comando da empresa na terceira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Essa política de preços não é da Petrobras. Política de preços é do governo. Então, vamos começar a separar bem essas coisas. Petrobras vai fazer a política de preços dela, dos clientes dela, para o volume, para a qualidade de clientes, enfim, como qualquer empresa vende”, enfatizou o senador.
Prates deu a declaração ao chegar às instalações do Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), para reunião do subgrupo de petróleo, gás natural e biocombustíveis, do qual é relator.
“Quem vai dar a política de preços em geral, para o Brasil, se vai ter de alguma forma algum ‘colchão de amortecimento’, conta de estabilização, preço de referência etc., sem absolutamente falar em congelamento, nenhum ato forte desse sentido interventivo, é o governo brasileiro. Então, o governo é uma coisa, a Petrobras é outra”, prosseguiu.
Prates disse que, na sexta-feira (25/11), terá reunião virtual com o atual presidente da companhia, Caio Mário Paes de Andrade, e, no próximo dia 5, ele deverá ter um encontro presencial.
Interação com a Petrobras
Desde a campanha, Lula falava sobre sua intenção de alterar a política de preços da Petrobras, além de aumentar a quantidade de refinarias e a intervenção dentro da empresa.
O petista defende retirar o pagamento em dólar, para que o preço seja baseado no custo de produção, não nos valores internacionais.
“Pretendo mudar a política de preço da Petrobras. Ela tem que ser em função dos custos e gastos reais do povo brasileiro. Essa história de internacionalizar [o preço] é para agradar acionistas, em detrimento de milhões de brasileiros”, disse Lula em julho, na pré-campanha.
Atualmente, a Petrobras pratica o Preço de Paridade de Importação (PPI), em que são considerados os custos totais para importação. O valor é calculado com base no preço de aquisição do combustível, mais os custos de sua entrega, incluindo transporte e taxas portuárias.
*Texto publicado originalmente no portal Metrópoles
Revista online | Sobre saúvas e saúde
Mauricio Vianna*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)
No romance Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, de 1928, Mario de Andrade enuncia uma das frases mais conhecidas do livro: “Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são”.
Passado quase um século, as saúvas continuam a assolar os campos nacionais, agora controladas por pesticidas que envenenam nossa comida, rios e agricultores, assim como na administração pública.
Se no presente possuímos um poderoso arsenal de recursos terapêuticos, preventivos e gerenciais, além de um volume de conhecimento científico incomparavelmente maior que no início do século passado, ainda vale a máxima da pouca saúde e das muitas saúvas.
Na metáfora de Andrade, nossa saúva contemporânea são os negacionistas, propagandistas e prescritores de drogas e tecnologias milagrosas sem evidência científica e os arautos do regressivo movimento antivacina, que transbordaram do tecido social e inundaram a administração da saúde pública, nunca tão politizada quanto atualmente.
Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online
Há que se fazer a distinção entre políticas de saúde e política na saúde. Sobrou política na saúde ao lado da total ausência de política de saúde.
Vivemos, no último quadriênio, um “terraplanismo” no campo da saúde pública, mesmo após 500 anos da revolução científica e 250 anos de fabuloso acúmulo de conhecimento médico. Agora testemunhamos perplexos uma volta ao passado.
Se o setor aeroespacial segue observando as premissas científicas dos últimos 500 anos, o mesmo não ocorreu com a administração da saúde recentemente.
Os terraplanistas são hoje, no máximo, um grupo de excêntricos análogos aos ufólogos, sem, contudo, comandar o setor aeroespacial, pois, do contrário, nenhum avião decolaria, e nossos satélites de comunicação e meteorológicos já não estariam em órbita. Já na saúde, seus equivalentes produziram por ação/inação a morte evitável de centenas de milhares de brasileiros e seguem tragicamente atuando.
Veja, abaixo, galeria de imagens de profissionais atuando contra a covid-19:
Agora, diante da ameaça da nova variante da Ômicron BQ.1, que já causou sérios problemas nos EUA, Ásia e Europa, o comando da saúde no Brasil parece estar indiferente e “naturalizando” o incontável número de casos, cujo fator de replicação já se encontra superior a 1. Significa que cada infectado é capaz de contaminar mais de uma pessoa, o que torna esta nova onda uma ameaça real, pela possibilidade de dano individual decorrente da chance de covid longa e pelo impacto que irá causar sobre o já precário e desorganizado sistema de saúde nos próximos meses.
Existem estudos demonstrando que, em face do “escape vacinal” da subvariante BQ.1, cada nova reinfecção duplica o risco de morte e triplica o de hospitalização, principalmente, pela incidência de efeitos adversos que aumentam com as sucessivas infecções.
As autoridades de saúde assistem indiferentes à escalada da nova onda após desmontar o exitoso e internacionalmente reconhecido Programa Nacional de Imunização (PNI), protelar o pedido de vacinas bivalentes que conferem proteção contra a subvariante e desmobilizar o comitê de especialistas. As conquistas civilizatórias da nossa reforma sanitária foram sistematicamente atacadas em uma “operação de guerra” a ponto de estarmos sob a ameaça do retorno de doenças preveníveis por vacina há muito controladas e/ou erradicadas no país.
Hoje instituições como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Butantan, qualificadas para fabricação das vacinas de segunda geração, eficazes no combate a BQ.1, ainda não receberam o apoio necessário para início da produção, tampouco foram solicitadas as vacinas já previstas nos contratos de aquisição, como o da Pfizer.
Injustificavelmente, apenas bebês com comorbidades com idade a partir de 6 meses até crianças de 2 anos estão qualificadas para receber vacinas, e crianças de 3 a 4 anos estão descobertas, pois a CoronaVac não tem sido entregue. Os maiores de 60 anos, cuja proteção do último reforço já não é adequada, estão excluídos do radar das autoridades.
Imperturbáveis, nossas saúvas assistem à escalada dos casos da Ômicron BQ.1. Com o país registrando uma média móvel de 80 óbitos diários por covid e uma variação positiva de mais de 76%, em tendência de alta, e cerca de 20.907 casos diários, em média, com incremento de 132% em relação a duas semanas anteriores, as autoridades seguem sem implementar sequer campanhas de informação sobre a retomada do uso de máscaras, cuidados de higiene e prudência nas interações sociais.
Diante da falta de orientação e ações dos responsáveis pela saúde pública, o país mergulha em um cenário de profunda incerteza em relação às próximas semanas e meses, quando deveríamos estar com o programa de vacinação para o ano que vem já estabelecido.
Fomos dolorosamente atingidos pela pandemia nos últimos três anos e, sem que nossas feridas estejam cicatrizadas, enfrentaremos um “rebote” epidêmico para o qual não há justificativa para não estarmos preparados. Há muito o que se fazer no próximo ano sobre os escombros da destruição que as saúvas empreenderam em nosso sistema de saúde pública.
Os brasileiros hoje experimentam o sentimento que Fernando Pessoa descreveu no Livro do Desassossego: “Minha vida é como se me batessem com ela.”
Sobre autor
*Mauricio Vianna é médico formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em psiquiatria pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Também é formado em administração e finanças públicas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e em políticas públicas e governo pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) da Universidade Cândido Mendes (UCAM). Possui, ainda, MBA pelo Coppead, Instituto de Pós-Graduação em Administração da UFRJ e mestrado em História das Ciências e Epistemologia, pela mesma instituição de ensino.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de novembro de 2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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A guerra após nove meses, segundo Chomsky
Outras Palavras*
Noam Chomsky em entrevista a C.J. Polychroniou, no Other News | Tradução: Maurício Ayer
A guerra da Rússia na Ucrânia se prolongou por quase nove meses, e agora escala a níveis altamente letais. Putin tem como alvo a infraestrutura de energia da Ucrânia e pôs em pauta repetidamente o fantasma das armas nucleares. Os ucranianos, por outro lado, continuam acreditando que podem derrotar os russos no campo de batalha e até retomar a Crimeia. De fato, a guerra na Ucrânia não tem fim à vista. Como Noam Chomsky aponta nesta entrevista, a escalada do conflito colocou as alternativas diplomáticas ainda mais em segundo plano.
