Planalto

Roberto Freire: 'A base governista está mais aguerrida'

Amanda Almeida | O Globo

Michel Temer fica ou cai?
– O termômetro está muito mais difícil de ser aferido do que no processo do impeachment. Porque, naquele caso, havia um componente: povo na rua. Hoje, pode haver rejeição alta, mas não há manifestação. Além disso, a base governista está muito mais aguerrida.

A saída do presidente vai gerar instabilidade?
– Não. Se for vitorioso o afastamento, a transição continua. Até porque Rodrigo Maia é base do processo do impeachment e da transição, homem de confiança da base governista.

E qual a sua posição e a do PPS?
– A maioria da bancada é favorável à aceitação da denúncia. Respeitaremos todo e qualquer voto diferente. Não quero falar ainda minha posição. Qualquer que seja a decisão, o PPS continuará a apoiar a transição até 2018 nos termos da Constituição e a favor da reforma.

 


Valor Econômico: No Brasil, economia de mercado é "caricatura", diz Eduardo Giannetti

SÃO PAULO - A operação Lava-Jato escancarou a deformação patrimonialista do Estado brasileiro, diz o economista e escritor Eduardo Giannetti, para quem o país tem a oportunidade de corrigir essa distorção. Segundo ele, o problema resulta da combinação de "um patronato político que usa as suas prerrogativas para se perpetuar no poder" e de "empresários de peso, do setor privado, que buscam desesperadamente atalhos de enriquecimento junto a governantes dispostos a negociar".

Para Giannetti, o país assiste, "ao vivo", uma aula de sociologia política sobre a deformação patrimonialista do Estado. Ela mostra que "a democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido" - na frase de Sérgio Buarque de Hollanda, em "Raízes do Brasil" - e que a economia de mercado no Brasil é uma caricatura, segundo ele.

Na visão de Giannetti, o problema "chegou a um tal paroxismo que abre uma oportunidade de correção profunda". Mudar esse estado de coisas depende de uma reforma política e de uma reforma econômica que as eleições de 2018 "podem viabilizar, mas não garantem", avalia ele, que diz gostar da ideia de uma Constituinte exclusiva, focada na reforma política e em alterar o pacto federativo.

Giannetti antevê dois cenários possíveis ao falar das eleições de 2018, um de polarização e outro de pulverização. O de polarização depende fundamentalmente de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ser candidato, afirma o economista. "Se isso ocorrer, vai surgir quase que inevitavelmente um outro polo que será o anti-Lula. Pode ser [João] Doria [prefeito de São Paulo], pode ser [Jair] Bolsonaro [deputado do PSC-RJ]".

Já no de pulverização, sem Lula, haveria "uma dispersão grande de candidatos", com mais políticos se animando a participar do pleito", porque o quadro tende a ficar mais aberto. "Acho que é melhor para o Brasil o cenário de pulverização, embora haja o problema de que ele também abre a porta para outsiders aventureiros." Caso se concretize o de polarização, Giannetti acredita que a eleição tende a ser "muito rancorosa, muito violenta, e muito sem diálogo".

Giannetti também fala sobre a sua relação com Marina Silva (Rede), a quem destaca pelo compromisso ético, pela visão de mundo e por ser um "exemplo de vida e de superação". Diz que não se afastou da ex-senadora, de quem foi conselheiro nas eleições de 2010 e 2014, mas considera que ela precisa decidir se é uma líder de movimento, como o americano Martin Luther King e o indiano Gandhi, ou uma candidata a chefe de Executivo.

Ele vê com bons olhos a possibilidade de Marina e o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa estarem juntos na eleição de 2018. Afirma ainda que, "numa condição de aconselhamento e estrategista", está "perfeitamente à disposição". A seguir, os principais trechos da entrevista com o autor de livros como "Trópicos Utópicos" e "O Valor do Amanhã".

Valor: Michel Temer tem lutado para seguir no cargo. Quais as consequências de sua permanência até o fim de 2018?

Eduardo Giannetti: Uma condição de governabilidade que vinha se restaurando foi altamente comprometida a partir de 17 de maio, quando veio a público a delação de Joesley Batista, da JBS. É um governo que vai usar a sua energia daqui para frente simplesmente para sobreviver, ainda mais com o procurador-geral da República fatiando a denúncia. Isso obrigará o governo a ficar muito tempo numa postura de garantir o próximo dia. Para mim, Temer perdeu a autoridade e a legitimidade para governar. O que ocorreu em termos de apuração é conclusivo. Ele está envolvido em práticas inadmissíveis juridicamente no exercício do cargo.

Valor: Qual o impacto da nova crise política sobre a economia?

Giannetti: O timing para a economia não poderia ter sido pior. No momento em que se desenhava finalmente um cenário consistente de recuperação, o processo foi interrompido, os horizontes se encurtaram dramaticamente e se perdeu a condição de governabilidade, que é fundamental para avançar nas reformas e na recuperação de um mínimo de tranquilidade para a economia voltar a ter confiança. Os indicadores de confiança já estão todos regredindo. As decisões de investimento que começavam a ser tomadas foram novamente suspensas e não há um horizonte decisório para ações que envolvam comprometimento de recursos por um prazo maior.

Valor: Há mais aspectos preocupantes?

Giannetti: Uma coisa grave para o Brasil institucionalmente é o modo como essa delação premiada veio a público. Foi muito atabalhoado. Isso vem se repetindo na história da Lava-Jato, e é um enorme desserviço para a justiça, porque cria muito ruído desnecessário. Uma delação dessa gravidade, quando vem a público, deve ocorrer de um modo organizado, institucional, e não na forma de vazamentos seletivos, com um timing que ninguém sabe o que definiu e por que canal ocorreu.

Valor: A perspectiva de um Temer fraco até 2018 significa que teremos uma reprise do fim do governo Sarney?

Giannetti: Há semelhanças com o fim do governo Sarney e com o período que precedeu o impeachment da Dilma, mas com uma diferença importante - e para melhor. Hoje nós temos uma equipe econômica excelente não apenas na Fazenda, mas também nas principais estatais e no Banco Central. Isso nos protege, eu acredito, de uma aventura populista. No curto prazo, o incentivo para um governo desesperado para sobreviver é usar o que tem para comprar apoio. É necessário monitorar se a equipe econômica se mantém ou se vai sofrer baixas relevantes, que seriam indicativas de que estamos degringolando para uma situação como a do governo Sarney.

Valor: Há chances de Temer aprovar a reforma da Previdência?

Giannetti: A cada dia que passa me parece menor a probabilidade. Se for aprovada, vai ser muito desidratada, e a possibilidade de isso ser realmente votado antes do começo da temporada eleitoral é cada vez mais restrita. O fatiamento da denúncia da Procuradoria-Geral da República estreita ainda mais a janela de oportunidade de uma votação. E, depois da farsa que foi o julgamento do TSE, em que Temer foi absolvido por excesso de provas, estou preparado para uma farsa talvez ainda pior na Câmara dos Deputados. O mais provável é Temer concluir o mandato.

