Política Bolsonaro
PEC da Transição será protocolada até terça (29) no Senado, diz relator do Orçamento
Cristiane Sampaio*, Brasil de Fato
O relator-geral do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou, nesta quinta-feira (24), que o texto da “PEC da Transição” será protocolado no Congresso Nacional até a próxima terça-feira (29). A medida traz a previsão de gastos não projetados na proposta de orçamento enviada pela gestão Bolsonaro ao Legislativo para o ano que vem.
“Os dois grandes desafios que temos para que o país continue funcionando são a aprovação da PEC do Bolsa Família e o orçamento do próximo ano. Para que possamos focar na elaboração do orçamento, precisamos que a PEC seja aprovada no Senado e na Câmara até 10 de dezembro. Portanto, até a próxima terça irei protocolar o texto da PEC para darmos celeridade à aprovação da matéria nas duas Casas e garantirmos a continuidade do pagamento dos R$ 600 reais do Bolsa Família e mais R$ 150 reais por criança de até 6 anos de idade”, disse, em nota.
A proposta tem terreno fértil na Câmara dos Deputados, mas ainda é alvo de divergências no Senado, casa por onde deve iniciar a tramitação do texto. “Estamos fazendo as conversas no Congresso Nacional, no Senado. Eu aposto muito na solução política, como disse o presidente [Lula], que o Congresso Nacional tem responsabilidade para com o povo brasileiro. Obviamente que, se isso não for possível, vamos buscar outras saídas”, disse nesta quinta a coordenadora de articulação política da transição de governo e presidenta do PT, Gleisi Hoffmann.
Questionada sobre as dificuldades em torno do texto, Gleisi também negou a afirmação dada mais cedo pelo senador Jaques Wagner (PT-BA) de que estaria faltando a indicação do futuro ministro da Fazenda para a equipe de Lula conseguir destravar as negociações no Senado.
“Não vejo isso. eu acho que a articulação política se dá no Congresso, independe de quem é ministro. Eu acho que a gente tem que respeitar o tempo do presidente Lula de avaliar quem ele quer nos ministérios, até porque isso é uma responsabilidade muito grande. Se você colocar um ministro, não pode tirar logo em seguida, então, acho que tem que ser avaliado.”
A presidenta também creditou o embaraço da pauta ao modo como as costuras vêm sendo feitas e sugeriu que falta habilidade no processo conduzido pelos correligionários. “Está faltando articulação política no Senado, por isso que eu acho que nós travamos na PEC. [Foi] a forma como foi iniciado o processo, sem falar ou sem formatar uma base mais forte de governo. Não é falta de ministro”.
*Texto publicado no site Brasil de Fato
Nas entrelinhas: Dois meses para evitar um colapso político-administrativo
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Que ninguém se engane. A primeira tarefa da transição iniciada, ontem, sob a coordenação do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin é evitar um colapso político-administrativo do governo federal, em razão da ruptura de políticas em curso, uma vez que a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva significa a retomada de um projeto nacional centrado em três grandes eixos: a construção de um Estado democrático ampliado, permeável à participação da sociedade; a retomada do desenvolvimento, em novas condições de sustentabilidade, numa economia globalizada; e o combate às desigualdades, com objetivo de erradicar a miséria e promover a inclusão social. O governo Bolsonaro tinha metas diametralmente opostas.
Qual é a base real para que o colapso não aconteça? Primeiro, o diálogo entre quem sai e quem entra, para que se estabeleçam níveis básicos de cooperação. De certa forma, o encontro entre o presidente Jair Bolsonaro (PL), depois de seu apelo para que os caminhoneiros liberassem as estradas, e Alckmin foi auspicioso, não importa o teor da conversa.
Com a derrota eleitoral, o governo Bolsonaro acabou, mas seu mandato ainda não. É preciso um mínimo de entendimento, mesmo se sabendo que não haverá diálogo entre o atual presidente e o sucessor por absoluta incompatibilidade de gênios, como diria o falecido compositor Aldir Blanc. Todos os sinais de Bolsonaro são de que não pretende passar a faixa para Lula no Palácio do Planalto. Do ponto de vista institucional, é apenas um gesto simbólico. O petista será diplomado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e empossado pelo Congresso.
Instituições
Segundo, o colapso pode ser evitado porque as funções essenciais do Estado são asseguradas pelos órgãos encarregados de normatizar, arrecadar e de coerção, os quais não seguem apenas a orientação política do presidente da República, mas regras estabelecidas pelo Congresso, que são dirimidas, em casos litigiosos, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O processo eleitoral, no decorrer de um ano muito turbulento, confirmou o que já se dizia antes: temos instituições fortes, que resistiram aos assédios dos setores que defendem um regime autoritário.
Nas áreas essenciais para o funcionamento do governo, uma burocracia estável e bem preparada opera a administração pública sob o manto da ética e da responsabilidade. As exceções já são conhecidas e seus protagonistas estão identificados. Não têm força para obstruir a transição, a ponto de pôr em colapso essas atividades essenciais, entre as quais a defesa da ordem.
Terceiro, o fato de que existe uma classe política cuja capacidade de sobrevivência e adaptação às circunstâncias foi mais uma vez comprovada nas eleições. É inegável o fortalecimento dos partidos do Centrão, o que exigirá negociações duras em relação a temas sensíveis do Orçamento. Onde há política, há esperança de soluções negociadas e positivas.
Segundo Alckmin, haverá continuidade, planejamento e transparência na transição, o que significa acesso da imprensa às negociações e acompanhamento por parte da opinião pública. O xis da questão é encontrar um ponto de equilíbrio entre a responsabilidade fiscal e as demandas sociais mais urgentes, entre as quais a manutenção do Auxílio Brasil no valor de R$ 600, que não está previsto no Orçamento de 2023.
Sem trégua
Lula não terá a tradicional trégua de 100 dias para se instalar no Palácio do Planalto e começar a governar. Foi eleito por estreita margem de votos, sua vitória continua sendo contestada por boa parte dos eleitores de Bolsonaro, uns porque são ideologicamente de extrema direita, outros porque são antipetistas roxos. A reversão das expectativas que criou na campanha eleitoral, junto àqueles que mais necessitam do apoio do governo federal, pode mudar rapidamente a correlação de forças políticas, transformando o sentimento “era feliz e não sabia” que o trouxe volta ao poder num bumerangue.
Qual o antídoto contra isso? Não é uma política populista, porque essa receita foi praticamente esgotada por Bolsonaro durante a campanha eleitoral, na qual gastou-se muito mais do que se deveria. O verdadeiro antídoto é a construção de um governo de ampla coalizão democrática, tarefa pessoal e intransferível de Lula. Os primeiros sinais de que o novo governo terá esse caráter estão visíveis: a composição ampla da equipe de transição, as negociações com os caciques do Centrão, a valorização da aliança com os partidos e a não cooptação de seus integrantes para compor o novo governo.
Lula é um líder político experiente, com capacidade de negociação. Sabe perfeitamente quais foram os erros que cometeu no poder. A lógica é não repeti-los. A cúpula do PT, encabeçada por Gleisi Hoffmann e Aloizio Mercadante na transição, também tem experiência política e administrativa. Sabe que não vale a pena cotovelar os aliados para ocupar todos os espaços no futuro governo, pois já têm a Presidência e o controle das posições mais estratégicas e importantes.
Após vitória de Lula, caminhoneiros fecham vias e pedem intervenção militar
Aline Brito *, Correio Braziliense
Após a derrota de Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno das eleições, neste domingo (30/10), caminhoneiros apoiadores do presidente fecharam trechos de estradas no Mato Grosso. Outras lideranças da categoria se organizam para bloquear BRs em Minas Gerais, Bahia, Goiás e no Sul do país.
