política industrial
Fernando Exman: Covid renova debate sobre política industrial
Falta de diálogo reforça críticas à extinção do Mdic
Ano novo, vida nova. Nem sempre para melhor. Os primeiros dias de 2021 já impõem desafios ao governo, uma administração que vai criando o hábito de terceirizar responsabilidades e adiar a tomada de decisões que podem evitar o agravamento da crise.
As taxas de contaminação e óbitos por covid-19 crescem, lamentavelmente, a uma velocidade alarmante. Acelerado também é o crescimento da imprevisibilidade quanto ao início do plano nacional de imunização, assim como do receio de que o anúncio da Ford seja apenas o prenúncio de um movimento maior daqueles que não consideram mais o Brasil um bom destino para investir.
Sem vacinação, estima o Ministério da Saúde, o país precisaria manter medidas de isolamento social por até dois anos, para só então conseguir interromper a transmissão da enfermidade sem o colapso do sistema de saúde. Não existe possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro apoiar ideia como essa, a qual também não parece atrair a cúpula da pasta.
A postura do ministro Eduardo Pazuello aumenta os argumentos daqueles que apostam que ele deixará a farda para entrar na política e disputar algum cargo eletivo no próximo pleito. Estes dizem ser prudente acompanhar suas movimentações na região Norte.
Silêncio no Ministério da Economia. A pasta amarrou-se ao desfecho das disputas na Câmara e no Senado, deixando-se levar pela correnteza do debate sobre os efeitos danosos na economia da demora da vacinação e sobre a situação dos milhões de brasileiros que ficarão sem o auxílio emergencial. No Congresso e no setor privado, há também o sentimento de que falta uma ação coordenada do governo no sentido de se assegurar a produção dos equipamentos utilizados no enfrentamento da covid-19 e evitar que mais investidores deixem o país. Se o Parlamento não estivesse em recesso, até mesmo integrantes da base pediriam a palavra para discursar contra a passividade do Executivo ao ver a Ford abandonar o país.
Corre-se o risco de que a disputa política novamente deixe em segundo plano um debate essencial para o desenvolvimento do país.
Desta vez, a discussão sobre os efeitos da crise em relação à indústria nacional e se há alguma lição a ser tirada durante a pandemia para assegurar a saúde de um setor estratégico para qualquer país.
O tema já havia se comprovado relevante quando o Brasil ficou sem respiradores nas unidades de terapia intensiva de diversos hospitais dos mais variados Estados. Ganhou novo impulso com os alertas sobre a possibilidade de faltar agulhas e seringas para a imunização de toda a população contra covid-19 e, ao mesmo tempo, manter os programas de vacinação voltados ao combate de outras doenças.
A notícia envolvendo a Ford acabou dando novamente voz àqueles que dizem sentir saudade da expressão “política industrial” e gostariam de vê-la voltar a ser pronunciada no governo. Atualmente, está praticamente banida nos gabinetes da pasta da Economia.
Isso não quer dizer que a agenda liberal do ministro Paulo Guedes deva ser deixada de lado. Ela tem legitimidade. Saiu vencedora das eleições e, embora seja alvo de críticas até mesmo dentro do governo, está neste momento sendo utilizada por aqueles que antes a desprezavam para justificar a decisão da Ford. Segundo esse discurso, a montadora teria ido para a Argentina por que não obteve aqui os incentivos que outros países estão dispostos a conceder.
Ocorre que política industrial não se faz só com benefícios fiscais e a pandemia mostrou que o processo de desindustrialização não está ocorrendo em todos os lugares do mundo. Há países que, por questões de segurança nacional, mantêm programas de substituições de importações. Mas, não é disso que o Brasil precisa.
Uma das lições que deve ficar deste período é que o país deve possuir determinadas competências para conseguir acelerar o desenvolvimento de sua capacidade produtiva em setores que já domina e, ainda, ter como se aventurar em outros segmentos de forma rápida e eficiente quando for necessário. Isso que se viu, por exemplo, quando algumas empresas fizeram conversões de seus parques produtivos e, em vez de fabricarem vestidos de boneca ou peças de lingerie, passaram a produzir máscaras. Para tanto, é preciso ter equipamento e mão de obra qualificada.
