Planalto
Merval Pereira: Uma questão pessoal
Presidente Bolsonaro demonstra uma maneira de lidar com as crises políticas que não o ajuda a governar
Ao definir como “de foro íntimo” os motivos para a demissão do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, seu ex-amigo Gustavo Bebianno, o presidente Bolsonaro revela muito mais do que parece, não se sabe se intencionalmente. Pelo depoimento gravado divulgado no final da noite, onde diz que continua acreditando na seriedade de Bebianno, o uso da expressão “foro íntimo” pode ter sido apenas um vício de linguagem.
Colocando a demissão no campo pessoal (“julgamento da consciência acerca de coisas morais”), Bolsonaro confirma, porém, que não houve razão funcional para descartar Bebianno com 50 dias de governo. O presidente Bolsonaro demonstra, assim, uma maneira de lidar com as crises políticas que não o ajuda a governar. A decisão de ir pessoalmente ao Congresso para entregar a reforma da Previdência, porém, mostra que o presidente procura reconstruir a confiança abalada entre os políticos.
Dizia-se, e Fernando Henrique assumiu essa definição, que as crises saíam menores de seu gabinete. Com Bolsonaro, é o contrário até o momento. Embora tenha dado sinais, esta semana, de que não pretende atear mais álcool na fogueira de vaidades que sempre cerca um presidente, Bolsonaro saiu menor desse episódio, seja pelo bate-boca com seu ministro, humilhando-o publicamente, seja pela demora de uma decisão.
Temos exemplos ultimamente de presidentes que demitiram ministros sem dó nem piedade, desde Dilma, que bateu recorde em quantidade, mas não em rapidez, marca que fica com Bolsonaro, passando por Lula e Fernando Henrique. Lula demitiu José Dirceu e Palocci, quando estes passaram a ser um fardo político. Fernando Henrique não hesitou em demitir seu amigo Clóvis Carvalho, para avalizar posições do ministro da Fazenda, Pedro Malan.
O ex-ministro Bebianno em si não tem importância, não tinha passado político nem mandato popular, e só ganhou importância devido ao bate-boca com Carlos, o filho de Bolsonaro vereador que se coloca como defensor do pai em várias situações.
Carlos, aliás, foi quem anunciou praticamente todos os ministros pelo Twitter, mas se recusou a anunciar a nomeação de Bebianno. Os dois disputavam, desde a campanha presidencial, o controle da comunicação digital de Bolsonaro, um instrumento básico para sua atuação política.
Bebianno levou para a campanha, e depois para o grupo de transição, o empresário Marcos Aurélio Carvalho, dono da agência AM4, identificado como o responsável pela campanha digital do presidente eleito, o que irritava Carlos. Como de hábito, essa irritação transbordava para o Twitter e tinha acolhida pelo pai. No caso da dispensa de Carvalho, que não ficou nem mesmo um dia no grupo de transição, a nota oficial do Palácio do Planalto o identificava como “o autointitulado marqueteiro digital da campanha”. Justamente o que Carlos postara mais cedo em sua conta pessoal.
A demissão de Bebianno, um dos primeiros a aderir à candidatura de Bolsonaro, afeta muito a confiança dos políticos no presidente, e está preocupando militares e assessores mais próximos, que alegam que não terão mais confiança nas conversas com ele sem saber o que os filhos pensam. Ou já colocaram no risco a possibilidade de ver um WhatsApp para o presidente vazar para o público. O Twitter dos filhos é um fator sem controle e pode alvejar qualquer um.
A Secretaria-Geral da Presidência, que agora será ocupada pelo general Floriano Peixoto, sempre teve papel importante na estrutura palaciana, pois seu titular é quem lida diretamente com o presidente da República, entra sem bater no gabinete presidencial e cuida da sua agenda — é uma espécie de secretário particular com todo o poder que secretários particulares sempre tiveram.
Exemplos claros desse poder são José Aparecido, com Jânio; Heitor Ferreira, com Geisel e Figueiredo; e Gilberto Carvalho, com Lula, já sob o nome de Secretaria-Geral da Presidência. É um lugar que pode ser estratégico, a depender da confiança do presidente em seu secretário particular.
A de Bolsonaro em Bebianno, que parecia grande, se deteriorou já na campanha, tanto que a estrutura do cargo foi esvaziada, e o general Floriano Peixoto foi colocado logo abaixo dele. Dizia-se que fora Bebianno quem o escolhera, para ter acesso aos militares que trabalham diretamente no Palácio do Planalto e adjacências. Com sua nomeação para substituí-lo, é mais provável o contrário.
Igor Gielow: Capital de Bebianno e governo caótico indicam problema para Bolsonaro
Homem-forte da campanha, ministro é um depositário de várias informações importantes
Na teoria dos jogos, a soma negativa é aquela situação em que todos os envolvidos acabam perdendo. É o caso do provável desfecho do episódio envolvendo o ministro Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral), que deverá ser exonerado na segunda (18).
O que fica incerto é o capital danoso que Bebianno tem à disposição contra o governo. E uma certeza: esse é um governo caótico ao lidar com crises, o que sinaliza dificuldades à frente.
Gustavo Bebianno, que foi braço direito de Bolsonaro na campanha eleitoral - o ministro é um depositário de várias informações importantes —o termo "cadáveres enterrados" não cai bem, embora o chefe tenha determinado o fim do politicamente correto em seu discurso de posse.
A queda esperada de Bebianno é resultado de uma operação de Bolsonaro e seus filhos, no caso o loquaz Carlos, o "pitbull" do pai. A postagem republicada pelo presidente, que cristalizou uma crise que poderia ter ficado restrita ao escândalo das candidaturas laranjas doPSL reveladas pela Folha, é simbólica dos novos tempos em Brasília.