Os apoiadores do presidente derrotado nas urnas alegam não aceitar a vitória do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito com 50,90% dos votos válidos, e pedem por uma intervenção militar. “72 horas para o exército tomar conta [...] Não tem político nenhum que vai chegar perto de nós e só saímos da rua quando o Exército intervir. É o nosso futuro que está em jogo”, afirmou um dos integrantes do movimento em vídeo publicado na internet.
Alguns caminhoneiros estão usando os próprios caminhões para bloquear as vias, outros estão queimando pneus. Os protestos são acompanhados do hino nacional, como trilha sonora, e manifestantes vestidos com a camisa do Brasil e a bandeira do país amarrada ao corpo. Eles também reivindicam o artigo 142 da Constituição Federal, que estabelece que as Forças Armadas "destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".
Alguns caminhoneiros estão usando os próprios caminhões para bloquear as vias, outros estão queimando pneus. Os protestos são acompanhados do hino nacional, como trilha sonora, e manifestantes vestidos com a camisa do Brasil e a bandeira do país amarrada ao corpo. Eles também reivindicam o artigo 142 da Constituição Federal, que estabelece que as Forças Armadas "destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".
De acordo com os caminhoneiros, eles “só voltarão para casa quando o exército tomar o Brasil”. Alguns integrantes da categoria estão usando as redes sociais para convocar eleitores de Bolsonaro para os protestos e, segundo alguns manifestantes no Twitter, representantes do agronegócio também estão aderindo à paralisação. “Ou lutamos agora ou perderemos o Brasil para o resto da vida”, disse um bolsonarista em vídeo.
Veja a repercussão nas redes:
*Texto publicado originalmente no Correio Braziliense
Revista online | Editorial: As três frentes do segundo turno
Chegamos à véspera do segundo turno das eleições gerais deste ano, um evento crucial para o futuro imediato do país, no qual está em jogo nada menos que o ordenamento democrático que vigora entre nós, numa conjuntura permeada de incertezas. Sabemos a importância do pleito para o futuro de todos nós. É cristalino, também, que o voto em Lula, o candidato da oposição, é a opção das forças que sustentam a agenda democrática e progressista no país, enquanto o candidato do governo representa o retrocesso político, social e econômico. Finalmente, parece igualmente claro que a disputa não será decidida apenas na frente eleitoral.
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Três frentes de embate político estão desenhadas hoje. Há, em primeiro lugar, e mais importante, o lado eleitoral do confronto, lado que seria exclusivo, em circunstâncias de normalidade democrática. Nessa disputa, a mensagem das pesquisas parece, até o momento, favorável aos democratas. Cabe sempre lembrar, contudo, que o primeiro turno demonstrou, uma vez mais, a insuficiência desse instrumento, em tempos de redes sociais ativas, disseminação de notícias falsas, adesão massiva a teorias conspiratórias e aumento do número de eleitores tardios e não confiáveis, para a antecipação dos resultados efetivos das urnas. O momento, portanto, não permite vacilação e a campanha em favor do candidato Lula deve permanecer ativa até o último minuto.
Uma segunda frente de disputa está em movimento e poderá permanecer aberta, em caso de derrota do governo, até a posse dos eleitos. Trata-se da frente judicial, a frente da chicana jurídica, na qual pretextos são empilhados para retirar legitimidade ao resultado das eleições e justificar o não cumprimento da vontade da maioria. Acabamos de assistir à manifestação do candidato do governo, em favor de medidas extraordinárias para responder a supostas irregularidades na distribuição da propaganda eleitoral no rádio. Mesmo diante da postura firme do Tribunal Superior Eleitoral, de recusa dessas alegações infundadas, que deve ter o apoio ativo e permanente de todos os democratas, novos episódios similares são possíveis de se prever.
Confira, a seguir, galeria de imagens:
Finalmente, alguns incidentes graves anunciam a abertura de uma terceira frente de confronto político: a frente da arruaça e do tumulto. Um episódio obscuro na campanha do candidato da situação ao governo de São Paulo, envolvendo disparos, com ao menos uma vítima, chegou ao noticiário e resiste às tentativas de abafamento. Um conhecido político, contumaz na divulgação de peças de vídeo com cenas explícitas de apologia ao crime, resistiu à prisão com tiros e arremesso de granadas. Apoiadores do governo são vistos em campanha portando armas de fogo. Tudo indica que episódios de contestação ampla da ordem legal encontram-se em gestação, no intuito, talvez, de conseguir algo semelhante, nas circunstâncias locais, à invasão do Capitólio nos Estados Unidos, por partidários do presidente derrotado nas eleições.
Nesse quadro de incertezas, só há um caminho para as forças democráticas do país. Empenhar todo seu esforço pela vitória eleitoral de Lula. Cerrar fileiras no apoio ao trabalho do Tribunal Superior Eleitoral em prol da garantia da integridade do processo, contra as manobras diversionistas do governo. Reclamar a intervenção das autoridades locais, estaduais e nacionais sempre que a ordem pública estiver sob ameaça.
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Eleições 2022: 'Economist' fala em 'vitória com gosto de derrota'
BBC News Brasil*
A eleição presidencial brasileira ocupou posições de destaque em portais da imprensa internacional — com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em geral, sendo apresentado como vitorioso, mas sem força suficiente para garantir uma vitória no primeiro turno sobre o presidente Jair Bolsonaro (PL).
A seguir, confira como alguns dos principais veículos de imprensa do mundo noticiaram a eleição presidencial brasileira, cujo segundo turno será disputado em 30 de outubro.
'Vitória com gosto de derrota'
A revista britânica The Economist, que deu destaque em seu site para o resultado do primeiro turno da eleição presidencial brasileira, abre sua reportagem principal afirmando que para o ex-presidente Lula, foi uma "vitória com gosto de derrota".
O texto destaca que Bolsonaro se saiu melhor do que o esperado, e que o momentum agora está com ele, e não com Lula — lembrando que muitos aliados do presidente foram eleitos para o Congresso.
Diante deste cenário, a reportagem afirma que se Lula vencer, pode ter dificuldades para governar.
"Isso terá implicações a longo prazo. Mesmo que Bolsonaro perca a presidência, o bolsonarismo parece uma força que chegou no Brasil para ficar."
E diz ainda que o "segundo turno será um teste para as instituições brasileiras".
"Especialmente se Lula acabar vencendo por uma margem estreita, e Bolsonaro se recusar a aceitar o resultado."
'Grande golpe para brasileiros progressistas'
O jornal The Guardian, também do Reino Unido, destacou que Lula foi vitorioso no primeiro turno, mas com desempenho insuficiente. O título de uma das matérias principais do site, que transmitiu os resultados da eleição brasileira em tempo real, dizia: "Ex-presidente Lula ganha em votos, mas não com vitória definitiva".
"O resultado da eleição foi um grande golpe para os brasileiros progressistas que estavam torcendo por uma vitória enfática sobre Bolsonaro, um ex-capitão do Exército que atacou repetidamente as instituições democráticas do país e vandalizou a reputação internacional do Brasil", diz um trecho da reportagem.
Pesquisas julgaram mal força dos conservadores
O jornal americano The New York Times, que criou uma página de transmissão ao vivo de informações sobre a eleição brasileira em seu site no domingo, destacou na página principal que Bolsonaro e Lula vão para o segundo turno.
A reportagem do site do jornal começa afirmando que Bolsonaro teve um desempenho melhor do que o previsto por analistas e pesquisas de intenção de voto — que, nas últimas semanas, "sugeriram que ele poderia até perder no primeiro turno".
"Durante meses, pesquisadores e analistas disseram que o presidente Jair Bolsonaro estava fadado ao fracasso."
"Em vez disso, Bolsonaro estava comemorando. Embora seu adversário, Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente de esquerda, tenha terminado a noite na frente, Bolsonaro superou em muito as previsões e levou a disputa ao segundo turno", acrescenta o texto.