O mesmo se viu em relação à manutenção ou produção de respiradores. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) fizeram uma iniciativa conjunta com as montadoras de automóveis, entre elas a Ford. Isso ocorreu, também, por haver demanda garantida para esses equipamentos.
Espera-se que haja, a partir de agora, uma maior coordenação e interlocução entre o governo e o setor privado para que o Estado use o seu poder de compra, facilite procedimentos regulatórios e sinalize qual é o tipo de insumo estratégico que não pretende ver em falta.
O instrumento de “encomenda tecnológica”, mecanismo moderno e que demanda compreensão dos órgãos de controle sobre os riscos envolvidos em sua adoção, está sendo utilizado durante a pandemia e deve ser incentivado em situações semelhantes. Isso nada ter a ver, necessariamente, com a retomada de políticas que se demonstraram equivocadas no passado, a proteção de fabricantes nacionais ineficientes ou a criação de obstáculos à abertura da economia.
O desafio que se impõe é, ao menos, permitir-se debater como o Brasil pode manter uma indústria forte e diversificada, capaz de reagir em momentos como os atuais, assegurando que ela seja também competitiva e com alta produtividade. Se faltar agulhas e seringas, o tema voltará à mesa. Talvez de forma ainda mais forte, o que dará novo impulso àqueles que criticam a decisão de Bolsonaro de ter extinto o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Isso pode ocorrer num momento em que o Executivo analisa a possibilidade de realizar uma reforma ministerial.
Luiz Paulo Vellozo Lucas: Para pensar uma Política Industrial contemporânea
A maioria dos economistas liberais ilustrados(1) que tornaram-se hegemônicos no Brasil, principalmente depois do sucesso do Plano Real, considera que não deve haver uma politica industrial. A ideia de uma política de governo voltada para produzir crescimento econômico orientando e incentivando setores e produtos que devem ser produzidos internamente no país é percebida como sendo equivocada. Apenas políticas econômicas transversais, que atuem sobre toda a estrutura produtiva são recomendadas. Segundo essa visão, as vantagens competitivas do ambiente econômico, a competição internacional e a competência empresarial determinam o resultado final em relação aos produtos e serviços que o país consegue produzir competitivamente. Pretender alterar este resultado por ação do estado seria voluntarismo governamental definido pela expressão “pick the winner”, traduzida livremente como sendo a estratégia dos “campeões nacionais” usada para desqualificar liminarmente qualquer tipo de politica industrial.
A origem desta controvérsia remonta ao final da segunda guerra mundial com a polêmica entre Roberto Simonsen e Eugenio Gudin(2) . A vitória do projeto nacional desenvolvimentista consagrou a política industrial de substituição de importações que orientou a economia brasileira por mais de seis décadas. Foi ideia força principal em particular no segundo governo Vargas e nos governos Kubitschek e Geisel. O nacional desenvolvimentismo e a política de substituição de importações foi uma verdadeira estratégia nacional durante todo o pós guerra(3).
A vitória do nacional desenvolvimentismo aconteceu em grande parte em função da restrição cambial oriunda da baixa capacidade de importar da economia primário exportadora. O café só deixou de ser o principal produto de exportação do Brasil em 1984 e assim a balança comercial, dependente da importação de petróleo e bens industrializados, era estruturalmente deficitária da mesma maneira que a balança de serviços. Na medida em que o investimento direto estrangeiro era virtualmente inexistente, a conta de capital era incapaz de equilibrar os déficits acumulados nas balanças comercial e de serviços. Assim a politica industrial substitutiva de importações era útil na prevenção e no enfrentamento de crises cambiais e para o equilíbrio do balanço de pagamentos. Perseguir metas de geração de superávits comerciais era um objetivo macroeconômico, particularmente na eminencia de crises de balanço de pagamentos reforçando o argumento dos beneficiários de proteção e subsídios, ajudando-os a serem vistos como patriotas defensores do interesse nacional.