Valor: Como o sr. vê a situação fiscal? Em que medida a trajetória da dívida pública preocupa?

Giannetti: A dívida bruta não é grande se você a olhar estaticamente. Ele está acima de 70% do PIB, não é alguma coisa que dispare todos os alarmes. Ela é muito alta para os padrões emergentes, mas, se você olhar no mundo, não é como a do Japão, como a da Itália. O problema é a taxa de crescimento, que é explosiva. Isso preocupa. E há um problema de Previdência gravíssimo que, se não for tratado a tempo, vai levar o país para a insolvência. O que ocorre no Rio pode ser apenas uma primeira manifestação, se nada for feito, de uma realidade para a nação.

Valor: Os Estados estão em situação delicada. O que levou a isso?

Giannetti: Há um esgotamento do ciclo de expansão fiscal que começou em 1988. Juros e Previdência são parte do problema, mas não acho que isso dê conta da piora da situação fiscal de lá para cá. Em números arredondados, o país tem uma carga tributária de 35% do PIB e um déficit nominal de 8% a 9% do PIB. Com isso, 43% a 44% do PIB são intermediados pelo setor público. Juros e Previdência, juntos, dão algo como 20% do PIB. Nós teríamos 23% a 24% do PIB livres de juros e Previdência para atividades fim no setor público. É a carga tributária bruta para um país de renda média, mas sociedade não vê a contrapartida. O investimento público caiu desde 1988 como proporção do PIB. Os nossos indicadores sociais são muito defasados, muito ruins. Há alguma coisa mais além de juros e Previdência. A minha conjectura é que é um problema de federalismo truncado.

Valor: O que é exatamente isso?

Giannetti: Nós tínhamos um modelo muito concentrado no governo central no regime militar. Em 1988, fez-se a opção pelo Estado federativo. Mas, em vez de transitarmos de um para o outro, acoplamos um ao outro. A sociedade, que carregava um Estado nas costas, passou a carregar dois Estados superpostos. Se tudo tivesse corrido bem de 1988 em diante, nós teríamos visto que, a um aumento do gasto líquido de Estados e municípios, teria correspondido uma queda do gasto líquido do governo central. Mas os três níveis de governo passaram a crescer. Brasília ficou grande demais. Defendo uma redução do tamanho do governo central e um encaminhamento de um genuíno Estado federativo, com maior poder principalmente para o governo local. Isso implica um redesenho da autoridade para tributar. O dinheiro vai a Brasília para voltar. É péssimo.

Valor: Há um grande descrédito em relação à política. Isso abre espaço para um candidato fora do sistema em 2018?

Giannetti: Antes de falar em candidatos, acho importante dizer que o Brasil nunca teve uma oportunidade como essa, que agora se oferece, de corrigir a deformação patrimonialista do Estado. O que é isso? É um patronato político, um estamento político, que usa as suas prerrogativas para se perpetuar no poder, e são empresários de peso, do setor privado, que buscam desesperadamente atalhos de enriquecimento junto a governantes dispostos a negociar. Isso não foi inventado da redemocratização para cá. É uma característica que acompanha a formação do Brasil como nação, mas se escancarou agora de um modo como nunca antes. Nós estamos tendo uma aula de sociologia política, ao vivo, sobre a deformação patrimonialista do Estado brasileiro. Tudo aquilo que Raymundo Faoro [autor de "Os Donos do Poder"] fala, tudo aquilo que Sérgio Buarque de Hollanda fala -"a democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido". Está aí. A caricatura que é o funcionamento da economia de mercado no Brasil. Os grupos que dominam empresarialmente não são aqueles que obtêm o crescimento por meio da inovação, da oferta de bens e serviços cujo valor o mercado reconhece, a sociedade reconhece. Nós temos uma chance de quebrar o lamentável mal-entendido da democracia e de criar finalmente uma verdadeira economia de mercado, em que haja uma separação clara e definida entre o setor público e o privado.

Valor: Esses seria o grande legado da Lava-Jato?

Giannetti: A Lava-Jato não é condição suficiente, mas é condição necessária para isso, porque escancarou a deformação patrimonialista como nada na história do país tinha permitido. É por causa disso que eu tenho citado um verso de Fernando Pessoa - "Extraviamo-nos a tal ponto que devemos estar no bom caminho". A deformação patrimonialista chegou a um tal paroxismo que abre uma oportunidade de correção profunda.

Valor: Isso pode ocorrer na eleição de 2018?

Giannetti: Isso depende de uma reforma política e de uma reforma econômica também, que as eleições de 2018 podem viabilizar, mas não garantem.

Valor: O sr. não vê o risco de esse cenário político conturbado levar a eleição de uma aventureiro?

Giannetti: Acho que dois padrões podem ocorrer na eleição de 2018. Um é o de polarização e o outro, de pulverização. O primeiro depende fundamentalmente de Lula ser candidato. Se isso ocorrer, ele tem automaticamente um piso de 20%, 20% e poucos por cento do eleitorado, que o coloca no segundo turno. Nesse quadro, vai surgir quase que inevitavelmente um outro polo que será o anti-Lula. Pode ser Doria, pode ser Bolsonaro. E essa polarização dominará o quadro sucessório.

Valor: E no de pulverização?

Giannetti: Nesse cenário, Lula não será candidato. Nós vamos ter uma dispersão grande de candidatos e acho que muitos se animarão a participar do pleito, porque vai ficar mais aberto. Acho melhor para o Brasil o cenário de pulverização, embora haja o problema de que ele também abre a porta para outsiders aventureiros. Pode surgir alguém do nada, ou um candidato com ideias muito demagógicas e muito irresponsáveis, mas que obtenha do eleitorado algum tipo de adesão. No entanto, seria muito ruim para o Brasil um cenário de polarização radical, porque seria uma eleição muito rancorosa, muito violenta e muito sem diálogo. Para a democracia brasileira, é melhor Lula não ser candidato.

Valor: Há elementos suficientes para que Lula não seja candidato?

Giannetti: É uma decisão que cabe à Justiça brasileira. Mas, pensando numa eleição que nos permita um bom debate e um bom amadurecimento do que precisa ser feito, eu acredito que o cenário de pulverização é mais arejado. Tem mais oxigênio para o diálogo, para o debate e para uma campanha construtiva. Uma campanha altamente polarizada, depois de todo esse processo, vai ser corrosiva.

Valor: O sr. foi conselheiro de Marina Silva em 2010 e em 2014. Ela pode ser uma candidata fora do sistema e que ao mesmo tempo agrade empresários e o sistema financeiro, com uma mensagem reformista?

Giannetti: Marina é uma líder com características raras em qualquer lugar do mundo. De compromisso ético, de visão ampla de mundo, de exemplo de vida e superação. Mas precisa decidir se é uma líder de movimento ou é uma candidata a chefe do Executivo.

Valor: Qual é a diferença?

