pobreza

Carlos Alberto Di Franco: Cenário demográfico

Recentemente, o IBGE publicou a estimativa da população brasileira, na qual aponta que o país tem mais de 206 milhões de habitantes. A cidade de São Paulo, a mais populosa do Brasil, tem 12,04 milhões de habitantes (5,8% do total nacional). Estima-se que, de 2015 para 2016, quase 24,8% dos municípios tiveram redução de população. Somos um grande país. É a boa notícia. A queda populacional, acentuada e crescente, é a má notícia. Explico, amigo leitor, a razão de fundo da minha opinião. A partir dos anos 1960, veio à tona com grande força a preocupação demográfica. Consolidou-se a leitura unívoca de que o crescimento populacional era um problema a ser combatido. A pobreza e a miséria no mundo estavam de certa forma mais próximas, tornavam-se mais conhecidas.

Imagens televisivas dos países extremamente pobres pareciam gritar: o mundo não comporta mais gente, falta alimento! E parecia urgente a necessidade de uma forte guinada. Era a cultura de uma época. Poucas décadas antes, não se via assim. No debate sobre a reconstrução da Europa, no pós-guerra, o crescimento da população não era visto como problema; muito ao contrário. Já, nos anos 60, ao avaliar o desenvolvimento dos países latino-americanos, a demografia estava na ordem do dia. Objetivamente, a Europa em 1945 era mais densamente povoada que a América Latina dos anos 60. No entanto, neste lado do planeta, o número de pessoas era encarado como um problema; lá, não. Essa visão transcendeu os anos 60, e nas décadas seguintes, era lugar-comum criticar o crescimento populacional. Chegou até agora; até quase agora, para ser exato. No apagar das luzes da década passada, sem grande estardalhaço, passou- se a falar o contrário. Aparecia na mídia a expressão “janela demográfica”. Ao contrário de todas as visões anteriores, população jovem passou a ser um aspecto positivo, considerada um valioso ativo.

Sociedades envelhecidas não têm capacidade de ousar e inovar. A experiência é fundamental. Mas o motor de um país é o atrevimento da juventude. Uma população em declínio também poderá afastar investidores internacionais, interessados no potencial do consumo interno. “Onde o investidor prefere aplicar recursos? Na Índia ou na China, onde a renda per capita cresce junto com a população, ou na Rússia, onde a renda per capita vem crescendo, mas o mercado consumidor vem encolhendo?”, indaga Markus Jaeger, economista do Deutsche Bank. O Brasil, mesmo sofrendo com o caos econômico, tem enfrentado o terremoto fiscal graças à sua janela demográfica: uma população em idade ativa expressivamente grande. O tamanho e a juventude do mercado brasileiro conspiram a nosso favor. Basta um mínimo de seriedade governamental. Ter tomado consciência apenas agora nos põe em outro problema: conseguir enriquecer como país antes de envelhecer. Estamos numa corrida contra o tempo. Queremos sucumbir ao inverno demográfico ou estamos dispostos a abrir a janela da renovação? Gente não é problema. É solução. (O Globo – 12/09/2016)

Carlos Alberto Di Franco é jornalista


Fonte: pps.org.br


Cristovam Buarque: Assassinato do futuro

Na mesma semana do plebiscito que tirou o Reino Unido da União Europeia, conhecido como Brexit, uma pesquisa feita pelo professor Júlio Jacobo Waiselfisz, coordenador do Programa de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), mostrou que no Brasil são assassinadas 29 crianças por dia, mais de dez mil por ano. Estes dois fatos representam o desprezo pelo futuro.

O Brexit é uma preferência pelo passado; a morte de crianças é nossa Braxit, um assassinato de portadores do nosso futuro. Há décadas, o Brasil faz sua Braxit, sem plebiscito, discretamente, por decisões ou missões silenciosas de seus políticos.

