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'Esta direita é atrasada demais', diz José Carlos Capinan

Pelos seus 80 anos, escritor recebeu homenagem on-line da FAP e lembrou trajetória iniciada em Centro de Cultura Popular da UNE

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

Sem sair de casa, na Bahia, há mais de um ano, em razão da pandemia da Covid-19, o poeta, escritor e compositor baiano José Carlos Capinan, de 80 anos, classificou o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como “um desastre”, que, segundo ele, provoca “atraso muito grande” para o país e risco de “levar todos ao abismo”.

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Na quarta-feira (7/4), Capinan lembrou sua história de uso das palavras para mover a cultura, a poesia, a música e a literatura brasileiras, durante homenagem on-line da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania, pelos 80 anos do compositor, completados em fevereiro. O poeta lamentou a falta de um política nacional de enfrentamento à pandemia, sem citar nominalmente Jair Bolsonaro.

A homenagem ao escritor ocorreu poucas horas depois de o presidente descartar lockdown nacional contra a Covid, na mesma data em que o país registrou 3.829 mortes por complicações da doença e um dia após bater o recorde de 4.195 óbitos em apenas 24 horas.

Músicas contra obscurantismo

O presidente do Cidadania, Roberto Freire, ressaltou a importância de seu contemporâneo como poeta e compositor. “Você escreveu, na nossa juventude, muito daquilo que a gente pensou e protestou, com músicas importantes que nos ajudaram a lutar contra a ditadura e regimes como este, obscurantista, sempre apontando muito bem para o futuro”, acentuou.

Foto: Agência Câmara

Na homenagem com transmissão ao vivo pelo site e redes sociais da FAP, o diretor-geral da entidade, sociólogo Caetano Araújo, cumprimentou Capinan, chamando-o de “extraordinário militante da cultura e da política”.

Defensor da democracia e justiça social, Capinan já escreveu músicas para cantores nacionalmente conhecidos, como Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo, Jards Macalé, Paulinho da Viola, Geraldo Azevedo, João Bosco e Roberto Mendes.

Sem citar Bolsonaro, o compositor não escondeu sua decepção com o governo brasileiro. “Não acredito que a gente possa viver, de forma definitiva, qualquer desastre como este que a gente está vivendo. Na verdade, nunca pensei, nunca acreditei em um retrocesso tão grande. O Brasil já viveu coisas muito mais à frente disso que está aí. É um atraso muito grande”, disse.

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Abismo

O poeta disse que, normalmente, a esquerda é acusada de ter visões e comportamentos muito ultrapassados, mas, segundo ele, “esta direita é atrasada demais”. “É uma direita que não tem como sobreviver, realmente levará todos ao abismo. A dificuldade que enfrentamentos é o inesperado: esta doença, coisa terrível”, afirmou.

Por outro lado, o poeta agradeceu aos cientistas por lutarem na árdua guerra contra a Covid, que já matou mais de 341 mil pessoas no país. “Ao mesmo tempo, temos a ciência respondendo a tudo isso”, disse. “Felizmente, temos uma ciência fantástica respondendo a essa loucura”, reforçou.

Apesar da hecatombe da pandemia, Capinan mantém vivo o seu otimismo. “Creio que essas coisas que a gente atravessa na história, esse túnel, têm uma saída, vão ter uma saída”, salientou ele.

Em sua avaliação, o modelo econômico que sustenta desigualdade e exclusão tem se mostrado cada vez mais insustentável. “Não sei se interessa ao capitalismo essa forma horrorosa que hoje atravessamos. Temos um capitalismo já desenvolvido, melhor pensado e executado, e essas trevas, provavelmente, não serão definitivas em momento algum”, ponderou.

Gilberto Gil, Capinan, Zezé Motta. Casa do Rio Vermelho, Salvador da Bahia, 1986. Foto: Arlete Soares

Militante do PCB

A homenagem também serviu para compositor reencontrar, mesmo que virtualmente, amigos dos anos 1960, quando frequentou o Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE). Ele também foi militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro), que evoluiu para o Partido Popular Socialista (PPS) e ganhou nova identidade com o Cidadania.