Além disso , no receituário macroeconômico de Gudin o combate a inflação era peça central. Sabe-se hoje que a contração monetária e creditícia por ele defendida e executada quando no comando da área econômica era derivada da teoria quantitativa da moeda que foi abandonada em todo o mundo e sua aplicação em economias como a brasileira tornava-se mais veneno do que remédio.(4) O efeito recessivo e contracionista da politica antiinflacionária reforçava o argumento nacional desenvolvimentista e ajudava a consolidar a opção pela politica industrial de substituição de importações.
Na esteira do golpe de 1964 e reagindo ao quadro de desordem macroeconômica herdado do governo João Goulart, o primeiro general presidente Castelo Branco adotou o PAEG(5) sob a coordenação de Roberto Campos e Otavio G. de Bulhões, discípulos de Gudin. O plano concentrou-se em reformas institucionais que desenharam o arcabouço regulatório da economia brasileira moderna e um novo sistema financeiro. A abertura da economia , as privatizações e o Plano Real, nos governos Collor, Itamar Franco e FHC(6) avançaram na direção de politicas transversais e desmontaram os principais instrumentos de intervenção governamental criados para induzir a substituição de importações. A estratégia da Integração Competitiva lançada pelo BNDES em 1986(7) e a PICE(8) lançada no governo Collor em 1990 tiveram alcance limitado com avanços pontuais importantes como o inicio das privatizações, o fim da reserva de mercado na informática e a abertura comercial mas não lograram seu intento de fazer uma “nova politica industrial” capaz de ser articuladora de um ativismo governamental sem o voluntarismo e o intervencionismo extensivo das épocas áureas da substituição de importações.
Tratava-se agora de perseguir um novo objetivo: o crescimento econômico pela conquista de competitividade no mercado global entendida como sendo a capacidade de produzir produtos e serviços com padrões internacionais de preço e qualidade. A criação do Ministério do Desenvolvimento no segundo governo FHC , tendo Luiz Carlos Mendonça de Barros como ministro foi outra tentativa de organizar um ativismo governamental moderno, que fosse desenvolvimentista mas sem ter a substituição de importações como estratégia nem o voluntarismo estatal como método. Sua atuação foi periférica e a saída do ministro foi vista como um funeral da politica industrial, sempre tratada com muita desconfiança pela equipe econômica completamente dedicada `a estabilização da moeda que claramente ainda não estava consolidada.
O Programa Nacional de Desestatização PND foi a iniciativa mais abrangente em termos de decisões de governo com impacto estrutural na economia. Iniciado no governo Collor teve continuidade com Itamar Franco e FHC, inclusive com a manutenção de seu coordenador, o presidente do BNDES Eduardo Modiano. Foram privatizadas 256 empresas entre 1990 e 2002. O PND evitou fazer escolhas e formular estratégias setoriais para orientar as privatizações preferindo contratar um estudo por licitação pública. Este modelo era conhecido como a privatização da privatização, uma recusa explicita em se fazer algum tipo de política industrial.
Quando o setor petróleo entrou na pauta o caminho escolhido foi outro. A quebra do monopólio da Petrobras necessitava de emenda constitucional e para aprova-la assim como uma lei que regulamentasse o modelo concorrencial aberto seria preciso um amplo debate e um processo de convencimento publico. A Lei 9478/97 relatada pelo então deputado Alberto Goldman foi uma reforma estrutural completa. Uma verdadeira estratégia de politica industrial. Seus resultados extraordinários em 10 anos culminaram na descoberta do pré sal em 2007 no inicio do segundo governo Lula despertando a cobiça populista do governo. Destruir o modelo concorrencial exitoso foi o marco zero da recaída nacional desenvolvimentista em sua marcha batida para o desastre.(9)
Michael E. Porter em seu livro “A vantagem competitiva das Nações” publicado em 1990 já continha os fundamentos do que deveria ser uma revisão estrutural da politica industrial brasileira em direção a objetivos de aumento da produtividade visando ganhos crescentes de competitividade. Novos e modernos instrumentos deveriam entrar no lugar do intervencionismo grosseiro que marcou o período anterior, compatíveis com uma economia de mercado integrada a economia mundial. Como sabemos, a luta contra a hiperinflação era mais urgente e foi ela que dominou a agenda econômica do Brasil.