Raras decisões de um povo geraram tantos debates quanto o chamado Brexit. Talvez sejam necessárias décadas para termos pleno conhecimento das consequências desta decisão: ética, o fechamento daquele país aos imigrantes que buscam abrigo contra a pobreza e as guerras em seus países; econômica, perda de investimento e vantagens comerciais; política, isolamento de uma população de 65 milhões de habitantes diante de uma comunidade de 510 milhões; cultural, pela perda da oxigenação promovida pela convivência entre povos; histórica, isolamento em um tempo de inevitável marcha a integração e globalização.

Mas já é possível dizer que foi uma opção da maioria dos britânicos pelo passado. O perfil etário dos eleitores demonstra: 63% com mais de 60 anos votaram pela saída; 73% com menos de 30 anos votaram pela permanência. O futuro queria permanecer; o passado, sair.

A surpresa do voto dos britânicos não surpreende o Brasil. Há décadas, optamos por sair do futuro, preferindo ficar presos ao passado. Nossos investimentos, nossas estruturas não têm preferência pelo futuro, são usados sobretudo para pagar erros e dívidas do passado. Gastamos R$ 500 bilhões por ano com a Previdência e R$ 300 bilhões com a Educação. A maioria dos aposentados ainda recebe menos do que o necessário para atender todas as suas necessidades, mesmo assim, considerando o valor per capita, o passado recebe quase duas vezes mais do que recebe o futuro.

Em 2013, o setor público brasileiro fez um sacrifício fiscal de R$ 2 bilhões somente para promover a venda de automóveis; e de R$ 1,6 bilhões com incentivos fiscais para inovação tecnológica nas empresas. Em 2015, pagamos R$ 502 bilhões de juros por dívidas financeiras contraídas no passado e investimos apenas R$ 68,5 bilhões na construção de infraestrutura econômica no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Gastamos mais com o passado do que com o futuro.

No dia seguinte ao Brexit, os eleitores do Reino Unido iniciaram o movimento por um Brain, uma reunificação com a União Europeia, mas o Brasil continua sem ao menos perceber nossa clara opção por fugir do futuro, nem se propondo a incorporar-se ao futuro: nosso Brain. Para tanto, são necessárias diversas reformas, mas sobretudo cuidar da educação das crianças. Nosso Brain quer dizer cuidar do cérebro de cada criança. (O Globo – 09/07/2016)


Fonte: www.pps.org.br


Pobreza extrema no País só deixou de existir na propaganda do PT, mostra estudo da FGV

O fim da fome e da miséria extrema no Brasil só acabou na propaganda do PT, mostra levantamento do Centro de Estudos de Política Sociais da FGV (Fundação Getúlio Vargas) divulgado na edição semanal da revista Veja.

Coordenados por Marcelo Neri, os novos estudos “indicam que os miseráveis – aqueles que não deveriam mais existir em 2016 – estão, na verdade, prestes a aumentar”, ao contrário da pregação mediática do governo petista de que o País  erradicaria a extrema pobreza neste ano.

Os dados que mostram o “fenômeno”, segundo o levantamento, são a “queda inédita e simultânea de dois índices importantes no último trimestre de 2015: o da renda da população e o da ‘taxa de equidade’, que mede quanto o país está mais igual – e, portanto, menos desigual.”

Outro estudo da FGV, de acordo com Veja, aponta ainda que até “o fim de 2016, a renda per capita dos brasileiros deve recuar quase 10% em relação a 2014”.


Brasil terá que escolher entre combater pobreza ou manter privilégios fiscais, alerta Banco Mundial

Gastos do governo com assistência social aos mais pobres são menores que um terço das despesas com previdência para brasileiros em melhor situação. Benefícios previdenciários ultrapassam também gastos primários com saúde e educação.

Banco Mundial destaca que a atual crise revelou necessidade de enfrentar problemas estruturais da economia, como a baixa produtividade.

Em relatório publicado na segunda-feira (16), o Banco Mundial alerta que a desvalorização das commodities no mercado mundial desde 2011 e a resposta pouco eficiente do governo brasileiro para contornar a queda dos lucros das exportações estão entre as causas da recessão enfrentada pelo Brasil desde 2015.