Chomsky é professor emérito do Departamento de Linguística e Filosofia do MIT e professor laureado de linguística e catedrático Agnese Nelms Haury no Programa de Meio Ambiente e Justiça Social da Universidade do Arizona. Um dos estudiosos mais citados do mundo e um intelectual público considerado por milhões de pessoas como um patrimônio nacional e internacional, Chomsky publicou mais de 150 livros em linguística, pensamento político e social, economia política, estudos de mídia, política externa dos EUA. Seus livros mais recentes são The Secrets of Words (com Andrea Moro; MIT Press, 2022); A retirada: Iraque, Líbia, Afeganistão e a fragilidade do poder dos EUA (com Vijay Prashad; The New Press, 2022); e The Precipice: Neoliberalism, the Pandemic and the Urgent Need for Social Change (com C.J. Polychroniou; Haymarket Books, 2021).
C.J. Polychroniou – Noam, a guerra na Ucrânia se aproxima da marca do nono mês e, em vez de um arrefecimento, caminha para uma “escalada sem controle”. Na verdade, está se tornando uma guerra sem fim, já que a Rússia tem alvejado a infraestrutura de energia da Ucrânia nas últimas semanas e intensificado seus ataques na região leste do país, enquanto os ucranianos continuam pedindo mais e mais armas do Ocidente, acreditando que têm a capacidade de derrotar a Rússia no campo de batalha. Como as coisas estão na conjuntura atual, a diplomacia pode acabar com a guerra? De fato, como é possível desescalar uma guerra quando o nível de intensidade é tão alto e os lados em confronto parecem incapazes de chegar a uma decisão sobre as questões sobre as quais eles têm conflito? Por exemplo, a Rússia nunca aceitará reverter as fronteiras para a posição que estavam antes de 24 de fevereiro, quando a invasão foi lançada.
Noam Chomsky – Tragédia anunciada. Vamos fazer uma breve retrospectiva do que discutimos ao longo de meses.
Antes da invasão de Putin, havia alternativas baseadas geralmente nos acordos de Minsk, que poderiam ter evitado o crime. Há um debate não resolvido sobre se a Ucrânia aceitou esses acordos. Pelo menos verbalmente, a Rússia parece ter feito isso até pouco antes da invasão. Os EUA os rejeitaram em favor da integração da Ucrânia ao comando militar da OTAN (ou seja, dos EUA), recusando-se também a levar em consideração quaisquer preocupações de segurança russas, conforme já foi admitido. Esses movimentos foram acelerados sob Biden. Poderia a diplomacia ter conseguido evitar a tragédia? Só havia uma maneira de descobrir: tentar. Essa possibilidade foi ignorada.
Putin rejeitou os esforços do presidente francês Macron, até quase o último minuto, de oferecer uma alternativa viável à agressão. Rejeitou-os no final com desprezo – um tiro no pé de si próprio e da Rússia, pois colocou a Europa no bolso de Washington, o que era seu maior sonho. Ao crime de agressão somava-se o crime de tolice, do seu ponto de vista.
As negociações Ucrânia-Rússia ocorreram sob os auspícios da Turquia em março-abril. Falharam. Os EUA e o Reino Unido se opuseram. Devido à falta de investigação, o que é parte do menosprezo geral da diplomacia nos círculos tradicionais, não sabemos até que ponto essa oposição foi um fator para o colapso das negociações.
Washington inicialmente esperava que a Rússia conquistasse a Ucrânia em poucos dias e estava preparando um governo no exílio. Analistas militares ficaram surpresos com a incompetência militar russa, a notável resistência ucraniana e o fato de a Rússia não ter seguido o esperado modelo de guerra dos EUA e Reino Unido (também o modelo seguido por Israel na indefesa Faixa de Gaza): atacar direto na jugular, usando armas convencionais para destruir comunicações, transporte, energia, o que quer que mantenha a sociedade funcionando.
Com a escalada do conflito, as opções de diplomacia diminuíram. No mínimo, os EUA poderiam retirar sua insistência em sustentar a guerra para enfraquecer a Rússia, barrando assim o caminho para a diplomacia.
Os EUA então tomaram uma decisão fatídica: continuar a guerra para enfraquecer severamente a Rússia, evitando assim as negociações e fazendo uma aposta medonha: que o destino de Putin seria fazer as malas e escapar da derrota para o esquecimento, se não pior, e que não usaria as armas convencionais que, como todos sabem, ele tinha com capacidade para destruir a Ucrânia.
Se os ucranianos querem arriscar a aposta, isso é problema deles. O papel dos EUA é problema nosso.
Agora Putin avançou para a escalada que fora prevista, “visando a infraestrutura de energia da Ucrânia nas últimas semanas e intensificando seus ataques na região leste do país”. A escalada de Putin igualando-se ao modelo celebrizado pelos EUA-Reino Unido-Israel foi condenada com razão por sua brutalidade – condenada justamente por aqueles que aceitam os “originais” com pouca ou nenhuma objeção, e cuja aposta medonha deu as bases para essa escalada, tal como foi amplamente advertido. Não haverá responsabilização, embora algumas lições possam ter sido aprendidas.
Enquanto os apelos liberais, mesmo muito moderados, para que se considerasse uma saída diplomática dando apoio total à Ucrânia foram imediatamente submetidos a uma torrente de difamação, e muitas vezes apagados com medo, as vozes do mainstream que clamam por diplomacia foram poupadas desse tratamento, incluindo vozes da principal revista do establishment, a Foreign Affairs. Pode ser que as preocupações a respeito de uma guerra destrutiva, com consequências potencialmente cada vez mais sinistras, estejam chegando aos “falcões” neocons que parecem estar conduzindo a política externa de Biden. É o que parecem indicar algumas de suas declarações recentes.
Muito possivelmente eles também estão ouvindo outras vozes. Enquanto as corporações de energia e militares dos EUA estão rindo à toa, olhando as contas no banco, a Europa está sendo duramente castigada pelo corte de suprimentos russos e pelas sanções iniciadas pelos EUA. Isso é particularmente verdadeiro para o complexo industrial alemão que é a base da economia europeia. Permanece uma questão em aberto se os líderes europeus estarão dispostos a monitorar o declínio econômico da Europa e o aumento da subordinação aos EUA, e se suas populações vão tolerar tais consequências da adesão às demandas dos EUA.
O golpe mais dramático para a economia europeia é a perda do gás russo barato, agora parcialmente substituído por suprimentos americanos muito mais caros (aumentando também a poluição em trânsito e na distribuição). Isso, porém, não é tudo. Os suprimentos russos de minerais desempenham um papel essencial na economia industrial da Europa, incluindo os esforços para mudar para energia renovável.
O futuro do abastecimento de gás para a Europa foi prejudicado severamente – talvez permanentemente – com a sabotagem dos gasodutos Nord Stream que ligam a Rússia e a Alemanha através do Mar Báltico. Este é um grande golpe para os dois países. Foi recebido com entusiasmo pelos Estados Unidos, que vinham tentando há anos barrar esse projeto. O secretário de Estado [Antony] Blinken descreveu a destruição dos oleodutos como “uma tremenda oportunidade para remover de uma vez por todas a dependência da energia russa e, assim, tirar das mãos de Vladimir Putin a belicização da energia como meio de avançar em seus desígnios imperiais.”