A reportagem cita ainda as eleições estaduais e legislativas, dizendo que "as pesquisas pareceram julgar mal a força dos candidatos conservadores em todo o país."
Ainda assim, o jornal afirma que, nas próximas quatro semanas, Bolsonaro terá que abrir vantagem sobre Lula, que saiu na frente no primeiro turno.
"O presidente de direita está tentando evitar se tornar o primeiro presidente no cargo a perder sua candidatura à reeleição desde o início da democracia moderna no Brasil em 1988."
A publicação destaca ainda que a eleição de 30 de outubro é considerada "a votação mais importante em décadas para o país" — "vista como um grande teste para uma das maiores democracias do mundo".
Para muitos brasileiros, o impensável aconteceu
O Washington Post também destacou no topo de sua página principal que o Brasil teria um segundo turno, afirmando que "o próximo turno colocará Bolsonaro, um incendiário contrário a regulações (pelo Estado) que é chamado de versão brasileira de Donald Trump, contra seu inimigo político, da Silva, líder do Partido dos Trabalhadores".
"A eleição chamou atenção global como o mais novo palco para a luta mundial entre a democracia e o autoritarismo", diz uma parte do texto.
O jornal também mencionou a disparidade entre as pequisas de intenção de voto, que "mostraram consistentemente que Bolsonaro perderia — e perderia feio", e o resultado nas urnas.
"Para muitos brasileiros, o impensável já aconteceu", afirma o texto.
E avalia que o Brasil entra agora em um período "potencialmente desestabilizador" até o segundo turno.
"O país mergulhará agora no que pode ser seu momento politicamente mais incerto desde que deixou o jugo da ditadura. O medo que muitas pessoas já sentiam ao entrar nesta eleição — medo da violência, medo do futuro do país — só aumentará nas próximas semanas."
Feridas continuam abertas
O jornal Público, de Portugal, destacou na manchete "Brasil vai ao 2º turno. Lula vence por 6 milhões de votos" — e trouxe ainda no topo do seu site várias matérias e artigos, além de um editorial com título "Brasil: as feridas continuam abertas".
O Diário de Notícias também publicou no site várias notícias sobre a eleição brasileira, incluindo a manchete "Lula e Bolsonaro vão ao segundo turno".
Já o francês Le Monde destacou o resultado no Brasil como manchete do site: "Eleição presidencial no Brasil: Lula à frente de Bolsonaro, com segundo turno a ocorrer em 30 de setembro".
O subtítulo acrescentava: "Com 48% dos votos, o representante do Partido dos Trabalhadores, antigo chefe de Estado de 2003 a 2010, tem quatro pontos e meio de vantagem em relação ao presidente de extrema direita".
Na América Latina
No México, maior país da América Latina depois do Brasil, um dos principais jornais do país, o El Universal, também colocou como manchete o resultado da eleição brasileira: "Lula e Bolsonaro definirão a presidência do Brasil em segundo turno".
O colombiano El Tiempo manchetou que "Lula da Silva e Jair Bolsonaro irão ao segundo turno".
Eleição surpreendente e apertada
Na Argentina, o jornal Clarín destacou na manchete o resultado da eleição brasileira como inesperado: "Eleição surpreendente e apertada: Lula ganhou mas irá a disputa com Bolsonaro". O jornal trouxe ainda no topo do site uma seção com informações em tempo real sobre a eleição brasileira.
Final com suspense
O La Nación também trouxe na manchete a surpresa do resultado:
"Final com suspense no Brasil. Lula ganhou, mas a surpresa foi Bolsonaro e haverá mais uma rodada de votação."
*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil
Editorial revista online | A presença da sociedade civil
O país assiste, desde o 11 de agosto passado, à emergência de um ator relevante, até então tímido, quando não ausente, na cena política contemporânea: a sociedade civil organizada. Um manifesto em prol da democracia, com apoio amplo e objetivos muito claros, foi lido em inúmeros atos públicos ocorridos em São Paulo e diversas outras cidades brasileiras.
O texto exige, de forma clara, respeito ao processo e aos resultados eleitorais, assim como a coordenação harmônica entre os Poderes da República, em prol das tarefas que o mundo do presente impõe ao país. O impulso unitário que inspira o movimento transparece na diversidade de seus signatários: organizações de ensino superior, atores de movimentos sociais, entidades que congregam interesses de empresários e trabalhadores, além de centenas de milhares de cidadãos. Há diversidade política, com personagens de posições opostas nos embates recentes de nossa história, há diversidade de interesses econômicos, muitas vezes contraditórios, há diversidade de causas que congregam militantes e movimentos. Todos, no entanto, se manifestam hoje unificados, na defesa da democracia, contra as ameaças que sobre ela pesam.
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A resistência contra os avanços do autoritarismo supera as contradições eleitorais dos candidatos do campo democrático com os candidatos do governo, arautos da agenda do retrocesso, para alcançar patamares mais elevados de luta. Veio à luz a afirmação do consenso democrático, que une trabalhadores, empresários e intelectuais, representantes das forças vivas da nação.
Confira, a seguir, galeria de fotos:
É inescapável a associação do manifesto de hoje com o manifesto de ontem, a Carta aos Brasileiros, lida na mesma data de 1977, na Faculdade de Direito da USP, de impacto singular na derrota do regime ditatorial de então.
Infelizmente, contudo, tampouco é possível deixar de relacionar essa manifestação vigorosa em prol da democracia com a divulgação, poucos dias depois, de conversações mantidas por grupo de empresários governistas, com ataques às instituições democráticas e apologia de regimes autoritários.
O sinal é claro: há movimentos entre os partidários da desordem e do autoritarismo. O risco às instituições permanece, portanto, apesar da manifestação de unidade e força dos partidários da democracia.
Nesse quadro, a lição dos fatos aponta para a formulação de consignas comuns, ao lado da manifestação de diferenças políticas legítimas, no embate eleitoral, a todos os candidatos do campo democrático.
Pelo comparecimento às urnas no dia do pleito, contra o voto em branco, contra o voto nulo, nenhum voto para os candidatos do autoritarismo.
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"Tchuchuca do Centrão": Bolsonaro se revolta e parte para cima de youtuber
Brasil de Fato*
Ouça áudio:
O presidente Jair Bolsonaro (PL) partiu pra cima do youtuber Wilker Leão, nesta quinta-feira (18), na saída do Palácio da Alvorada. O youtuber costuma fazer vídeos provocado apoiadores do presidente e também militantes de esquerda.
Próximo ao carro do presidente, o blogueiro começou a fazer perguntas quando foi empurrado por alguém da segurança de Bolsonaro. Irritado, xingou Bolsonaro de “vagabundo”, “safado”, “covarde” e “tchutchuca do Centrão”. Esse último termo, inclusive, chegou ao topo dos trending topics da rede social no país, sendo o assunto mais comentado na manhã desta quinta.
Bolsonaro entrou no carro, mas não aguentou e saiu e partiu pra cima de Leão, tentando tirar seu celular. Depois do caso, ele chegou a topar conversar com Wilker Leão, de acordo com jornalistas presentes no local.
Assista vídeo:
Leia a repercussão
*Texto publicado originalmente em Brasil de Fato. Título editado.
Nas entrelinhas: Agenda de rua esquenta largada das eleições
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A campanha eleitoral propriamente dita começou ontem, com os candidatos procurando marcar presença nas ruas da forma mais simbólica possível. O ex-presidente Luiz Inácio da Silva (PT) começou a campanha no berço de sua trajetória como líder sindical, uma fábrica de automóveis em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, ao lado dos candidatos da coligação ao governo de São Paulo, Fernando Haddad(PT), e ao Senado, Márcio França (PSB). Ao lado da primeira-dama Michele, o presidente Jair Bolsonaro (PL) lançou sua campanha à reeleição em Juiz de Fora, em Minas, cidade na qual foi esfaqueado, em setembro de 2018, episódio que para muitos analistas foi decisivo para consolidar sua imagem de “mito” predestinado e alavancar sua vitória eleitoral.