A crise, porém, não precisa significar o abandono das políticas de redução da pobreza que retiraram 24,6 milhões de brasileiros da miséria de 2001 a 2013, mesmo porque os programas de transferência de renda custam relativamente pouco e são comprovadamente eficazes, segundo o Diagnóstico Sistemático de País para o Brasil — documento elaborado pelo organismo internacional.

Em 2014, iniciativas de assistência social direta aos pobres representaram 7,7% dos gastos primários do governo brasileiro. Consideradas as despesas com saúde básica, pré-escola e ensino fundamental, o valor sobe para 16,4%.

O percentual, no entanto, continua bem abaixo do montante de benefícios previdenciários concedidos aos não pobres (28,9%) — recursos que movimentam um sistema de gastos rígidos e considerado “explosivo” pelo Banco Mundial. A proporção do orçamento público dedicada à previdência ultrapassa as fatias dedicadas a educação, saúde e ensino superior somadas (28,6%).

Para o organismo financeiro, o momento atual exige reformas capazes de renovar o ciclo de combate à pobreza e solucionar problemas estruturais da economia brasileira, como a baixa produtividade e o gargalo da infraestrutura — mascarados pela alta global das matérias-primas na última década.

Alta das commodities impulsionou renda, emprego e assistência

De acordo com o Banco Mundial, o período entre 2003 e 2013 foi marcado por uma valorização mundial dos preços de commodities como a soja e o minério de ferro — o que permitiu ao Brasil investir em assistência social, aumentar o nível de emprego e os salários.

As conquistas do país na luta contra a miséria representam quase 50% da redução da pobreza em toda a região da América Latina e Caribe.

Dados do Banco Mundial indicam que, de 2004 a 2013, a geração de empregos e a redução da informalidade foram os principais responsáveis pelo declínio da pobreza — condição de quem vive com 140 reais por mês.

No entanto, quando considerada a queda de 62% da pobreza extrema — 70 reais mensais per capita — para o mesmo período, o relatório destaca que esta teria sido provocada por rendimentos não salariais, principalmente por programas de transferência de renda como o Bolsa Família.

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Apesar dos avanços, entre 2003 e 2014, enquanto os salários mínimo e real cresceram em média 68% e 38%, respectivamente, a produtividade por trabalhador aumentou apenas 21%.

Para o Banco Mundial, a baixa produtividade do Brasil — ainda não superada — se configura como um dos principais entraves ao crescimento econômico no período pós-2013, quando as matérias-primas passaram a registrar forte desvalorização no mercado mundial.

Para tentar contornar a depreciação, o governo apostou em subsídios a alguns setores da economia, incentivos fiscais, controle de preços e crédito adicional oferecido pelos bancos estatais.

Mas a estratégia, além de pouco eficiente para estimular o crescimento, contribuiu para gerar um clima de incerteza que desestimulou investimentos e aumentou o déficit nas contas públicas. Como resultado desse processo e de uma economia externa em baixa, a queda na atividade econômica brasileira fez o PIB do país contrair 3,8% em 2015.

‘Ajuste fiscal e progresso social não são contraditórios’

O Banco Mundial aponta que, somente em 2016, o Brasil constatou a necessidade de um doloroso ajuste macroeconômico e fiscal que, no entanto, ainda não chegou a resolver os conflitos distributivos entre gastos com combate à pobreza e despesas previdenciárias com os não pobres.

O organismo alerta para transferências a empresas — inclusive renúncias e transferências fiscais implícitas por intermédio dos bancos estaduais e por meio de isenções fiscais pouco transparentes e eficientes — que ultrapassaram 5% do Produto Interno Bruto (PIB) ou quase 14% dos gastos primários.

Caso esses benefícios fossem reduzidos, mais recursos seriam liberados para melhorar os serviços públicos e as políticas voltadas à população desfavorecida. A gestão mais eficiente de recursos públicos e investimentos em saúde, educação e moradia poderiam avançar o combate à pobreza.