Os fortes esforços dos EUA para bloquear o Nord Stream precederam em muito a crise na Ucrânia e as atuais narrativas febris sobre os desígnios imperiais de longo prazo de Putin. Eles remontam aos dias em que Bush II olhava nos olhos de Putin e percebia que sua alma era boa.
O presidente Biden informou à Alemanha que se a Rússia invadisse a Ucrânia, “então não haverá mais Nord Stream 2. Vamos colocar um fim nisso”.
Essa sabotagem, um dos eventos mais importantes dos últimos meses, foi rapidamente despachada para a obscuridade. Alemanha, Dinamarca e Suécia conduziram investigações sobre a sabotagem em suas águas próximas, mas mantêm silêncio sobre os resultados. Há um país que certamente tinha capacidade e motivo para destruir os oleodutos. Isso não pode ser mencionado na sociedade polida. Então vamos deixar por isso mesmo.
Ainda há uma oportunidade para o tipo de esforço diplomático que as vozes do establishment estão pedindo? Não podemos ter certeza. Com a escalada do conflito, as opções diplomáticas diminuíram. No mínimo, como mencionado, os EUA poderiam retirar sua insistência em sustentar a guerra para enfraquecer a Rússia. Uma posição mais forte é a das citadas vozes do establishment: pedem que opções diplomáticas sejam exploradas antes que os horrores se tornem ainda piores, não apenas para a Ucrânia, mas muito além.
As autoridades ucranianas afirmam que têm uma estratégia para retomar a Crimeia porque foi anexada ilegalmente por Moscou em 2014. Anúncios semelhantes foram feitos antes mesmo da invasão da Ucrânia pela Rússia. Embora nenhum estrategista militar acredite que a Ucrânia esteja em posição de retomar a Crimeia, isso não seria mais uma evidência de que não há um fim à vista para a guerra Rússia-Ucrânia? Não é esta outra razão pela qual as armas ATACMS de longo alcance que a Ucrânia diz precisar não devem ser entregues a eles?
A administração Biden e o Pentágono tiveram o cuidado de limitar o fluxo maciço de armas àqueles tipos que provavelmente não conduziriam a uma guerra OTAN-Rússia, que seria efetivamente terminal para todos. Se esses assuntos delicados podem ser mantidos sob controle, ninguém pode ter certeza. Mais uma razão para tentar acabar com os horrores o mais rápido possível.
A China alertou a Rússia contra ameaças de usar armas nucleares na guerra contra a Ucrânia. Seria esse um sinal de que Pequim pode estar pensando em se distanciar das aventuras militares de Putin na Ucrânia? Em ambos os casos, indica que há limites para a amizade entre China e Rússia, não é?
Há poucas evidências, que eu saiba, de que a China esteja se distanciando da Rússia. Ao contrário, parece que suas relações estão se estreitando em oposição comum ao entrincheiramento de um mundo unipolar dirigido pelos Estados Unidos, sentimentos compartilhados na maior parte do mundo. A China certamente se opõe ao uso de armas nucleares, assim como qualquer um que ainda tenha um pingo de sanidade. E como quase todo o mundo, quer uma solução rápida para o conflito.
Deveria ser uma grande preocupação o fato de que a conversa sobre a guerra nuclear esteja sendo cogitada casualmente como uma possibilidade a ser considerada.
As conversas sobre armas nucleares têm ocorrido principalmente no Ocidente. A Rússia reiterou a posição universal dos Estados nucleares: que eles podem recorrer a armas nucleares em caso de ameaça à sobrevivência. Essa posição tornou-se mais perigosa quando Putin anexou partes da Ucrânia, estendendo a doutrina universal a um território mais amplo.
Não é bem verdade que a doutrina é universal. Os EUA têm uma posição muito mais extrema, enquadrada antes da invasão da Ucrânia, mas anunciada apenas recentemente: uma nova estratégia nuclear que a Associação de Controle de Armas descreveu como “uma expansão significativa da missão original dessas armas, ou seja, dissuadir ameaças existenciais contra os Estados Unidos.”
A expansão significativa é explicada pelo almirante Charles Richard, chefe do Comando Estratégico dos EUA (STRATCOM). Sob a recém-anunciada Revisão da Postura Nuclear, as armas nucleares fornecem o “espaço de manobra” necessário para os Estados Unidos “projetar estrategicamente o poder militar convencional”. A dissuasão nuclear é, portanto, uma cobertura para operações militares convencionais em todo o mundo, impedindo outros de interferir nas operações militares convencionais dos EUA. As armas nucleares, portanto, “impedem todos os países, o tempo todo” de interferir nas ações dos EUA, continuou o almirante Richard.
Stephen Young, representante sênior de Washington na Union of Concerned Scientists (União de Cientistas Preocupados), descreveu a nova Revisão da Postura Nuclear como “um documento aterrorizante [que] não apenas mantém o mundo em um caminho de risco nuclear crescente, mas aumenta esse risco”, já intoleravelmente alto, “de muitas maneiras”.
Uma avaliação justa
A imprensa mal noticiou a Revisão da Postura Nuclear, descrevendo-a como não sendo uma grande mudança. Por acaso eles estão certos, mas por razões que evidentemente eles desconhecem. Como o comandante do STRATCOM, Richard, sem dúvida, poderia informá-los, essa tem sido a política dos EUA desde 1995, quando foi elaborada em um documento do STRATCOM intitulado “Fundamentos da Dissuasão Pós-Guerra Fria”. Sob Clinton, as armas nucleares devem estar constantemente disponíveis porque “lançam uma sombra” sobre o uso convencional da força, impedindo outros de interferir. Como disse Daniel Ellsberg, as armas nucleares são usadas constantemente, assim como uma arma é usada em um assalto, mesmo que não seja disparada.
O documento do STRATCOM de 1995 pede ainda que os EUA projetem uma “persona nacional” de “irracionalidade e vingança”, com alguns elementos “fora de controle”. Isso vai assustar aqueles que podem ter pensar em interferir. É a “doutrina do louco”, que foi atribuída a Nixon com base em poucas evidências, mas que agora aparece em um documento oficial.
Tudo isso está dentro da estrutura da doutrina abrangente de Clinton de que os EUA devem estar prontos para recorrer à força multilateralmente se pudermos, unilateralmente se precisarmos, para garantir “acesso livre a mercados-chave, suprimentos de energia e recursos estratégicos”.
É verdade, então, que a nova doutrina não é muito nova, embora os americanos desconheçam os fatos – não por causa da censura. Os documentos são públicos há décadas e citados na literatura crítica, que é mantida à margem.
Deveria ser uma grande preocupação que a conversa sobre a guerra nuclear esteja sendo cogitada casualmente como uma possibilidade a ser considerada. Não é. Definitivamente não é.
*Texto publicado originalmente no site Outras Palavras
Nas entrelinhas: Lula distensiona relação entre Poderes
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Brasiliense
Antes mesmo de tomar posse, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao restabelecer o diálogo político como método para resolução de conflitos, numa maratona de reuniões, ontem, distensionou as relações entre os Poderes da República. Ele se reuniu com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, e com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes. Depois, deu entrevista à imprensa sem incidentes. Pôs um ponto final no choque entre os Poderes, principalmente entre o Executivo e o Supremo, ao defender a harmonia entre eles. O vice-presidente Geraldo Alckmin também participou dos encontros.
O caminho crítico era principalmente a relação com Lira, em razão de duas agendas: a PEC da Transição, que envolve a questão do orçamento secreto, e a eleição para o comando da Casa. Ficou acertado que a emenda constitucional será apresentada até 15 de novembro, com objetivo de permitir que os recursos do Bolsa Família, incluindo os R$ 150 a mais para cada filho, extrapolem o teto de gastos. Essa autorização servirá para destinar recursos aos programas da Educação e da Saúde.