Em São Bernardo, Lula ressaltou seus vínculos históricos com os metalúrgicos de São Paulo, relembrou episódios de sua vida sindical e comparou os anos de seu governo com os dias atuais. “Não é por falta de dinheiro, é por falta de vergonha das pessoas que governam. As pessoas não têm sentimentos, não sabem o que é fome, não sabem o que é um cidadão ficar mendigando no seu vizinho por um prato de comida”, disse.
Em Juiz de Fora, no Aeroporto da Serrinha, Bolsonaro se encontrou com pastores evangélicos e discursou para um pequeno grupo de apoiadores. Estava acompanhado também do general Braga Netto, seu vice; e do senador Carlos Viana (PL-MG)), candidato ao governo de Minas Gerais. Depois, de participar de uma “motociata”, discursou de um carro de som, no centro da cidade, defendendo sua pauta conservadora. Falou contra o aborto e a legalização das drogas; citou a Bíblia, fez louvações a Deus e enfatizou a redução do preço dos combustíveis e da inflação.
Pesquisas
Segundo a pesquisa Ipec divulgada na última segunda-feira, o Sul é a única região do país na qual Bolsonaro supera Lula (39% a 36%). Também está em vantagem entre os evangélicos (47% a 29%), entre quem recebe de 2 a 5 salários mínimos (41% a 32%) e quem recebe acima de 5 mínimos (46% a 36%). Há empate técnico entre quem tem ensino superior (Lula 36%, Bolsonaro 35%), na faixa dos 35 a 44 anos (Lula 39%, Bolsonaro 38%) e entre os entrevistados que se declaram brancos (Lula 39%; Bolsonaro 35%).
Lula vence tanto entre as mulheres quanto entre os homens, idade, raça/cor, escolaridade, renda familiar, religião, número de habitantes da cidade, capital, interior ou periferia. Vence disparado entre quem recebe até 1 salário-mínimo (60% a 19%), inclusive entre quem recebe benefícios do governo federal (52% a 27%). Esses números surpreenderam o estado-maior de Bolsonaro, que aposta no pacote de bondades do governo para virar o jogo nas eleições. Apesar do volume de recursos que estão sendo liberados, essa transferência de renda ainda não está repercutindo na ponta ou perdeu impacto, por causa do anúncio antecipado e/ou da inflação.
Outra hipótese é a liberação desses recursos estar sendo atribuída ao favoritismo de Lula nas eleições, o que seria uma leitura política da própria população. Se essa tese for correta, Bolsonaro estará no sal. A estratégia do Centrão, de focar a campanha nos resultados da economia, estará fragilizada, o que fará recrudescer a narrativa do bolsonarismo raiz, que já predomina nas redes sociais. Essa questão está no centro das divergências sobre os programas de radio e tevê de Bolsonaro.
Oportunidade
A propósito, até o próximo dia 26, quando começará o horário eleitoral de radio e tevê, a movimentação de rua dos candidatos pautará a cobertura das eleições pelos meios de comunicação. Tanto Bolsonaro como Lula precisam de grandes aparatos para se movimentar, o que demanda muitos recursos e grande logística, além de cuidados redobrados com a segurança.
Isso também abre uma janela de oportunidade para que os demais candidatos, principalmente Ciro Gomes (6%) e Tebet (2%), tentem sair do canto do ringue em que estão sendo colocados pelas pesquisas. Ambos podem ir às ruas sem a necessidade de grandes aparatos. Embora Ciro Gomes tenha que lidar com desafetos petistas e bolsonaristas, esses conflitos também abrem espaço na mídia. Simone Tebet está sendo “cristianizada” pelos caciques do MDB, porém não precisa de muito aparato para realizar uma boa agenda de rua.
Revista online | "Não vai ter golpe", diz economista Edmar Bacha
Entrevista concedida a André Eduardo, Arlindo Fernandes de Oliveira, Benito Salomão e Benjamin Sicsú, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)
Sócio fundador e membro do conselho diretor do Instituto de Estudos em Política Econômica/Casa das Garças, o economista Edmar Bacha diz que os políticos aprenderam a lição de que “o controle da inflação é eleitoralmente importante”. Ele, que participou da equipe econômica do governo que instituiu o Plano Real, afirma que “o Brasil tem um governo inchado” e “orçamento apropriado por interesses específicos”.
Em entrevista exclusiva à revista Política Democrática online de agosto (46ª edição), Bacha ressalta a sustentabilidade e o desenvolvimento do país com equilíbrio ambiental. “Temos que pensar em uma alternativa, e a alternativa é a floresta”, afirma ele, que é ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Autor do livro No País dos Contrastes: Memórias da Infância ao Plano Real, em que revisita a trajetória acadêmica e profissional que o levou ao mais bem-sucedido projeto de estabilização econômica do Brasil, o economista critica o governo Bolsonaro. “Com as suas ameaças institucionais, faz com que o câmbio se deteriore e provoca uma inflação adicional àquela que o resto do mundo experimenta em face das mesmas circunstâncias”, analisa.
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Bacha diz ter assinado a carta em defesa da democracia organizada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), que ultrapassou um milhão de assinaturas. “Estamos todos dispostos a não somente assinar o manifesto, mas a ir para a rua em defesa das instituições, da democracia e, principalmente, dos órgãos superiores de Justiça, como o Tribunal Superior Eleitoral”, destaca. A seguir, confira os principais trechos da entrevista.
Revista Política Democrática (RPD): O país tem hoje déficit fiscal calculado pela Instituição Fiscal Independente (IFI) de, aproximadamente, R$ 200 bilhões e sofre deterioração cada vez maior no ambiente institucional que deve tratar dessa questão. No campo da política há, também, deterioração do tratamento dessa matéria no Congresso. O senhor acredita que teremos ambiente institucional para colocar este país nos trilhos?
Edmar Bacha (EB): Acredito que sim. Obviamente, sem boas instituições, não se vai a lugar nenhum, mas também acredito, inclusive, por experiência própria, na questão da liderança. Veja a importância que teve a liderança do Fernando Henrique Cardoso para a execução do Plano Real. Com toda a sapiência que os economistas pudessem ter, se não fosse a liderança do Fernando Henrique, não haveria plano Real. Todos nós da equipe estávamos muito relutantes naquelas condições políticas e governamentais tão precárias daquele período, logo após o impeachment de Fernando Collor. Itamar [Franco] entrou. Em sete meses, ele já tinha tido três ministros da Fazenda. O apoio no Congresso era dúbio, e fazer um plano daquela envergadura, com condições institucionais tão ruins, somente funcionou porque havia Fernando Henrique, com aquela capacidade enorme de dialogar, o enorme respeito que ele tinha no Congresso, junto ao presidente da República também, e a liderança que ele exercia sobre a equipe. Depende muito da qualidade da liderança que vamos eleger este ano.
Veja, abaixo, fotos do entrevistado:
RPD: O senhor está otimista ou pessimista quanto à possibilidade de conseguirmos enfrentar definitivamente essa eterna questão fiscal no nosso país?
EB: Estou totalmente integrado na campanha da Simone [Tebet]. Se Simone for eleita, não tenho nenhuma dúvida, dada a qualidade dela e a qualidade da equipe que ela vai levar, que conseguiremos lidar com a situação, inclusive, porque há quadros políticos também de muito boa qualidade, que sabem lidar com o Congresso. Então, depende. Com os dois que estão na liderança das pesquisas, não sei, não.