Giannetti: Líder de movimento é alguém que abraça uma causa e tem fundamentalmente um papel de mobilização e trabalha muito num plano simbólico. Estou falando aqui de Martin Luther King, de Gandhi. É um caminho de mobilização de consciências. Outra coisa é ser candidato a chefe do Executivo, que precisa ter definição em relação a temas muitas vezes espinhosos e que vão desagradar a muitos, porque inevitavelmente haverá ganhadores e perdedores. Tem que ter uma equipe sólida, técnica, que dê suporte ao projeto. E Marina, na minha avaliação, reluta muito entre essas duas situações. Uma figura do século XX inspiradora é Nelson Mandela, que transitou de uma liderança de movimento para uma chefia de Estado. Uma das coisas muito interessantes que Mandela fez é o seguinte. Ao se eleger presidente da África do Sul, manteve no BC a mesma equipe da época do apartheid, porque não se brinca com moeda.

Valor: O sr. está afastado da Marina?

Giannetti: Não. Eu não sou filiado ao partido [Rede]. Sempre que eu sou demandado, eu ofereço o melhor que eu tenho. E vejo como uma promessa de renovação desse campo a possibilidade de Joaquim Barbosa e Marina estarem juntos na campanha em 2018. Os dois têm duas características comuns muito poderosas para a imaginação brasileira e para a renovação da nossa política. São dois brasileiros com compromisso ético inabalável, que não estão contaminados pela velha política e que, vindos de situações de maior adversidade, conquistaram e abriram trajetórias por meio da educação.

Valor: Mas eles teriam a habilidade política necessária para governar um país que atravessa uma crise como a atual?

Giannetti: Tem que construir, tem que ter um bom time técnico, sólido, tem que ter articuladores políticos competentes, que são fundamentais num projeto desse tipo. Mas eles têm muito a oferecer como exemplo para a sociedade brasileira daquilo que nós mais precisamos ter, que é a centralidade da educação e do conhecimento na construção do nosso futuro.

Valor: O sr. colaboraria de novo com Marina em 2018?

Giannetti: Eu tenho os meus limites e as minhas possibilidades. Eu jamais assumiria um cargo executivo, porque não tenho perfil para isso. Eu não sou uma pessoa que sabe trabalhar em equipe, que gosta de dar ordens, que cobra resultados.

Valor: Mas participou das duas campanhas de Marina.

Giannetti: Numa condição de aconselhamento e estrategista, colaborando num debate, eu estou perfeitamente à disposição, se for o caso. Não sei se é o mesmo papel das eleições anteriores, mas, para discutir o futuro do Brasil numa visão generosa e mais focada em redução de desigualdade e construção de uma prosperidade sustentável, eu estou disposto a contribuir com o que eu puder.

Valor: Como sr. vê João Doria como candidato a presidente?

Giannetti: Acho que é muito cedo para avaliar a sua aptidão, inclusive como gestor. Acho prematuro. Seria precipitado um voo dessa altura neste momento.

Valor: Bolsonaro tem avançado nas pesquisas. Ele pode ser eleito?

Giannetti: Acho muito remota a viabilidade eleitoral de Bolsonaro, mas ao mesmo tempo eu fico extremamente preocupado com as intenções de voto que tem obtido. É o desencanto radical com a política. Ele galvaniza toda a raiva de alguns segmentos que estão absolutamente desgostosos com os caminhos que as coisas tomaram no Brasil. Mas certamente não é por aí que nós vamos melhorar. Um dos cenários mais perturbadores, que me deixaria profundamente melancólico e deprimido, seria Lula e Bolsonaro no segundo turno.

Valor: É possível ser otimista em relação a 2018?

Giannetti: O meu otimismo é em relação ao autoconhecimento pelo qual o Brasil passa. Tínhamos um câncer que nos corroía as entranhas e que a Lava-Jato explicitou e escancarou. A deformação patrimonialista do Estado, o mal-entendido que é a nossa democracia e a caricatura que é a nossa economia de mercado. É fundamental hoje para o Brasil o fato de que esse câncer aflorou, para nosso terrível desgosto e perplexidade, mas ele se tornou aberto. A grande pergunta é o que nós vamos fazer diante dessa realidade.

Valor: Isso cabe ao próximo presidente?

Giannetti: Cabe à sociedade. A campanha vai inevitavelmente discutir como lidar com essa realidade que nos ofende profundamente e na qual nós não nos reconhecemos. Há um problema muito sério de relação promíscua entre o público e o privado. Vemos a ruína de um sistema de poder. Nós teremos que refundar a democracia no Brasil. Eu vejo com bons olhos a possibilidade de uma Constituinte restrita e exclusiva.

Valor: Nos moldes do que o jurista Modesto Carvalhosa propõe?

Giannetti: E que outros já propuseram, como Marina em 2010. A regra de ouro é a cláusula de exclusão. Quem participar não se elege para cargo público por dez anos. O fundamental é separar o processo constitucional do jogo político-partidário, o que não foi feito em 1988.

Valor: A Constituinte deveria tratar apenas da reforma política?

Giannetti: Trataria da reforma política e do pacto federativo, abordando a reforma tributária, a autoridade para tributar no Brasil. O sistema tributário é quase inexplícavel na sua labiríntica complexidade e irracionalidade.

Por Sergio Lamucci , do Valor Econômico

Fonte: http://www.valor.com.br/brasil/5028488/no-brasil-economia-de-mercado-e-caricatura-diz-eduardo-giannetti

 


Roberto Freire: A transição e o futuro

Em uma quadra conturbada da vida nacional, em que o país dá os primeiros passos para a superação da pior recessão econômica de sua história enquanto enfrenta uma profunda crise política cujos desdobramentos são a cada dia mais imprevisíveis, é fundamental que não nos afastemos do nosso compromisso intransigente com os interesses do Brasil e dos brasileiros, atuando sempre com responsabilidade, serenidade e espírito público.

Durante todo o período em que o país foi governado pelo PT, nós, do PPS, exercemos uma oposição corajosa e altiva, denunciando as mazelas, os desvios, as irregularidades e todos os equívocos cometidos nos 13 anos de administrações lulopetistas e que nos levaram ao total descalabro. Em 2016, assumimos o protagonismo no processo legítimo, constitucional e democrático que culminou no impeachment de Dilma Rousseff e apoiamos o governo de transição e as propostas de reformas fundamentais para a recuperação da economia e a modernização do país.

Neste momento em que a crise política talvez tenha atingido o seu ponto mais agudo, com a apresentação pela Procuradoria-Geral da República de uma grave denúncia contra o presidente da República por corrupção, temos a consciência de que a transição e as reformas que defendemos fazem parte de um processo que, por si só, é maior do que qualquer governante de turno. Independentemente de quem ocupe o cargo máximo do Poder Executivo como fiador da travessia política rumo às eleições de 2018, temos de continuar trabalhando pela retomada da atividade econômica e pela pauta reformista que recolocará o Brasil nos trilhos do crescimento.