A proposta em elaboração pela equipe de transição deve ser encaminhada não somente a Lira, mas também ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que será o responsável por dar inicio à tramitação da PEC. Na Câmara, o projeto será apensado a outra Proposta de Emenda Constitucional que já esteja em condições de votação.
Na entrevista coletiva, Lula disse que se candidatou “com o compromisso de que é possível resgatar a cidadania do povo brasileiro, de que é possível a gente recuperar a harmonia entre os poderes, de que é plenamente possível recuperar a normalidade da convivência entre as instituições brasileiras”. Sem citar o presidente Jair Bolsonaro (PL), o presidente eleito destacou: “Instituições que foram atacadas, que foram violentadas pela linguagem nem sempre recomendável de algumas autoridades ligadas ao governo”.
Lula disse, também, que não pretende interferir nas eleições do Congresso, em fevereiro, quando Lira, aliado de Bolsonaro, e Pacheco disputarão a reeleição, na Câmara e no Senado, respectivamente. “Não cabe ao presidente da República interferir em quem será o presidente do Senado ou da Câmara. Ou seja, quem vai decidir quem será o presidente das casas serão senadores e deputados. O papel do presidente da República não é gostar ou não de presidente, é conversar com quem dirija a instituição”.
O presidente eleito aproveitou para mandar um recado aos bolsonaristas que estão fechando rodovias e protestando à porta dos quarteis, porque não aceitam o resultado das eleições. “Essas pessoas que estão protestando, sinceramente, não têm por que protestar. Deviam dar graças a Deus pela diferença ter sido menor do que aquilo que nós merecíamos ter de votos. E eu acho que é preciso detectar quem é que está financiando esses protestos, que não têm pé nem cabeça. Ofensas a autoridades, ameaças de fechamento, agressão verbal”, disse.
Urnas eletrônicas
Ontem, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, encaminhou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o relatório das Forças Armadas sobre as urnas eletrônicas. Os militares realizaram uma auditoria do pleito, diante de questionamentos de Bolsonaro e de seus apoiadores sobre a lisura do processo eleitoral. Eles haviam sido convidados pelo então presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, para integrar a Comissão de Transparência das Eleições, criada em setembro de 2021. Além de integrantes das Forças Armadas e de representantes da Corte Eleitoral, participam do grupo especialistas em tecnologia da informação e membros da sociedade civil.
O Ministério da Defesa destacou que “o documento foi produzido por uma equipe composta por oficiais de carreira especialistas em gestão e operação de sistemas de tecnologia da informação; em engenharia de computação e de telecomunicações; em defesa cibernética; entre outras; e seguiu rigorosamente os parâmetros estabelecidos na Resolução nº 23.673, de 14 de dezembro de 2021, do TSE”. É um ponto final nas especulações sobre o envolvimento das Forças Armadas no questionamento dos resultados eleitorais.
O relatório fora mantido em sigilo por exigência de Bolsonaro, mas Alexandre de Moraes havia determinado que fosse entregue e divulgado até ontem. Segundo a Defesa, o relatório também apresenta “observações, conclusões e sugestões relacionadas, especificamente, ao sistema eletrônico de votação, conforme as atribuições definidas pelo Tribunal às entidades fiscalizadoras”.
Quem são os (poucos) jogadores progressistas na lista de convocados de Tite para a Copa?
Felipe Mendes*, Brasil de Fato
Passadas as eleições, o noticiário começa, aos poucos, a dar espaço a outros assuntos de maior ou menor relevância. Entre eles, a Copa do Mundo do Catar, que começa em menos de duas semanas. Nesta segunda-feira (7) o treinador Tite anunciou a lista de convocados da Seleção Brasileira. E, como política e futebol se discutem, o Brasil de Fato buscou juntar as duas coisas: quem são os jogadores progressistas chamados para a Copa?
Uma certeza: são poucos. A minoria entre os 26 convocados.
Entre eles, o mais engajado provavelmente é o atacante Richarlison, atacante do Tottenham, clube da Inglaterra. Campeão olímpico, ele chega à Copa com moral. E quando o assunto é política, ele marca posição.
Leia também: Política em Copa do Mundo? Na Seleção Brasileira só é ok se for de direita
Capixaba de Nova Venécia, Richarlison tem história de vida comum a muitos jogadores: infância pobre, ascensão social rápida por causa da bola. Sem esquecer do passado, ele procura colaborar em diversas causas sociais e políticas.
"Cara, eu já passei muito perrengue na minha vida. Eu acho que é só uma questão de se colocar no lugar de quem tá passando por uma situação difícil, ter empatia. E quem sou eu pra medir a dor dos outros? Mas acredito que, no momento, o que mais tem me chocado são os casos de racismo, além da causa ambiental", disse, em entrevista recente ao portal UOL.
No auge da pandemia de covid-19, por exemplo, o jogador se aliou à Universidade de São Paulo (USP) e ajudou a arrecadar recursos para desenvolvimento de pesquisas científicas.
"Quando a pandemia começou a gente tinha pouca informação e não sabia muito bem o que estava acontecendo. Eu fiquei muito inquieto preso dentro de casa sem saber direito o que fazer. Aí junto com meu staff resolvi concentrar as ações em um só lugar e na divulgação de informação correta e útil para o povo, usando minhas redes sociais e as minhas aparições na imprensa também", contou ao UOL.
Na mesma entrevista, Richarlison deixou claras algumas de suas referências. Atletas como o piloto de fórmula 1 britânico Lewis Hamilton e o jogador de basquete estadounidense LeBron James, que também se dedicam a causas sociais e políticas.
Hora certa para votar
A entrevista que Richarlison deu ao UOL, citada neste texto, tem o título "Fora da curva". Nada mais justo. Posicionamentos progressistas entre jogadores brasileiros são minoria.
Entre os 26 convocados por Tite, são raros os que ao menos deixam escapar alguma tendência à esquerda.
O meia Everton Ribeiro, jogador do Flamengo, é discreto de maneira geral. Na família, quem costuma se expressar bastante nas redes sociais é a esposa, a publicitária Marília Nery, com quem é casado há 15 anos.
Em vários momentos, Nery já deixou claro o posicionamento contra o presidente Jair Bolsonaro (PL): "Gente, eu nunca escondi que sou contra esse governo desde que vi a primeira entrevista do atual presidente no extinto CQC", postou no Twitter em 2020. Se não confirma o apoio às posições políticas da esposa, o jogador ao menos não foge de estar ao lado dela em algumas manifestações.
No último dia 30, dia da votação em segundo turno que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o terceiro mandato à presidência, o casal apareceu junto em imagem no Instagram comemorando o terceiro título flamenguista na Taça Libertadores. Ela fez questão de dizer que precisavam "correr para votar", e deixou registrado o horário: "10:03". Os torcedores progressistas mais atentos identificaram (ou desejaram ver) uma referência ao 13 de Lula.
No mesmo dia, Ribeiro foi um dos poucos jogadores do Flamengo que não posou ao lado de Bolsonaro, que foi à base aérea do Galeão, no Rio de Janeiro, recepcionar o time após a conquista da Libertadores. O jogo decisivo, contra o Athletico-PR, foi realizado no Equador.
Esposa de Everton Ribeiro, Marília Nery posa com o jogador e diz que quer "correr para votar" / Reprodução/Instagram
Se os (possíveis) votos em Lula entre os jogadores foram envergonhados, muitos atletas bolsonaristas não tiveram o mesmo pudor. Basta falar de Neymar, que se engajou na campanha à reeleição do hoje candidato derrotado, tendo feito postagens com dancinhas e participado de lives com o ainda presidente.