“Foi exatamente o Centro Popular de Cultura que me deu instrumentos para meu trabalho”, contou o poeta. “Foi no CPC o primeiro encontro com o pessoal do Partidão. Apesar de Salvador ser politizada pelos estudantes, havia uma histórica família comunista, dos Santanas, do qual Tom Zé era originário. Aristeu Nogueira me catequizou para o partido”, disse.

Em 1964, no primeiro ano da ditadura militar, fugiu de Salvador para a casa do pai, no interior de São Paulo. Tinha 12 irmãos. “Era uma coisa muito interessante porque meu pai sentava na cabeceira da mesa e, uma vez, ele, sempre sensível, disse: ‘os comunistas querem mudar o mundo, mas, na hora em que o bicho pega, correm para casa’”, lembrou.

O compositor nasceu, em 1941, em arraial de Três Rios (BA), mas foi registrado na vizinha cidade litorânea da Esplanada. Ainda muito cedo, mudou-se para o litoral Sul da Bahia.

José Carlos Capinan nos anos 1960 /Foto: Arquivo Nacional

Inspiração nas feiras

 “Na minha casa não havia biblioteca. Meu tio era telegrafista e me criou. Em Salvador, moramos defronte à Feira de Água de Meninos, que, posteriormente, em 1964, foi incendiada”, afirmou. “Acredito que não foi acidente porque era desejo, na época, de se retirar a feira do local”, disse.

Foi justamente a movimentação da cultura popular nas feiras que fez Capinan desenvolver o gosto pelas letras. “Minha relação com a poesia nasce da observação de poetas populares nas feiras e vendedores de mesinhas no Pelourinho, em Salvador”, contou ele.

As palavras cantadas pelos Camelôs na correria para vender seus produtos, lembrados por Capinan como “animadores incríveis do cotidiano”, revelaram a riqueza e a inspiração da sabedoria popular nas feiras.

“Lá aprendi as primeiras lições de poesia. Eu também era muito leitor de livro de cordel. Tinha coleção fantástica desses livros e me alimentava muito das histórias e fantasias. Era muito estimulado pela criatividade dos cordéis”, relatou.

Ao concluir a retrospectiva de seus 80 anos de vida, o compositor definiu sua trajetória como “perseverança incrível” e compartilhou com todos o desejo por um país menos injusto, menos desigual e menos excludente.

“A gente vê coisas maravilhosas no Brasil”, ressaltou, para apontar os maiores desafios. “Vencermos o racismo, o preconceito, o obscurantismo. Esses retrocessos todos vamos ter que superar, e espero estar vivo para celebrar com vocês ou com a mesa farta baiana o fim de tudo isso. Não sei o que teremos para escolher, mas escolheremos melhor do que está e do que estamos vivendo”.

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Bernardo Mello Franco: O poeta e o golpe - Drummond em 1964

Em 1º de abril de 1964, Carlos Drummond de Andrade saiu de casa para conferir a agitação no Forte de Copacabana. Ele caminhou até a praia com o amigo Carlos Heitor Cony. Os dois queriam ver com os próprios olhos se o golpe estava mesmo na rua. “Há poucas dúvidas sobre a derrota de Jango”, constatou o poeta, que havia passado a madrugada colado a um rádio transistor.

Em seu diário, Drummond registrou a festa da classe média com a derrubada do presidente que prometia reforma agrária. Ele não comemorou o golpe, mas também não parecia contrariado:

“Eu voltava para casa quando se ouviram estampidos, houve um corre-corre, e eis que da janela dos edifícios gente sacode lenços, panos de prato, até lençóis, enquanto outra chuva, esta de papel picado, cai sobre o asfalto. O rádio espalhara a notícia, transmitida por Lacerda: Jango deu o fora. Volto à praia. Gente cantando o hino nacional, xingando Brizola em slogan improvisado. Sensação geral de alívio”.

Doze dias depois, o poeta começava a entender que o país estava mergulhando em uma nova ditadura. “Baixado o Ato Institucional, que atenta rudemente contra o sistema democrático. O Congresso, já tão inexpressivo, passa a ser uma pobre coisa tutelada. Vamos ver o que será das liberdades públicas”, escreveu.

