PMDB
Marco Aurélio Nogueira: Entre a crise e a recuperação, Lula e o PT seguem em frente
Duas teses, entre outras, rondam as análises políticas. E ambas devem ser problematizadas.
Os que acreditaram que o PT acabaria depois dos eventos de 2016 erraram feio, e o fizeram por não entender a lógica dos partidos de massa. O PT nunca esteve perto de morrer, simplesmente porque tem milhares de simpatizantes, muitos recursos de poder, muito acesso às mídias sociais e uma intelectualidade que, incapaz de criar opções, continua a bater bumbo e a dar referências ao partido. É uma máquina, que se tornou rica com o passar dos anos e que não desidratará de repente. É o único partido com raízes populares e que conseguiu estabelecer um contato direto com amplas parcelas da população, ou seja, a agir com os olhos para fora de si mesmo.
Uma organização deste tipo não desaparece só porque seus adversários queiram. A tendência, aliás, é que sobreviva e resista quanto mais seus adversários nela baterem. Até mesmo os erros que comete tendem a ser processados pelas engrenagens partidárias e viram trunfos de sobrevivência. Está aí, fácil de ser vista, o nó em pingo d’água que os petistas deram com as teses do “golpe contra Dilma”, da “perseguição a Lula” e do “roubo de direitos” com as reformas de Temer. Lula, aliás, é um especialista em operações deste tipo, graças a seu histrionismo peculiar, à facilidade com que fala e à habilidade em interagir com a população e a mídia. Deste modo, derrotas acachapantes se convertem em vitórias.
O PT está em recuperação do início do ano para cá. Pesquisas dizem isso, as faces petistas estão mais risonhas e confiantes, há mais vigor discursivo, o partido saiu das cordas. Dizem que isso se deve aos erros e ao estilo do governo Temer, que estaria fornecendo pista livre para o bólido petista.
Algo assim certamente existe, mas o fundamental não é isso. É o instinto de sobrevivência que está a comandar, empurrado pela força inercial da máquina e pelos espaços que se abrem na cena política nacional.
Num contexto de vazio de lideranças, quem tem um olho é rei. Lula tem dois olhos, está com um pé na prisão, mas permanece calando fundo no coração de muitos brasileiros. Ele é a bala de prata do PT, ao menos no momento atual, até porque o partido não se mostra capacitado para produzir novas lideranças e foi inteiramente abduzido pelo lulismo. Não consegue escapar do abraço de urso de Lula, que continua mandando no partido como sempre fez, sem que as correntes mais autônomas mostrem capacidade e disposição para confrontá-lo.
Ontem, dia 5/5, no 6% Congresso Nacional do PT, o ex-presidente mostrou combatividade e continuou a se valer da bazófia ao dizer que “não irá permitir” que continuem a mentir a seu respeito.
Lula é um fator paradoxal. Ao mesmo tempo em que opera como único porta-estandarte do partido, ajuda a impedir que o partido se modernize, avance, faça algum tipo de “autocrítica” e sacuda seus andrajos. Consegue funcionar assim até mesmo para além do círculo petista mais imediato.
As esquerdas que giram em torno do PT – PcdoB e PSol, sobretudo – são reféns de Lula, mas não por culpa dele. Aceitam sem contestação a preeminência do ex-presidente por não terem quadros e lideranças à altura, mas também por estarem convencidos de que podem pegar carona na popularidade de Lula. Permanecem satelizando o PT e, por extensão, Lula. Não têm autonomia para fazer algo diferente, nem ideias próprias. Limitam-se a repercutir as teses petistas, com um ou outro acréscimo ou correção.
O discurso petista hoje dominante prega que o partido deve “ir para a esquerda”, ou seja, radicalizar-se e organizar um efetivo programa anticapitalista. É de se perguntar se partido tem como fazer isso, depois de anos seguidos de mancomunação com o grande capital e com a corrupção. O radicalismo do PT tornou-se retórico, postiço, feito de palavras fortes e slogans fáceis, que empolgam ativistas mas não são digeridos pelo povo, a quem o partido adula com frases assistencialistas.
O PT poderá até mesmo se sair bem nas eleições de 2018. Ninguém terá o direito de se surpreender se isso acontecer. Lula poderá voltar a governar o País, em que pese toda a “perseguição” que diz sofrer.
Mas êxitos eleitorais e eleições não são suficientes para fazer um partido. Se assim fosse, o PSDB e o PMDB seriam verdadeiras máquinas de guerra.
O PT não vai morrer, nem emagrecer dramaticamente. Mas é pouco provável que no curto e médio prazo consiga exibir a musculatura que fez dele, anos atrás, o desaguadouro dos sonhos de tanta gente.
Fonte: http://gilvanmelo.blogspot.com.br/2017/05/entre-crise-e-recuperacao-lula-e-o-pt.html
Maurício Huertas: O “sobe e desce” da política partidária
Se as urnas demonstram que há um esgotamento da paciência da maioria dos cidadãos brasileiros com o atual sistema político-partidário, vide o número recorde de ausências, votos brancos e nulos em todo o país, também é verdade que, enquanto houver a obrigatoriedade de filiação a partidos políticos para se concorrer às eleições, o jogo a ser jogado é dentro das 35 siglas existentes (e outras que ainda estejam por vir).
Parece ser consenso que novas mudanças na legislação partidária e eleitoral são necessárias, muito além do puxadinho chamado de reforma que ocorreu para as eleições municipais de 2016. Correção de distorções à parte e avanços que talvez os atuais mandatários não tenham vontade política de encarar, o fato é que o cenário para 2018 começa a se desenhar a partir da correlação de forças demonstradas neste 2 de outubro.
Todas as análises apontam para o PT como grande derrotado em 2016 e, pelo resultado massacrante e surpreendente em São Paulo, o epicentro político das últimas décadas, Geraldo Alckmin (PSDB) desponta como a liderança política com mais força para a sucessão presidencial. Pensando em números e tratando a política como ciência exata, seria por aí. Mas é claro que há outras variáveis incontroláveis. De todo modo, precisamos partir de um ponto concreto para fazer o mapeamento político nacional.
Pois o que se viu foi Alckmin, padrinho do “não-político” João Doria, que ganhou a Prefeitura de São Paulo no 1º turno com 53% dos votos, impor ao PT (com os 16,7% de votos para Haddad) a maior derrota da sua história. Lembrando que em 1985, quando disputou a sua primeira eleição municipal com Eduardo Suplicy como candidato a prefeito, o PT teve 19,75% dos votos, ficando atrás do vencedor Jânio Quadros, com 37,53% e Fernando Henrique, com 34,16%. Na eleição seguinte, em 1988, ganhou Luiza Erundina (que tinha sido candidata a vice em 1985), e a partir daí o PT sempre esteve na disputa polarizada pela Prefeitura, primeiro contra o malufismo: Maluf (92), Pitta (96) e Maluf (2000); depois contra os tucanos ou seus satélites: Serra (2004), Kassab (2008), Serra (2012) e João Doria (2016). Venceu três vezes, em 1988, 2000 e 2012.
Portanto, nessa balança dos dois pólos mais tradicionais da política atual, que se traduz também desde 1994 nas eleições presidenciais, é inegável que o “lado azul” desponta com amplo favoritismo contra o “lado vermelho” para 2018, sendo que Alckmin se firma como potencial candidato tucano. Dos seus concorrentes internos, José Serra perdeu espaço (a não ser que migre para o PMDB ou se contente com a eleição para o governo do Estado) e Aécio Neves segue com o controle da máquina nacional partidária mas precisa cuidar da franquia mineira (afinal, a sua derrota em Minas, na eleição presidencial de 2014, foi determinante para a vitória de Dilma).
Embora direita e esquerda sejam conceitos cada vez mais anacrônicos, na parcela mais conservadora do eleitorado, à direita do PSDB, destacam-se figuras como Bolsonaro, que não vão vencer eleição majoritária nenhuma, mas indicam um volume crescente do eleitorado mais retrógrado. Ao centro, o PMDB permanece como uma federação de caciques e coronéis locais, agora alçado à Presidência da República para uma transição ainda indefinida.
Partidos como DEM, PSC, PSD, PP, PR e PRB também seguem crescendo ou (re)conquistando municípios importantes. A liderança jovem e mais bem sucedida é ACM Neto, eleito prefeito de Salvador com 74%. Já é nome forte para ser candidato ao Governo da Bahia ou a vice-presidente da República.
À esquerda, o PSOL vai tomando eleitores desiludidos com o PT. A Rede Sustentabilidade de Marina Silva sai da eleição enfraquecida e em crise de identidade. O PT vive um dilema na sucessão da liderança de Lula (às vésperas de se tornar ficha suja na Operação Lava Jato). O próprio Fernando Haddad, apesar da derrota fragorosa, e Eduardo Suplicy, com a votação recorde para vereador, são nomes cotados para um aggiornamento petista, que tem ainda em Ciro Gomes, hoje no PDT, uma alternativa para sobreviver a 2018.
Resta a chamada esquerda democrática, fundamentalmente representada por PPS, PV e PSB, que até pode se aliar pontualmente ao PSDB, mas que trabalha para superar a polarização tradicional e definitivamente se diferencia das práticas e dos conceitos da velha esquerda que não resistiu à queda do muro de Berlim. Está aí nesses partidos, e no que aflorar da Rede, o caminho que pode reaproximar a boa política das novas demandas da sociedade. Aguardemos.
Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor-executivo da FAP e apresentador do #ProgramaDiferente
Fonte: pps.org.br
Luiz Werneck Vianna: Levantar a poeira e dar volta por cima
O ciclo petista é uma página virada e o impeachment não abre as portas do inferno
Foi bonita a festa, varreu para longe o azedume que nos doía na alma. Pena que logo terminou, mas não dá para afastar da memória a multidão enlevada no ato de ocupação popular do Boulevard Olímpico, as nossas vitórias esportivas, poucas, mas boas, inclusive no Maracanã da Copa perdida em 1950, e até o surpreendente êxito da organização de um evento tão complexo como a Olimpíada. As cerimônias de abertura e de encerramento dos jogos, ambas belíssimas e de pungente simplicidade, souberam narrar o enredo da nossa cultura e da nossa original civilização, tornando patente que 500 anos de História não foram perdidos, como sustenta essa historiografia de butique em moda, e que contamos com uma plataforma segura para seguirmos em frente.
O caminho à frente, ninguém duvida, não será fácil. Processos de impeachment presidenciais são doloridos e deixam marcas, e este aí promete não ser diferente. Venha o que vier, a experiência vivida sob o ciclo petista, especialmente na condução da política e da economia sob o governo Dilma, é uma página virada na nossa vida republicana. O nacionalismo autárquico, o decisionismo sem freios do Poder Executivo, o capitalismo de Estado com sua perversa indistinção entre as esferas do público e do privado, orevival do terceiro-mundismo demonstraram-se práticas desastrosas cujos efeitos são sentidos por todos, sobretudo pelos mais vulneráveis.
De seguro, temos em mãos uma identidade cultural, tal como a celebramos nas festas olímpicas, e uma arquitetura institucional resistente às adversidades, cuja resiliência tem sido comprovada em meio ao furacão a que fomos expostos. Faltam-nos os partidos e um rumo. Encontrá-los demanda tempo por que diante das ruínas que sobraram da Operação Lava Jato – e não só por ela – não há muito que salvar.
O PT, maior partido da esquerda, logo que se fez governo abandonou a vocação que o trouxe ao mundo, convertendo-se num partido de Estado com todos os vícios inerentes a formações partidárias desse tipo; o PSDB, por sua vez, findos os anos de fastígio dos seus longos anos de governo, acomodou-se aos louros obtidos com a execução bem-sucedida do Plano Real e se reduziu a um partido de quadros sem raízes na vida popular. O PMDB, ao esgotar a agenda das lutas pela redemocratização do País, perverte-se numa agremiação a reunir caciques regionais, com frequência originários de antigas oligarquias, sem alma e luz própria, estrangeiro aos temas emergentes numa sociedade em intenso processo de mutação. Os demais, ancilares, apenas vêm contando para a composição de coalizões governamentais, sem âncoras sociais e de concepções do mundo que lhes prometam melhor destino.
Quanto aos rumos, o horizonte é igualmente sombrio. O anacronismo em que se deixou enlear o pensamento da esquerda, ou embalada pelas promessas do pragmatismo reinante – do qual, reconheça-se, colheu frutos em curto período – ou porque fez ouvidos moucos aos processos que fizeram o mundo passar a girar em outros gonzos a partir da aceleração do chamado fenômeno da globalização e suas profundas repercussões societais e ambientais, fixou-a no tempo em que vigia o primado da categoria Estado-nação.
Sob o governo Dilma Rousseff, mais que no de Lula, essa categoria exerceu papel de centralidade na estratégia governamental, confundindo-se as tendências inexoráveis favorecedoras da mundialização da economia com neoliberalismo. A estatolatria, malsinada marca de origem da nossa formação, tornou-se, então, a referência da política, perdida de vista a enérgica emergência da sociedade civil desde as lutas pela democratização do País e que se atualizou com as manifestações de junho de 2013.
Essa esquerda dá as costas ao Marx que reconhecia na mundialização da economia o momento propício à ultrapassagem do capitalismo; ao Gramsci que bem antes de Habermas já reconhecia o imperativo de se preparar a transição para uma ordem cosmopolita; para não falar da moderna teoria social, Habermas à frente, como nas obras de A. Giddens e U. Beck, entre outros, que têm na auto-organização do social a pedra de toque de suas utopias realistas, oxímoro que abriga, na cena contemporânea, os ideais de igual-liberdade.
Regrediu-se ao universo mental dos anos 1950, alçando-se o populismo centrado no conceito de Estado-nação a uma política de emancipação social de um povo explorado. Não se temeu o exagero, sustentando alguns que o populismo latino-americano, mais do que um fenômeno da periferia do mundo, deveria universalizar-se no Ocidente desenvolvido. A dominação carismática escapou do baú das piores décadas do século passado para se tornar fonte de legitimação do poder de uma personalidade tida como providencial. E isso num momento em que aqui e em boa parte do mundo a sociedade reclama o direito de participação na tomada de decisões na esfera pública.
Na modalidade do populismo praticado pelo PT, longe de ser de mobilização, como noutras experiências vizinhas à nossa que conviveram mal com o sistema da representação política, ele se revestiu, mascarado pelo reconhecido carisma de Lula, de um caráter tecnocrático, insulando-se a tomada de decisões nas agências e nos aparelhos estatais, a serem respaldadas no Poder Legislativo, pelo bizarro presidencialismo de coalizão então adotado. Esse modelo não era fácil de ser seguido, particularmente por quem não detinha carisma e era refratário à vida parlamentar, caso da presidente Dilma, cuja opção de governo foi extremar à outranceo decisionismo do Executivo, com o que selou seu destino político no processo de impeachment ora concluído.
O impeachment não nos abre as portas do inferno, como desejam os que nada entenderam do que se passou. Mas eles são, felizmente, minoria e não terão como resistir ao poder de reflexão da sociedade, que apenas começou, sobre os infaustos acontecimentos que nos trouxeram a ele.
Luiz Werneck Vianna: Sociólogo, PUC-RJ
Fonte: Estadão
Fernando Henrique Cardoso: A história ensina
A política requer desprendimento e grandeza
Em julho passado André Franco Montoro faria cem anos. Em um país desmemoriado é bom recordar: Montoro foi dos raros políticos capazes de, sendo realistas, não deixar de lado os sonhos, as crenças, os valores. Em época de pouco caso ao meio ambiente, Montoro exortava as pessoas a plantarem hortas, a darem preferência à navegabilidade dos rios, a deixarem de lado os egoísmos nacionais e olharem para a América Latina, a dizer não à bomba atômica. E principalmente, a entender que a política requer desprendimento e grandeza. Foi assim quando, quase sozinho, impôs ao antigo PMDB um comício pelas eleições diretas-já na Praça da Sé, em 1984. E outro exemplo nos deu quando, lidando com outros gigantes, apoiou Tancredo Neves para a disputa no Colégio Eleitoral.
Conto um episódio. Nos preparativos para a eleição indireta do novo presidente, a Veja publicou uma entrevista de Roberto Gusmão, então chefe da Casa Civil de Montoro, em que este, falando por São Paulo, lançava o nome de Tancredo Neves para concorrer pela oposição. Na época, além de muito ligado a Ulysses Guimarães, eu era presidente do diretório do PMDB de São Paulo. Ulysses, como fazia habitualmente, passou na manhã subsequente à publicação da entrevista pelo casarão que então sediava o partido. Perguntou-me de chofre: "isso é coisa do Gusmão ou do Montóro"? Como ele pronunciava. Confirmei que era opinião do governador de São Paulo. "E você, o que acha?" Disse-lhe: "O senhor sabe dos laços de respeito e amizade que nos unem, mas nas circunstâncias é a opção para ganharmos no Congresso". Redarguiu: "quero ouvir isso do Montóro".
E assim, uma noite jantamos Montoro, Ulysses, Gusmão e eu, e cada um de nós, sob o olhar severo de Ulysses, confirmou nossas opiniões. Ulysses, não teve dúvidas: chefiou a campanha pela eleição de Tancredo. De fato, eleitoralmente quem poderia concorrer com Tancredo era Montoro, dado o volume de votos de São Paulo, que pesariam em eleições diretas. Tancredo, entretanto, teria vantagens táticas no convencimento de um Colégio Eleitoral composto por congressistas. Realista, Montoro logo propôs o nome mais viável. Vencemos.
Então estava em jogo a redemocratização do país, a convergência era necessária. Ela teve que ser ampliada para englobar os que antes eram adversários. Assim atravessamos o Rubicão e fomos, pouco a pouco, reconstruindo a democracia. Escrevo isso não só para valorizar a trajetória política e humana de gigantes como Montoro, Ulysses e Tancredo, mas para fazer paralelo com o presente.
Para o Brasil poder reconstruir-se, depois do tsunami lulopetista, ingloriamente culminado com quem talvez menos culpa tenha no cartório, a ainda presidente Dilma, é preciso grandeza. Não nos iludamos: estamos atravessando uma pinguela, a ponte é frágil. Sempre fui renitente a processos de impeachment porque, mesmo quando bem embasados, como o atual, implicam em destronar alguém que teve o voto popular e entregar o poder a quem também o recebeu, mas de forma mediata, em comparação com o presidente (a) a ser destronado. Contudo, a Constituição deve ser respeitada. Não adianta sonhar sem realismo com um plebiscito que talvez nos levasse a novas eleições. O mais provável é que nos levasse a uma escolha precipitada, se não à via indireta do Congresso pela impossibilidade de se obter a renúncia da incumbente e do vice. Mesmo que a destituição de ambos viesse por ordem do Supremo Tribunal Eleitoral, isso só ocorreria no próximo ano, quando a Constituição manda que a eleição seja indireta.
Logo, o que de melhor temos a fazer é fortalecer a pinguela, caso contrário caímos na água, e quem sabe, fortalecida, a pinguela se transforme mesmo em ponte para o futuro. Não é tarefa fácil e não cabem hesitações, nem ambições pessoais. A desorganização da economia, da política e da vida do povo causada pelos desatinos dos governos petistas vai requerer serenidade, firmeza, objetivos claros e muita persistência. Não é momento para exclusões. O PT e seus aliados são partes da vida nacional. Que se reconstruiam, que desistam das hegemonias e se habituem à competição democrática e à alternância no poder.
Precisamos fixar algumas prioridades, aliás, sabidas. Primeiro consertar a economia, começando pelas finanças públicas e por aceitar que, gastar sem haver recursos, não é política "de esquerda", é erro; quem paga as consequências dos erros (desemprego, inflação e desinvestimento) é o povo. Segundo, que não dá para governar com dezenas de "partidos" que são meras letras justapostas para obter vantagens financeiras. A cláusula de desempenho e a proibição de coligações nas eleições proporcionais se impõem. Terceiro, não basta o equilíbrio fiscal, é preciso alcançá-lo de modo favorável ao crescimento e à redistribuição de renda. O crescimento, em nosso caso, vai depender de o Estado bem desempenhar seu papel de regulador (por exemplo, nas parcerias público/privadas e nas concessões) e se abster de abarcar tudo. Quarto, que algum sinal na Previdência (por exemplo, a fixação progressiva de uma idade mínima para as aposentadorias) e no mercado de trabalhos (por exemplo, apoiar a sugestão do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo que dá maior peso às negociações) será importante. Por fim, é preciso entender que a agenda do atraso, preconizada por setores fundamentalistas, que se opõem aos direitos sociais e às políticas de identidade (de gênero, cor, comportamento sexual etc.) e equalizadoras (as cotas, as bolsas e etc.) é tão perniciosa quanto a paixão pela hegemonia voluntarista.
Há que aceitar as diferenças e conciliar pontos de vista olhando para o horizonte. É hora de mais Montoros e dos demais gigantes que nos tiraram do autoritarismo e nos levaram à democracia.
Fonte: El País
Brasilio Sallum Jr.*: Collor e Dilma – abuso de poder e voluntarismo
Confirmando-se em agosto o impedimento de Dilma Rousseff, o Brasil terá experimentado dois impeachments em 28 anos da democracia. O número é elevado: dois em sete períodos de governo.
Mas não há que ver nisso sinal de fragilidade do regime de 1988. Ao contrário, nos dois casos o Congresso interrompeu o mandato de presidentes que abusaram do poder que lhes foi concedido pelas urnas. No caso de Fernando Collor de Mello o estopim foi a acusação de corrupção, de ter recebido recursos das operações suspeitas de PC Farias, tesoureiro de sua campanha. Este teria usado seu vínculo com o presidente para tomar dinheiro de empresas que dependiam de decisões do governo. No caso de Dilma Rousseff, as “pedaladas” de que é acusada constituíram abuso do poder que o Executivo tem sobre os bancos públicos, obrigando-os a conceder à União empréstimos disfarçados para gastar mais do podia. Assim, de uma ou de outra forma, os dois abusaram do poder, cometendo crime de responsabilidade. A frequência do impeachment é, pois, sinal de força da democracia brasileira. Ela tem sabido reagir aos chefes de Estado que ultrapassam os limites da autoridade recebida pela eleição.
O impeachment de Fernando Collor e o que atingirá Dilma Rousseff não decorreram, porém, apenas dos abusos mencionados. As crises que atingiram seus governos, embora bem diversas, resultaram em parte do seu extremovoluntarismo. O abuso de poder foi apenas uma das manifestações desse voluntarismo, normalmente obediente à ordem legal. Claro que os voluntarismos dos dois tiveram orientações políticas muito diversas: Collor orientou-se pela crença no valor do mercado e Dilma, pela crença nas virtudes da intervenção estatal.
O voluntarismo de Collor expressou-se, por exemplo, na edição de mais de uma centena de medidas provisórias no seu primeiro ano de governo e na tentativa, posterior, de forçar reformas liberalizantes que exigiam mudanças na Constituição e, portanto, grande maioria parlamentar, quando mal conseguia maioria simples no Congresso. Assim, o presidente buscou, com sucesso variável, impor sua vontade graças ao uso intenso dos poderes do Executivo, mas desconhecendo ou menosprezando os interesses políticos sediados nos partidos e no Congresso. Atuava como se os votos recebidos na eleição de 1989 lhe tivessem dado superior legitimidade em relação aos demais Poderes de Estado. Isso até o início de 1992, quando foi obrigado a recuar e tomar em conta a força e a legitimidade dos demais Poderes. Mas não o fez na medida necessária para retomar o controle da situação.
O voluntarismo de Dilma está mais à flor da nossa memória. Todos se lembram da dádiva maravilhosa de 20% na conta da luz, anunciada em setembro de 2012 juntamente com a renovação antecipada de todas as concessões no setor elétrico. A vontade presidencial foi feita, a despeito dos protestos das empresas do segmento de eletricidade e da desorganização do setor, mas teve de ser paga depois pelo consumidor, cujos gastos em 2015 aumentaram em cerca de 50% para compensar a benesse antes recebida. Caso similar foi a contenção dos preços dos combustíveis abaixo do nível internacional desde 2007 e, especialmente, a partir do início de 2011. Em nome do controle da inflação, esse voluntarismo presidencial trouxe prejuízos elevadíssimos à Petrobrás (US$ 50 bilhões até o final de 2014) e ao setor produtor de álcool combustível. Esses e outros casos de imposição da vontade se expressaram em formas de intervenção estatal que fizeram pouco da lógica própria dos mercados, incluídos aqueles em que empresas estatais tinham e têm parte relevante.
Contudo talvez tenham sido as decisões políticas que Dilma Rousseff tomou depois da vitória eleitoral de 2014 que mais corroeram sua capacidade de governar. A mais relevante foi a decisão de adotar o “ajuste fiscal” como diretriz da política econômica do novo governo e convidar um banqueiro para conduzi-la, desdizendo tudo o que afirmara na campanha eleitoral. Além de contrariar o seu partido, que vivia na ilusão de que gasto é sempre igual a desenvolvimento, transformou a tristeza da derrota oposicionista em revolta contra o estelionato eleitoral sofrido. A mentira indiretamente revelada e reconhecida reduziu, antes mesmo da posse, a legitimidade não da democracia, mas da presidente recém-eleita.
Na sequência, ela escolheu uma equipe ministerial que a afastou mais ainda da corrente majoritária do PT. E decidiu disputar, com candidato do PT, o comando da Câmara dos Deputados (para o qual se vinha preparando o deputado Eduardo Cunha), corroendo a já precária aliança com o PMDB, que lhe dera o vice, votos e um bom naco de tempo no rádio e na televisão. A derrota fragorosa nessa disputa evidencia, mais que tudo, o voluntarismo político da presidente. Ela se inclinou quase sempre a tomar pouco em conta os interesses de partidos e lideranças com os quais interagia, como se eles tivessem de curvar-se à vontade presidencial por terem menos legitimidade. É verdade que o sistema presidencial brasileiro dá ao chefe de Estado um poder muito grande. Mas o impeachment de Collor demonstrou que para governar o presidente precisa manter liderança sobre uma coalizão partidária majoritária. Se não consegue fazê-lo, perde condições de bem exercer o cargo.
Seguramente abuso de poder e voluntarismo presidenciais não explicam, por si sós, a crise política atual. Mas sublinham que a democracia não exige apenas eleições; demanda também responsabilidade no exercício do poder, tanto pelo respeito aos limites da lei como por levar em consideração os interesses legítimos dos demais atores. Infelizmente, Collor e Dilma, não se mostraram capazes disso.
* BRASILIO SALLUM JR. É PROFESSOR DE SOCIOLOGIA DA USP, AUTOR DE ‘O IMPEACHMENT DE FERNANDO COLLOR – SOCIOLOGIA DE UMA CRISE’
Fonte: Estadão
Murillo de Aragão¹: País mistura avanços na agenda econômica e incertezas na política
Nos arraiais do governo existe a certeza de que a semana passada foi a melhor de todas as da curta gestão do presidente em exercício Michel Temer. A lista de realizações não é pequena.
Um acordo que se arrastava havia anos finalmente foi fechado com os Estados, depois de incluído em uma proposta de emenda constitucional um teto de gastos que começou a ser discutido no Congresso. O acordo já está contemplado na meta fiscal aprovada anteriormente.
A Câmara aprovou medida provisória que abre ao capital estrangeiro o controle de empresas aéreas. Como parte dessa nova política, o governo enviou ao Congresso um tratado de céus abertos com os Estados Unidos que mofava na antiga Casa Civil.
O Senado aprovou regra rigorosa para a indicação de dirigentes de empresas estatais, e foi agendada para agosto a primeira privatização da era Temer – a da distribuidora goiana de energia Celg.
O Ministério da Indústria e Comércio anunciou que pedirá ingresso nas negociações do Acordo Internacional de Comércio de Serviços (Tisa, na sigla em inglês), que envolve 23 países, entre eles Estados Unidos, México e Canadá, além dos integrantes da União Europeia. A medida representa um extraordinário avanço para a abertura econômica do Brasil.
Às realizações nos campos econômico e fiscal somam-se avanços no campo internacional. Temer foi convidado pelo primeiro-ministro da Índia para a reunião do Brics em outubro, um reconhecimento explícito de sua legitimidade como presidente da República.
No campo midiático, uma série de entrevistas dadas por Temer repercutiu positivamente e contribuiu para consolidar sua imagem.
Na quinta-feira, 23, em um gesto inédito na diplomacia brasileira, Temer recebeu mais de 50 embaixadores de países predominantemente muçulmanos com um jantar no Palácio do Jaburu para comemorar o encerramento do ramadã.
No evento, o embaixador da Palestina, decano dos embaixadores de países árabes em Brasília, destacou a solidez das instituições brasileiras e a condução do processo político. A presença de expressivo número de diplomatas no jantar foi mais uma chancela internacional ao governo Temer.
Na área do combate à corrupção, a operação Custo Brasil atingiu em cheio o PT, envolvido em mais um escândalo que, desta vez, alcançou uma das mais importantes defensoras da presidente afastada Dilma Rousseff no Senado, Gleisi Hoffmann, mulher do ex-ministro Paulo Bernardo, preso na quinta-feira.
Como nem tudo é perfeito, o PMDB continua pressionado por novas delações que virão a público em breve, o que indica que o Brasil continuará respirando um clima paradoxal, ao misturar avanços na agenda econômica e incertezas no campo político.
Uma coisa é certa: as instituições estão funcionando, e o novo governo não está paralisado pela crise política. Ganha terreno nos campos fiscal e econômico, o que até há bem pouco tempo parecia tarefa impossível.
No momento em que escrevo, o governo começava a definir a nova meta fiscal de 2017, o que se concluirá até o fim desta semana. O projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), encaminhado em abril pela presidente afastada Dilma Rousseff, fixava em zero o esforço fiscal do governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) para o próximo ano. Mas previa que a equipe econômica pudesse abater o equivalente a R$ 65 bilhões, ou 0,96% do PIB, desse resultado por frustração de receitas (R$ 42 bilhões) e preservação de gastos essenciais (R$ 23 bilhões). Agora, estima-se que o déficit possa chegar a R$ 140 bilhões.
¹Murillo de Aragão: Advogado, mestre em Ciência Política e Doutor em Sociologia pela UnB. Autor de dezenas de artigos e estudos políticos, entre eles o livro “Reforma Política: o Debate Inadiável”. Escreve nos jornais O Estado de S. Paulo, O Globo e Correio Braziliense. Membro do CDES, da Presidência da República.
Fonte: Blog da Política Brasileira
Especial: Meia hora na festa de filiação de Marta Suplicy no PMDB
Quis o destino que a estocada final no PT possa ser desferida por duas mulheres, duas ex-petistas, a partir desta semana conturbada em que a cena da labareda no helicóptero da presidente Dilma Roussef seja talvez a imagem mais ilustrativa do momento de fritura e completo isolamento deste ex-governo que se desmancha no ar.
A oficialização da Rede Sustentabilidade, de Marina Silva, que já pesca de arrastão uma série de petistas e outros políticos descontentes em seus partidos, e a festança do poder em torno de Marta Suplicy, na sua chegada de fato ao PMDB, dão o tom do fim agonizante que o PT deve enfrentar.
Enquanto Marta reunia o presidente em exercício da República, Michel Temer, o presidente do Senado,Renan Calheiros, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, além de ministros, governadores, prefeitos e parlamentares de diversos partidos (sobretudo governistas prontos para desembarcar), o PT via fracassar mais uma tentativa de "defender" a presidente Dilma enquanto "ataca" a sua política econômica, num ato de esquizofrenia partidária e autismo político sem precedentes.
Quem duvidava da força de Marina e de Marta pode tirar o cavalinho da chuva. As duas provam desde já que terão papel determinante nas eleições de 2016 e 2018. A Rede Sustentabilidade apresenta seu potencial para resgatar parte do idealismo perdido na política, enquanto o PMDB se coloca a postos com o pragmatismo das suas principais lideranças para assumir o país no pós-PT.
"A gente quer um Brasil livre da corrupção, livre das mentiras, livre daqueles que usam a política como meio de obter vantagens pessoais. Afinal, estou no PMDB do Doutor Ulysses, que democratizou o país. E no PMDB do doutor Michel, que vai reunificar o país", afirmou Marta Suplicy.
A senadora disse que decidiu ingressar no PMDB após uma conversa com Michel Temer, a quem ela chamou de "líder conciliador". Citou um por um dos presentes e também o ausente José Sarney, um "gigante da política".
"O PMDB soube devolver a nós o que há de mais valioso na vida, a liberdade, o direito de ir e vir, de mudar de ideia. Isso foi uma das coisas que eu mais gostei do PMDB. Eu senti que eu caibo por causa disso, é um partido amplo."
Ao rompimento de Marta com o PT, o presidente Michel Temer respondeu com um "abraço fraterno". A ex-petista afirmou seu discurso que Temer tem todas as qualidades que o momento exige: "Olhei nos olhos de Michel Temer e senti confiança. É um líder, um conciliador, um homem do diálogo, qualidades pessoais essenciais que este momento exige. Eu me sinto à vontade, segura, sob tua presidência. Todos nós estamos com você, Michel."
"O PMDB é um grande partido e, a partir de hoje, com seu ingresso, ele ficou maior ainda. A sua filiação renova o partido. O PMDB vai fazer muito por você, mas eu tenho certeza de que você vai fazer muito mais por nós", afirmou Michel Temer, muito aplaudido. "Todo mundo te recebe de braços abertos. E eu quero te dar um abraço fraternal. Nós professamos as mesmas ideias e professamos isso pelo Brasil."
"Esse ato simbólico de filiação de Marta mostra o quanto o PMDB está buscando seu próprio caminho. Time que não joga não tem torcida", destacou Cunha.