Para apoiadores de Bolsonaro na bancada do PSL na Câmara, esse padrão disruptivo deverá ser o novo normal das relações de poder. Isso pode ser até verdade, mas os riscos estão todos colocados.
A ala militar do governo e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), expressaram um alarme grande em relação à condução da crise.
O fato de que o usualmente falador Carlos moderou o tom de suas postagens no Twitter desde que foi instrumental para o pai humilhar publicamente Bebianno, na quarta (13), foi lembrado pelos fardados e pelo deputado como um sinal de que talvez os filhos do presidente agora deverão se comportar.
Mas o grande temor de Maia e dos militares, a existência de algum tipo de trava à tramitação da reforma da Previdência no Congresso, é ainda algo insondável. Pode ou não ocorrer.
Para os militares, em especial, o episódio representa uma confirmação de cenário. Eles foram chamados a mediar a crise, já munidos do viés contrário ao poder dos filhos do presidente.
Não deu certo, mas eles saem com um capital político ainda maior caso o desfecho da crise seja o esperado.
Fraco politicamente o governo já é, pela condução bizarra do episódio Bebianno. Militares não queriam mantê-lo por algum amor específico, assim como Maia, mas por uma percepção da "velha política" de que esse tipo de turbulência mais atrapalha do que ajuda.
O tempo dirá quem está certo, mas se Bebianno for de fato mandado à rua na segunda, o será com algum tipo de acordo ainda desconhecido. Ele sabe muito, e indicou em suas mensagens pouco discretas na imprensa, que pode comprometer o presidente.
Agora é lidar com os fatos. Havia uma certeza nos meios governistas: sem a reforma, o já frágil politicamente governo Bolsonaro naufraga ainda no porto. Parece um certo exagero típico desses momentos, mas gente do outro lado do balcão (oposição, neutros) alimenta temor semelhante.
A sexta (15) começou em clima de acordão. Mas o vazamento dos áudios no qual o presidente ordena o cancelamento da agenda de Bebianno com os "inimigos" da Rede Globo, ordem que foi adiantada pela Folha, caiu muito mal entre a ala bolsonarista que quer Bebianno longe.
Ao fim, salvo novas mudanças de rumo, parece ter prevalecido o fígado. De resto, o tal novo normal terá tido apenas seu primeiro teste, ainda fora da realidade do plenário.
Gaudêncio Torquato: A farda do político
Os militares encarnam a simbologia nacionalista
Jair Bolsonaro fez questão de exibir sua identidade verde-amarela ao adentrar o território da política. Ao puxar a bandeira brasileira do bolso e acenar para a multidão, no Parlatório do Palácio do Planalto, o presidente enalteceu compromissos de sua campanha: o verde-amarelismo abriga ânimo cívico, nacionalismo, soberania nacional, combate à ideologia de esquerda. O fecho da mensagem aponta a divisão entre seu eleitorado e contingentes lulopetistas: “essa bandeira jamais será vermelha”.
A expressão se fortalece em função de sua origem. Mais que outros segmentos, os militares encarnam a simbologia nacionalista, como definir o Brasil sob seu mando como enclave poderoso no sul do continente a lutar contra a foice e o martelo (o comunismo) e, por tabela, o socialismo, este suavizado por elementos do liberalismo, formando a social-democracia.
A esquerda tem se enfraquecido nos países social-democratas, casos de Alemanha, Itália, Espanha, Hungria, Polônia e até Suécia. A crise da democracia representativa fragiliza vetores, como arrefecimento das ideologias, declínio de partidos, desânimo das bases, fragmentação das oposições. Em contraposição, novos polos de poder se multiplicam em decorrência de coisas como a globalização, a imigração e o nacionalismo.
A globalização rompeu as fronteiras nacionais. A livre circulação de ideias e a troca de mercadorias contribuem para a formação de uma homogeneidade sócio-cultural, com prejuízo para os conceitos de soberania, independência, autonomia. Explosão demográfica, carências das margens sociais e conflitos armados aceleram processos migratórios. Na Europa, há o temor de que os imigrantes contribuam para o desemprego da população nativa, com impactos culturais descaracterizando signos e símbolos das Nações.
Nos Estados Unidos, os fenômenos são tratados de maneira dura por Donald Trump que insiste no muro na fronteira com o México, desfralda o discurso nacionalista de proteção ao emprego e melhora das condições de vida de populações ameaçadas pelo fluxo migratório. Daí sua posição ante a globalização, contrário a acordos patrocinados pela ONU sobre o clima, a situação de países como Venezuela, Cuba e Nicarágua e a política de defesa de direitos humanos.
Nessa encruzilhada, Bolsonaro e Trump se encontram. Como pano de fundo, vê-se a integração contra ideologias de esquerda, o fortalecimento de vínculos conservadores e o impulso ao liberalismo. Deixar o Estado com o tamanho adequado para cumprir suas tarefas. E manter o cobertor social no tamanho dos recursos. Nem lá nem cá. Mais: sem apoio a núcleos que batalham por direitos. (A decisão de combater o “politicamente correto” não seria resposta à ideologia de gêneros?)
Em suma, um programa arrojado na economia, ações no campo, combate à corrupção, disposição de cortar as fontes da bandidagem, desfralde dos valores da família, sob as bênçãos de Deus, é assim que o novo governo quer “consertar” o país.
P.S. Com direito da população de acompanhar tudo pela linguagem de Libras. Com a simpática Michelle, ao lado do marido, e seu cativante sorriso.