Nas décadas onde prevaleceu o nacional desenvolvimentismo produziu-se um sem numero de normas e criaram-se instituições com pouco ou mesmo nenhum efeito na geração de capacidade produtiva. Quase sempre o principal efeito foi o aumento dos custos de transação e redução da competitividade. O corporativismo e o voluntarismo estatal foram postos a serviço de incontáveis interesses econômicos localizados com baixa ou nenhuma funcionalidade, mesmo considerando-se os objetivos autárquicos da substituição de importações. Ineficiências estruturais de grandes dimensões na estrutura produtiva e o aparato regulatório herdado da substituição de importações colocaram a necessidade de reformas e reestruturação institucional como uma espécie de agenda antecedente de uma nova politica industrial.
A recaída nacional desenvolvimentista a partir do segundo governo Lula não teve a motivação macroeconômica da crise de balanço de pagamentos e por isso foi muito diferente dos ciclos anteriores. Sua motivação foi essencialmente de natureza política vinculada ao objetivo de perenizar o projeto de poder lulo-petista. O oportunismo populista ressuscitou o modelo “pai dos pobres e mãe dos ricos” na forma de um desconjuntado portfolio de ações supostamente promotoras de crescimento econômico iniciado com o PAC em 2007. Seguiu-se a hipertrofia do BNDES com recursos do Tesouro Nacional, a mudança do marco regulatório do petróleo depois da descoberta do pré sal em 2007, a MP 259 do setor elétrico e a chamada nova matriz econômica. O resultado é trágico e feio como uma colisão frontal entre dois trens de passageiros. O desastre econômico, social e político do projeto Lulo-petista deu perda total, provocou o impeachment de Dilma Roussef e nos legou a maior recessão da história, a maior destruição de valor já registrada, crise fiscal e desequilíbrio macroeconômico, além de desconfiança generalizada e desmoralização progressiva das instituições.
Reestruturação competitiva e reformas
Uma politica industrial para o século XXI possui necessariamente duas dimensões sendo a primeira voltada para uma agenda de reformas institucionais, transversais na estrutura produtiva, com destaque absoluto para a reforma tributária. Inclui também a revisão de marcos regulatórios obsoletos e disfuncionais muitas vezes chamada de agenda de reformas microeconômicas. Novos arranjos regulatórios que assegurem segurança jurídica para empreendedores e investidores privados e também para os governos subnacionais apequenados pelo federalismo de subserviência que amedronta e inibe o poder local impedindo a reinvenção modernizante do estado brasileiro e o próprio desenvolvimento.
Naturalmente os desafios relacionados com a superação da crise fiscal estarão presentes e se articulam com a reestruturação competitiva já iniciada no governo Temer no setor de petróleo e energia. A reforma do sistema financeiro, dos bancos e fundos públicos e o fortalecimento do mercado de capitais também devem ser tratados tanto para dar sustentabilidade fiscal ao equilíbrio macroeconômico quanto para viabilizar a poupança interna e o investimento produtivo. A financeirização(11) e a globalização são características do mundo dos negócios no século XXI e uma nova política industrial não pode ser mercantilista nem autárquica.
O Brasil não se beneficiou da expansão de cadeias globais de valor como os países em desenvolvimento que forçaram sua integração nos últimos anos e passaram a se apropriar de uma parcela maior da renda mundial. Como é sabido a recaída nacional desenvolvimentista promovida nos governos Lula-Dilma, fez o contrário, incentivou substituição de importações e o adensamento das cadeias de fornecedores. A reestruturação competitiva tem que desfazer-se do entulho institucional do passado ainda existente além de remover os escombros do desastre petista para ser possível empreender um novo ativismo em direção `as oportunidades e desafios do mundo contemporâneo.