“Brasil enfrenta o dilema de solucionar as injustiças nos gastos públicos, reduzindo as transferências para aqueles em melhor situação, ou contemplar a necessidade de desativar programas sociais e reverter algumas das conquistas da década de ouro”, aponta relatório.

Em março, um estudo das Nações Unidas já havia chamado atenção para injustiças fiscais no Brasil que beneficiavam com isenção os chamados super-ricos.

Para o Banco Mundial, a crise trouxe à tona também outros desafios já existentes, como os baixos produtividade e dinamismo associados ao “estado de abandono da infraestrutura física do país e à limitação da concorrência resultante de regulamentações domésticas”.

De 2000 a 2013, apenas a agricultura apresentou aumento expressivo na sua produtividade (105,6%), ao passo que a indústria registrou queda (-5,5%) e serviços verificaram uma taxa quase constante. Curiosamente, o setor industrial registrou o maior aumento de vagas de trabalho — o que sugere que a maior parte dos postos não têm um rendimento tão alto quanto poderiam.

O organismo internacional destaca ainda os fracos incentivos à inovação, inclusive à adaptação de tecnologias, devido a uma série de intervenções governamentais ineficientes.

A superação dessas obstáculos exigirá o aprimoramento de formas de gestão e a capacitação da mão de obra que poderia utilizar novas tecnologias nas cadeias produtivas, tornando-as mais dinâmicas e competitivas.

Mesmo com o aumento dos investimentos públicos em Pesquisa & Desenvolvimento, iniciativas ainda não se traduziram em transformações significativas da produção do Brasil, ainda uma país de tecnologia média.


Fonte: nacoesunidas.org


Pobreza permanece concentrada no Norte e no Nordeste do Brasil, diz estudo de centro da ONU

Entre 2004 e 2013, os índices de pobreza no país caíram de 20% para 9% da população e de 7% para 4% no caso da pobreza extrema. No entanto, os principais aspectos ou perfis da pobreza continuam os mesmos: ela está mais presente no meio rural e nas regiões Norte e Nordeste do Brasil.

No estudo, os autores indicam que o investimento na agricultura familiar pode potencialmente contribuir para a redução da extrema pobreza nessas regiões.

Entre 2004 e 2013, os índices de pobreza caíram de 20% para 9% da população e de 7% para 4% no caso da pobreza extrema. No entanto, os principais aspectos ou perfis da pobreza continuam os mesmos: ela está mais presente no meio rural e nas regiões Norte e Nordeste do Brasil.

Essa é a conclusão de estudo divulgado em abril pelo Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG), vinculado ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

“A redução da pobreza não acompanhou as alterações em seus principais aspectos ou perfis”, disseram os especialistas no estudo. “Em termos regionais, pouco mudou, com as regiões Norte e Nordeste apresentando as maiores taxas de prevalência da pobreza, bem como as áreas rurais em todas as regiões.”

Critérios adotados

O estudo considerou como extremamente pobres pessoas que ganham 70 reais por mês e pobres aquelas que vivem com 140 reais mensais, de acordo com critérios adotados pelo governo federal.

Quanto ao meio rural, o estudo considerou como domicílios agrícolas aqueles onde há pelo menos um membro empregado no setor agrícola e 67% ou mais da renda do trabalho vindo de atividades agrícolas.

Já os domicílios pluriativos são aqueles em que pelo menos um membro está empregado no setor agrícola, mas menos de 67% da renda do trabalho vem da agricultura.

O estudo considerou ainda domicílios rurais não agrícolas como aqueles que se localizam em áreas oficialmente rurais, mas sem qualquer membro do domicílio trabalhando na agricultura. Já os domicílios urbanos não agrícolas estão localizados em áreas oficialmente urbanas, com nenhum membro domiciliar empregado na agricultura.

Conclusões do relatório

O estudo concluiu que no período analisado a pobreza caiu mais nos domicílios agrícolas, assim como a extrema pobreza. Por outro lado, a pobreza e a extrema pobreza nos domicílios pluriativos permaneceu estável.