*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político
Luiz Carlos Azedo: O esquindô-lê-lê
Para o Palácio do Planalto, o barulho em torno da posse de Cristiane Brasil é o de menos, porque já está sendo abafado pelo clima de carnaval, que toma conta do país
A bancada do PTB, reunida ontem, decidiu manter a indicação da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) para o cargo de ministra do Trabalho, sepultando assim as esperanças do Palácio do Planalto de que a própria legenda indicasse outro nome para a pasta. O líder Jovair Arantes (PTB-GO) foi categórico: “Nós temos uma característica que é importante também deixar bem clara: nós não abandonamos companheiros feridos em uma batalha. Então, nós vamos até o fim”. Segundo ele, a Justiça criou o problema e terá que resolvê-lo. É um recado para a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, que manteve o impedimento de a parlamentar assumir o cargo por meio de liminar, mas ainda não tomou uma decisão monocrática definitiva nem encaminhou a questão ao plenário da Corte.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cuja liderança tem uma das ancoragens na bancada do PTB, endossou a decisão com uma crítica à Justiça Federal: “Porque em tese uma parte da sociedade acha que o Temer é ruim, não é motivo para um juiz de primeira instância assumir o papel de presidente da República”. Maia disse que não vê impeditivo para que a deputada assuma o cargo. “Ela não tem nenhum problema que a impeça de disputar a eleição presidencial. Agora, se ela vai ser uma boa ministra, se foi um bom nome, esse é um problema que cabe ao governo e ao PTB discutir”, arrematou, em sintonia com a insatisfação da maioria dos parlamentares com a interferência do STF em outros poderes.
Na mesma linha, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, reiterou que o governo não pretende recuar da indicação, porque seria abrir mão de uma prerrogativa da Presidência da República: “O presidente Michel Temer tomou a decisão política de nomear a Cristiane Brasil. É competência dele, ‘induvidável’ pela Constituição Federal. A indicação do nome é problema do PTB, mas a garantia da posse é problema nosso, do governo. Nós entendemos que o ato político do presidente da República tem que ser respeitado”, disse. Para o Palácio do Planalto, o barulho em torno do assunto agora é o de menos, porque já está sendo abafado pelo clima de carnaval que toma conta do país. Na verdade, já virou mote de marchinha de carnaval.
Temer não pode perder o apoio de Roberto Jefferson na reforma da Previdência. O presidente do PTB é um político cascudo, que manteve o controle da legenda mesmo estando preso, cumpre a palavra empenhada e não leva desaforo pra casa. Por isso, bancará a indicação até que a decisão da ministra Cármen Lúcia seja tomada. Para o Palácio do Planalto, há duas questões envolvidas: a manutenção da base do governo na Câmara e as prerrogativas constitucionais da Presidência, no caso, a nomeação de seus ministros. Ao se defender das acusações de que não teria moralidade para exercer o cargo, por causa da ação trabalhista de antigos funcionários, Cristiane Brasil fez tudo errado, inclusive um vídeo numa lancha ao lado de quatro amigos. Nesse ínterim, outras acusações surgiram, como a investigação aberta pela Polícia Civil do Rio de Janeiro em 2010 para apurar se assessores de Cristiane Brasil pagaram a traficantes para ter “direito exclusivo” de fazer campanha em Cavalcanti, bairro da Zona Norte da cidade.
Segunda instância
O esquindô-lê-lê somente não foi maior na Praça dos Três Poderes porque, no outro vértice do seu triângulo, o ministro Alexandre de Moraes surpreendeu os políticos e votou a favor da prisão após condenação em segunda instância do deputado federal João Rodrigues (PSD-SC), em processo ao qual respondeu como ex-prefeito de Criciúma. “A possibilidade de cumprimento provisório guarda juízo de consistência, porque são dois órgãos que realizam análise de mérito”, disse. Manteve a coerência com votos anteriores, decidindo o julgamento na primeira Turma do STF, ao lado de Luiz Roberto Barroso e Luiz Fux. Votaram contra a ministra Rosa Weber e Marco Aurélio Mello. A decisão tem repercussão no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja sentença de condenação em segunda instância foi publicada ontem pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre.
Mais tarde, ao tomar posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Luiz Fux reiterou a posição sobre a execução da Lei da Ficha Limpa, que impede condenados em segunda instância de participarem das eleições: “A estrita observância da Lei da Ficha Limpa se apresenta como pilar fundante da atuação do TSE. A Justiça Eleitoral, como mediadora do processo sadio, será irredutível na aplicação da Ficha Limpa”, disse. Segundo ele, teremos uma eleição presidencial que se anuncia como “a mais espinhosa e — por que não dizer — a mais imprevisível desde 1989”. É um recado para Lula. Mesmo que escape da prisão, estará fora da disputa eleitoral. Para Fux, quem for “ficha suja” estará fora do jogo democrático.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-esquindo-le-le/
Merval Pereira: O legal e o moral
O Planalto depende de todos os partidos que fazem parte da base aliada porque precisa tentar aprovar a reforma da Previdência, e o PTB tem uma bancada grande. Forma um bloco com o PROS, PSL e PRP com 26 deputados.O governo não tem como fazer o PTB desistir da vaga, muito menos sendo a escolhida a deputada Cristiane Brasil, que é filha do presidente do partido, Roberto Jefferson.
O primeiro indicado, que o ex-presidente Sarney vetou, eles aceitaram muito bem, inclusive porque foi a maneira que Jefferson encontrou de colocar o nome de sua filha no tabuleiro.
Com a confirmação do TRF-2 de não permitir a posse, por questões de moralidade administrativa, a disputa provavelmente vai parar no STF, onde a presidente ministra Carmem Lucia deve decidir solitariamente no recesso. A nomeação de ministro é uma prerrogativa do presidente, e a questão da moralidade administrativa deveria entrar na discussão, mas não está diretamente ligada à nomeação.