Em junho, Drummond seria convocado a depor em inquérito administrativo da rádio MEC, ocupada pelos golpistas que se diziam “revolucionários”. Queriam que testemunhasse contra a ex-diretora, acusada de “atividades subversivas”. “Os inquéritos desse tipo traduzem mais o espírito de vingança do que o de justiça”, anotou.

Um mês antes, o poeta assistiu à prisão arbitrária de um livreiro na Rua do Ouvidor. Ele relatou o episódio com indignação: “Incrível. Prisão de Carlos Ribeiro, o ‘bom mercador de livros’, amigo de todos, sob suspeita de quê? De tramar a derrubada do marechal Castelo Branco?”.

Nos primeiros anos da ditadura, Drummond reduziu as notas sobre política. Em dezembro de 1968, no dia seguinte ao AI-5, ele escreveu que se sentia de volta à infância, quando viu o marechal Hermes da Fonseca suspender as liberdades civis.

“Quase sessenta anos depois, o governo de outro marechal (e na minha velhice) golpeia a Constituição que ele mesmo mandou fazer e suprime, por um ‘ato institucional’, todos os direitos e garantias individuais e sociais. Recomeçam as prisões, a suspensão de jornais, a censura à imprensa. Assisto com tristeza à repetição do fenômeno político crônico da vida pública brasileira”, anotou, antes de fazer um desabafo: “Renuncio à esperança de ver o meu país funcionando sob um regime de legalidade e tolerância. Feliz Natal...”.

Três dias depois, ele registrou a perseguição ao jovem compositor Chico Buarque, detido pela polícia política e “submetido a interrogatório grosseiro”. “Não há clima para festa”, resumiu.

“O observador no escritório” é um testemunho histórico, mas alguns de seus trechos ainda soam bem atuais. “Que país! Que tristeza!”, escreveu o poeta, em setembro de 1969.

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Hora de sair de férias. Feliz Ano Novo e até a volta.


Bernardo Mello Franco: O poeta e a política - Drummond em 1945

Em outubro de 1945, um golpe derrubou a ditadura do Estado Novo e abriu caminho para a redemocratização do país. No dia seguinte, o poeta Carlos Drummond de Andrade anotou em seu diário: “Ontem, os generais trouxeram para a rua suas metralhadoras e seus carros de assalto e mandaram dizer a Getúlio que desse o fora. Ele tentou negociar, mas os homens foram inflexíveis”.

O presidente se rendeu sem um tiro, a pretexto de evitar o “derramamento de sangue”. Com fina ironia, o poeta observou que a substância “raramente se derrama em nossos golpes e revoluções”. “Tanto uns quanto outros adversários preferem conservá-lo nas veias”, escreveu.

Entre 1943 e 1977, Drummond registrou suas reflexões num diário. Tempos depois, publicaria parte do material em “O observador no escritório”. O livro, reeditado pela Companhia das Letras, mistura anotações pessoais e comentários sobre a vida pública.

Avesso à militância partidária, Drummond lutou a seu modo pela libertação dos presos políticos. No ocaso da ditadura, escreveu o “Poema de março de 45”: “Se olho para as rosas: anistia./ Para os bueiros da City, para os céus,/ para os montes em pé nas altas nuvens:/ anistia”.

O poeta foi à cadeia visitar Luís Carlos Prestes, perseguido por Getúlio. Saiu com uma visão diferente do líder comunista. “Olho para este homenzinho comum, vejo-o simples, amável, desligado de seu drama pessoal, absorvido totalmente pela ideia política. Ali está o chefe legendário da Coluna, a me dizer que gosta de ler determinados poemas quando se vê necessitado de apoio moral”.

Drummond foi convidado a se lançar a deputado, mas declinou por se julgar “muito individualista”. No diário, anotou que nunca se filiaria a um partido. “Sou um animal político ou apenas gostaria de ser?”, questionou-se.

O poeta via a política brasileira como uma disputa entre caciques “brigados entre si mas fiéis à mesma ideologia conservadora, hostil a todo progresso social”. A política, aos olhos dele, era “um espetáculo em que a ação verdadeira nunca é apresentada no palco, pois se desenrola nos bastidores e com pouca luz”. As frases foram escritas há 75 anos, mas descreveriam bem a cena de hoje.

Na coluna de domingo, Drummond e o golpe de 1964.


