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Número de mortes por parto deveria ser nulo, diz Luiz Santini, um dos criadores do SUS
Conselheiro da FAP destaca Programa Nacional de Imunização em análise no Dia Mundial da Saúde
Comunicação FAP
Um dos criadores do Sistema Único de Saúde (SUS), o médico Luiz Santini disse que a mortalidade materna “nem deveria existir no Brasil”. “O número de mortes por parto ou procedimento obstétrico deveria ser nulo, mas ainda há nas regiões mais pobres, sobretudo no Norte e nos bolsões do Nordeste, taxa de mortalidade materna além do desejável. Se houver uma morte, significa que houve falha do sistema em algum momento”, alertou, nesta segunda-feira (7/4), Dia Mundial da Saúde.
Em alusão à data, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou nesta segunda-feira uma campanha, com duração prevista de um ano, em favor do bem-estar materno e neonatal. O tema escolhido é “Começos saudáveis, futuros esperançosos”. Segundo a OMS, quase 300 mil mulheres perdem a vida todos os anos em razão da gravidez ou do parto, enquanto mais de dois milhões de bebês morrem ao longo do primeiro mês de vida e outros dois milhões são natimortos (bebês que morrem após 20 semanas de gestação no útero ou durante o parto).
Mortalidade
De acordo com Santini, a mortalidade infantil no Brasil caiu, mas ainda há desafios. “Há mortalidade de nascituro elevada em determinadas regiões por falta de apoio tecnológico e de suporte a crianças nascidas abaixo do peso ou com alguma doença congênita e que não tenham suporte tecnológico necessário, até que seja possível alguma intervenção médica”, afirmou. Ele também é conselheiro da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), ligada ao Cidadania 23, e pesquisador de saúde pública no Centro de Estudos Estratégicos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A OMS estabeleceu como meta reduzir a taxa global de mortalidade materna para 70 mortes a cada 100 mil nascidos até 2030. Hoje, esse número é de 223 mortes para cada 100 mil nascidos vivos. No Brasil, em 2021, esse índice foi de 117 mortes, impulsionado principalmente pela pandemia de covid-19.
Vacinação
Na avaliação do professor, um dos grandes aliados da saúde pública no país é o Programa Nacional de Imunizações (PNI), iniciativa do governo brasileiro que oferece vacinas gratuitas à população. É uma política pública que ajuda a proteger toda a população, inclusive mães e crianças, que são consideradas prioridade absoluta pela Constituição Federal.
“O PNI é universal, incluindo a vacinação desde o nascimento, com a BCG, a primeira aplicada, até o calendário integral, hoje com mais de 30 vacinas. Nesse aspecto, na atenção materno-infantil, o SUS propiciou evolução muito grande no país”, disse, lembrando que o sistema completará 35 anos em 2025, depois de ser criado pela Constituição de 1988 e implementado pela Lei 8.080, de 1990.
Para Santini, o país também precisa considerar outras questões ligadas a mulher, em razão de sua fertilidade e de sua decisão de continuidade ou não à gravidez, considerando, inclusive, o acesso aos meios de evitá-la, por meio da utilização de medicamentos durante o período fértil. Em outros casos, segundo ele, é preciso que haja oferta de medicação que possa impedir a gestação, considerando as hipóteses previstas na lei. “O Ministério da Saúde oferece programas, mas há regiões mais excluídas, principalmente Norte e Nordeste”, observou.
Violência obstétrica
O pesquisador também analisou uma situação que aterroriza mulheres no país, nas redes pública e privada de saúde. “Há relatos de violência obstétrica cada vez mais frequentes, o que é muito lamentável”, disse. “É reflexo de um comportamento machista, dominador, de desnível e de hierarquia e às vezes a pessoa se sente hierarquicamente superior e tende a provocar situações como essa”, acrescentou.
Segundo ele, a continuidade de denúncias de violência obstétrica é ruim por confirmar que esses casos ainda persistem. No entanto, acrescentou, é positiva porque as mulheres têm consciência da necessidade de proteção da sua integridade física e mental, durante a gravidez, o parto e o puerpério. “É direito da mulher ter, nesse período da sua vida, maior cuidado e carinho”, afirmou.
Para a maior efetividade de oferta de atendimento em saúde pública no país, Santini reforçou a importância da expansão de programas de saúde da família e de todos os demais que visam garantir atenção básica, perto da população, inclusive com especialistas. “Muitas vezes, a pessoa tem acesso ao atendimento básico, mas depois encontra dificuldade no atendimento especializado por vários motivos”, asseverou.