Além do mais, o caso de Cristiane Brasil é da esfera privada. É constrangedor ter uma ministra do Trabalho envolvida em disputa na Justiça do Trabalho, acusada de não pagar seus empregados dentro da lei, não assinar a carteira, mas não é um impedimento jurídico, é, sim, moral.
Os casos anteriores de impedimento pelo Supremo de o ex-presidente Lula assumir a chefia do Gabinete Civil da então presidente Dilma Rousseff, ou mesmo do caso recente do assessor de Michel Temer Moreira Franco, acusado de ganhar status de ministro para se blindar contra processo de Primeira instância do Judiciário, foram questões políticas mais elevadas.
No caso de Lula, tratava-se de uma clara obstrução da Justiça, revelada pela polêmica divulgação da gravação de uma conversa da presidente com ele, em que ficava claro que o termo de posse seria assinado com antecedência para Lula poder usar se fosse necessário, isto é, se fosse procurado por autoridades policiais.
Moreira Franco já era ministro na prática, reconhecido tal por todos, e só não foi nomeado na primeira leva porque o presidente Temer anunciou que cortaria vários ministérios. Não conseguiu, por injunções políticas.Na decisão do STF, o ministro Celso de Mello entendeu que a nomeação de alguém para o cargo de ministro de Estado não pode ser encarada como um fato de obstrução da Justiça, e destacou que a prerrogativa de foro privilegiado é uma consequência da nomeação.
“A nomeação de alguém para o cargo de ministro de Estado, desde que preenchidos os requisitos previstos no Artigo 87 da Constituição da República, não configura, por si só, hipótese de desvio de finalidade. Eis que a prerrogativa de foro – que traduz consequência natural e necessária decorrente da investidura no cargo de ministro de Estado não importa em obstrução e, muito menos, em paralisação dos atos de investigação criminal ou de persecução penal”, disse.
O artigo 87 diz apenas que “Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos”. No entanto, na política, nem sempre o que é legal é aceitável eticamente, e o peso da moralidade, previsto no artigo 37 da Constituição de 1988, teria que ser levado em conta quando se trata de um cargo público.
Está escrito lá: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Juntamente com essa questão moral está a consequência de criação de 39 ministérios, o que nos coloca em uma situação que beira a burrice ou a incompetência, para usarmos a definição do empresário Jorge Gerdau, quando era assessor da presidente Dilma e tentava dar uma organizada para melhorar a gestão pública.
De lá para cá muito pouca coisa mudou, e os cargos no ministério são loteados entre os partidos políticos que apoiam o governo em troca de nomeações e benefícios. Por essas flexibilizações das questões de moralidade pública é que acontecem nomeações como as de Cristiane Brasil e suas conseqüências desgastantes para o governo.
Luiz Carlos Azedo: Hábitos inconfessáveis
Marun trombou com oito governadores do Nordeste, todos escolados na velha cultura de chantagear o governo para obter benesses nos momentos em que o Palácio do Planalto mais precisa de apoio
O “sincericídio” do novo ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo), responsável pela articulação política no Congresso, pode ter posto tudo a perder. Certas práticas governistas nos bastidores da política são inconfessáveis, como a pressão sobre os governadores para apoiar a reforma da Previdência utilizando o poder de barganha do Palácio do Planalto na liberação de empréstimos dos bancos oficiais (Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES).
Resultado: Marun trombou com oito governadores do Nordeste, quase todos escolados na velha cultura de chantagear o governo para obter benesses nos momentos em que o Palácio do Planalto mais precisa dos aliados. A carta dos governadores ameaçando o novo ministro foi duríssima: “Protestamos publicamente contra essa declaração e contra essa possibilidade, e não hesitaremos em promover a responsabilidade política e jurídica dos agentes públicos envolvidos, caso a ameaça se confirme.”
Com toda razão, os governadores invocaram o pacto federativo, cláusula pétrea da Constituição, para protestar contra o que caracterizaram como “atos arbitrários para extrair alinhamentos políticos, algo possível somente na vigência de ditaduras cruéis”. Há que se considerar que seis governadores são de oposição, mas os dois do PMDB, Jackson Barreto, de Sergipe, e Renan Filho, de Alagoas, também subscreveram a carta. Somente Robson Faria, do PSD, não participou do piquenique na sombra do ministro.
Em tom de puxão de orelhas, a carta sugere que o presidente Michel Temer “reoriente os seus auxiliares, a fim de coibir práticas inconstitucionais e criminosas”. Há duas leituras subjacentes: a primeira, é o fato de que o Nordeste saiu da esfera de controle do Palácio do Planalto, o que é um péssimo sinal político, uma vez que, tradicionalmente, o eixo da “política de conciliação” é a relação da União com os governadores da região, independentemente de partido; a segunda, de que Marun terá que mudar o estilo trombador que caracterizava sua atuação na Câmara, sob risco de não sobreviver na função.
Uma das mudanças positivas do governo Temer no começo de sua gestão foi tirar as empresas estatais da esfera de barganha dos políticos, dando a elas uma gestão mais profissional e eficiente. Pedro Parente à frente da Petrobras é o melhor exemplo. O executivo tem larga experiência no setor público, faz parte de uma elite de gestores formada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Sua atuação serve de paradigma para os outros gestores de estatais. Por isso mesmo, as declarações de Marun também provocaram uma reação contrária, embora surda, nas diretorias dos bancos oficiais.