Outros jogadores da seleção, como o zagueiro Thiago Silva, também declararam voto no candidato que viria a ser derrotado. Companheiro de time de Everton Ribeiro, o atacante Pedro, também chamado à Copa, foi um dos jogadores do Flamengo que embarcaram com Bolsonaro em um passeio de helicóptero pelos céus do Rio de Janeiro após a chegada ao Brasil do elenco campeão da Libertadores no dia do segundo turno da eleição.
E Tite?
O treinador da Seleção, que vai para sua segunda Copa, já falou mais de uma vez que não pretende se encontrar com Bolsonaro "nem se ganhar, nem se perder" o Mundial. O treinador afirma que não gosta de misturar futebol e política, e procura postrar postura isenta.
Uma imagem gravada após a final da Copa América de 2019, porém, deixou alguns indícios. O presidente tentou dar um abraço efusivo no treinador, que recebia premiação pela conquista no estádio do Maracanã. Tite permitiu apenas um cumprimento protocolar, que contrastou com o caloroso abraço que teve na sequência com o então presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo.
Pode não dizer nada, mas também pode dizer alguma coisa.
Confira abaixo a lista completa de jogadores brasileiros convocados para a Copa do Mundo do Catar:
GOLEIROS
Alisson - Liverpool (ING)
Ederson - Manchester City (ING)
Weverton – Palmeiras (BRA)
LATERAIS
Alex Sandro - Juventus (ITA)
Alex Telles - Sevilla (ESP)
Dani Alves – Pumas (MEX)
Danilo - Juventus (ITA)
ZAGUEIROS
Bremer - Juventus (ITA)
Éder Militão - Real Madrid (ESP)
Marquinhos - Paris Saint Germain (FRA)
Thiago Silva - Chelsea (ING)
MEIAS
Bruno Guimarães - Newcastle (ING)
Casemiro - Manchester United (ING)
Everton Ribeiro - Flamengo (BRA)
Fabinho - Liverpool (ING)
Fred - Manchester United (ING)
Lucas Paquetá - West Ham United (ING)
ATACANTES
Antony - Manchester United (ING)
Gabriel Jesus – Arsenal (ING)
Gabriel Martinelli – Arsenal (ING)
Neymar Jr. - Paris Saint Germain (FRA)
Pedro – Flamengo (BRA)
Raphinha - Barcelona (ESP)
Richarlison - Tottenham (ING)
Rodrygo - Real Madrid (ESP)
Vinicius Jr. - Real Madrid (ESP)
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
Bloqueios de Moraes pós-eleição incluem resolução nova e inquérito do STF
Após o segundo turno da eleição presidencial, o Judiciário já deu diferentes decisões de bloqueio de contas em redes sociais e derrubadas de grupos de WhatsApp e Telegram.
Entre os alvos mais recentes estiveram a deputada Carla Zambelli (PL-SP), os deputados federais eleitos Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO), além do economista Marcos Cintra (União Brasil-SP), que foi secretário da Receita Federal no governo de Jair Bolsonaro (PL).
Tais decisões se inserem em um contexto de manifestações extremistas e antidemocráticas que questionam o resultado da eleição e pedem golpe.
Além disso, também há uma campanha constante de disseminação de afirmações falsas e teorias conspiratórias sem embasamento de que teria havido fraude no pleito deste ano.
Apesar deste cenário, também há críticas por parte de especialistas, como no caso de Cintra.
Ele foi alvo de decisão do presidente do TSE e ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das milícias digitais no Supremo, mas a avaliação é a de que a decisão não fundamenta qual seria sua ligação com a organização criminosa investigada.
Cintra fez uma série de tuítes reverberando informações não verificadas de questionamentos das urnas com base em uma live divulgada em canal argentino na última sexta-feira (4).
Já a decisão quanto à conta de Zambelli partiu do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), depois de a deputada fazer postagens de incentivo aos movimentos de cunho golpista.
Nikolas e Gayer, que também disseminaram o vídeo do canal argentino, disseram por meio de perfis não afetados por suspensão que as decisões também partiram do TSE.
Qual base a Justiça Eleitoral tem usado para remover conteúdos, contas e grupos? A dez dias do segundo turno o TSE aprovou uma nova resolução que ampliou seus poderes de modo inédito. Ela afirma que o TSE pode, "em decisão fundamentada", determinar a imediata remoção de conteúdos das redes sociais considerados "inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral". Com isso, o TSE passou a poder agir de ofício, ou seja, sem ser provocado por candidaturas ou Ministério Público Eleitoral, para lidar com desinformação sobre as urnas, por exemplo.
A resolução do TSE também permite a suspensão temporária de perfis, contas ou canais, nos casos em que haja "produção sistemática de desinformação, caracterizada pela publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral".
O TSE pode remover conteúdo após o segundo turno? Apesar de o segundo turno da eleição já ter passado, o entendimento de especialistas é que o tribunal ainda pode tomar decisões com base na resolução.
Marcelo Weick, advogado eleitoral e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), entende que o marco que tem sido considerado é a diplomação dos eleitos, ato que ocorre em dezembro. "É a certificação do término do processo eleitoral como um todo, e garantir ao candidato a aptidão pra ele tomar posse", explica.
Há também quem faça uma avaliação mais ampliada e entende que essa possibilidade permanece mesmo após a diplomação, como é o caso do Carlos Affonso Souza, diretor do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade).
"Acredito que o TSE pode decidir sobre os casos enquanto os alegados crimes e infrações não venham a prescrever", afirma ele.
Atuação proativa do TSE é adequada? As íntegras das decisões seguem sob sigilo, o que dificulta a análise sobre a fundamentação de cada uma delas. Ainda assim, de modo geral, especialistas entendem que as medidas tomadas pelo Judiciário são apropriadas frente ao cenário de intensa campanha de desinformação sobre as urnas e de ameaça à integridade do processo eleitoral.
Para Paulo Rená, que é codiretor do Aqualtune Lab, ONG integrante da Coalizão Direitos na Rede, a atuação proativa do TSE é também reflexo da falta de moderação feita pelas redes sociais, que, apesar de terem assinado compromissos com o tribunal de combate à desinformação, não atuaram de forma tão intensa na remoção de conteúdo falso contra as urnas.
Clara Iglesias Keller, pesquisadora no Centro de Ciências Sociais de Berlim, diz acreditar que, apenas dentro dos próximos meses, será possível ter uma análise apropriada sobre as decisões, mas destaca a atuação do tribunal.
"Nessas eleições o TSE foi a nossa única barreira institucional contra a desinformação", diz ela, que destaca que a desinformação é um complexo problema social.
"Os debates legislativos não caminharam a tempo e o tribunal se viu diante de um problema cujas raízes e efeitos estão muito além das suas competências."
Quando os ataques às urnas e defesa de golpe ultrapassam os limites da liberdade de expressão? Weick (UFPB) avalia que as decisões mais recentes têm tido preocupação em estancar ataques coordenados, dentro de um ecossistema de disseminação massiva de desinformação. Por isso avalia que é preciso considerar esse contexto nas decisões, dado que não são postagens isoladas.
"Você constrói ardilosamente um documento falso, manipulado, em que você coloca informações completamente descontextualizadas, sem rigor científico-acadêmico adequado", diz. "E a partir daí você começa a projetar uma série de comentários, de personalidades fazendo essa projeção, você catapulta essa desinformação."
De acordo com o procurador Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, proibir pessoas de lamentar nas ruas um resultado eleitoral, sem armas, ameaças ou violências, "seria tão impróprio quanto proibi-las de comemorá-lo".
Ele faz a ressalva contudo que, "se a manifestação, inclusive pela internet, tiver por objetivo incentivar a prática de crimes, entre eles os da Lei dos Crimes contra o Estado democrático de Direito, então ela já não terá proteção legal".