RPD: O senhor acha, então, que esse rombo de R$ 200 bilhões é difícil de combater?
EB: Não tenho nenhuma dúvida. Se o atual presidente se reeleger, estamos mal. Mas com o Lula, também, não me animo muito, não, dado o que a Dilma fez em termos de descontrole fiscal.
RPD: Como o senhor acha possível conciliar a responsabilidade fiscal com a necessidade de responsabilidade social? Furamos ou não o teto? Como atingir a melhoria da distribuição de renda, hoje o pior problema do Brasil?
EB: Ao lado da questão social, que nos persegue desde a colônia, temos a questão de um governo inchado, que absorve mais de um terço da renda nacional e não entrega serviços. Não entrega serviços por quê? O orçamento está apropriado por interesses específicos. Por exemplo, vê lá os 4,5% do PIB que vão para incentivos fiscais. Rico não paga imposto de renda. A classe média alta está toda pejotizada. Então, temos, realmente, um problema muito sério. Já gastamos demais, gastamos mal demais, e tem essa questão de como fazer caber benefício social para valer no orçamento. A resposta óbvia é: vamos substituir o gasto que está malfeito por um gasto que seja bem feito. Há quem fale: "mas isso está muito difícil, politicamente impossível fazer isso, fazer aquilo. Imagina, se você vai mexer com esse ou aquele, não vai conseguir”. Teria que aumentar imposto, mas o imposto em geral já está muito elevado. Então, como é que faz? Fura o teto? O problema não é tanto furar o teto, mas voltar com o problema da dívida, para, lá na frente, ter inflação. E aí não resolveu nada. Tenta resolver o problema do pobre agora, furando o teto, e deixa de resolver porque aumenta a inflação lá na frente. A solução é ter uma movimentação política forte. Precisamos mobilizar a população para entender o quanto que o orçamento está apropriado por interesses específicos que não são do interesse da população em geral e como é possível – alterando as prioridades no gasto do governo e melhorando a qualidade da receita, seja com uma reforma simplificadora dos impostos indiretos, seja com uma reforma com progressividade do imposto de renda – resolver essa situação de maneira estruturalmente melhor, em vez de ficar discutindo se fura teto ou não fura teto, que é uma maneira errada de colocar o problema. Temos que entender o que é a substância da questão. O teto é apenas um instrumento para tentar forçar uma solução positiva. Se não está funcionando, vamos pensar se há algo melhor que funcione, mas tendo que levar em conta essa questão: o Brasil, além de ter um governo inchado, grande, também tem uma dívida interna enorme para um país de nossa renda. A última coisa que a gente quer é virar Argentina. Então, está difícil, precisa de muita liderança, muita qualidade política, além de qualidade na análise econômica.
RPD: Hoje, com a crise climática e a falta de energia no mundo, especialmente na Europa, a gente vê as vantagens competitivas do Brasil, um país riquíssimo em água, em qualidade de solo, ainda com uma vegetação bastante grande, e que começa, cada vez mais, a fazer contas mostrando que, se simplesmente reflorestar a área degradada e usar isso para produzir hidrogênio verde, o país será um dos principais exportadores do mundo. Essa mudança é possível no Brasil nos próximos anos, dando prioridade para a economia verde, com a qual, além de renda de exportação e de abastecimento de produtos competitivos no mercado interno, haveria também possibilidade de geração de empregos mais qualificados. Gostaria que o senhor comentasse esse tema.
EB: Integralmente de acordo. Nós estamos falando da Amazônia, não? Porque não é só a questão das vantagens do reflorestamento em si, é também a questão dos créditos de carbono que isso pode gerar para o país. Temos o compromisso de zerar a emissão em 2050 para o grosso das atividades econômicas no mundo. Isso só vai ser possível não diretamente, mas por meio da compra de créditos. E quem pode oferecer esses créditos? Somos nós, preservando e reflorestando a Amazônia. Então, tem esse ganho adicional, e podemos pensar que é algo muito importante, em uma estratégia alternativa de desenvolvimento da Amazônia, que não envolva a maluquice de tentar substituir regionalmente importações de bens industrializados. A gente fez uma Zona Franca, que, em vez de exportar, serve para substituir importação. São Paulo manda as peças, eles montam a bicicleta [na Zona Franca] e mandam de volta para São Paulo. Isso é uma coisa louca. E com o custo que isso implica para o país em termos de subsídios fiscais, temos que pensar em uma alternativa, e a alternativa é a floresta. É nessa direção que temos que trabalhar.
RPD: O Brasil, aproximadamente de cinco em cinco anos, apresenta surtos inflacionários que colocam o Banco Central em uma sinuca de bico. Tivemos isso, recentemente, no governo Dilma, na transição do governo Fernando Henrique para o governo Lula e agora, de novo, vemos a inflação batendo na porta. Quais são as reformas necessárias que o Brasil precisa enfrentar para resolver de vez esse problema da inflação, visto que fizemos a reforma monetária no Plano Real, fizemos um conjunto de reformas de saneamento do sistema financeiro nos anos 90 e, mais recentemente, de forma até atrasada em relação ao mundo, demos a autonomia de que o Banco Central necessitava para poder perseguir a meta de inflação, e não conseguimos resolver o problema da inflação? O que falta?
EB: É uma pergunta difícil. Nós nunca mais voltaremos ao regime que tínhamos antes do Plano Real. E por que não? Porque os políticos aprenderam a lição. É uma lição que eles aprenderam, na verdade, não com o Real, mas com o Cruzado, porque, na ditadura, política de contenção da inflação era política de arrocho salarial. Então, a política de controle da inflação, na ditadura, tinha um mau nome, porque queriam apertar o torniquete monetário, segurar a variação de salários, e isso contribuía tanto para desemprego quanto para piora da distribuição de renda. Com certeza, políticas anti-inflacionárias eram impopulares. Agora, no Plano Cruzado, com aquela maluquice que foi o Plano Cruzado, os políticos aprenderam: "Cara, quando a gente para a inflação, a gente se reelege". Eles viram que tinha um jeito de parar a inflação que não era impopular; ao contrário, era muito popular. E aí, no Plano Real, quando a gente fez a coisa certa, de novo os políticos comprovaram: "Cara, a gente para a inflação, a gente se elege, se reelege até quatro anos depois que parou a inflação". Então, essa percepção de que o controle da inflação é eleitoralmente importante é uma lição que os políticos aprenderam. Tanto é assim que, quando a Dilma deixou chegar nos 10%, tiraram ela do poder. Agora, com a inflação de novo acima de 10%, olha o que o incumbente atual está sofrendo nas pesquisas eleitorais. E fazendo essas maluquices, a PEC “kamikaze”, para reduzir temporariamente a inflação agora, para aumentar no ano que vem. Imagina, em 1964, não havia Banco Central, era o Banco do Brasil, e lembro que, quando criaram o Banco Central, o Roberto Campos queria que fosse independente, um daqueles generais-presidente falou, quando contaram para ele: "Mas tem um Banco Central independente, general!". Ele disse: "Presidente aqui sou eu". E demitiu o Dênio Nogueira, que foi o primeiro presidente do Banco Central do Brasil. A gente melhorou muito desde então. Imagina se o PT apoiaria a independência do Banco Central em outros tempos. Há um respeito que é dado por essa consciência de que, se você mexer, se você brincar muito e deixar a inflação subir, você está fora do governo. Por isso, acho, pelo menos esse problema da hiperinflação, nós não vamos mais ter. Agora, tem o problema de que seguimos com uma alta inflação. No Brasil, hoje, estamos com 12% de inflação, os Estados Unidos estão com 9%. O que são os 3% adicionais? O nome é Bolsonaro, são as maluquices dele que, com as suas ameaças institucionais, faz com que o câmbio se deteriore e provoca uma inflação adicional àquela que o resto do mundo experimenta em face das mesmas circunstâncias. Mas o Banco Central brasileiro não está fora da curva do jeito que o banco americano está, eles vão ter que subir muito os juros lá. O desemprego lá está em 3,5%, a pressão inflacionária continua muito forte, e eles vão ter que subir mais os juros. Nós, aqui, não. O Banco Central já pode parar onde está. Se não fossem as maluquices do Bolsonaro, a gente já teria resolvido o problema, com uma trajetória de convergência muito mais forte do que aquela que podemos projetar hoje. Enfim, há também problemas técnicos e essas questões que você menciona são relevantes na discussão econômica.