Henrique Brandão faz homenagem aos 90 anos do poeta Ferreira Gullar

Em artigo na revista Política Democrática Online de outubro, jornalista destaca perfil do que chama de ‘homem de hábito simples’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

No mês de setembro deste ano, o poeta Ferreira Gullar completaria 90 anos. Não conseguiu receber as devidas homenagens. Faleceu em dezembro de 2016, dois meses depois de completar 86 anos, como lembra o jornalista Henrique Brandão. Em artigo na revista Política Democrática Online de outubro, ele lembra que o poeta, cujo nome de batismo era José Ribamar Ferreira, “era um homem de hábito simples”.

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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todos os conteúdos, gratuitamente, em seu site. “Magro, com a cabeleira escorrida ao longo do rosto, o nariz adunco e as mãos expressivas – que gesticulavam sem parar enquanto falava – não passava despercebido onde quer que estivesse”, escreve Brandão sobre Gullar.

Além de poeta, Gullar foi jornalista, crítico de arte, ensaísta, artista plástico, cronista e dramaturgo. Participou ativamente do Concretismo e do Neoconcretismo, movimentos importantes no cenário da cultura brasileira, nos anos 1950. “Gullar entrou tarde na política. Já rompido com o Neoconcretismo, participava do Centro Popular de Cultura (CPC), ligado à União Nacional dos Estudantes (UNE), quando ocorreu o golpe de 1964”, lembra Brandão.

“Eu me filiei ao PCB [Partido Comunista Brasileiro] no dia do golpe de 64. Eu queria participar da resistência a um regime que se impunha ao país pela força”. Após o fechamento da UNE (União Nacional dos Estudantes), Gullar e seus companheiros fundaram o grupo Opinião, que, segundo Brandão, teve grande repercussão com suas peças e shows musicais.

Após o AI-5, em 1968, o regime militar apertou o cerco. “Sobrou para todo mundo que se opunha à ditadura, até mesmo para os comunistas ligados ao PCB, que não defendiam a luta armada. A essa altura, Gullar fazia parte do Comitê Cultural do PCB”, escreve o autor do artigo na Política Democrática Online.

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‘Tinha escravos nos Palmares’, diz Antonio Risério à revista Política Democrática online

Em entrevista concedida à publicação da FAP, antropólogo diz saber de história de mulheres da classe dirigente

Cleomar Almeida, da Ascom/FAP

“A história brasileira é muito mal conhecida no Brasil. Às vezes, as pessoas se surpreendem quando você fala que tinha escravos nos Palmares e se surpreendem quando você fala que os Tupinambás eram escravistas”. A afirmação é do antropólogo, poeta, ensaísta e historiador brasileiro Antonio Risério, em entrevista exclusiva concedida à 13ª edição da revista Política Democrática online. Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados, de graça, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que produz e edita a publicação.

» Acesse aqui a 13ª edição da revista Política Democrática online

A FAP é vinculada ao partido político Cidadania, que tem fortalecido a sua identidade como esquerda democrática. Na entrevista, concedida à revista Política Democrática online, Risério diz que conhece uma história de mulheres da classe dirigente, o que, segundo ele, é completamente diferente das histórias das mulheres da classe dominada. A entrevista foi concedida ao diretor da fundação e consultor político Caetano Araújo com colaboração de Ivan Alves Filho.

“Porque as mulheres da classe dominada têm primazia, dominando, inclusive, o pequeno comércio no Brasil, nas vendas, porque eram mulheres da vida e da rua, ao passo que as sinhás e sinhazinhas ficavam enclausuradas em sobrados na casa grande”, afirma ele à revista Política Democrática online. “A gente tem de pegar cada ponto disso e discutir com conhecimento. Conhecimento acima de tudo, não adianta ficar só ideologizando; ideologizando a gente não vai para lugar nenhum”, acrescenta.

O historiador compara, ainda, que, as histórias dos Estados Unidos e da França, por exemplo, são muito bem conhecidas pelas suas respectivas populações, ao contrário do que ele diz ocorrer no Brasil. “Uma frase de que eu gosto muito que Freud estudava do Leonardo da Vinci: você não pode amar nem odiar nada se primeiro você não souber o que aquilo é, o que aquilo foi, como aconteceu e o que aquilo significa”, pondera, em outro trecho da entrevista publicada pela revista da Fundação Astrojildo Pereira.