É evidente, porém, que Marun não é um desmiolado na articulação política. Suas declarações certamente foram escandalosamente inábeis, mas refletiram um reposicionamento do Palácio do Planalto em pleno curso, mas que jamais poderia ter sido revelado. Ou seja, se o novo ministro falou o que disse, é porque a conversa no Palácio do Planalto sobre a utilização dos financiamentos dos bancos oficiais para pressionar os governadores existiu.
Além dos governadores nordestinos, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, também criticou Marun. Disse que a declaração foi um equívoco e que o governo “tem a obrigação de trabalhar pela reforma, mas não pode vincular financiamento à votação de deputado”.
Emprego
O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, filiado ao PTB, pediu demissão do cargo ontem, dia em que o governo colheu seu maior revés na economia neste ano: em novembro, foram fechadas 12.292 vagas de trabalho com carteira assinada, segundo números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgados pelo Ministério do Trabalho. É a diferença entre as contratações, que somaram 1.111.798, e o de demissões no mês passado, que totalizaram 1.124.090. Será substituído pelo deputado Pedro Fernandes (PTB-MA), também indicado pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson, e pelo líder do partido na Câmara dos Deputados, Jovair Arantes (GO).
Não se sabe ainda se a onda de demissões será compensada pela contratação dos trabalhadores de acordo com as novas regras da reforma trabalhista, cujo impacto ainda é pequeno: 3.067 trabalhadores via contrato intermitente e 231 trabalhadores com contrato parcial (a nova lei elevou de 24 horas para até 30 horas semanais os contratos desse tipo).
Luiz Carlos Azedo: A vocação do PMDB
O Palácio do Planalto trabalha um projeto de centralização política e alinhamento incondicional do PMDB ao presidente Michel Temer, pré-condição para uma candidatura própria em 2018
O PMDB realiza hoje sua convenção nacional diante de sua maior contradição: desde as eleições de 1989, a legenda abdicou de sua vocação presidencialista, construída na oposição ao regime militar e na campanha das Diretas Já, para se colocar como partido parlamentarista, cujo poder de fogo foi demonstrado em dois impeachments, o de Fernando Collor de Mello, em 1992, e o de Dilma Rousseff, no ano passado. Em todas as eleições presidenciais, os candidatos da legenda à Presidência da República foram “cristianizados”, inclusive o líder histórico do partido, Ulysses Guimarães. Agora estão diante de um dilema, lançar a candidatura à reeleição do presidente Michel Temer ou apoiar um aliado do governo de outro partido.
Aparentemente, o grupo de mais prestígio no Palácio do Planalto — o líder do governo no Senado, Romero Jucá (RR), que preside o partido, e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-geral da Presidência) — trabalha um projeto de centralização política e alinhamento incondicional ao presidente Michel Temer, o que seria a pré-condição para uma candidatura própria do PMDB em 2018. Ontem, durante evento da Fundação Ulysses Guimarães, responsável pela formação política e produção de propostas, como o documento “Uma ponte para o futuro”, que norteia a atuação do governo, Jucá deu mais uma declaração que reforça essa orientação. Disse que a cúpula do partido valorizará e dará “tratamento diferenciado” aos mais leais, numa alusão cifrada aos recursos dos fundos eleitoral e partidário.
“Vamos dar um tratamento mínimo a todos, mas a executiva nacional vai ter o cuidado de atuar de forma que aquelas figuras que são mais emblemáticas, que são candidatos a governador, a senador, a deputado federal, que têm sido leais ao partido, devem receber efetivamente um tratamento diferenciado”, disse. A crítica mirou dissidentes como os senadores Renan Calheiros (AL), Roberto Requião (PR) e Kátia Abreu (TO). Jucá negou retaliações, mas sugeriu que os insatisfeitos deixem a legenda: “Não podemos ter uma pessoa querendo implodir um partido, atirando contra o partido e fazendo ações deliberadas para atacar o presidente da República (…) Quem age desse jeito deveria procurar outro partido. Não é o partido do MDB que dá espaço para traição”.
Na verdade, devido à impopularidade do governo e ao desgaste causado pela Operação Lava-Jato, mesmo estando no centro do poder, a legenda já sofre a pressão de forças centrífugas, que derivam para o apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principalmente. É o caso dos três caciques regionais já citados, sendo que Requião é um dos nomes que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva leva em consideração caso seja impedido de disputar a eleição. Inclusive, já estariam em curso negociações com a senadora Gleisi Hoffman (PR), presidente nacional do PT, para a eventualidade de ter que trocar de legenda com objetivo de ser o candidato apoiado pelos petistas em 2018, no caso de Lula se tornar inelegível por causa da Lava-Jato.
Velha sigla
Uma das decisões previstas para hoje será o restabelecimento da velha sigla do partido, que surgiu com o caráter de movimento de oposição legal depois que os velhos partidos da Segunda República foram fechados pelos militares, em 1966. No começo do regime bipartidário imposto pelo regime, o desempenho do PMDB contra a Arena, partido do governo, nas eleições de 1966, 1968 (municipais) e 1970, foi medíocre, a ponto de quase se autodissolver. Mas renasceu das cinzas após seu presidente, senador Oscar Passos, passar o comando da legenda para Ulysses Guimarães. Nas eleições de 1974, o antigo MDB ocupou quase três quartos das vagas em disputa para o Senado, além de duplicar a bancada na Câmara dos Deputados. Havia se tornado o instrumento legal e eleitoral de um amplo movimento de oposição ao regime.