RPD: Os bancos centrais, de forma geral, não só no Brasil, nos últimos 30 anos, como em boa parte dos países, passaram a buscar metas de inflação, a atuar como 'suavizadores' do ciclo econômico, a fazer política monetária, em grande medida, olhando para preço dos ativos nos mercados financeiros e de capital. São também os gestores da dívida pública dos governos, das dívidas soberanas e têm, talvez, poucos instrumentos. Os bancos centrais não estão assumindo responsabilidades demais com instrumentos de menos? O que o senhor pensa a respeito disso?
EB: Essa questão de ter instrumentos de menos, eu não sei, porque, em última análise, o pessoal que está no Banco Central não foi eleito. Estão lá para fazer um trabalho técnico. Quantos instrumentos você quer colocar na mão de quem não foi eleito? Acho que precisa ter cuidado. Nós, aqui no Brasil, temos o Conselho Monetário Nacional, o popular Cemenê, que é uma coisa boa. Podemos até discutir seu formato, suas funções, mas os ministros que o compõem respondem diretamente ao presidente da República e não têm um mandato fixo como o presidente do Banco Central. Então, são representantes políticos que estão ali respondendo à condução política. A fixação das metas, por exemplo, é muito bom que seja o Cemenê que faça e não o Banco Central. O Banco Central tem que reportar ao Cemenê quando não cumpre as metas. Esse arranjo está legal. No Brasil, o Banco Central é responsável pelas reservas internacionais também. Está funcionando, mas teve uma época que se queria vender reserva, e aí a questão é saber quem é o responsável pela reserva. Porque as reservas são do Tesouro, mas quem determina a política relacionada a elas é o Banco Central. São questões importantes, há muito tempo discutidas. Nos Estados Unidos, essa questão está de novo em debate, o pessoal achando que o Banco Central lá está sendo muito subserviente ao Executivo, com toda a independência formal que tem. Essa questão vai ficar conosco, não vai embora, e temos que ir aperfeiçoando, pouco a pouco, tateando para ver as melhores soluções, consistentes com a estabilidade de preços e a retomada do crescimento. Agora, é verdade, se o Banco Central estiver preocupado com a economia verde, com distribuição de renda, nós vamos entrar por um caminho complicado. O Banco Central, desde a presidência de Ilan Goldfajn, também está fazendo um trabalho maravilhoso, que é de regulação financeira progressista. O Pix é uma invenção extraordinária e de grande potencial para trazer a população para o sistema bancário e desfrutar dele, parar de pagar taxas sobre serviços que não têm custo, porque o Banco Central fez a centralização contra os interesses dos bancos. O Banco Central está nessa questão da liberdade bancária, de você ser o possuidor do seu próprio nível de crédito, que você possa carregar seu crédito de um banco para outro. Nós sabemos que temos aqui um sistema bancário oligopolizado. O Banco Central está dando muita corda para as fintechs para reduzir o poder oligopolístico dos bancos. Tudo isso, esse papel de regulação bancária progressista, é algo que se agrega às funções do Banco Central, mas é algo que precisava e precisa ser agregado.
RPD: Como é que o Brasil pode e que tipos de políticas seriam mais efetivas para sair dessa situação de produtividade estagnada, impedindo nossa saída da armadilha da renda média?
EB: Essa é uma questão central do país hoje. Diria o seguinte, para simplificar: produtividade depende de quatro coisas. A primeira é tecnologia. Você tem que ter acesso à tecnologia mais moderna que existe no mundo, porque você tem que trabalhar na fronteira de produção e com os insumos mais modernos que essa tecnologia oferece. A segunda é economia de escala. Você só consegue baratear produtos e aumentar a produtividade se tiver escala de produção. O terceiro ponto é especialização. Se você é um supermercado, tudo bem, mas, se for um supermercado produzindo porção de pecinhas, uma porção de coisinhas diferentes, não. Você tem que se especializar, isso é Adam Smith e David Ricardo. E o quarto ponto é a concorrência. Isso o Schumpeter já nos dizia. O grande propulsor do crescimento é a inovação, e inovação é concorrência, é você estar permanentemente desafiado em relação aos seus concorrentes, efetivos ou potenciais, para sempre estar aprimorando seu desempenho. Como é que você consegue essas quatro coisas? Com abertura. Tem que participar do comércio internacional. Você não pode ficar como a nossa indústria, olhando para o próprio umbigo e desfrutando de uma situação oligopolística de exploração do mercado interno, que é um mercado relativamente grande, mas, hoje em dia, qual é o PIB brasileiro? 2% do PIB mundial. Ou seja, 98% do mercado mundial está do lado de fora. Então, essa questão é fundamental. O que falei antes, dos interesses que se refletem no orçamento, aqui são os interesses que se refletem na política econômica em geral, que é esse fechamento ao comércio exterior. Porque os interesses dessas entidades que se beneficiam da proteção desbeneficiam o país, impedem o crescimento da produtividade e são muito fortes.
RPD: Uma questão difícil de se encarar, realmente, porque essa situação envolve o que vemos desde o fim da ditadura, que continua presente, os interesses particularistas e corporativos, não?
EB: Sim, mas penso no Plano Real, sabe? Por que deu certo apesar dos interesses a enfrentar? Porque havia boas ideias e muita experiência. Vou marcar aqui o livro do Mario Henrique Simonsen, com o título Inflação: gradualismo X tratamento de choque. Foi um marco para a mudança do pensamento econômico a respeito de como lidar com a inflação no país. Foi o primeiro. Depois, nos reuníamos lá na PUC, desde 1980, pensando sobre o problema. Então, tinha muito pensamento próprio, fundamentado, sobre a questão. Isso estava lá. A outra questão era experiência, porque, quando fizemos o Plano Cruzado, tínhamos experiência nenhuma, éramos um bando de recém-saídos da ditadura, achando que tínhamos que nos livrar do arrocho salarial, que congelamento estava tudo bem, enfim, que não precisava equilibrar o orçamento, que política monetária podia ser passiva. A gente não tinha essa experiência, e foi dura aquela experiência, aqueles oito anos, desde o Plano Cruzado, até que conseguimos fazer as coisas certas, passando por aquela maluquice que foi o Plano Collor.
RPD: Diante das ameaças às eleições, o senhor acredita que as reações da sociedade, que se revelam em manifestos da Faculdade de Direito da USP, da Fiesp e de entidades da sociedade civil, de que o senhor tem participado, seriam bastantes para dar um freio de arrumação nessas ameaças e conduzir o processo até outubro para que as eleições sejam realizadas de forma regular?
EB: O preço da liberdade é a eterna vigilância e, realmente, acho que a liberdade agora está sob ameaça. Nesse sentido, não basta apenas a vigilância. Eu assinei o manifesto, foi uma coisa maravilhosa, e ultrapassou um milhão de assinaturas. Estamos todos dispostos a não somente assinar o manifesto, mas a ir para a rua em defesa das instituições, da democracia e, principalmente, dos órgãos superiores de Justiça, como o Tribunal Superior Eleitoral. É isso que precisamos fazer. É uma coisa importante, que a sociedade civil se manifeste dessa forma que vem se manifestando, o que muito me alegra, mas também sabendo que, quando você olha a situação agora, não se compara com 1964, sabe? Em 1964, os Estados Unidos apoiavam o golpe, na verdade, estavam por trás do golpe, e agora já declararam que não apoiam golpe. Não vai ter golpe principalmente porque a população vai ficar contra. Então, isso vai fazer essa gente pensar duas vezes.