Apesar dos desafios, o pesquisador entende que o país tem muito potencial por causa do Sistema Único de Saúde. “O diferencial do SUS é a abrangência do sistema. É um dos poucos sistemas, mesmo comparado com países europeus, que é universal, por considerar que todas as pessoas têm direito ao atendimento em saúde, o que inclui todos os componentes da saúde, desde a atenção primária”, ponderou, ressaltando a importância da defesa desse modelo como instrumento do próprio regime democrático. “Democracia é saúde. Sem democracia, não há sistema de saúde popular, universal, equânime. Com democracia, é muito difícil; sem democracia, é impossível”.
Míriam Leitão: Visão de quem já liderou o PNI
Há um risco de que as pessoas se vacinem e não voltem para a segunda dose, tomem várias vacinas ou tomem vacinas diferentes. Nunca foi feita uma imunização em duas etapas. Quem aponta esses riscos é a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI), Carla Magda Domingues. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, deu ontem mais uma das suas respostas inaceitáveis. “Vai ser no dia D, na hora H”. Como sempre ele zomba da natural ansiedade do país.
O PNI sempre foi reconhecido pela excelência e capacidade aqui e no mundo, mas o governo Bolsonaro criou o Plano Nacional da Vacinação contra a Covid, um braço dentro do PNI. E o que está sendo divulgado até agora é insuficiente para entender o que o governo pretende, e como evitar os riscos, na opinião da Carla Magda, que teve a responsabilidade de comandar o Programa:
— O que temos hoje do plano é uma definição de vacinação dos primeiros grupos, os prioritários, mas acho que a gente para por aí. Não temos um detalhamento claro de como vai ser feita a vacinação e esta é uma realidade nova, nunca fizemos campanhas em massa de duas doses.
Ontem, Pazuello disse que na vacina da AstraZeneca, que será produzida pela Fiocruz, o governo está pensando num espaçamento maior. Isso é sustentado em estudos clínicos, me disse na semana passada a Fiocruz. De qualquer maneira, será necessária a segunda dose. A ex-coordenadora do PNI alerta que as duas doses tornam o programa mais complexo:
—Como convocar as pessoas duas vezes? O meu medo é de que elas vacinem e não voltem, que tomem vacinas diferentes. Na febre amarela, teve gente que tomou quatro vezes. Os supervacinadores vão querer tomar muitas. E elas não são intercambiáveis. Se toma uma, tem que seguir com o mesmo laboratório.
Ela diz que tem que ser montado um sistema nominal, porque diante da diversidade de vacinas de laboratórios e tecnologias diferentes, o que é uma novidade, a complexidade do programa aumenta muito.
— Vamos ter que pegar nome, CPF, endereço para fazer o registro nominal. Imagina fazer isso para 100 milhões ou mais. A ideia de fazer o sistema nominal está lá, mas é ainda intenção, muito incipiente. Já foi colocado que vai ter sistema de informação, o Conecta SUS, mas isso já deveria estar na rua, com campanhas de publicidade. Quanto tempo ficou rodando a campanha para o título eleitoral eletrônico? Pelo menos quatro meses. E deu problemas — diz.
Domingues acha que nenhuma agência vai autorizar vacina em quem tem menos de 20 anos porque não houve testes clínicos nessa faixa etária. E que não é necessário imunizar toda a população. Os adultos são 150 milhões, mas ela acha que basta ter como alvo 100 milhões. Na vacina de H1N1 foram 90 milhões imunizados.
Uma grande preocupação da especialista são as fakenews. Em qualquer população ocorrem eventos adversos como infarto fulminante, morte súbita, câncer, mortes sem qualquer nexo causal com a vacina:
— Já há notícia falsa circulando de que vai alterar o sistema imunológico das pessoas. Será preciso montar um sistema de vigilância rápido para investigar os casos, a população vai achar que a vacina está matando gente. O plano diz que isso precisa ser feito, mas não mostra como vai ser feito. Se eu tomar a vacina e passar mal, para onde ligo? Quem vai investigar? Isso não se sabe.
O Ministério terá que avisar que todos terão que continuar a usar máscara por pelo menos todo o ano de 2021, afirma ela. Porque uma parte estará vacinada, mas outra não, e nem todos terão a resposta imune. Se nem agora o Ministério faz isso, imagine depois de começar a vacinar.
Carla está preocupada também com as outras doenças que precisam de imunização, e a afirmação do presidente Bolsonaro de que vai esperar preço de seringa cair. Ou seja, não comprou quando deveria e agora posterga. Ela conta que existem 5 milhões de profissionais de saúde, que serão imunizados com o produto importado. Acha que depois deveriam ser os professores.
— As crianças precisam voltar para a escola. O risco é muito grande de ficarem sem aula. Depois da saúde é o professor, sem dúvida. Na minha época, era feita a decisão técnica e ninguém nunca se meteu. Agora já houve três interferências do governo — diz.
Com a responsabilidade de quem já comandou o programa, ela lamenta a politização da vacina.