Com o restabelecimento do pluripartidarismo, em janeiro de 1980, após a anistia, o MDB introduziu o pê na sigla. O Partido do Movimento Democrático Brasileiro protagonizou a campanha das Diretas Já, em 1983, e a eleição de Tancredo Neves, em 1985, possibilitou o restabelecimento da democracia. Mas o novo presidente faleceu sem tomar posse. Quem assumiu o governo foi o vice, José Sarney, um dissidente do antigo PDS (ex-Arena, hoje PP), recém-filiado ao partido,
Durante a Constituinte, o relator, senador Mário Covas, que pretendia ser candidato a presidente da República, não aceitou um acordo para aprovar o parlamentarismo, cujo preço seria a aceitação de cinco anos de mandato para o presidente Sarney, o que acabou aprovado mesmo assim. Desde então, ninguém conseguiu governar o país sem o apoio do PMDB, nem mesmo FHC e Lula. Quem tentou fazê-lo em confronto com a legenda não conseguiu: Collor e Dilma acabaram depostos. Atualmente, o partido governa Rondônia, Sergipe, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Tocantins, Espírito Santo e Alagoas. Controla 1.038 prefeituras, entre as quais as de Florianópolis, Cuiabá e Goiânia. Tem 59 deputados federais (dos 86 que elegeu em 2014) e 21 senadores. Continua sendo o maior e mais enraizado partido do país.
Luiz Carlos Azedo: Raquel investiga
Com Lúcio arrastado para o olho do furacão, teme-se no Palácio do Planalto que Geddel resolva falar para salvar o irmão
O estilo soft power da nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, alimentou expectativas no Congresso de que as operações de busca e apreensão da Operação Lava-Jato contra políticos eram uma página virada. Errado. No mesmo dia em que o presidente Michel Temer (PMDB) distribuía uma carta aos seus aliados denunciando uma suposta conspiração para destituí-lo da Presidência capitaneada pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot, a Polícia Federal fazia uma devassa no gabinete do deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) e nas residências do parlamentar.
Foi a primeira operação contra um político na gestão de Raquel Dodge, que deu continuidade às investigações sobre os R$ 51 milhões encontrados em setembro, pela Polícia Federal, num apartamento de Salvador, supostamente pertencentes ao ex-ministro Geddel Vieira Lima, irmão do parlamentar, que está preso preventivamente no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. Durante toda a manhã os policiais permaneceram na Câmara, deixaram o gabinete de Lúcio com uma mala e um malote de documentos.
A operação foi realizada a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). Os mandados de busca e apreensão foram expedidos pelo ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF. Investiga se há relação entre Lúcio e os R$ 51 milhões. Os investigadores querem saber se ele poderia ser beneficiário ou intermediário do dinheiro, daí as buscas na residência em Brasília e no apartamento em que ele vive com a família em Salvador.
Job Ribeiro Brandão, secretário parlamentar lotado no gabinete de Lúcio, é o suposto elo entre o parlamentar e as malas de Salvador. Foram encontradas digitais dele no apartamento em que estavam escondidos os R$ 51 milhões e até em parte do dinheiro. Lúcio é um dos mais influentes parlamentares do PMDB na Câmara, destacando-se como articulador da base do governo. Sempre bem-humorado, não se deixou alquebrar pela prisão do irmão e descarta qualquer possibilidade de ele recorrer à “delação premiada”. Agora, porém, com Lúcio arrastado para o olho do furacão, teme-se no Palácio do Planalto que Geddel resolva falar para salvar o irmão.
Afastamento
A operação foi como uma bomba para os governistas, que durante o fim de semana planejaram uma contraofensiva às denúncias envolvendo o presidente Temer e dois de seus mais importantes auxiliares, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o secretário-geral da Presidência, Moreira Franco. Ao mesmo tempo em que procuram “fulanizar” e desacreditar as acusações, administram a crise de relacionamento com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que subiu de temperatura no fim de semana, em vez de baixar.
Às vésperas da Comissão de Constituição e Justiça apreciar os termos da denúncia, a Câmara divulgou a íntegra dos áudios da delação premiada do doleiro Lúcio Funaro, que citam Temer. Os anexos da delação foram enviados pelo ministro Fachin para Maia, que entendeu não haver restrição e o liberou na página da Câmara dos Deputados internet.
A defesa de Temer incluiu a divulgação dos áudios na sua teoria conspiratória e fez duras acusações contra o suposto “vazamento” dos áudios. Maia meteu a carapuça e deu um chega para lá no advogado de Temer, Eduardo Carnelós, que agiu como macaco em casa de louças no episódio.
A carta de Temer de certa forma corroborou a acusação de Carnelós, pondo mais lenha na fogueira: “Tenho sido vítima desde maio de torpezas e vilezas que pouco a pouco, e agora até mais rapidamente, têm vindo à luz. Jamais poderia acreditar que houvesse uma conspiração para me derrubar da Presidência da República. Mas os fatos me convenceram. E são incontestáveis.”
José Roberto de Toledo: O Facebook e o antiLula
Mídias sociais, como o Facebook, revelam estratégias distintas das duas principais candidaturas em oposição ao ex-presidente até agora
Após um mês atípico em agosto, quando a página oficial de Lula no Facebook superou as de todos os outros presidenciáveis em volume de interações por causa de sua caravana pelo Nordeste, a primeira semana de setembro mostrou quão difícil será para o petista segurar essa liderança. A dificuldade virtual espelha o aumento da pressão contra o ex-presidente na Justiça - e todas as implicações que isso tem sobre sua candidatura em 2018.
Nos últimos sete dias, a página de Lula no Facebook voltou a ser ultrapassada pela de Bolsonaro em comentários, likes e compartilhamentos. Mais do que isso. Como era de se esperar, a delação de Palocci e a denúncia de Janot viraram munição para os adversários, e Lula perdeu o controle da narrativa sobre si próprio nas redes sociais. É dos poucos casos em que o "falem mal, mas falem de mim" não se aplica.