“Quase a totalidade dos residentes em domicílios agrícolas e pluriativos extremamente pobres do Nordeste têm terra insuficiente, trabalham informalmente e residem em domicílios com idosos, mas sem qualquer aposentadoria”, disseram os pesquisadores.

Em 2013, 37% dos domicílios pluriativos recebiam recursos do Programa Bolsa Família, enquanto nos domicílios agrícolas esse percentual era de 22%.

“Benefícios assistenciais como Bolsa Família ajudam, contudo, não são suficientes para retirá-los da extrema pobreza. Deve haver políticas sociais voltadas para os pequenos agricultores, que considerem as fragilidades dessas famílias, que buscam a sua sobrevivência na agricultura familiar”, disseram.

“A pluriatividade nordestina parece surgir como única alternativa de sobrevivência das famílias em situação de extrema pobreza.”

No Norte, a pobreza caiu menos que no Nordeste e no Brasil como um todo. Segundo o levantamento, a persistência da pobreza extrema no Norte, particularmente entre os domicílios pluriativos e aqueles não agrícolas, é especialmente preocupante. Já as taxas de pobreza são praticamente as mesmas em 2004 e 2013.

“Embora o Norte seja menos pobre do que o Nordeste, o progresso tem sido mais lento lá em comparação às demais regiões do país”, disse o estudo.

Acesso a consumo e saneamento básico

Enquanto entre 2004 e 2013 o percentual de domicílios agrícolas do Norte com geladeiras aumentou de 42% para 78%, o percentual com esgotamento sanitário aumentou de 20% para 26%.

Já no Nordeste, o acesso das famílias agrícolas ao esgotamento sanitário aumentou de 24% para 36% no período, deixando a região dez pontos percentuais à frente da região Norte, que é relativamente mais rica.

“O Nordeste obteve melhores resultados. Nessa região, há mais acesso a infraestrutura pública que no Norte, provavelmente em razão do fato de que o Nordeste não tem que superar as longas distâncias que os governos do Norte precisam superar”, disseram os pesquisadores.

Com relação à posse de geladeira, 89% dos domicílios no Nordeste têm ao menos uma geladeira. No Norte, esse percentual é de 78% e, no Brasil, chega a 92%.

Análise por municípios

O estudo indicou — a partir da análise dos mapas de pobreza e extrema pobreza em âmbito municipal — que o problema da pobreza rural no Brasil é, em grande medida, um problema dos domicílios agrícolas no Norte e Nordeste.

Poucos municípios nas outras três regiões do Brasil apresentam taxas de pobreza superiores a 30% e, em muitos essas taxas são inferiores a 15%. No Norte e Nordeste, no entanto, muitos municípios apresentam taxas de pobreza superiores a 60% e alguns ainda têm taxas tão altas quanto 90%.

“As diferenças são muito acentuadas entre os domicílios agrícolas. A Amazônia ocidental e o estado do Maranhão são áreas que apresentam níveis muito elevados de pobreza agrícola”, afirmou o estudo.

Acesse o documento clicando aqui.


Fonte: nacoesunidas.org


Brasil: Violência, pobreza e criminalização ‘ainda têm cor’, diz relatora da ONU sobre minorias

Em relatório publicado nesta semana, a especialista independente da ONU sobre minorias, Rita Izsák, alertou: cerca de 23 mil jovens negros morrem por ano, muitos dos quais são vítimas de violência pelo Estado. Cenário evidencia ‘dimensão racial da violência’, que movimentos sociais descrevem como ‘genocídio da juventude negra’.

Para a especialista, polícia militar deveria ser ‘abolida’, bem como a categoria do ‘auto de resistência’, considerada um ‘escudo de impunidade’. A relatora destacou que, no Brasil, os negros respondem por 75% da população carcerária e por 70,8% dos 16,2 milhões de brasileiros vivendo na extrema pobreza.