De acordo com Antonio Risério, entre os principais líderes do movimento abolicionista, havia três eram negros: André Rebouças, José do Patrocínio e Luiz Gama. “Deram-se as mãos e acabaram com a escravidão”, afirma ele, na entrevista publicada na revista Política Democrática online.

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Revista Política Democrática || Entrevista Especial - Antonio Risério: "A gente vive em uma sociedade bipolar"

Para o poeta e historiador Antonio Risério, o Brasil será modificado realmente quando os brasileiros aprenderem a dizer "nós fizemos isso" e pararem de falar na terceira pessoa: “Eles mataram os índios”, “Eles oprimem as mulheres”, “Eles são os culpados de tudo”, afirma

Por Caetano Araujo, com a colaboração de Ivan Alves Filho

Antropólogo, poeta, ensaísta e historiador brasileiro, Antonio Risério é o entrevistado especial da 13ª edição da Revista Política Democrática Online. Ele acredita que, hoje, muita gente do campo democrático anda preocupada em superar a atual polarização brasileira e encontrar um rumo para o País. "Eu me coloco claramente no campo da esquerda democrática e não tenho nenhum problema com isso. O que acho houve no país foi o seguinte. Ao se tornar independente e conquistar autonomia nacional, o Brasil teve de construir a imagem do que somos", diz Risério.

Antonio Risério nasceu na Bahia, em 1953. Fez política estudantil em 1968 e mergulhou na viagem da contracultura. Implantou a televisão educativa, as fundações Gregório de Mattos e Ondazul e o hospital Sarah Kubitschek, na Bahia. Fez o projeto para a implantação do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo.Tem feito roteiros de cinema e televisão. Diversas composições suas foram gravadas por estrelas da música popular brasileira. Integrou os núcleos de estratégia e criação das duas campanhas de Lula à presidência da República.

Escreveu, entre outros, os livros Carnaval Ijexá (Corrupio, 1981), Caymmi: Uma Utopia de Lugar (Perspectiva, 1993), Textos e Tribos (Imago, 1993), Avant-Garde na Bahia (Instituto Pietro Bardi e Lina Bo, 1995), Oriki Orixá (Perspectiva, 1996), Ensaio sobre o Texto Poético em Contexto Digital (Fundação Casa de Jorge Amado, 1998) e Uma História da Cidade da Bahia (Versal, 2004).

O poeta e historiador aponta, ainda, que o Brasil tem, atualmente, a necessidade de repensar a sociedade e reinventar a nação. "Está faltando, portando, uma releitura crítica da sociedade que se torna brasileira. A gente não pode ficar fazendo como esses filmes Carlota Joaquina, como o desfile da Mangueira, que é totalmente dominado por essa nova ideologia dominante da história do país entre ricos e pobres", alerta.

Na entrevista especial concedida a Caetano Araujo, com a colaboração de Ivan Alves Filho, Antonio Risério destaca temas como a esquerda democrática brasileira, a história oficial brasileira e organização intelectual e ideológica da sociedade brasileira, entre outros.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Revista Política Democrática Online (RPD): O senhor acredita que o povo brasileiro ainda não superou sua baixa autoestima, padecendo do chamado complexo de vira-lata? 
Antonio Risério (AR): Pois eu acho o contrário. A gente vive em uma sociedade bipolar; vamos de um extremo a outro, da euforia à depressão (inint) [00:01:25]. Tem hora que nos vemos como os melhores do mundo; tem hora que o povo acha que o Brasil vai fazer merda. É uma certa dose de masoquismo nacional e, ao mesmo tempo, uma tentativa de fugir da responsabilidade. É muito comum as pessoas falarem no Brasil na terceira pessoa: “Eles mataram os índios”, “Eles oprimem as mulheres”, “Eles são os culpados de tudo”, mas nós não. A gente só vai modificar esse país quando aprender a dizer: “Nós fizemos isso”.