Quais as críticas à decisão de suspensão da conta de Cintra? Cintra não teve a conta no Twitter bloqueada com base na resolução do TSE. Ele foi incluído no inquérito das milícias digitais que tramita no STF. Apesar disso, não é possível depreender quais os elementos que permitiram a ligação do economista com a organização criminosa investigada. Essa é a avaliação tanto de Souza quanto de Weick e Rená, consultados pela reportagem com base na decisão.
Nela, Moraes afirma que Marcos Cintra utiliza as redes sociais para atacar as instituições democráticas e o próprio Estado democrático de Direito. E aponta que suas ações podem configurar crimes eleitorais.
"E as urnas, TSE? Tenho razões para não concordar com Bolsonaro… falta de preparo e de cultura, baixa capacidade de liderança, e comportamento inadequado para presidir um país como o Brasil. Mas as dúvidas que ele levanta sobre as urnas merecem respostas. Verifiquei os dados do TSE e não vejo explicação para o JB ter zero votos em centenas de urnas. Ex. Roraima, e em São Paulo, como em Franca, Osasco e Guarulhos", foi um dos trechos dos sete tuítes publicados por Cintra.
Moraes ainda cita que o inquérito foi instaurado devido a indícios e significativas provas apontando "a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político" com a nítida finalidade de atentar contra a democracia e o Estado de Direito, de modo semelhante ao identificado no inquérito das fake news.
*Texto publicado originalmente no site da Folha de S. Paulo
Atos que questionam as eleições "serão tratados como criminosos", diz Moraes
Brasil de Fato*
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, afirmou nesta quinta-feira (3) que os responsáveis por protestos que questionam o resultado das eleições "serão tratados como criminosos" e suas responsabilidades serão apuradas. A fala dura contra os atos bolsonaristas que se espalharam pelo país depois do encerramento das eleições foi feita na primeira sessão do TSE após o pleito do dia 30 de outubro.
"Aqueles que criminosamente não estão aceitando, que estão praticando atos antidemocráticos, serão tratados como criminosos e as responsabilidades serão apuradas", afirmou o ministro.
Militantes bolsonaristas trancaram estradas e rodovias em todo o país em atos contra a eleição de Lula e pedindo intervenção militar. Os bloqueios de caráter antidemocrático começaram ainda na noite do domingo e se espalharam por diversos estados do país.
Segundo a Polícia Rodoviária Federal, em boletim divulgado às 20h20 desta quarta-feira (2), há 126 interdições ou bloqueios em estradas federais pelo país. Outros 732 pontos de manifestação já teriam sido dispersados.
As ações golpistas foram indiretamente legitimadas pela recusa de Bolsonaro em declarar que aceita a vitória de Lula. Em seu primeiro pronunciamento, feito quase 48horas após a derrota, na terça-feira (1), afirmou a legitimidade dos atos pela "injustiça" da eleição. Depois de repercussão negativa, ele voltou a falar na noite desta quarta, agora pedindo diretamente aos manifestantes para liberarem as estradas.
"As eleições acabaram, o segundo turno acabou democraticamente no último domingo. O TSE proclamou o vencedor, o vencedor será diplomado até dia 19 de dezembro e tomará posse em 1º de janeiro de 2023. Isso é democracia, isso é alternância de poder, isso é estado republicano", garantiu.
Comparecimento e eficiência
O ministro parabenizou a atuação da Justiça e do Ministério Público eleitorais na condução das eleições e também os eleitores. "Quero parabenizar a sociedade, as eleitoras, os eleitores, que em sua maioria massacrante são democratas, acreditam na democracia, no Estado de Direito. Compareceram, votaram em seus candidatos e aceitaram democraticamente o resultado das eleições."
Moraes também destacou o comparecimento de 79,41% do eleitorado, chegando a quase 125 milhões de eleitores. "Houve efetivamente a participação maciça do eleitorado, e o brasileiro demonstrou a total confiança nas urnas eletrônicas", ressaltou.
"Somos uma das quatro maiores democracias do mundo, mas a única que proclama o resultado no mesmo dia. Três horas após o final da eleição nós já sabíamos quem será o novo presidente e vice-presidente da República, mostrando a eficiência, a rapidez e a competência das urnas eletrônicas".
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato. Título editado
Nas entrelinhas: Bolsonaro dobra a aposta contra o TSE e recorre ao Supremo
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
O presidente Jair Bolsonaro decidiu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) da decisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, que negou na noite de ontem o pedido para investigar irregularidades em inserções eleitorais por emissoras de rádios, principalmente do Nordeste. O presidente da República voava para o Rio de Janeiro quando soube da decisão do magistrado e mandou o avião voltar para Brasília, onde realizou uma reunião ministerial de emergência no Palácio do Alvorada, após a qual fez um pronunciamento contestando-a e anunciando que recorreria ao Supremo.
Segundo a decisão de Moraes, os dados apresentados pela campanha sobre supostas irregularidades nas inserções de rádio são inconsistentes. O presidente do TSE também determinou que o procurador-geral eleitoral, Augusto Aras, apure “possível cometimento de crime eleitoral com a finalidade de tumultuar o segundo turno do pleito” por parte da campanha de Bolsonaro. Acionou ainda a Corregedoria-Geral Eleitoral para apurar eventual desvio de finalidade no uso do Fundo Partidário para a contratação de uma auditoria que embasou as denúncias. O caso foi encaminhado para o STF, no âmbito do inquérito que apura a atuação de uma milícia digital que atenta contra a democracia, do qual Moraes é o relator.
Na segunda-feira, a campanha de Bolsonaro havia pleiteado junto ao TSE a investigação da denúncia do ministro das Comunicações, Fabio Faria, de que as emissoras do Nordeste não estavam divulgando a propaganda eleitoral do chefe do Executivo. Exigiu também que a propaganda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixasse de ser veiculada. Moraes considerou o pedido uma tentativa de tumultuar as eleições, às vésperas da votação: “Não restam dúvidas de que os autores — que deveriam ter realizado sua atribuição de fiscalizar as inserções de rádio e televisão de sua campanha — apontaram uma suposta fraude eleitoral às vésperas do segundo turno do pleito sem base documental crível, ausente, portanto, qualquer indício mínimo de prova”, escreveu o ministro.
Durante todo o dia de ontem, houve muita tensão sobre o assunto, por causa das denúncias de um servidor do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TER-DF), lotado no TSE, de que teria sido demitido sumariamente do cargo que exercia por causa do episódio. Segundo esclarecimento do TSE, o servidor havia sido exonerado por assédio moral. O episódio alimentou as especulações de que realmente teria havido uma tentativa de acobertar as irregularidades na veiculação das campanhas pelas rádios.
Auditorias
Bolsonaro reagiu com irritação e convocou a reunião ministerial, mas aparentemente foi convencido a moderar a reação, no pronunciamento convocado às pressas, às 20h30, na porta da residência do Palácio da Alvorada, no qual voltou a criticar o presidente do TSE: “Nos surpreende, o senhor Alexandre de Moraes simplesmente inverteu o processo. Nos acusar de estarmos gastando dinheiro do Fundo Partidário com empresas para fazer auditoria. Inclusive, temos duas auditorias contratadas e uma terceira em via de contratação. No que depender de mim, será contratada essa terceira auditoria, porque mais uma prova, se bem que eu acho que nem precisava de mais, de que as inserções foram realmente potencializadas e muito para o outro lado. Dezenas de milhares de inserções do outro lado, e, do nosso lado, tinha rádio que pareceu quase zero”.