No Brasil, a violência, a criminalização e a pobreza “continuam a ter uma cor”, afetando de forma desproporcional a população negra do país. Esta foi a constatação da relatora especial das Nações Unidas sobre questões de minorias, Rita Izsák, que apresentou nesta terça-feira (15) suasavaliações sobre a conjuntura brasileira ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Mesmo após 20 anos de políticas públicas e ações específicas voltadas para os afrodescendentes, o Brasil ainda “fracassa” em combater a discriminação, a exclusão e a miséria historicamente enraizadas – que acometem, particularmente, os moradores de favelas, periferias e em comunidades quilombolas.

Segundo a especialista, o “mito da democracia racial” permeou por muito tempo o imaginário brasileiro, colocando obstáculos à abordagem explícita de questões como racismo e preconceito e levando a suposições de que a situação marginalizada dos negros seria causada apenas por fatores de classe, e não por aspectos raciais também.

Os resultados mostrados pela especialista foram fruto de uma visita oficial ao Brasil no ano passado. Durante sua passagem pelo país, a relatora visitou a comunidade Santa Marta no Rio de Janeiro, a região da periferia de São Paulo conhecida como Brasilândia e quilombos e comunidades praticantes de religiões de origem africana tanto no estado de São Paulo como na Bahia.

Violência tem ‘clara dimensão racial’ no Brasil

Izsák destacou que, dos 56 mil homicídios registrados a cada ano, cerca de 23 mil têm, como vítimas, negros de 15 a 29 anos de idade. “O que é desconcertante é que um número significativo é perpetrado pelo Estado, frequentemente através do aparato da polícia militar”, afirmou a especialista.

Segundo informações coletadas pela relatora, no estado de São Paulo, as mortes de afrodescendentes em decorrência de ações policiais são três vezes mais numerosas do que as registradas para a população branca. No Rio de Janeiro, quase 80% das vítimas de homicídios associados a intervenções da polícia são negros. Desse contingente de afrodescendentes mortos, 75% eram jovens entre 15 e 29 anos.

A relatora ressaltou que um dos elementos integrantes dessa violência é a impunidade de que gozam os oficiais envolvidos nos crimes.

“Policiais são raramente levados à justiça e a ampla maioria das vítimas não obtém qualquer tipo de reparação. Por exemplo, uma recente revisão de 220 investigações de mortes pela polícia, aberta em 2011 na cidade do Rio de Janeiro, descobriu que, após quatro anos, apenas um oficial de polícia havia sido acusado”, explicou a especialista.

Como resultado da alta mortalidade, somada à impunidade “generalizada” e ao medo de retaliação que desestimula testemunhas dos crimes de policiais a se pronunciarem, movimentos sociais descrevem o cenário como “um genocídio da juventude negra”, em alerta à “clara dimensão racial” da violência no Brasil.

De acordo com Izsák, um dos principais mecanismos que abre brechas para os homicídios e a impunidade são os chamados autos de resistência, “um resquício da ditadura militar” responsável por legitimar mortes, justificadas pelo princípio da autodefesa. Além de abolir essa categorização, o Estado deveria implementar outras medidas, como a reestruturação das forças policiais, incluindo o fim da polícia militar.

No Rio de Janeiro, uma resolução da Polícia Civil do estado determinou a suspensão do uso do mecanismo do “auto de resistência”, o que teria gerado impactos positivos para a redução do número de homicídios policiais.

O projeto de lei 4471/2012, ainda pendente para votação no Congresso, também poderia aprimorar a forma como são conduzidas as investigações de crimes envolvendo oficiais, uma vez que estabelece procedimentos para preservar as cenas do crime e assegurar sua averiguação em nível federal.

Durante visita à comunidade Santa Marta, Izsák observou o impacto da presença de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Apesar de contribuir para a redução de certos crimes, a relatora criticou o fato de o organismo ser a única iniciativa do governo na favela.

Oficiais permanecem pesadamente armados e desempenham funções policiais ao mesmo tempo em que administram serviços sociais e programas de educação, sem possuir treinamento adequado para tanto, ressaltou a relatora.