RPD: Por que razão a esquerda, se é que o senhor ainda se vale desse termo, perdeu de vista a ideia de que somos uma nação, com suas conquistas e também suas falhas, naturalmente? 
AR: Eu me coloco claramente no campo da esquerda democrática e não tenho nenhum problema com isso. O que acho houve no país foi o seguinte. Ao se tornar independente e conquistar autonomia nacional, o Brasil teve de construir a imagem do que somos. Daí a criação do Instituto Histórico Geográfico (IGH) e o trabalho pioneiro de Varnhagen, historiador francês, que nos descreveu em termos geográficos - cidades, rios, montanhas, Pico da Neblina etc – e, em termos históricos, o que éramos como personalidades e que feitos memoráveis definiam nossa identidade. Durante uns cem anos ou um pouco mais, o Instituto concentrou o estudo da história do Brasil.

Só muito recentemente é que vão surgir outros pólos de aspecto historiográfico, que irão proceder a uma releitura da visão tradicional cultivada do Brasil, que, na verdade, era uma celebração da colonização portuguesa e dos trópicos. Mas, em vez de reexaminar a experiência nacional brasileira, ela vai simplesmente inverter o sinal algébrico da velha história oficial e introduz a visão maniqueísta, de que a classe dominante é o mal e as classes dominadas, o bem. A classe dirigente vira alvo de ataque e, ao mesmo tempo, a classe dominada e as classes populares, objeto de celebração.

O que acontece, então? Passa-se a ter três figuras na nova história oficial do Brasil: o negro libertário, o índio ecofeliz e o português genocida. Cria-se uma mitificação do português genocida, considerando que a invasão portuguesa na Bahia é a quarta invasão que a gente tem documentada, bem como do índio libertário e do índio ecofeliz, já que a sociedade Tupinambá, por exemplo, era uma máquina de guerra implacável, que destruía outras sociedades indígenas, tomava suas, como tomou na Bahia. Não esquecer que os negros, identificados como libertários, nunca lutaram contra o sistema escravista enquanto sistema: lutaram contra a escravização de seus próprios grupos, mas aprendiam a escravizar os negros. Em resumo: ao se tentar reexaminar em profundidade a experiência, substituíram-se mentiras antigas por mentiras novas, na base de que “eles fizeram tudo” e “nós não fizemos nada”, isto é, os culpados são os outros, o culpado é o homem branco opressor.

RPD: Como poderíamos retomar o projeto Brasil como missão, tão caro à nossa intelectualidade desde a Conjuração Mineira? 
AR: Eu não sou tão fã da Conjuração Mineira. Aquilo foi uma rebelião senhorial, basicamente, a elite mineira querendo se livrar da exploração financeira do poder lisboeta. Daí todas as revoltas federalistas. Mas, para mim, revoluções separatistas são, por exemplo, a dos alfaiates na Bahia, que combina a luta contra o sistema escravista e contra a dominação colonial; são os alfaiates mulatos da Bahia que vão colocar isso.

Está faltando, portando, uma releitura crítica da sociedade que se torna brasileira. A gente não pode ficar fazendo como esses filmes Carlota Joaquina, como o desfile da Mangueira, que é totalmente dominado por essa nova ideologia dominante da história do país entre ricos e pobres. A maior contradição é celebrar os pretos e não o treze de maio, por um motivo muito simples: os negros eram escravistas, e o treze de maio é o dia que em que a gente oficializa. Assistindo a Carlota Joaquina e ao desfile da Mangueira, suprime-se a responsabilidade do Brasil. Não pode, é um absurdo dizer que não temos nada a ver com isso: “Eles fizeram isso”, fomos nós que fizemos. Como podemos assumir a grandeza nacional brasileira, dessa maneira? Ao longo de quinhentos anos de história, nós fizemos pelo menos duas grandes coisas: construímos um povo e uma nação. Eu não vou entregar isso.