A reestruturação competitiva é a primeira dimensão de uma nova politica industrial mesmo sabendo que a agenda de reformas é usualmente vista apenas por sua importância na defesa do equilíbrio fiscal e da estabilidade macroeconômica. As politicas de curto prazo em situações de crise nem sempre se articulam de forma saudável com a estratégia de longo prazo orientada para empreender transformações estruturais. No pós guerra elas coincidiram. Hoje também existe convergência entre os objetivos conjunturais vinculados ao equilíbrio macroeconômico do país e a agenda da reestruturação competitiva.
Integração Competitiva
A integração da estrutura produtiva brasileira `as cadeias internacionais de agregação de valor é o objetivo principal que preside a segunda dimensão da política industrial brasileira para o século XXI.(10) velocidade com que as inovações tecnológicas criam e destroem mercados e competências adquiridas fazem com que a certeza da mudança seja a única coisa realmente previsível. A materialização desta integração acontece quando novos contratos acontecem. Contratos de compra e venda de mercadorias e serviços nos mercados “spot”; contratos de compra e venda de m&s com garantia firme de suprimento em “suply chains” e contratos de capital em “joint ventures”, fusões, aquisições e participações minoritárias. A presença e o investimento de empresas brasileiras em outros mercados é fundamental para que as oportunidades surjam e se concretizem em novos contratos.
Fundos de investimento desempenham um papel fundamental nos negócios internacionais e seus gestores são hoje os principais atores do mercado internacional. Os executivos das empresas que são “global players”, CEO`s, CFO`s , conselheiros, consultores e gerentes trabalham em regimes rigorosos de metas de desempenho sempre com remuneração variável em função do resultado e possuem uma rotatividade muito maior do que nas empresas produtivas do passado. Os fundos participam temporariamente de inúmeras operações (empresas) buscando sempre melhorar sua performance em termos de retorno dos investidores.
Os governos também mudaram sua maneira de intervir e incentivar o que interessa aos seus países. Fóruns multilaterais, diplomacia comercial e acordos bilaterais são decisivos e ocupam os agentes governamentais que precisam ser preparados para estas tarefas. A relação de parceria e cumplicidade entre o interesse do país e o mundo dos negócios não pode se degenerar em tenebrosas transações mafiosas nem ser transformada, relações de compadrio nem a politica industrial deve institucionalizar o capitalismo de laços. Bancos de investimento e de comercio exterior estatais também desempenham um papel relevante no processo de integração e na concretização de novos negócios.
O livro “Porque as nações fracassam” de Daron Acemoglu e James Robinson, já é um novo clássico. Sua receita para o sucesso é a adoção de instituições econômicas e políticas includentes, que são capazes de reconhecer, incentivar e premiar comportamentos inovadores que agregam valor e também coibir praticas predatórias “extrativistas” que capturam renda da sociedade por mecanismos espúrios . Uma politica industrial que articule agentes públicos e privados para objetivos comuns de integração competitiva e desenvolvimento sem promiscuidade precisa funcionar e ser reconhecida como sendo uma instituição includente, capaz de angariar o respeito e a confiança da sociedade e dos mercados.
A boa governança nos mercados privados, na gestão das empresas, nos negócios velozes e inovadores do século XXI significa antes de tudo o reconhecimento de que é a confiança(11) que assegura e garante a expectativa de valorização dos ativos. Mais do que nunca no mundo moderno a riqueza é lastreada fundamentalmente em confiança. Os governos e as politicas publicas, particularmente a politica industrial precisa ter governança transparente e “acountability”, procedimentos e normas aceitas por todos os atores públicos e privados, compromisso com padrões de conformidade para que possa inspirar confiança e exercer um ativismo governamental saudável , reconhecido como “fair trade” no contexto das relações internacionais.
Notas
- André Lara Resende se refere `a “tecnocracia liberal ilustrada” e a Gudin como seu primeiro expoente para designar os economistas que estiveram, como ele, na linha de frente do Plano Real em Juros Moeda e Ortodoxia, Portfolio-Penguin 2017.