Para Moraes, as acusações ao TSE não procedem, porque a responsabilidade de encaminhar os programas para as rádios e fiscalizá-los em tempo hábil é dos partidos. Além disso, não foram apresentadas as provas da denúncia: “Os autores nem sequer indicaram de forma precisa quais as emissoras que estariam supostamente descumprindo a legislação eleitoral, limitando-se a coligir relatórios ou listagens de cunho absolutamente genérico e indeterminado”. Relatos das emissoras acusadas, que se colocaram à disposição da Justiça, começam a desconstruir a versão da campanha de Bolsonaro, que teria atrasado a entrega dos programas.
A resposta de Bolsonaro, porém, ao anunciar o recurso ao Supremo, sinaliza para a judicialização do resultado eleitoral de domingo próximo, caso perca as eleições, o que pode resultar numa crise institucional, uma vez que permanecerá no poder por mais dois meses, mesmo derrotado. Na prática, criou-se um fato jurídico cujos desdobramentos dirão se foi mais um tiro no pé da campanha de Bolsonaro ou é um pretexto formal para não aceitar o resultado do pleito, uma vez que o pedido terá que ser julgado pelo Supremo.
A oposição, ao final do dia, avaliava que a montanha havia parido um rato, ao passar a impressão de que Bolsonaro já está se sentindo derrotado e começa a apelar. Entretanto, o episódio na reta final da campanha serve para emular os bolsonaristas, que reproduzem nas redes sociais as alegações de seu líder político.
Revista online | A economia política dos corpos
Delmo Arguelhes*, especial para a revista Política Democrática online (48ª edição: outubro/2022)
Em outubro de 2022, numa entrevista a um podcast, o então presidente da República disse que, em determinada ocasião, ao passear de moto em uma periferia de Brasília, ter “sentido um clima” ao ver meninas venezuelanas bem-vestidas e maquiadas, e concluiu que elas só poderiam estar daquele jeito para “ganhar a vida”. Não iremos discutir aqui todos os desdobramentos desse episódio. Trataremos tal incidente como um sintoma, uma ocorrência que pode desvelar estruturas subjacentes da sociedade brasileira.
Como é de conhecimento geral, as meninas não eram prostitutas; estavam tão somente participando de um projeto social, uma oficina de maquiagem. O olhar lançado sobre elas, no entanto, enxergou outra coisa. Tal olhar não é explicado apenas por deficiências cognitivas ou de caráter do indivíduo. É revelador, pois trás para a superfície os preconceitos da elite nacional acerca das classes desfavorecidas.
Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online
Preconceito, seguindo os desenvolvimentos de Hans-Georg Gadamer, em Verdade e Método (1960), é tão somente o juízo prévio, emitido anteriormente à análise do ente em foco. Existe, inclusive, um preconceito acerca dos preconceitos, propagado pelos iluministas do século XVIII. Ele não é, necessariamente, pejorativo ou errôneo. Apenas precisa ser revisto – para ser confirmado ou rejeitado –, a partir do exame do ente.
Enganosamente simples – pois a coisa simples é sempre complicada, segundo Carl von Clausewitz –, o preconceito é inescapável, pois a intermediação entre o ser e a realidade é operada por meio de preconceitos. Tal característica obrigatória, no entanto, pode ser remediada pela exortação de Gadamer: “saiba controlar os próprios preconceitos”.
O controle dos próprios preconceitos é um exercício constante. Discriminações de classe ou de raça não se originam no interior do indivíduo, mas são aprendidos e internalizados no convívio em sociedade. Havia uma propaganda institucional, nos meios de comunicação no país, há alguns anos, onde se perguntava: “onde você guarda seu preconceito?” Racismo e ódio de classe são ideologias, são reproduzidos na cultura e na linguagem, funcionando como ficções simbólicas, que regulam a realidade. Dito isso, há também décadas de pensamento social, antirracista, pós-colonial e decolonial, os quais forneceram e ainda fornecem a base para uma crítica eficaz daqueles preconceitos.
Confira, a seguir, galeria:
O psiquiatra e psicanalista Wilhelm Reich (1897-1957), oriundo do antigo Império Austro Húngaro, publicou, dentre outras obras clássicas, Psicologia de Massas do Fascismo (1933). Nesta obra, Reich vincula a repressão sexual à desvalorização da sexualidade feminina diante da reprodução, contrapondo dois tipos ideais: a mãe e a prostituta.
Numa sociedade em que as mulheres têm de estar dispostas a ter filhos, sem qualquer proteção social, sem garantias quanto à educação das crianças, sem mesmo poderem determinar o número de filhos que terão, mas que mesmo assim têm de ter filhos sem se insurgirem contra isso, é realmente necessário que a maternidade seja idealizada, em oposição à função sexual da mulher (Reich, 2001: 99) Grifos nossos.
Trazer todo o raciocínio de Reich para a atualidade, quase um século após a publicação da obra, por óbvio, guardaria muitos problemas, se não forem feitas as devidas ponderações sobre as mudanças de mentalidade e atitude na sociedade ocidental desde os anos 1930. Isso inclui a revolução sexual dos anos 1960, a pílula anticoncepcional e toda a luta por direitos civis dos últimos 70 anos. Não vamos tomar esse caminho. Pensaremos apenas na dicotomia reichiana mãe/prostituta que existe num país com passado escravista e colonial, e como tal dupla fica patente na clivagem social.
Por colonização, sempre adotamos a definição da fundamental obra de pensamento pós-colonial de Alfredo Bosi, Dialética da colonização (1992). Colonizar é ocupar um novo chão, explorar a terra e submeter os naturais. Ou seja, um processo profundamente violento e genocida. Os colonizados, vítimas desse processo, servem, primariamente, como mão de obra barata, pronta para ser explorada.
Benjamin Moser, um estudioso estadunidense da obra de Clarice Lispector, já havia observado que a elite brasileira trata a terra e o povo como objetos de conquista colonial. Ou seja, para a elite, as classes subalternas ainda seriam objeto de domínio, como na antiga América Portuguesa. A concepção de trabalho doméstico, no Brasil, ainda guarda muito das características do passado colonial e escravagista.
A repressão sexual não age sem deixar marcas no inconsciente, como bem já havia observado Sigmund Freud. Os corpos das classes oprimidas não servem apenas para a exploração no trabalho. Servem também como deleite sexual, já que as mulheres que seriam recatadas e “do lar” estariam destinadas à maternidade. Há décadas se pensa o fenômeno fascista como uma aliança transitória entre canalhas – que pregam uma sociedade ideal homogeneizada e excludente –, e pessoas amedrontadas, indignadas com a perda de privilégios ou ávidas por lucro. No caso brasileiro, além de tudo isso, há também a identificação do projeto fascista com o inconsciente colonial, que conquista, explora e oprime.
Sobre o autor
*Delmo Arguelhes é doutor em História pela Universidade de Brasília (UnB), com estágio pós-doutoral em estudos estratégicos na Universidade Federal Fluminense (UFF). É pesquisador associado sênior do Núcleo de Estudos Avançados do Instituto de Estudos Estratégicos (NEA/INEST) da UFF. Autor do livro Sob o céu das Valquírias: as concepções de honra e heroísmo dos pilotos de caça na Grande Guerra (1914-18).
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de outubro de 2022 (48ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Nas entrelinhas: Eleição pode ser decidida no debate da Globo
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A campanha eleitoral entrou na reta final, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um passo da vitória e o presidente Jair Bolsonaro, a dois. No universo das pesquisas eleitorais, pode-se dizer que é mais ou menos essa a distância da linha de chegada, considerando-se a margem de erro das pesquisas. Com certeza, será a decisão mais apertada da história de nossas eleições, mais até do que a vitória da presidente Dilma Rousseff (PT) contra Aécio Neves (PSDB) nas eleições de 2014.