Sobre o entrevistado
Edmar Bacha é sócio fundador e membro do conselho diretor do Instituto de Estudos em Política Econômica/Casa das Garças. Membro das Academias Brasileiras de Ciências e de Letras. Em 1993/94, foi membro da equipe econômica do governo, responsável pelo Plano Real. Foi também presidente do BNDES, do IBGE e da Anbid (atual Anbima). Entre 1996 e 2010, foi consultor sênior do Banco Itaú BBA. Foi professor de economia na PUC-Rio e em outras universidades brasileiras e americanas. Tem diversos livros e artigos publicados sobre economia brasileira e latino-americana e sobre a economia internacional. É bacharel em economia pela UFMG e Ph.D. em economia pela Universidade de Yale, EUA.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (46ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
Equipe de entrevista
André Eduardo é consultor legislativo do Senado Federal, na área de economia. Mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB).
Arlindo Fernandes de Oliveira é consultor legislativo do Senado Federal e especialista em direito constitucional e eleitoral.
Benito Salomão é economista chefe Gladius Research e doutor em economia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Benjamin Sicsú é presidente do Conselho de Administração da Fundação Amazônia Sustentável e vice-presidente de novos negócios da Samsung para a América Latina, por 17 anos.
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Movimentos populares voltam às ruas nesta quinta em defesa da democracia
Nicolau Soares*, Brasil de Fato
Nesta quinta-feira (11), as ruas de ao menos 19 capitais serão palco de manifestações pela democracia, em defesa de eleições livres e contra a violência política. Inicialmente convocados pelos movimentos populares, sociais e sindicais organizados na campanha "Fora, Bolsonaro" para o dia 6, os atos foram adiados para acontecerem na mesma data da leitura da "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito", que já recebeu mais de 800 mil assinaturas até aqui.
"A campanha vem realizando, desde que Bolsonaro assumiu, atos em defesa da democracia, para pressionar pela questão da vacinação, denunciando a fome, o desemprego. E agora, voltamos às ruas contra a escalada do autoritarismo, da ameaça de não respeitar as eleições, ou seja, não respeitar a soberania popular do voto, anunciando ao mundo naquela reunião com os embaixadores que a urna eletrônica não é segura", afirma Raimundo Bonfim, coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP) e um dos organizadores da campanha, que inclui as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, além de dezenas de entidades.
A organização da campanha já tem 22 atos confirmados em 19 estados, número que deve crescer até a quinta-feira. Em São Paulo, a manifestação pública acontece a partir das 17h, no vão livre do Masp, na Avenida Paulista. No Rio de Janeiro, o ato acontece na Candelária, região central da cidade, a partir das 16h.
Também está previsto ato em Brasília, em frete ao Congresso Nacional, a partir das 15h. Em Salvador, será realizada uma passeata saindo da praça do Campo Grande às 9h.
Ações simultâneas
A data marca o lançamento oficial do manifesto elaborada por ex-alunos e professores da Faculdade de Direito da USP, que acontecerá às 11h30, no Salão Nobre da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo.
Clique aqui para ler na íntegra e assinar o documento.
Mais cedo, às 9h30, será feita a leitura do manifesto Em Defesa da Democracia e da Justiça, de iniciativa da Fiesp e subscrito por 107 entidades de diversos setores, como a Febraban e organizações ligadas ao agronegócio. O documento já foi publicado em alguns dos maiores jornais do Brasil na semana passada.
A diversidade de setores mostra um amplo arco de forças na defesa da democracia, o que é comemorado por Raimundo. "Isso é importante, nós saudamos essa iniciativa puxada pela Faculdade de Direito da USP e por setores empresariais, mas nós achamos que o elemento rua é fundamental nessa luta em defesa da democracia para o povo brasileiro", afirma, ressaltando as diferenças entre os grupos.
"Nós defendemos a democracia, mas defendemos a democracia com direitos. Com políticas públicas. Não existe democracia com racismo, com desemprego, com fome, com miséria. Estaremos nas ruas fazendo a defesa da democracia, da soberania popular do voto, mas também levando a nossa pauta de denúncia, do desemprego, das más condições de vida do povo brasileiro", conclui.
Veja abaixo a lista de atos confirmados até aqui:
AL:
Maceió: Praça Centenário, 8h
AM:
Manaus: Praça da Saudade, 15h
BA:
Salvador: Praça do Campo Grande, 9h
CE:
Fortaleza: Praça da Bandeira, 9h
DF:
Brasília: Congresso Nacional, 15h
ES:
Vitória: Praça Costa Pereira, 10h
GO:
Goiânia: Praça Universitária, 17h
MA:
São Luís: Praça Deodoro, 16h
MG:
Belo Horizonte, Praça Afonso Arinos, 17h
MS:
Campo Grande: Câmara Municipal, 10h.
PB:
João Pessoa: Lyceu Paraibano, 14h
PE:
Recife: Rua da Aurora, 15h
PI:
Teresina: Praça Rio Branco, 8h30
PR:
Curitiba: Praça Santos Andrade, 18h30
RJ:
Rio de Janeiro: Candelária, 16h
RN:
Natal: Midway, 14h30
SC:
Florianópolis: Praça da Alfândega, 17h
SE:
Aracaju: Praça Getúlio Vargas. Bairro São José, 15h.
SP:
Santos: Praça dos Andradas, 10h
São Paulo: MASP, 17h
Ribeirão Preto: Esplanada do Teatro Pedro II, 17h
*Texto publicado originalmente em Brasil de Fato. Título editado.
Nas entrelinhas: Manifesto resgata narrativa da luta contra a ditadura
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito, lançada ontem nas arcadas da tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), na sequência do manifesto de empresários e sindicalistas organizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) como o mesmo objetivo, resgatou a narrativa da luta pela democracia que aprofundou o isolamento e levou à derrota o regime militar. Organizado por ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), juristas, professores e alunos, o manifesto pode chegar a 1 milhão de assinaturas.
É uma ironia tudo isso. Tanto fizeram o presidente Jair Bolsonaro (PL), os generais que o cercam no Palácio do Planalto e seus apoiadores, saudosistas do regime militar, nos ataque às urnas eletrônica, à Justiça Eleitoral e ao STF, que o mundo jurídico reagiu em defesa dos postulados básicos da democracia e conseguiu galvanizar o apoio da sociedade civil. Isso ficou muito evidente no Largo do São Francisco e em dezenas de outras cidades brasileiras. Não por acaso, o evento relembrou o manifesto lançado nas comemorações dos 150 anos dos cursos de Direito no Brasil, em 1977.
O evento de ontem reuniu remanescentes da manifestação realizada 45 anos atrás, que contou com a participação de cerca mil pessoas, que saíram em passeata no centro de São Paulo, em pleno regime militar. A leitura da nova carta foi realizada pelas professoras da Faculdade de Direito da USP Euníce de Jesus Prudente, Maria Paula Dallari Bucci, Ana Elisa Liberatore Silva Bechara (vice-diretora da instituição) e por um dos signatários da carta de 1977, Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, com 82 anos, ministro aposentado do Superior Tribunal Militar (STM).
Em 1977, a motivação dos protestos foi o fato de a celebração oficial ter ficado a cargo do ex-ministro da Justiça Alfredo Buzaid, um dos autores do AI-5. Os juristas Bierrenbach, José Carlos Dias e Almino Affonso decidiram organizar um ato que realmente representasse a comunidade acadêmica e seu entendimento sobre a situação do país. O professor Goffredo Telles Júnior foi encarregado de redigir e ler o manifesto, que entrou para a história.