Criminalização, pobreza e vulnerabilidades de gênero afetam população negra de forma desigual

A relatora expressou preocupação quanto ao fato de 75% da população carcerária do Brasil ser composta por negros. Parte desta disparidade estaria associada à abordagem discriminatória da polícia. Pesquisas também indicam que, quando acusados, afrodescendentes são mais propensos a serem mantidos na cadeia e a serem condenados à privação da liberdade do que a receberem penas alternativas.

Para Izsák, a política de “guerra às drogas” do Estado brasileiro é marcada por “ambiguidades”, que permitem a policiais criminalizar indivíduos com determinado perfil étnico e social. Enquanto os negros encontrados portando drogas são acusados com o crime mais sério de tráfico, brancos talvez sejam acusados de posse de drogas ou simplesmente receberão uma advertência.

Desde 2005, um ano antes da aprovação de lei de drogas 11.343/2006, o número de pessoas encarceradas por violações associadas a drogas aumentou 344,8%. Estima-se que, atualmente, 25% dos homens e 63% das mulheres na prisão foram acusados e condenados por infrações vinculadas a drogas.

A relatora especial se disse ainda “alarmada” pela proposta de emenda constitucional que reduziria a idade penal para 16 anos. Caso seja aprovada, a nova lei não apenas irá contra as recomendações do Comitê sobre os Direitos da Criança, como também contribuirá para perpetuar a criminalização da comunidade negra brasileira. A redução da maioridade penal é uma violação à Convenção sobre os Direitos da Criança, tratado internacional assinado e ratificado pelo Brasil.

Esta comunidade é a mesma que responde por 70,8% dos 16,2 milhões de brasileiros vivendo em extrema pobreza e por 80% dos analfabetos do país. Os salários médios dos negros no Brasil chegam a ser 2,4 vezes menores do que os recebidos por cidadãos brancos e de origem asiática. Estudos mostram que 64% dos afrodescendentes não completaram a educação básica.

A situação das mulheres brasileiras negras também preocupou Izsák. Pesquisas revelam que essa parcela do público feminino está mais sujeita a violência: em 2013, mulheres negras foram mortas numa proporção 66,7% maior do que as brancas.

Em comunidades marginalizadas, como favelas e periferias, meninas e mulheres afrodescendentes permanecem particularmente mais suscetíveis a diferentes formas de abuso, incluindo violência sexual e doméstica.

Na Brasilândia, crianças de dez e 11 anos informaram à relatora que elas eram proibidas de sair de casa após chegar da escola por medo de serem estupradas, uma agressão descrita como recorrente na vizinhança.

Religiões de origem africana também foram destaque de relatório

Em sua avaliação, a relatora especial também chamou atenção para o preconceito que praticantes de religiões de origem africana, como o Candomblé e a Umbanda, dizem enfrentar.

Izsák afirmou ter ficado “seriamente perturbada” ao receber relatos crescentes de episódios de assédio, intimidação, discurso de ódio e, mesmo, de atos de violência, voltados contra os fiéis dessas práticas religiosas. Apenas durante sua visita de duas semanas ao Brasil, dois templos de Candomblé foram queimados no Distrito Federal.

Informações do Centro Nelson Mandela, na Bahia, apontam que um terço de todas as queixas recebidas pela instituição diz respeito à intolerância contra religiões africanas. Membros desses cultos são vítimas de discriminação por conta de suas vestimentas e adereços tradicionais, frequentemente proibidos em locais de trabalho.

Segundo Izsák, entre os praticantes de religiões africanas, há a percepção de que a expansão das doutrinas evangélicas teria tido consequências para as liberdades religiosas. Frequentadores de terreiros relataram ter sido assediados por evangélicos, que empreendem esforços de conversão agressivos, como a distribuição e colagem de panfletos em seus locais de culto.

Outras preocupações comuns entre os praticantes que a relatora conheceu envolvem a disseminação de estereótipos negativos sobre as religiões africanas em veículos de mídia controlados por evangélicos e desigualdades na proteção dessas religiões pelas autoridades, em comparação a outras.