- André Lara Resende: Linhas mestras Gudin e Simonson em Juros Moeda e Ortodoxia, Portfolio-Penguin 2017
- Sergio Besserman Vianna e André Villela: O pós-Guerra (1945-1955) em Economia Brasileira Conteporânea. Organizado por Fabio Giambiagi, André Villela, Lavínia Barros de Castro e Jennifer Hermann. Campus Elsevier 2004.
- André Lara Resende. Juros e conservadorismo intelectual. Artigo para Valor Econômico em janeiro de 2017.
- Jennifer Hermann. Reformas, endividamento externo e o “Milagre” econômico. Em Economia Brasileira Conteporânea. Organizado por Fabio Giambiagi, André Villela, Lavínia Barros de Castro e Jennifer Hermann. Campus Elsevier 2004.
- Edmar Bacha. Década de 1990. Em Economia Brasileira: Notas breves sobre as décadas de 1960 a 2020. Livro comemorativo dos 60 anos da Itaú Asset Management.
- Júlio Olimpio Fusaro Mourão. Integração Competitiva e o Planejamento Estratégico do BNDES. Em Revista do BNDES dezembro de 1994.
- Diretrizes Gerais de Politica Industrial e de Comercio Exterior. Portaria MEFP Nº 365, De 26 De Junho de 1990. DOU 27/06/1990.
- Luiz Paulo Vellozo Lucas. A derrota de um modelo de sucesso. Em Petróleo: Reforma e contra reforma do setor petrolífero brasileiro. Organizado por Fábio Giambiagi e Luiz Paulo Vellozo Lucas. Campus Elsevier 2012.
- Ricardo Tavares: Trazer a política industrial para o século XXI. Em FAP Fundação Astrogildo Pereira
- Gustavo H.B.Franco. A construção da moeda fiduciária é a historia da confiança, base do sistema financeiro. Em A Moeda e a Lei. Uma história monetária brasileira 1933-2013. Zahar 2017.
Ricardo Tavares: Trazer a política industrial brasileira para o século XXI
País enfrenta a perda de competitividade internacional, visto que os nossos parceiros comerciais mais competitivos penetram o nosso mercado e deslocam a produção brasileira de mercados tradicionais de nossas exportações industriais, como a América Latina.
A produção industrial mudou nas últimas décadas com fábricas e cadeias produtivas nacionais cedendo lugar a cadeias de produção transfronteiriças aonde tarefas e componentes atravessam vários países, frequentemente, mais de uma vez, até que o produto seja finalizado numa zona de baixo custo de mão de obra. O Brasil ficou à margem deste processo, procurou adensar as suas cadeias produtivas nacionalmente e utilizou abundantemente políticas de “conteúdo local”.
Isto resultou, nas palavras do economista Otaviano Canuto, em cadeias de produção “densas demais”, que levaram à perda de competitividade internacional. Subsídios setoriais e políticas de proteção já não são mais suficientes para dar sobrevivência à indústria brasileira, visto que os nossos parceiros comerciais mais competitivos penetram o nosso mercado e deslocam a produção brasileira de mercados tradicionais de nossas exportações industriais, como a América Latina.
O debate no Brasil, especialmente entre economistas na academia, no entanto, continua resistente à ideia de que o país precisa reavaliar sua politica industrial na direção de maior integração com cadeias globais. Os argumentos são variados, mas aqui vão três deles:
A fragmentação dos processos produtivos não é boa para os sócios mais fracos, porque só países centrais mantêm os melhores empregos e salários;
A China define a ordem industrial atual e nossa integração nos desindustrializa e nos torna meros fornecedores de commodities;
Finalmente, surge o argumento de que não valeria a pena o Brasil se inserir em cadeias globais exatamente quando a Indústria 4.0, com tecnologias como a Internet das Coisas, Robótica, Impressão 3D, Inteligência Artificial e Realidade Virtual irão reverticalizar a indústria e reduzir a importâncias destas mesmas cadeias.