Especialmente nos momentos mais tumultuados da política nacional, a saída deve ser buscada em consonância com o que determina a Carta Magna, em respeito às leis, ao ordenamento jurídico brasileiro e à democracia, buscando a máxima estabilidade possível, sem comprometer o futuro do Brasil. O processo de reconstrução do país após o desmantelo perpetrado pelo lulopetismo não está centrado em uma figura em particular. Trata-se, ao fim e ao cabo, de uma transição pela qual são responsáveis as forças políticas que apoiaram o impeachment de Dilma, cujo maior compromisso é com a agenda de reformas do novo governo. Nenhum líder é maior que os processos políticos, nem o presidente da República.

Tudo isso também nos ajuda a compreender, ainda com mais clareza, o cerne do sistema parlamentarista: o processo democrático é o que realmente importa, muito além das pessoas. Já afirmei inúmeras vezes e reitero que a principal e verdadeira reforma política de que o país necessita é a instituição do parlamentarismo, que permite a superação das crises mais agudas sem traumas institucionais. Diante das dificuldades políticas que o Brasil vem enfrentando nos últimos anos, é evidente que o debate sobre a adoção de um modelo mais avançado, dinâmico e flexível não pode mais ser adiado.

Temos de aprender com aquilo que existe de mais avançado nas democracias mundo afora. O parlamentarismo, não à toa, é o sistema político vigente na maior parte dos países do mundo democrático – à exceção dos Estados Unidos, todas as grandes nações desenvolvidas do planeta são parlamentaristas. Há no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição de autoria do então deputado Eduardo Jorge (PEC 20/1995) que institui o parlamentarismo no Brasil. O texto está pronto para ser votado em plenário desde 2001 e, se aprovado, poderia valer já para as eleições de 2018 ou, o que é mais provável em função do tempo exíguo, a partir de 2022.

No parlamentarismo, ao contrário do que temos aqui observado, quanto maior crise, mais radical é a solução. Nesse sistema, a queda do gabinete do primeiro-ministro se dá sem que haja qualquer impasse político ou grande turbulência. Quando não é possível formar uma nova maioria parlamentar, a Câmara é simplesmente dissolvida e são convocadas novas eleições – o que leva a uma participação ainda maior da cidadania no processo, fortalecendo a própria democracia.

Apesar do clima de pessimismo e da descrença generalizada da população brasileira em relação aos rumos do país, sobretudo em função da sucessão de denúncias e escândalos, devemos tentar extrair bons frutos mesmo a partir de um momento delicado como o que vivemos atualmente. Seja com Michel Temer ou outro presidente da República que, eventualmente, venha a sucedê-lo de acordo com o que prevê a Constituição, o governo de transição não se desviará de seu caráter reformista e contará com o nosso apoio para chegarmos ao porto seguro de 2018.

Olhando adiante, o Brasil não deve perder tempo com mudanças paliativas no sistema político ou remendos inócuos que nada resolvem. É necessário modificarmos a essência do atual modelo, com um regime que permita o fortalecimento dos partidos e a participação mais atuante da sociedade. Um Brasil parlamentarista será um Brasil ainda mais democrático.

* Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

Fonte: http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2017/07/transicao-e-o-futuro.html

 


Ricardo Noblat: Para estancar a sangria

À luz dos fatos recentes, combinemos assim: senador pedir R$ 2 milhões a empresário para pagar despesas com advogados não é nada demais. Só interessa a eles.

Não importa que o dinheiro tenha sido entregue dentro de uma mala, sem registro da transação. E que a irmã do senador tenha tentado, mais tarde, vender ao empresário um imóvel da família a preço exorbitante. Assunto particular, ora essa...

Combinemos também que deputado filmado pela Polícia Federal correndo com R$ 500 mil dentro de uma mala só revela o quanto é inseguro circular livremente em locais públicos de qualquer grande cidade.

É verdade que o dinheiro lhe fora dado como pagamento de propina. Mas acabou devolvido. Em troca, o agora ex-deputado está proibido de sair de casa à noite e nos fins de semana. Não está de bom tamanho?

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que devolveu o mandato ao senador escreveu que a trajetória política dele é elogiável, que ele tem fortes ligações com o Brasil e que só ao Senado cabe punir os seus, preservando-se o equilíbrio entre os poderes da República.

É irrelevante, de certo, que o mesmo ministro, há alguns meses, tenha afastado do cargo o presidente do Senado. Acabou desautorizado por seus pares.

Não é vedado a um juiz pensar, hoje, de uma forma e amanhã de outra. O ministro que mandou prender o ex-deputado da mala, por exemplo, disse que o fez porque ele “prosseguiria aprofundando métodos nefastos de autofinanciamento em troca de algo que não lhe pertence”.

Certamente a prisão foi relaxada porque o ex-deputado desistiu de aprofundar seus “métodos nefastos de autofinanciamento”. Passou o perigo, pois.

O senador agora reconciliado com o mandato funcionou como âncora para impedir que seu partido abandonasse o governo. Se tal ocorresse, o governo retaliaria liberando votos para cassar seu mandato.

De volta às funções, e por coerência, o senador atuará com mais desenvoltura ainda para que o presidente da República denunciado por corrupção passiva continue firme e forte como deve ser.

Infelizmente para o governo, o ex-deputado da mala não poderá ajudá-lo a sobreviver mesmo que débil. Pegaria mal vê-lo arrastar-se por aí com uma incômoda tornozeleira eletrônica.

Sua maior contribuição à estabilidade das instituições será manter-se calado. Por coincidência, nada mais do que coincidência, foi libertado poucos dias depois de avisar que estava disposto a delatar. Era o que faltava...

Celebremos o que há de mais positivo. Por folgada maioria de votos, o STF validou a delação dos executivos do Grupo JBS que ameaça a sorte do atual e dos ex-presidentes Dilma e Lula. Quer dizer: segue valendo a lei das delações assinada por Dilma e depois amaldiçoada por ela.

A decisão do tribunal deixou entreaberta a porta para revisão de delações contaminadas por ilegalidades. Quais? Qualquer uma. Não lhe parece justo?

O Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, cujo mandato termina em setembro, já teve seu substituto escolhido – a procuradora Raquel Dodge, de notável biografia e desafeta dele.

Foi o segundo nome mais votado por seus colegas. O primeiro, irmão do governador do Maranhão, adversário de José Sarney, era a favor da cassação de Temer. Foi o ministro Gilmar Mendes que sabiamente aconselhou Temer a escolher Raquel.

Espera-se que o juiz Sérgio Moro condene Lula, esta semana. Então o país poderá respirar aliviado. Não é?