RPD: O senhor acha que essa visão do eles dificulta uma organização intelectual e ideológica da sociedade brasileira? 
AR: Sim, totalmente. Marco Aurélio Nogueira resumiu muito bem essa questão, ao dizer em artigo recente: “É isso que está bloqueando mentalmente os democratas que ainda não se acham em condições sequer de defender seu legado”. É que tem coisas que a gente conquistou, o movimento abolicionista é uma pista central nisso. Entre os principais líderes do movimento abolicionista, havia três eram negros: André Rebouças, José do Patrocínio e Luiz Gama. Deram-se as mãos e acabaram com a escravidão. E tem gente que querer fazer charme com o movimento negro, ao dizer: “Aquilo foi um autógrafo da Princesa Isabel”, não foi isso. Aliás, o primeiro ato que visou realmente ao fim da escravidão no Brasil foi protagonizado pelas Forças Armadas, quando, depois de dominar o Paraguai, o Conde d'Eu, marido da Princesa Isabel e comandante das tropas brasileiras, decidiu abolir a escravidão no país vizinho. Por aqui, ainda não se podia agir assim, teria virado uma guerra civil barra pesada no país. Joaquim Nabuco fala isso muito bem, ao comentar que as lideranças nacionais conseguiram contornar o risco de uma guerra racial. A abolição só ocorreu ao cabo de vários acordos entre as elites brasileiras, envolvendo decisões do tipo reforma agrária, de tal forma que, até hoje, o treze de maio não é feriado, é o dia do zootecnista. Jogou-se nossa história na lata de lixo. E isso impede de fato a celebração e a defesa claras do legado da conquista democrática.

RPD: Segundo o senhor, construiu-se visão um pouco depreciativa de nossa história e de nossa identidade. O senhor você vê alguma relação entre esse movimento e o movimento oposto, que também foi muito frequente em nossa história, de exaltação ufanista de nossa história e de nossa identidade, tanto uma quanto outra postura presente desde o século dezenove? Existiria alguma relação necessária entre ambas ou se seria algo como um pêndulo, que vai certas vezes para um lado e, certas vezes, para o outro? 
AR: A gente tem de fato oscilado nessas coisas. Celebra a colonização portuguesa, condena a colonização portuguesa; celebra os índios, condena os índios; é o tempo inteiro nesse negócio inútil, fruto de uma ignorância generalizada sobre a história do país. A gente não conhece a história brasileira. É preciso conhecê-la para examiná-la. A história do futebol brasileiro é uma história vitoriosa do povo brasileiro. Mas, de resto, a gente acha que “Não, nós estamos fazendo a história. É o que a esquerda fica falando. É uma história populista, em que o porteiro do seu prédio é tão importante quanto os moradores. Tudo bem, temos de conhecer a mentalidade do porteiro do seu prédio, mas não foi ele que deu origem à história do país. Temos de ler a história do Brasil antropologicamente caso a caso, porque não é tão simples assim. Você vê, por exemplo, que muitos fazem isso, de uma ponta a outra do país, não existe um só orixá, não existe nenhuma empresa africana. O africano foi espiritualmente assassinado nos Estados Unidos. Mas, no Brasil, no país inteiro, você ouve falar de Iemanjá, nas comemorações do ano novo. O que houve aí? São processos, são realidades, são experiências nacionais distintas que a gente tem de conhecer, a gente tem de ter a coragem de reconhecer tudo que há de abominável, mas também a coragem de lembrar nossas conquistas. A gente vai entrar em parafuso vermelho, porque essa grandeza nacional é conquista nacional celebrada pela direita, que se veste de verde e amarelo. Eu também quero me vestir de verde e amarelo.

PRD: O senhor fala em revisão crítica, mas, ao mesmo tempo, em conhecimento da história, grande déficit da sociedade brasileira. A reinvenção da nação começa pelo conhecimento da história e com o que a gente poderá terminar com a polarização, a bipolaridade da sociedade brasileira? 
AR: Acho que ninguém tem de passar apenas pelo conhecimento, porque não adianta. Pega um livro do Francisco Bosco, um filósofo, que fala das mulheres negras que lutaram contra a dominação masculina no período colonial, mas não tem nenhuma informação segura sobre isso. Eu não conheço nada disso; conheço outra coisa. Temos uma história das mulheres da classe dirigente do Brasil que é completamente diferente das histórias das mulheres da classe dominada, porque as mulheres da classe dominada têm primazia, dominando, inclusive, o pequeno comércio no Brasil, nas vendas, porque eram mulheres da vida e da rua, ao passo que as sinhás e sinhazinhas ficavam enclausuradas em sobrados na casa grande. A gente tem de pegar cada ponto disso e discutir com conhecimento. Conhecimento acima de tudo, não adianta ficar só ideologizando; ideologizando a gente não vai para lugar nenhum. Repare que a história dos Estados Unidos é muito bem conhecida nos Estados Unidos; a história francesa também é muito bem conhecida na França; mas a história brasileira é muito mal conhecida no Brasil. Às vezes, as pessoas se surpreendem quando você fala que tinha escravos nos Palmares e se surpreendem quando você fala que os Tupinambás eram escravistas. A gente tem de conhecer, não pode ficar julgando. Uma frase que eu gosto muito que Freud estudava do Leonardo da Vinci: você não pode amar nem odiar nada se primeiro você não souber o que aquilo é, o que aquilo foi, como aconteceu e o que aquilo significa.