O economista Richard Baldwin notou que os países do G-7 em 1990 tinham cerca de 70% da renda mundial, mas hoje possuem algo como 45% e caindo. Este significativo deslocamento de renda se deveu à fragmentação da produção e à expansão de cadeias globais de valor. Seis países em desenvolvimento se beneficiaram fartamente deste processo por sua integração a cadeias globais: China, Coréia do Sul, Índia, México, Polônia e Tailândia. O Brasil ficou à margem deste processo. Centenas de milhões de pessoas saíram da faixa de pobreza. Assim, a ideia de que as cadeias globais simplesmente criam injustiça nos países em desenvolvimento é mais complicada do que a simplicidade do argumento indica.
A China hoje ocupa papel central nas cadeias produtivas de várias indústrias-chave. Ganhou esta posição saindo debaixo, importando bens de capital e componented e subindo a ladeira das cadeias de valor. As políticas chinesas vão muito além do simples livre comércio, mas são baseadas em importar para exportar, agindo estrategicamente em vários setores, integrando-se e buscando papel mais central nas cadeias. No entanto, não é responsabilidade da China que o Brasil tenha aproveitado o ciclo de commodities para aumentar o consumo sem crescer seus investimentos, ou que tenha optado por adensar cadeias locais antes de se integrar ao dinâmico processo de formação de cadeias globais. Estas responsabilidades são exclusivamente nossas.
Quanto à Indústria 4.0 está claro que terá impacto nas cadeias produtivas globais. O que não está claro é qual será a direção deste impacto. O Fórum Econômico Mundial (WEF), por exemplo, está promovendo debates sobre a questão. No caso da Impressão 3D, o WEF concluiu que o impacto é mais restrito a produtos industriais de baixa escala e alto valor. Outras tecnologias vão ser integradas à produção nos próximos anos. Vale a pena esperar sentado pela reverticalização enquanto a bola continua rodando em cadeias transfonteiriças? Como será a indústria brasileira em cinco ou dez anos sem ajustes? Além disso, estas novas tecnologias permitirão aos países do G7 recapturar nacos da renda mundial, agora junto com a China? Uma reverticalização da indústria num novo patamar tecnológico daria mais ou menos oportunidades ao Brasil?
Ao invés de questionar a importância da integração, seria mais útil discutir como o Brasil pode se beneficiar de cadeias globais de valor, que na verdade tendem a se estruturar regionalmente. Trata-se de uma tarefa gigantesca. As políticas não podem mudar radicalmente do dia para a noite, visto que isso terminaria por destruir a indústria. É importante pensar um processo de transição de cadeias densas demais para maior integração.
O governo Dilma Rousseff (2011-2016) é responsável por políticas de conteúdo local que levaram painel da Organização Mundial de Comércio (OMC) a condenar o Brasil por programas como o Inovar-Auto e a Lei de Informática. Mas ironicamente criou o RECOF, programa aduaneiro especial que deu à indústria exportadora intensa em tecnologia mais flexibilidade para importar insumos à produção sem pagamento de impostos imediatos, com a isenção se configurando quando produto é exportado. Isto certamente está dando impulso à maior integração do Brasil em cadeias internacionais e à melhoria das condições de competitivade das nossas exportações industriais em setores de intensidade tecnológica.
A Embraer por seu turno está procurando fazer, com o apoio da Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), um programa de localização de fornecedores de insumos industriais diferente do passado, estimulando o desenvolvimento de sua cadeia local de fornecedores de componentes não somente para suprir a Embraer mas para exportar para a indústria aeronáutica international. O conteúdo local para vender somente no próprio país não faz qualquer sentido e destrói a competitividade internacional da indústria. Devemos pensar em iniciativas semelhantes para outros setores.
A política industrial brasileira dos últimos 10 anos ficou parada no século XX. É preciso fazê-la chegar ao século XXI. O RECOF deu um passo importante. A próxima etapa é sem dúvida a modernização da política comercial.
* Ricardo Tavares é cientista político e consultor de empresas; é presidente da TechPolis, empresa de consultoria internacional.