* Ricardo Noblat é jornalista

Fonte: http://noblat.oglobo.globo.com/meus-textos/noticia/2017/07/para-estancar-sangria-03-07-2017.html

 


Luiz Werneck Vianna: A política não é jogo de azar

Os alardeados arquitetos do futuro não se dão conta do terreno em que pisam

A bordo de uma embarcação precária estamos em pleno mar com tripulantes e passageiros surdos aos avisos dos perigos que correm por navegarem sem atinar com os rumos a seguir. Cada qual aferrado a seus interesses particulares sinaliza um caminho: sem forças próprias à mão há os que confiam na sorte e clamam pela eleição direta para a Presidência, remédio heroico inconstitucional e de resultados sabidamente aleatórios; outros, com as virtudes da prudência, recomendam a singela travessia de uma pinguela ainda à disposição.

Vozes dissonantes sugerem o recurso ao clamor popular a fim de obrigar a renúncia da tripulação, embora o som ao redor não aparente estimular os que recorrem a essa solução. Mas nestes tempos estranhos que vivemos se faz ouvir em alto e bom som o grito de guerra salvacionista: fiat iustitia, pereat mundus. O nó górdio que nos ata deveria ser cortado de imediato por decisão judicial, a cabeça presidencial exibida como o bode expiatório que nos expurgaria dos nossos males.

As soluções engenhadas nessa alquimia hermenêutica a que estamos sujeitos encontram, como no poema, uma pedra no seu caminho, o Estado Democrático de Direito e a Carta Constitucional que o institui. No caso, a denúncia a ser apresentada por presumidas ilicitudes contra o presidente da República demanda, conforme a lei, sua aprovação por dois terços de votos na Câmara dos Deputados, inviável, segundo consta, diante da correlação de forças políticas vigente.

Mas há quem sustente que os objetivos maiores de salvação nacional não deveriam recuar diante de questiúnculas formais – conservadores empedernidos ousam falar sem enrubescer a linguagem das revoluções. Que se mude de afogadilho a Constituição para se instituírem de um só golpe as diretas já – há juristas para isso? – se esse for o preço a ser pago pela cabeça do presidente. A ser sucedido por quem, mesmo?

A política virou jogo de azar e diante da roleta se aposta com audácia contra a banca, como se a invocação do grande número – a multidão ainda em silêncio obsequioso – tivesse o condão de fazer a roda do destino favorecer os desejos recônditos dos apostadores. Não se flerta impunemente com as revoluções. As paixões das multidões podem ser desencadeadas por intervenções messiânicas de setores da elite do Judiciário em aliança com a mídia hegemônica, mas é preciso viver no mundo da lua para cogitar, no caso de elas irromperem na cena pública de modo generalizado, de que seriam apaziguadas num passe de mágica com a mera higienização do sistema político. As jornadas de junho de 2013, que conheceram seu momento de fúria, quando apresentaram sua conta não havia quem pudesse pagá-la. A conta de agora pode ser muito maior.

Os alardeados arquitetos do futuro não se dão conta do terreno em que pisam e, definitivamente, o Brasil não é um país para principiantes, em particular para aqueles jejunos em matéria política e que dela só conhecem o que se passa no círculo fechado das corporações. Com efeito, somos aqui refratários à linha reta, amigos do barroco, onde temos fixado boa parte de nossas raízes. Sobretudo, não somos, para o bem e para o mal, filhos da Reforma. Não tememos os ziguezagues, nosso Estado-nação foi criado em nome do liberalismo político e dos ideais da civilização, mas preservou instrumentalmente a escravidão, fizemos a revolução burguesa sem revolução, nos moldes das revoluções passivas, e realizamos uma potente obra de modernização econômica e social sem remover as estruturas patrimonialistas do Estado, que, aliás, também foram instrumentais a ela.

No processo constituinte que conduziu a promulgação da Carta de 88, realizado ainda no curso de uma difícil transição do regime autoritário para a democracia política – vale dizer, sem ruptura com a ordem anterior –, essa história errática foi a matéria-prima com que o legislador teve de se confrontar nos seus pontos mais sensíveis. A questão agrária foi um deles, frustrando-se as tentativas de democratização da propriedade da terra com ameaças de resistência armada por parte de grandes proprietários. A questão sindical não teve melhor sorte, constitucionalizando-se mais uma vez, tal como ocorrera na Carta de 1946, o cerne da legislação do Estado Novo, com o expurgo de sua ganga autoritária.

O gênio do legislador constituinte foi o de continuar descontinuando, democratizando o que lhe foi acessível numa arriscada circunstância de transição. Compensou, no entanto, sua atitude prudencial em alguns temas com uma arrojada legislação em matéria de direitos civis e sociais, criando novos institutos, entre os quais o Ministério Público, destinados a ser lugares de concretização dos direitos que estatuiu, alguns deles facultados à intervenção da sociedade civil para a defesa ou mesmo a aquisição de direitos. Ao estilo de uma obra aberta, o constituinte confiou à sociedade a materialização, ao longo do tempo, do espírito que a animou.

A Operação Lava Jato, herdeira da Carta que criou esse Ministério Público que aí está, não deixa de exercer, em surdina, “papéis constituintes” quanto ao sistema político, dimensão que, em face do clima libertário dos anos 1980, foi negligenciada. Nesse sentido, tem sido muito bem-sucedida, embora, ao contrário do legislador constituinte, que se manteve atento ao realismo político, arrisque temerariamente comprometer sua obra pelo comportamento de “apóstolos iluminados” de alguns dos seus quadros que, visando a passar nossa História a limpo, não temem jogar fora o bebê com a água do banho – no caso, o bebê é a política e a Constituição.

O filósofo Roberto Romano, em Sobre golpes e Lava Jato, luminoso artigo publicado nesta página em 18 de junho, identificou os efeitos nefastos do uso da lei como recurso tático em nome da salvação pública. Eis aí o caminho aberto para um Estado de exceção.

*Luiz Werneck Vianna é sociólogo, PUC-RIO

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-politica-nao-e-jogo-de-azar,70001873316

 


Alon Feuerwerker: Como opera o tempo? O poder à Passarinho. E do que o Planalto precisa convencer

O governo manda um sinal ruim quando corre contra o tempo para tentar derrubar a autorização da Câmara dos Deputados na recepção da denúncia contra o presidente, por corrupção ativa? Se a tendência de Michel Temer fosse fortalecer-se, o tempo jogaria a favor, na teoria. Se o tempo está jogando contra, o Planalto deve suspeitar de que vai se enfraquecer.

Mas, cuidado. O contra-argumento também existe. Se a base situacionista bloqueia rapidamente o primeiro processo, mostra força e ganha momentum. Isso trará não apenas segurança para a votação das prováveis denúncias seguintes, dará impulso à reforma da previdência, se o número de governistas fiéis em plenário ou ausentes aproximar-se de três centenas.

O tempo tornou-se uma variável também importante para os alvos da Lava-Jato a caminho da colaboração. Em setembro, assume a nova chefe do Ministério Público Federal, e ela defende transferir ao Judiciário a definição dos benefícios. Para quem vai acabar tendo de colaborar, será melhor portanto fechar o acordo enquanto o MPF tem garrafa para entregar.

Inclusive porque o Supremo Tribunal Federal acaba de decidir que acordos de colaboração homologados são imexíveis, a não ser em caso de ilegalidade ou descumprimento do colaborador. E se houver perdão judicial homologado o assunto está encerrado, nem pena há. São estímulos e tanto para a aceleração das delações na janela daqui até a primavera.

É o que mantém o potencial imediato de tormenta. O establishment econômico está disposto a fechar os olhos a quaisquer escândalos, inclusive os mais hirsutos, em troca da “agenda”. O mergulho da inflação inibe a rua. 100% do establishment político, dos dois lados, torce contra a Lava-Jato. E a obsessão ética cedeu espaço para o, digamos, apego ao estado de direito.

Mas, e as delações? Para que tenham efeito desestabilizador real, será preciso trazer provas materiais irrefutáveis contra o principal ocupante do Planalto. Se as bombas, mesmo potentes, pouparem o chefe do governo, provocarão alarido e alguma movimentação de camadas, mas só. E a vida seguirá com os apelos responsáveis à estabilidade.

Só que, como aprendemos nestes quatro longos anos de crise, sempre é preciso contar com o imprevisível. Que costuma ser difícil de prever. E a imprevisibilidade alimenta-se hoje não apenas das colaborações premiadas, mas também da caixinha de surpresas do Judiciário. O que vai acontecer, por exemplo, com as longas prisões preventivas. Continuam ou acabam?

O governo trabalha para reduzir a margem para imprevistos. Vem lutando e obtendo resultados no que tem a entregar. Vai com a faca nos dentes para desregulamentar o mercado de trabalho, o que o Senado aprovará, e não desistiu de endurecer as regras para a aposentadoria. E no xadrez jurídico-policial mexe as peças para cercar o rei adversário, a Lava-Jato.

Em ambas as frentes, o Planalto não precisa obrigatoriamente garantir que colherá resultados maravilhosos. Precisa apenas convencer de que nenhum governo nascido da sua derrubada fará muito melhor. E que, portanto, a operação de troca não compensa, na análise da relação entre o custo e o benefício. Sem a variável “rua”, não é missão tão complicada, se se está disposto a exercer o poder à Passarinho. Sem escrúpulos de consciência.

Esconde-esconde


O Globo e a Folha perguntaram aos deputados se vão votar a favor ou contra o processo. A oposição disse que vai votar a favor. O núcleo de fiéis, contra. A esmagadora maioria (Clique na imagem para ampliar) escondeu-se. Do povo ou do governo? Provavelmente de ambos. Mais do primeiro. Os números mostram que até agora a gordura do Planalto está no lugar.

Até a semana que vem. Ou antes.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político, FSB Comunicação

Fonte: http://www.alon.jor.br/2017/07/como-opera-o-tempo-o-poder-passarinho-e.html?m=1

 


ITV: A Temer o que é de Temer

A mais recente rodada de pesquisa de opinião feita pelo Datafolha consagra Michel Temer como o mais impopular presidente da República em quase três décadas. A avaliação pode ter lá suas razões, mas é mais impiedosa do que ele merece. O peemedebista paga por pecados que cometeu, mas também é reprovado, em boa medida, pela cruz que o PT deixou para ele carregar.

Na voragem como os fatos vêm se sucedendo no Brasil, parece um século, mas Temer está no comando da nação há apenas um ano, um mês e 14 dias. O que é possível consertar num espaço tão curto de tempo? Bem pouco. Depois da devastação de 13 anos de petismo, menos ainda. Mesmo assim, parte relevante ele conseguiu endireitar.

É meritório o bom trabalho feito no controle da inflação, que, depois de anos incomodando, caminha agora para completar o ciclo virtuoso inaugurado em 1994 com o Plano Real e que esteve sempre ameaçado pela leniência petista.

Também merece comemoração a redução da taxa básica de juros, processo ainda não finalizado, dada a exorbitância em que a Selic esteve até outubro passado. A depender do comportamento fiscal, o país pode rumar finalmente para condições dignas de uma economia minimamente equilibrada, e não a anomalia com a qual há anos convivemos.

No campo estrutural, a imposição do necessário teto para os gastos públicos equivale a uma reforma orçamentária como o país passou anos sem ver. A mudança na legislação trabalhista atualiza um caquético arcabouço que perdeu seu sentido mais de sete décadas depois de criado. E a previdenciária é o vespeiro que todos evitam, mas se torna cada vez mais imperativa, a despeito da gritaria populista e corporativista contrária.

Estes os avanços obtidos pelo governo de Michel Temer até agora. Não são poucos e são significativos.

Mas o atual presidente também tem suas falhas. Seu governo não tem brilho. Formado para garantir votos no Congresso, inaugura uma fase que ele próprio definiu como “semipresidencialista” nas relações entre os poderes. Sua equipe, para além da bem azeitada equipe econômica, tem poucas vozes dignas de respeito.

Temer também paga por não ter dado cabo a práticas condenáveis adotadas pelo partido do qual o PMDB foi sócio durante 13 anos. Talvez seja este seu maior pecado: não ter conseguido até agora mostrar-se muito diferente dos governos que o antecederam naquilo que tiveram de mais deplorável – a corrupção.

O presidente deve responder pelos equívocos que cometeu. Mas não é justo imputar a ele a responsabilidade por erros alheios. É o caso da difícil situação em que o país ainda se encontra – e por muito tempo ainda se encontrará – na economia. O desastre tem nome e sobrenome: Partido dos Trabalhadores.

Quem pôs 14 milhões de pessoas na rua foram as políticas do PT. Quem promoveu o maior assalto aos cofres públicos da história foi o PT. Quem patrocinou a pior recessão que a economia nacional já viveu foi o PT. Quem empobreceu as famílias brasileiras em mais de 10% no curto espaço de três anos foi o PT.

A avaliação crítica de Michel Temer deve ser equilibrada e justa até para que os verdadeiros responsáveis pela destruição do Brasil não apareçam de vítimas na história e, pior ainda, ganhem nova chance para acabar de afundar de vez o país, como permite antever outra nova rodada de pesquisa de intenção de votos que o Datafolha publica hoje (ontem, 26/06/2017).

A Temer o que é de Temer: que ele pague pelos erros que cometeu, mas não pelos crimes alheios. É ao PT que cabe a real culpa por ter transformado o Brasil na ruína em que se transformou, tanto no campo econômico quanto no da ética pública. É só ao PT que interessa que Michel Temer se transforme no bode expiatório de toda a imensa crise que o país ainda atravessa.

Fonte: http://itv.org.br/home

 


Fernando Henrique Cardoso: Apelo ao bom senso

As dificuldades políticas pelas quais passamos têm claros efeitos sobre a conjuntura econômica e vêm se agravando a cada dia. Precisamos resolvê-las respeitando dois pontos fundamentais: a Constituição e o bem-estar do povo.

Mormente agora, com 14 milhões de desempregados no país, urge restabelecer a confiança entre os brasileiros para que o crescimento econômico seja retomado.

A confiança e a legalidade devem ser nossos marcos. A sociedade desconfia do Estado, e o povo descrê do poder e dos poderosos. Estes tiveram a confiabilidade destruída porque a Operação Lava Jato e outros processos desnudaram os laços entre corrupção e vitórias eleitorais, bem como mostraram o enriquecimento pessoal de políticos.

Não se deve nem se pode passar uma borracha nos fatos para apagá-los da memória das pessoas e livrar os responsáveis por eles da devida penalização.

A Justiça ganha preeminência: há de ser feita sem vinganças, mas também sem leniência com os interesses políticos. Que se coíbam os excessos quando os houver, vindos de quem venham –de funcionários, de políticos, de promotores ou de juízes. Mas não se tolha a Justiça.

Disse reiteradas vezes que o governo de Michel Temer (PMDB) atravessaria uma pinguela, como o de Itamar Franco (1992-1994).

Colaborei ativamente com o governo Itamar, apoiei o atual. Ambos com pouco tempo para resolver grandes questões pendentes de natureza diferente: num caso, o desafio central era a inflação; agora é a retomada do crescimento, que necessita das reformas congressuais.

Nunca neguei os avanços obtidos pela administração Temer no Congresso Nacional ao aprovar algumas delas, nem deixo de gabar seus méritos nos avanços em setores econômicos. Não me posiciono, portanto, ao lado dos que atacam o atual governo para desgastá-lo.

Não obstante, o apoio da sociedade e o consentimento popular ao governo se diluem em função das questões morais justa ou injustamente levantadas nas investigações e difundidas pela mídia convencional e social.

É certo que a crítica ao governo envolve todo tipo de interesse. Nela se juntam a propensão ao escândalo por parte da mídia, a pós-verdade das redes de internet, os interesses corporativos fortíssimos contra as reformas e a sanha purificadora de alguns setores do Ministério Público.

Com isso, o dia a dia do governo se tornou difícil. Os governantes dedicam um esforço enorme para apagar incêndios e ainda precisam assegurar a maioria congressual, nem sempre conseguida, para aprovar as medidas necessárias à retomada do crescimento.

Em síntese: o horizonte político está toldado, e o governo, ainda que se mantenha, terá enorme dificuldade para fazer o necessário em benefício do povo.

Coloca-se a questão agônica do que fazer.

Diferentemente de outras crises que vivemos, nesta não existe um "lado de lá" pronto para assumir o governo federal, com um programa apoiado por grupos de poder na sociedade.

Mais ainda, como o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarou que as eleições de 2014 não mostraram "abusos de poder econômico" (!) [em julgamento encerrado no dia 9 de junho, não há como questionar legalmente o mando presidencial e fazer a sucessão por eleições indiretas.

Ainda que a decisão tivesse sido a oposta, com que legitimidade alguém governaria tendo seu poder emanado de um Congresso que também está em causa?

É certo que o STF (Supremo Tribunal Federal) pode decidir contra o acórdão do TSE, coisa pouco provável. Em qualquer caso, permaneceria a dúvida sobre a legitimidade, não a legalidade, do sucessor.

Resta no arsenal jurídico e constitucional a eventual demanda do procurador-geral da República pedindo a suspensão do mandato presidencial por até seis meses [a iniciativa precisa ser aprovada por dois terços dos deputados] para que se julgue se houve crime de improbidade ou de obstrução de Justiça.

Seriam meses caóticos até chegar-se à absolvição [pelos ministros do STF] –caso em que a volta de um presidente alquebrado pouco poderia fazer para dirigir o país- ou a novas eleições. Só que estas se dariam no quadro partidário atual, com muitas lideranças judicialmente questionadas.

Nem assim, portanto, as incertezas diminuiriam –nem tampouco a descrença popular.

O imbróglio é grande.

Neste quadro, o presidente Michel Temer tem a responsabilidade e talvez a possibilidade de oferecer ao país um caminho mais venturoso, antes que o atual centro político esteja exaurido, deixando as forças que apoiam as reformas esmagadas entre dois extremos, à esquerda e à direita.

Bloqueados os meios constitucionais para a mudança de governo e aumentando a descrença popular, só o presidente tem legitimidade para reduzir o próprio mandato, propondo, por si ou por seus líderes, uma proposta de emenda à Constituição que abra espaço para as modificações em causa.

Qualquer tentativa de emenda para interromper um mandato externa à decisão presidencial soará como um golpe.

Não há como fazer eleições diretas respeitando a Constituição Federal; forçá-las teria enorme custo para a democracia.

Por outro lado, as eleições "Diretas-Já" não resolvem as demais questões institucionais, tais como a necessária alteração dos prazos para desincompatibilização [de cargos públicos e eletivos por parte de possíveis postulantes], eventuais candidaturas avulsas, aprovar a cláusula de barreira e a proibição de alianças entre partidos nas eleições proporcionais. Sem falar no debate sobre quem paga os custos da democracia.

Se o ímpeto de reforma política for grande, por que não envolver nela uma alteração do mandato presidencial para cinco anos sem reeleição? E, talvez, discutir a oportunidade de antecipar também as eleições congressuais. Assim se poderia criar um novo clima político no país.

Apelo, portanto, ao presidente para que medite sobre a oportunidade de um gesto dessa grandeza, com o qual ganhará a anuência da sociedade para conduzir a reforma política e presidir as novas eleições.
Quanto tempo se requer para aprovar uma proposta de emenda à Constituição e redefinir as regras político-partidárias? De seis a nove meses, quem sabe?

Abrir-se-ia assim uma vereda de esperança e ainda seria possível que a história reconhecesse os méritos do autor de uma proposta política de trégua nacional, sem conchavos, e se evitasse uma derrocada imerecida.

Fernando Henrique Cardoso foi presidente do Brasil (1995-2002) pelo PSDB.

Foto: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/06/1896003-apelo-ao-bom-senso.shtml

 


O Globo: FHC diz que Lula é um candidato ‘derrotável’

Para ex-presidente tucano, Michel Temer deveria deixar o governo antes de 2018

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticou na sexta-feira (23/6) a Justiça Eleitoral, que absolveu o presidente Michel Temer. FH voltou a defender a ideia de convocação de eleições antecipadas e disse a empresários e profissionais do setor de saúde, que ouviram sua palestra num hotel de luxo em São Paulo, que eles devem estar preparados para enfrentar o também ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas.

— O Lula está por conta da Justiça, não sei o que a Justiça vai fazer. Mas suponhamos que a Justiça diga que o Lula não fez nada: ele é candidato, é o único candidato possível (do PT). Só resta vencer na urna. Ou então dar golpe, mas como eu sou contra golpe, só resta é vencer na urna — afirmou FH, em evento mediado pelo colunista do GLOBO Merval Pereira.

FH disse achar difícil Lula recuperar “o que perdeu na classe média” e não acreditar que o petista “seja não-derrotável”.

SITUAÇÃO GRAVÍSSIMA
Depois de analisar a crise política no mundo e direcioná-la ao Brasil, ao afirmar o quanto o presidente “deve falar ao Congresso, à nação e saber lidar com a burocracia, a máquina do Estado e as instituições brasileiras”, FH disse que existe a possibilidade de Michel Temer não terminar o mandato. Ele sugeriu que Temer convoque as principais forças políticas do país e se disponha a deixar o governo antes de 2018, com a realização de eleições diretas.

O tucano classificou a situação de Temer de gravíssima e inédita, devido à provável denúncia a ser apresentada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

— Se por um lado isso é sinal de que as instituições estão independentes, por outro lado, é gravíssimo — disse FH, depois de criticar a decisão do TSE de inocentar a chapa Dilma-Temer: — O TSE surpreendentemente disse que não houve abuso de poder econômico, depois de ter mostrado todos e usado como argumento “que como um colegiado de sete pessoas vai derrubar um presidente que está lá pelo voto de milhões” — disse.

Segundo FH, o Brasil está “vivendo um colapso do modelo da Constituinte de 1988”. O ex-presidente elogiou o papel dos militares na crise, que respeitam as leis, e o fato de as Forças Armadas estarem “fora do jogo”. Para FH, a classe média está indignada, mas “em casa”. A falta de mobilização se dá ao fato de que nenhuma sociedade moderna “se mobiliza o tempo todo”. As vezes, segundo ele, o motivo de mobilização é lateral, como o aumento do preço dos ônibus em 2013. A rua, para FH, “não fica permanentemente fervendo o tempo todo”.

O Globo

Fonte: https://oglobo.globo.com/brasil/nao-acho-que-lula-seja-nao-derrotavel-diz-fh-mesmo-se-petista-for-absolvido-21513201

 


Luiz Carlos Azedo: O tempo fechou

Há algumas semanas, num jantar com militares, Janot havia revelado que algo muito grave ainda estava por acontecer na Operação Lava-Jato

Enquanto um temporal atípico desabava de nuvens negras sobre Brasília, os irmãos Joesley e Wesley Batista, alvos mais recentes da Operação Lava-Jato, lançaram uma bomba que ameaça implodir o atual governo. Entregaram ao ministro Edson Fachin, em seu gabinete no Supremo Tribunal Federal (STF), a gravação de diálogo comprometedor com o presidente Michel Temer, no qual ele avalizaria o pagamento de uma mesada ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para que permanecesse em silêncio quanto à Operação Lava-Jato. A notícia deixou o mundo político perplexo. Senadores e deputados esvaziaram as sessões do Congresso em busca de mais informações.

O presidente Michel Temer estava reunido com governadores do Nordeste quando a informação foi divulgada; comemorava a aprovação pelo Senado da renegociação das dívidas dos estados. Uma multidão de prefeitos ainda pululava pelos corredores da Câmara e do Senado, muitos com dificuldade de deixar o Congresso por causa da chuva. No Palácio do Planalto, a tropa de choque da Polícia do Exército, que agora guarnece suas dependências, buscava abrigo da chuva nas marquises e descansava os escudos, apoiados nos cassetetes, com capacetes sob o braço. Parecia apenas mais uma tarde chuvosa, num dos raros momentos em que o governo previa a chegada da bonança.

Segundo o jornalista Lauro Jardim, do jornal O Globo, que divulgou parte da gravação, a conversa teria sido nas seguintes condições: Joesley relatou a Temer que estava dando mesada a Eduardo Cunha e Lúcio Funaro para que ambos não contassem os segredos de dezenas de casos escabrosos envolvendo a cúpula do PMDB e o próprio presidente da República. Temer mostrou-se satisfeito com o que ouviu. Neste momento, segundo a matéria, teria diminuído o tom de voz, mas deu o seu aval: “Tem que manter isso, viu?”

Na delação premiada, Joesley teria afirmado que não foi Temer quem determinou que a mesada fosse dada, mas o presidente tinha pleno conhecimento da operação. Joesley teria pagado R$ 5 milhões para Eduardo Cunha após sua prisão, que corresponderia a um saldo de propina que o peemedebista tinha com ele. Disse ainda que devia R$ 20 milhões pela tramitação de lei sobre a desoneração tributária do setor de frango. Os donos da JBS afirmaram que Temer indicou o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) para resolver um assunto da J&F (holding que controla a JBS). Informada do fato, a Polícia Federal filmou Rocha Loures recebendo uma mala com R$ 500 mil enviados por Joesley. O Palácio do Planalto distribuiu nota negando a declaração atribuída a Temer.

Na mesma delação, o presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), teria sido gravado pedindo R$ 2 milhões a Joesley. O dinheiro teria sido entregue a um primo do presidente do PSDB, que teria depositado o valor na conta de uma empresa do senador Zeze Perrella (PSDB-MG). Joesley relatou também que, supostamente, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega negociava o dinheiro da propina destinado ao PT e seus aliados, inclusive os interesses da JBS no BNDES.

A operação

No jargão das investigações, foram realizadas “ações controladas”, nas quais a Polícia Federal deixou de realizar prisões em flagrante para não prejudicar as investigações, mas filmou a cena do crime, rastreou malas e carimbou cerca de R$ 3 milhões em propina. Ao contrário das longas negociações com a Odebrecht e a OAS, a delação premiada da JBS foi feita em tempo recorde e rompe a blindagem constitucional do presidente da República, que não pode ser investigado por fatos anteriores ao mandato. Ocorre que as gravações foram feitas durante o exercício do mandato, o que pode ser razão para o impeachment de Temer e/ou a abertura de investigações pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O procurador-geral Rodrigo Janot comandou pessoalmente a operação, que teve procedimentos incomuns, pois o delator entrava na garagem da Procuradoria-Geral da República no seu próprio carro, sem se identificar. Simultaneamente, a JBS contratou o escritório de advocacia Trench, Rossi e Watanabe para tentar um acordo de leniência com o Departamento de Justiça dos EUA (DoJ). A JBS tem 56 fábricas nos EUA, onde lidera o mercado de suínos, frangos e o de bovinos. O ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo, já homologou a delação: os sete delatores não serão presos nem usarão tornozeleiras eletrônicas. Será paga uma multa de R$ 225 milhões para livrá-los das operações Greenfield e Lava-Jato, que investigam a JBS há dois anos.

Esse é o resumo da ópera, mas os bastidores começam a aparecer. Há algumas semanas, num jantar com militares, Janot havia revelado que algo muito grave ainda estava por acontecer na Operação Lava-Jato, mas não abriu o jogo. Imaginava-se que poderia estar relacionado à delação premiada do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, ou seja, que seria algo mirando os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e a ex-presidente Dilma Rousseff, que atingisse o sistema financeiro ou os fundos de pensão. Na verdade, a bomba mirava o presidente Michel Temer e estava sendo construída a muitas mãos, ou seja, com a participação proativa da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República.

* Luiz Carlos Azedo é jornalista.