RPD: Qual sua opinião sobre as políticas educacionais e culturais, em cujo contexto já se fala inclusive de modelos militarizados das instituições de ensino?
AR: Eu vou lhe dizer uma coisa bem simples: eu estou a caminho dos meus setenta anos. Desde que eu me entendo por gente, o Brasil já acabou umas seis ou sete vezes, mas não acaba. É que os brasileiros são persistentes. Eu, por exemplo, não vou parar de trabalhar diariamente. Acho, portanto, que o Brasil sempre tem saída. Não vejo nada como catastrófico. Toda vez que eu discuto esses assuntos, a reação é, inicialmente, meio de surpresa e, depois, de concordância. De Marco Aurélio Nogueira a Caetano Veloso, a voz convergente é a de que “Eu tenho que fazer isso”, “Temos que fazer isso”. A gente não pode ficar restrito a esse filme em preto e branco, não. O Brasil é colorido.

 

 


Poeta Ferreira Gullar morre de pneumonia aos 86 anos no Rio

O escritor, poeta e teatrólogo Ferreira Gullar morreu na manhã deste domingo, 4, no Rio de Janeiro, aos 86 anos. Gullar estava internado no Hospital Copa D'Or, na Zona Sul do Rio com um quadro de insuficiência respiratória e pneumonia, apontada como a causa da morte. Ainda não há informações sobre o velório.

Um dos mais importantes literatos da história da literatura brasileira, Ferreira Gullar passeou por vários campos da expressão poética, literária e crítica, quase sempre com um forte tom político. Avesso a rotulações binárias, usualmente se colocava no sentido contrário ao do poder em questão.

Seu primeiro livro, depois renegeado pelo autor, foi Um Pouco Acima do Chão, em uma edição de autor em 1949. Cinco anos depois, veio A Luta Corporal, este já com os primeiros esboços da poesia esteticamente ambiciosa em que ele trabalharia incansavelmente até Em Alguma Parte Alguma e Bananas Podres, dois de seus livros mais recentes.

Ele estava com os irmãos Augusto e Haroldo de Campos na Exposição Nacional de Arte Concreta, em 1956, considerada o marco inicial do movimento concretista, expressão poética fundamental do século 20. Porém a contribuição foi breve: em fevereiro do ano seguinte, Gullar publicou um artigo no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil questionando as teses do movimento, e o rompimento viria em seguida.

A disputa entre "concretos" e "neoconcretos" sempre ocupou um campo mais ou menos nebuloso entre a intelectualidade, mas os ecos, que influenciaram muitas das expressões artísticas nacionais desde os anos 1960, chegaram até 2015, quando Augusto de Campos e Ferreira Gullar trocaram cartas agressivas pelo jornal Folha de S. Paulo.

Em 1976, ele lançou seu trabalho mais célebre, o Poema Sujo -- cem páginas de poesia na sua mais alta expressividade política. Símbolo de resistência à ditadura, o poema chegou aos brasileiros primeiro por uma fita que pertencia a Vinicius de Moraes, trazida de Buenos Aires, onde Gullar estava exilado.

Colecionador de prêmios, Gullar venceu o Machado de Assis da Biblioteca Nacional em 2005, e o Camões, o mais importante da língua portuguesa do mundo, em 2010. Era membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) desde 2014 -- depois de anos dizendo que esta honraria ele não aceitaria.

Ele nasceu em São Luís (MA), em 10 de setembro de 1930, como José Ribamar Ferreira. Gullar deixa a esposa, dois filhos e oito netos.


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