Outro contexto
O contexto era completamente diferente. O general Ernesto Geisel operava uma abertura política “lenta, gradual e segura”, em resposta à derrota eleitoral do regime, em 1974. Milhares de pessoas haviam sido presas em 1975, a maioria ligada ao antigo PCB. O regime perseguia opositores, censurava meios de comunicação e não permitia a eleição direta de governantes.
Entre junho e agosto, 17 jovens militantes do antigo MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado), entre os quais o atual deputado federal Ivan Valente (PSol-SP), haviam sido presos. Em resposta, houve uma grande manifestação de estudantes na PUC do Rio de Janeiro.
Os signatários da Carta aos Brasileiros, pot tudo isso, começavam o documento declarando-se decididos “a lutar pelos Direitos Humanos, contra a opressão de todas as ditaduras”. O texto de 14 páginas terminava afirmando: “A consciência jurídica do Brasil quer um a cousa só: o Estado de Direito”.
O documento, de certa forma, serviu para unificar a agenda do movimento democrático, que desaguou na vitória do MDB nas eleições de 1978 e na campanha da anistia para os presos políticos e exilados, que viria ser aprovada em 1979. Daí em diante, da nova derrota eleitoral de 1982 até a eleição de Tancredo Neves, no colégio eleitoral, em 1985, o regime foi se desagregando, até a derrota final dos militares.
Hoje, a situação é completamente diferente. Generais voltaram ao poder pelas mãos de um ex-capitão que deixou a ativa por indisciplina e se elegeu presidente da República. O Centrão substitui a antiga Arena, da qual o PP é o legítimo sucessor, no controle do Congresso. Entretanto, o poder moderador na República é exercido pelo STF e não pelas Forças Armadas, embora o atual ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, se comporte como se fosse xerife das eleições.
A narrativa golpista de Bolsonaro assusta a sociedade civil, cujas lideranças se uniram para defender a democracia sem a intermediação dos partidos. Esse é o eixo político institucional da disputa eleitoral em curso, mas é a situação da economia que decidirá o pleito. Por meio da chamada PEC Emergencial, que desconsidera a legislação eleitoral, o governo usou o peso do seu poder econômico para mudar a correlação de forças nas eleições. Por isso, Bolsonaro tripudia do manifesto.
Nas entrelinhas: Resiliência mantém Ciro na disputa do primeiro turno
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
O perfil político do ex-governador do Ceará Ciro Gomes pode ser sintetizado numa palavra da moda: resiliência. Ontem, o PDT aprovou em convenção nacional, por aclamação e sem votos contrários, a escolha do seu nome como candidato à Presidência da República. Ele resistiu a todas as investidas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para desestabilizar sua candidatura. O petista comeu pelas beiradas as alianças do PDT nos estados, mas o político cearense, intempestivo e destemperado, duas palavras que também constituem o seu perfil, resistiu bravamente. Manteve-se em cena com uma fatia de 8% do eleitorado, que segue firme e forte apoiando sua candidatura.
Esta será a quarta vez que Ciro disputará a Presidência, que é a sua grande obsessão política. Nunca chegou ao segundo turno, mas sempre deu trabalho aos adversários, nos pleitos de 1998 e 2002, pelo antigo PPS, e 2018, pelo PDT, quando obteve seu melhor desempenho, com 13,3% dos votos.
Ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, foi responsável pela implementação do Plano Real, quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) deixou o cargo para concorrer e vencer as eleições de 1994, derrotando Lula. Ciro tem uma trajetória bem-sucedida de gestor público, como prefeito de Sobral e Fortaleza e governador do Ceará, que hoje se destaca por ter uma das melhores redes de ensino público e gratuito do país.
Ciro é um caso raro de resiliência porque trafega numa faixa muito estreita do eleitorado, mantendo-se sempre em torno dos 8% de intenções de votos, conforme o último levantamento do Instituto DataFolha. Sua campanha eleitoral está a cargo de João Santana, o ex-marqueteiro das campanhas vitoriosas de Lula, em 2006, e Dilma Rousseff, em 2010 e 2014.
Santana está entre aqueles que foram flagrados recebendo dinheiro de caixa dois pela Lava-jato, mas fechou delação premiada e, assim, saiu da prisão. Conhece como ninguém as relações de Lula com seus velhos aliados e o eleitorado, principalmente o nordestino.
“Vote em um e se livre de dois” é o bordão criado por Santana para abrir caminho na polarização eleitoral protagonizada por Lula e o presidente Jair Bolsonaro (PL). Ao contrário dos demais, que ainda não apresentaram suas plataformas, Ciro tem um programa de governo com princípio, meio e fim, no qual busca uma espécie de aggiornamento do velho trabalhismo brizolista, que é o DNA do PDT. A chave é o modelo nacional-desenvolvimentista, considerado esgotado pela maioria dos economistas. Suas propostas estão publicadas no livro Projeto Nacional: O Dever da Esperança.
Programa
Ciro quer revogar o “teto de gastos”, rever a autonomia do Banco Central, abandonar o tripé da política monetária (meta de inflação, câmbio flutuante e equilíbrio fiscal), criar 5 milhões de empregos nos dois primeiros anos de governo com uma canetada, mudar a política de preços da Petrobras, adotar o programa de renda mínima universal do ex-senador petista Eduardo Suplicy, investir pesadamente em escolas federais em tempo integral e criar um complexo industrial de saúde, focado na produção de medicamentos.
Velhas propostas de campanhas anteriores foram exumadas pelo programa, como a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas, com alíquota progressiva para patrimônios acima de R$ 20 milhões; a tributação de lucros e dividendos; e um imposto progressivo sobre heranças e doações, além de dois impostos gerais: um para pessoa física e outro para a jurídica. Também pretende promover uma nova reforma da Previdência, atingindo o setor público, com adoção do regime de capitalização. Seu guru é o economista Mangabeira Unger, professor da Harvard, de quem foi aluno.
O político cearense é um osso duro de roer numa campanha. Não tem medo das agruras da corpo a corpo na rua, onde enfrenta os desafetos petistas e bolsonaristas. Nos debates, é contundente e preparado para defender seus pontos de vista. Esses atributos, porém, também são seu ponto fraco, porque é destemperado e disposto até a resolver no braço as diferenças, quando é agredido verbalmente. Nada disso, porém, abala a fatia do eleitorado que lhe permanece fiel. O seu problema é de outra natureza: sair dessa bolha.
Ciro se coloca como uma alternativa ao PT. Nas eleições passadas, quando ficou fora do segundo turno, viajou para Paris, com o propósito de não votar nem em Bolsonaro nem em Fernando Haddad, o candidato do PT. Busca ser uma alternativa para os eleitores e as forças políticas de centro, mas seu programa político acabou se tornando um obstáculo para isso. Quem conseguiu ampliar as alianças ao centro foi Lula, ao atrair o ex-governador tucano Geraldo Alckmin, que se filiou ao PSB, para ocupar a posição de candidato a vice.
As forças de centro que se mantiveram distante de Lula sempre apostaram numa terceira via, mas nunca aceitaram que fosse liderada por Ciro. O PSDB e o Cidadania, que fizeram uma federação, optaram por apoiar a candidatura de Simone Tebet (MDB), que agora também sofre um ataque especulativo do petista. Mesmo isolado e sem coligação, a candidatura de Ciro foi bancada pelo presidente do PDT, Carlos Lupi, que deixou em aberto a vice. Caso o MDB, cuja convenção será 27 de julho, resolva defenestrar a candidatura de Tebet, o jogo fica zerado na terceira via. E Ciro pode voltar a ser uma alternativa a algumas das forças que compõem esse campo, como o Cidadania.