Quilombos enfrentam mais riscos e discriminação

Comunidades tradicionais de afrodescendentes, os quilombos enfrentam discriminação e racismo adicionais, enquanto agrupamentos pobres, rurais e de zonas periféricas que nem sempre conseguem fazer valer seus direitos a terra e recursos naturais.

Até o momento, apenas 189 escrituras foram emitidas para grupos quilombolas, oficializando a posse da terra. Estima-se que haja, atualmente, 1.516 processos abertos envolvendo a demarcação dessas comunidades. Segundo informações recebidas pela relatora da ONU, existem mais de 3 mil quilombos no Brasil.

Apesar de reconhecidos constitucionalmente, quilombos permanecem vulneráveis a pressões do Estado e do setor privado, cujas obras e iniciativas têm desrespeitado os limites das comunidades.

É o caso do Quilombo baiano Ilha da Maré, onde projetos de desenvolvimento provocaram a contaminação do solo e da água da região com metais pesados. As consequências ambientais levaram ao aumento do número de casos de câncer na comunidade e causaram muitas mortes entre jovens que foram envenenados pelas substâncias tóxicas. Devido ao fluxo de trabalhadores que chegaram ao local, mulheres quilombolas também ficaram particularmente mais vulneráveis à violência sexual e de gênero.

A “grave” situação do Quilombo dos Macacos, na região metropolitana de Salvador, também foi citada no relatório, sendo descrita por Izsák como motivo de “preocupação ainda maior”. A instalação de uma base da Marinha dividiu as terras da comunidade. Além de terem familiares monitorados, quilombolas informaram à relatora que sofrem abusos e violência perpetrados por militares, incluindo tortura e agressões sexuais envolvendo mulheres do Quilombo.

Governo brasileiro respondeu às avaliações feitas pela relatora

No que diz respeito aos esforços para prevenir e punir qualquer tipo de violência e abuso alegadamente cometidos pela polícia, o Estado brasileiro destacou que, em janeiro desse ano, o Conselho Superior de Polícia, vinculado à Polícia Federal, e o Conselho Nacional de Chefes da Polícia Civil adotaram uma resolução conjunta que aboliu, em todo o território nacional, o uso dos termos “autos de resistência” e “resistência seguida de morte”.

O objetivo da medida é garantir que os homicídios cometidos por agentes de segurança sejam devidamente investigados. A resolução instituiu que tais incidentes passassem a ser registrados como “lesão corporal decorrente de oposição à intervenção policial” ou “homicídio decorrente de oposição à ação policial”. Os casos devem ser encaminhados ao Ministério Público, mesmo que procedimentos internos de inquérito tenham sido iniciados pela polícia.

Quanto aos quilombos, o governo do Brasil “rejeita a noção de que o país prioriza as políticas econômicas e de desenvolvimento em detrimento dos direitos das comunidades tradicionais”. “Tais alegações não refletem, adequadamente, a realidade brasileira”, afirmou o governo brasileiro.

As autoridades ressaltaram que projetos de desenvolvimento precisam de licenças ambientais para ser executados e ter suas atividades monitoradas, quando houver risco de poluição e degradação da natureza.

Sobre o Quilombo dos Macacos, o Estado afirmou que a comunidade reivindica uma área que se tornou propriedade da Marinha em 1954, após uma doação de terra feita pela cidade de Salvador. Até o momento, todas as decisões judiciais envolvendo o local favoreceram a Marinha, que conseguiu provar a legalidade e a legitimidade da sua presença na região.

Desde 2010, tribunais expediram mandados de despejo para a comunidade que, no entendimento do Judiciário, poderia causar degradação ambiental e poluição das águas.

O despejo forçado dos quilombolas foi deliberadamente adiado pelo governo brasileiro a fim de assegurar uma solução pacífica, que inclua a realocação das famílias e garanta sua dignidade e o respeito aos seus direitos humanos. Desde 2012, autoridades ofereceram cinco acordos de reassentamento pacífico.

Acesse o relatório (A/HRC/31/56/Add.1) nos seis idiomas oficiais da ONU clicando aqui ou clicando aqui para acessar diretamente a versão em inglês.

Fonte: Nações Unidas