A contestação do resultado da eleição de domingo será líquida e certa no caso de Lula vencer Bolsonaro, conforme sinalizam auxiliares do presidente da República, como o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e o ministro das Comunicações, Fábio Faria, autor de uma denúncia de manipulação de inserções de propaganda eleitoral por rádios do Nordeste. A declaração de Bolsonaro, ontem, sobre a análise da segurança das urnas feita pelo Exército, ao dizer que não foram conclusivas, nesse aspecto, corrobora a narrativa golpista.
Temos uma crise contratada no horizonte imediato, que está se armando faz tempo, mas que foi fragilizada pelo episódio envolvendo o ex-deputado Roberto Jefferson, ao disparar 50 tiros de fuzil e três granadas contra policiais federais. Eleitoralmente, acertou no pé de Bolsonaro. Jefferson está preso em Bangu 8, por tentativa de homicídio dos policiais federais e ofensas à ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (TSE), e ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, que cassou sua prisão domiciliar.
Os elementos
Terra — a disputa eleitoral pode ser decidida numa “guerra de posições”, na qual Lula e Bolsonaro se movimentam com objetivo de alterar o cenário que emergiu do primeiro turno. Bolsonaro tenta ampliar sua vantagem em São Paulo, virar a eleição em Minas e reduzir a vantagem de Lula no Nordeste. Lula resiste em São Paulo, avança no Rio de Janeiro, tenta manter sua vantagem em Minas e, sobretudo, ampliá-la ainda mais no Nordeste. Lula aposta nas grandes manifestações políticas, Bolsonaro no apoio de governadores e prefeitos.
Água — existe uma batalha ideológica em curso na sociedade, que já não se estrutura em classes sociais definidas. A chamada sociedade líquida. Essa batalha opõe reacionários e progressistas, num universo em que conservadores e liberais flutuam entre os dois polos, sem força para impor sua própria hegemonia. A extrema-direita dá o tom da campanha de Bolsonaro nas redes sociais, como no gesto tresloucado de Jefferson, impondo constrangimentos aos conservadores que o apoiam. No campo de Lula, a entrada na campanha de Simone Tebet (quem disse que ela não iria para o segundo turno?) mudou a qualidade de suas alianças, que evoluíram de uma frente de esquerda para, finalmente, a tal da frente ampla.
Fogo — a artilharia dos candidatos continua muito mais focada na rejeição dos adversários do que nos problemas do país, mas nem tudo é a baixaria das redes sociais. Qual será o principal divisor de águas da eleição? Lula bate forte no reacionarismo de Bolsonaro e seu projeto autoritário, de implantar uma espécie de Executivo forte, iliberal, dominante em relação aos demais Poderes. Também ataca Bolsonaro nos temas econômicos, que sensibilizam a população mais pobre, assalariados e aposentados. O presidente da República corre contra o prejuízo com o empréstimo consignado tendo como garantia o Auxílio Brasil, medida juridicamente questionável, mas que tem impacto junto aos eleitores de baixa renda, não se sabe a escala ainda.
Vento — Bolsonaro ataca Lula no seu ponto mais fraco: explicar o mensalão e o escândalo da Petrobras, invocando a Lava-Jato, operação que ajudou a encerrar. Mas tem o telhado de vidro da sua histórica relação com as milícias e a compra de imóveis com dinheiro vivo por seus filhos. O conservadorismo nos costumes dá voto para Bolsonaro de um lado, os evangélicos, mas joga no colo de Lula os intelectuais, os artistas, as mulheres e a juventude.
Vácuo — pode ser que a eleição seja decidia no debate de sexta-feira, na TV Globo, como num duelo de samurais. Esse é o vácuo da reta final. Nele, é preciso enxergar na escuridão. Não se deve fazer nada de inútil, tudo pode se decidir com base no condicionamento físico, na capacidade de discernimento, na verdade das coisas, no espírito e na vontade de fazer o certo. Num gesto e na força do olhar.
*Título editado.
Semana decisiva tem debates para governo e presidência na Globo
Brasil de Fato*
A reta final das eleições 2022 contará com debates promovidos pela Rede Globo com candidatos à presidência da República e governador. O último confronto de ideias entre Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) será na sexta-feira (28) a partir das 21h30.
Os debates entre candidatos a governo dos estados vão ao ar na quinta-feira (27), após a novela "Travessia". Os debates ocorrerão em: São Paulo, Rio Grande do Sul Amazonas, Santa Catarina, Alagoas, Espírito Santo, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Rondônia, Mato Grosso do Sul e Sergipe.
Os confrontos entre candidatos a presidência e governo do estado vão ao ar no portal g1, na TV Globo, no canal pago GloboNews e no aplicativo Globoplay.
Regras do debate presidencial
No debate da Globo, Lula e Bolsonaro terão que administrar o próprio tempo de fala para perguntar, responder e fazer réplicas e tréplicas. No primeiro bloco, cada um terá 15 minutos corridos para debater temas livres. A ordem de quem começa falando foi definida em sorteio.
No segundo bloco, os temas serão pré-determinados. A conversa será dividida em duas rodadas de 10 minutos. Cada candidato poderá selecionar um tema definido pela emissora e terá cinco minutos de fala em cada rodada.
Na terceira etapa do debate, serão outros 30 minutos de tema livre, assim como no primeiro bloco. No quarto bloco, mais duas rodadas de 10 minutos cada uma com temas definidos e 5 minutos para cada candidato em cada rodada. Lula e Bolsonaro terão 1 minuto e 30 segundos cada para considerações finais.
Os pedidos de direito de resposta pelos candidatos deverão ser feitos em silêncio, com um aceno de mão para o mediador. Caso seja concedido, o candidato terá um minuto para responder.
Se um dos candidatos se ausentar, aquele que estiver presente será entrevistado durante 30 minutos.
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
Quem não compareceu ao primeiro turno poderá votar no segundo mesmo sem justificativa
Mariana Lemos*, Brasil de Fato
No próximo dia 30 de outubro ocorre em todo o Brasil o segundo turno da eleição para presidente da República. Além disso, 12 estados estarão escolhendo seus futuros governadores. Mas você sabia que caso não tenha conseguido votar no primeiro turno, pode mesmo assim comparecer às urnas no segundo turno das eleições?
Isso ocorre porque a Justiça Eleitoral compreende cada turno como processos distintos. E como o prazo máximo para justificar a ausência é de 60 dias corridos e o segundo turno ocorre dentro desse prazo, quem não votou no dia 02 de outubro, mesmo que ainda não tenha justificado a ausência, pode votar no próximo dia 30.
É importante saber que se o eleitor não votar no primeiro e nem no segundo turno, deve realizar uma justificativa para cada turno. Também vale lembrar que não existe um número máximo de vezes em que o eleitor pode usar a justificativa eleitoral.
No Brasil o voto é obrigatório para todos os cidadãos entre 18 e 69 anos e, em caso de não comparecimento às urnas, a justificativa deve ser feita à Justiça Eleitoral.
Para justificar você pode utilizar os serviços do aplicativo e-Título, disponível para os sistemas Android e iOS.
Uma outra forma é acessar o portal justifica.tse.jus.br e preencher o requerimento de justificativa. Este mesmo site possibilita a consulta ao requerimento já enviado.
No caso de ausência do eleitor nas eleições e falta de justificativa, é cobrada uma multa no valor de R$3,51 por turno de votação no momento em que o título for regularizado. Acessando o site do TSE você pode realizar a consulta de débitos do eleitor.
Entretanto, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, quem não votar e não justificar fica impedido de ter acesso a vários direitos, como se inscrever em concursos públicos, obter carteira de identidade e passaporte, renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial, obter empréstimos em bancos oficiais, entre outros.
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato