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Janaína Figueiredo: Plebiscito no Chile deixa Bolsonaro mais isolado no continente
Em recente discurso, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, se referiu ao Brasil como um “pária”. O chanceler não especificou muito. Disse apenas que o país está nessa categoria por defender a liberdade. No domingo, quase 80% dos chilenos votaram a favor de uma nova Constituição no país, onde ainda vigora a deixada pela ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Ditadura que o presidente Jair Bolsonaro elogiou em sua viagem a Santiago, em março de 2019, meses antes do início da onda de manifestações que levou à vitória do “aprovo” no plebiscito.
Naquele momento, a atitude do presidente foi repudiada por importantes congressistas, que se negaram a participar de um almoço em homenagem a Bolsonaro no Palácio de la Moneda, o mesmo que Pinochet mandou bombardear em 11 de setembro de 1973. Foi o início de uma fase violenta da História chilena, que trouxe junto a implementação de um modelo econômico liberal, no qual o Estado tem escassa participação e quem manda é o mercado. Um modelo comemorado publicamente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Há um ano e meio, Bolsonaro sentiu na pele o isolamento dentro da política chilena. Hoje, o presidente Sebastián Piñera, que o recebeu em grande estilo, se alinhou à maioria que exigiu mudanças que enterrem definitivamente o passado. O chefe de Estado chileno nunca foi pinochetista, mas tampouco se atrevia a defender uma nova Constituição. O fez, finalmente, sob pressão das ruas.
Piñera mantém contatos com o presidente da Argentina, Alberto Fernández, com quem Bolsonaro nunca quis falar. O presidente do Chile também reconheceu rapidamente a vitória do Movimento ao Socialismo (MAS) na Bolívia, nas eleições do último dia 18 de outubro. O Brasil demorou quase uma semana em se pronunciar.
O isolamento do governo Bolsonaro na região está ficando evidente e poderá acentuar-se se o presidente americano, Donald Trump, não for reeleito. Um eventual governo do democrata Joe Biden daria mais força a governos progressistas e terminaria com a aliança direitista entre EUA, Brasil e Colômbia, formada, entre outros objetivos, para tirar Nicolás Maduro do poder na Venezuela.
O cenário regional não é nada favorável para Bolsonaro. O termo "pária" usado por Araújo ganha cada vez mais sentido.
Cristovam Buarque: Assassinato do futuro
Na mesma semana do plebiscito que tirou o Reino Unido da União Europeia, conhecido como Brexit, uma pesquisa feita pelo professor Júlio Jacobo Waiselfisz, coordenador do Programa de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), mostrou que no Brasil são assassinadas 29 crianças por dia, mais de dez mil por ano. Estes dois fatos representam o desprezo pelo futuro.
O Brexit é uma preferência pelo passado; a morte de crianças é nossa Braxit, um assassinato de portadores do nosso futuro. Há décadas, o Brasil faz sua Braxit, sem plebiscito, discretamente, por decisões ou missões silenciosas de seus políticos.
Raras decisões de um povo geraram tantos debates quanto o chamado Brexit. Talvez sejam necessárias décadas para termos pleno conhecimento das consequências desta decisão: ética, o fechamento daquele país aos imigrantes que buscam abrigo contra a pobreza e as guerras em seus países; econômica, perda de investimento e vantagens comerciais; política, isolamento de uma população de 65 milhões de habitantes diante de uma comunidade de 510 milhões; cultural, pela perda da oxigenação promovida pela convivência entre povos; histórica, isolamento em um tempo de inevitável marcha a integração e globalização.
Mas já é possível dizer que foi uma opção da maioria dos britânicos pelo passado. O perfil etário dos eleitores demonstra: 63% com mais de 60 anos votaram pela saída; 73% com menos de 30 anos votaram pela permanência. O futuro queria permanecer; o passado, sair.
A surpresa do voto dos britânicos não surpreende o Brasil. Há décadas, optamos por sair do futuro, preferindo ficar presos ao passado. Nossos investimentos, nossas estruturas não têm preferência pelo futuro, são usados sobretudo para pagar erros e dívidas do passado. Gastamos R$ 500 bilhões por ano com a Previdência e R$ 300 bilhões com a Educação. A maioria dos aposentados ainda recebe menos do que o necessário para atender todas as suas necessidades, mesmo assim, considerando o valor per capita, o passado recebe quase duas vezes mais do que recebe o futuro.
Em 2013, o setor público brasileiro fez um sacrifício fiscal de R$ 2 bilhões somente para promover a venda de automóveis; e de R$ 1,6 bilhões com incentivos fiscais para inovação tecnológica nas empresas. Em 2015, pagamos R$ 502 bilhões de juros por dívidas financeiras contraídas no passado e investimos apenas R$ 68,5 bilhões na construção de infraestrutura econômica no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Gastamos mais com o passado do que com o futuro.
No dia seguinte ao Brexit, os eleitores do Reino Unido iniciaram o movimento por um Brain, uma reunificação com a União Europeia, mas o Brasil continua sem ao menos perceber nossa clara opção por fugir do futuro, nem se propondo a incorporar-se ao futuro: nosso Brain. Para tanto, são necessárias diversas reformas, mas sobretudo cuidar da educação das crianças. Nosso Brain quer dizer cuidar do cérebro de cada criança. (O Globo – 09/07/2016)
Fonte: www.pps.org.br