Finda a caravana, a maioria das interações com o nome de Lula na rede foi provocada por páginas contrárias a ele. Das top 10, pelo menos 6 são antiLula. A campeã foi a do MBL, com 624 mil interações. A página do candidato, que costuma superar com alguma folga a de seus algozes nas menções a ele, ficou apenas em 4º lugar neste começo de setembro, com menos da metade de interações mencionando seu nome que a do MBL - segundo a ferramenta CrowdTangle, comprada e difundida pelo Facebook.
O controle da narrativa pode ser terceirizado - desde que o candidato mantenha a influência no que se diz sobre ele nas redes sociais via páginas simpáticas à candidatura. Na última semana, os comentários e compartilhamentos sobre Bolsonaro foram comandados por páginas de apoio a ele, como SomostodosBolsonaro e Rio Conservador, e as de seus filhos Eduardo e Flavio. As interações sobre Doria foram capitaneadas pela página do MBL.
Já Lula conta com a própria página e a do PT. As dos senadores Lindbergh Farias (PT-RJ) e Gleisi Hoffmann (PT-PR) ajudam, mas não têm nem 100 mil interações sobre ele por semana. Sem histórias e imagens positivas, Lula voltou à defensiva virtual.
As mídias sociais revelam estratégias distintas das duas principais candidaturas em oposição a Lula até agora. Bolsonaro e seus seguidores são, quando muito, coadjuvantes no movimento contra o petista na rede. Criticam e ironizam, mas não em volume suficiente para aparecerem entre os principais algozes do ex-presidente. Estão mais ocupados em afirmar seu nome e defender a agenda conservadora do que fixar Bolsonaro como o antiLula.
Esse papel é protagonizado por movimentos e páginas que estão mais perto da área de influência do PSDB, como o MBL. Do mesmo modo, Doria consegue provocar mais reações dos internautas quando faz pronunciamentos críticos a Lula. E se o ex-presidente acabar não sendo candidato, como parece cada vez mais possível?
As mídias sociais confirmam o que se observa no mundo real. Ninguém no campo petista está conseguindo acumular cacife para substituir Lula como candidato a presidente, por ora. O ex-prefeito paulistano Fernando Haddad e o ex-governador da Bahia Jaques Wagner são ilustres desconhecidos virtuais. Ciro Gomes está melhor do que os petistas, mas ainda não o bastante.
Já entre os adversários, quem tem mais a ganhar com a eventual saída de Lula da corrida? Quem tenta ser o antiLula ou quem investe em identidade própria e surfa a onda conservadora? A estratégia de Bolsonaro parece mais preparada para uma eleição sem o ex-presidente. Seu limite é dado pela capacidade de ele crescer no deserto de homens e ideias que é o centro do espectro político. Esse deserto, porém, continua convidativo para o aparecimento de candidaturas como a de um Luciano Huck.
Alon Feuerwerker: 2018 é uma oportunidade para o desconhecido
Mantém-se a dúvida sobre o vetor que dominará a eleição presidencial. Uma possibilidade, depois de cinco anos de desgaste acelerado da política, é a emergência do novo. Isso é mais visível por enquanto na direita, com Bolsonaro e Doria em momentânea superposição ideológica. Na esquerda, se Lula não concorrer, o PT estará credenciado a usar a carta.
Vale a pena um exercício prospectivo. A direita poderá fundir dois elementos: o novo e o antipetismo. Sustentam a narrativa a ruína econômica do governo Dilma e a rejeição ao PT produzida por mais de quatro anos de Lava-Jato. É um capital propagandístico não desprezível, e seria a escolha protocolar de largada de um candidato conservador.
E na esquerda? As circunstâncias deram vida a uma improbabilidade. Nenhum partido ou grupo nem ensaiou ocupar o espaço de renovação progressista. Veio então uma nova chamada ao próprio PT, que colhe alento depois da borrasca. O tempo passa, mas os demais atores do seu campo continuam a depender do que Lula vai fazer ou deixar de fazer.
Na narrativa óbvia da esquerda, a bonança dos anos Lula servirá de vacina contra a má lembrança de Dilma2. E sempre estará à mão a possibilidade de pintar o adversário com as cores do fascismo. Um #antifa brasileiro tem base, também porque nos anos recentes estruturou-se uma direita sem medo de parecer de direita. E há também a ubiquidade da Lava-Jato.
E a carta da economia? Vai em retomada modesta. O situacionismo dirá que o governo Temer salvou o Brasil do desastre petista. A oposição dirá que se trata de voo de galinha, e que é preciso uma política econômica desenvolvimentista-distributivista para produzir prosperidade real às massas e alavancar o mercado interno.
Tudo razoavelmente previsível, mas, e se não? O palco está montado mais uma vez para o habitual teatro de mistificações. Mas, e se de repente abrir-se uma janela para o debate competentemente abortado pela vitoriosa campanha petista de 2014? E se os candidatos precisarem finalmente dizer como vão enfrentar os impasses nacionais?
Um método na análise é olhar para a hipótese contrária ao que parece totalmente provável. É provável que 2018 traga de novo teatralidades vazias, a demonização, a fuga da realidade. Mas nunca o país esteve tão maduro para uma dose de racionalidade fria. Inclusive porque o longo circo de horrores destes anos servirá de antídoto ao uso gratuito da emoção.
O que emocionaria o distinto público em 2018? Difícil vislumbrar. Num ambiente de ceticismo, desilusão e algum conforto econômico, talvez seja possível exigir que os candidatos digam o que farão com a previdência social, com as estatais, com o salário mínimo, com o meio ambiente, com a indústria nacional, com os problemas políticos dos vizinhos sul-americanos…
2018 é uma oportunidade para o desconhecido, e uma oportunidade tão grande quanto para o conhecido. Se este apresentar consistência programática. Por isso convém prestar atenção no velho, em meio ao consenso de que ele não será competitivo. Não é possível enganar todos todo o tempo, já se disse um dia.
Carne no angu
Vem aí mais um round do #FicaTemer x #ForaTemer. O cenário de momento indica vitória do primeiro, a um custo político mais substancial. Sempre será prudente entretanto observar o andamento. A alternativa Rodrigo Maia ainda não é sólida, mas está à mão. É a variável a monitorar. Se os movimentos ficarem mais pronunciados, tem carne debaixo do angu.
Importância relativa
O #ForaxFica é assunto para os políticos, para quem se interessa um tanto a mais pela política ou está profissionalmente ligado ao universo dela. No resto, nota-se a indiferença. Seja quem for o presidente até 2018, a orientação governamental será esta, idem a base parlamentar. E a agenda vai conforme a correlação de forças. Que não mudou desde o impeachment.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
** Título original: 2018 é uma oportunidade para o desconhecido, e uma oportunidade tão grande quanto para o conhecido
Geraldo Alckmin: ‘Quero ser presidente do povo brasileiro’
Governador Geraldo Alckmin fez a declaração em evento, ontem. No PSDB há consenso de que dificilmente ele deixará de ser candidato. Governador paulista adota posição explícita sobre candidatura ao Planalto e diz que pretende ser ‘o presidente do povo brasileiro’; na Paraíba, Doria modera críticas a Lula.
Pedro Venceslau, Dayanne Sousa | O Estado de S. Paulo
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), fez ontem as declarações mais enfáticas como pré-candidato à Presidência da República desde que admitiu publicamente, em agosto, a intenção de participar da disputa do ano que vem. O tucano afirmou querer ser “o presidente do povo brasileiro”. Dentro do PSDB, já há um avaliação predominante de que dificilmente o governador não será o candidato do partido ao Planalto.
Num embate velado, Alckmin tem como rival interno o prefeito João Doria, que, mesmo sem assumir a disposição de se candidatar ao Planalto, age nesse sentido e mantém uma agenda de viagens pelo País. Ontem, a 2.730 quilômetros de distância da capital paulista, na Paraíba, o prefeito voltou a receber homenagens e discursou para uma plateia de empresários. Doria tenta aumentar o seu nível de conhecimento entre os eleitores, principalmente no Nordeste, para tentar chegar competitivo na convenção tucana, prevista para o final do ano ou início de 2018.
Em São Paulo, ao participar da inauguração da nova sede de uma empresa de cosméticos, Alckmin foi questionado sobre a comparação entre ele e a candidata democrata americana Hillary Clinton, feita pela Consultoria Eurasia anteontem. O governador foi classificado como o candidato do “establishment” – a elite política. “Da elite, não”, rebateu Alckmin. “Eu quero ser o presidente do povo brasileiro, dos empresários que geram emprego, do trabalhador sacrificado do Brasil”, afirmou o tucano.
Alckmin disse também que “a modéstia” não lhe permitia responder à pergunta sobre se seria o melhor nome para a Presidência. O governador evitou comparações entre ele e Doria.
Questionado se seria capaz de conduzir o governo de São Paulo e ao mesmo tempo viajar pelo País, Alckmin se recusou a responder. Doria afirma que as viagens para diversos Estados não prejudicam sua gestão porque é capaz de usar a tecnologia para administrar a cidade à distância. Ontem, após ser homenageado na Paraíba com o título de cidadão de Campina Grande, o prefeito seguiu para Paris.
Escolhido. A declaração enfática de Alckmin foi vista dentro do PSDB como a forma de responder às críticas de que sua candidatura representa a política tradicional, que enfrenta hoje forte rejeição por parte da sociedade de acordo com a última pesquisa Ipsos publicada no domingo no Estado. Segundo o estudo, os políticos tradicionais, como o tucano, têm a imagem mais desgastada do que aqueles que se apresentam como não políticos, como Doria. No levantamento, Alckmin tem 73% de desaprovação.
“Internamente no PSDB, o Alckmin já é considerado candidato. Tasso (Jereissati, presidente interino da sigla) deixou claro isso quando afirmou que ele é o primeiro da fila”, afirmou o deputado federal Silvio Torres (SP), secretário-geral do PSDB.
A forma mais explícita de Alckmin se posicionar também é vista dentro do PSDB como uma estratégia para tentar minimizar o efeito Doria na legenda. Tanto o governador quanto o seu afilhado político vêm aumentando o tom na disputa. Um tucano disse, reservadamente ao Estado, que Alckmin não quer “dar chance” a Doria para que ele ocupe espaços no partido.
Anti-Lula. Ontem, em Campina Grande, Doria testou uma abordagem diferente da que vinha colocando em prática desde que assumiu a prefeitura de São Paulo em janeiro. Ele moderou os ataques ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem já chamou de “sem vergonha” e “bandido” e evitou o bordão “nossa bandeira nunca será vermelha”, comum nas recentes aparições públicas. O tucano chegou a defender o petista e a presidente cassada Dilma Rousseff durante entrevista a uma rádio da Paraíba afirmando que eles têm o direito de “peregrinar” pelo País. “Entendo que isso é legítimo e não faço objeção a esse ato. O que continuarei a fazer é objeção ao discurso, o meu é diferente”, disse Doria.
Nas últimos meses, o prefeito paulista tem se colocado como um antagonista do ex-presidente. A radicalização do tucano levou a críticas internas no PSDB. Questionado sobre sua postura, Doria disse que “não quer falar mal de ninguém”. “Discurso de nós contra eles não é a melhor proposta para o Brasil”, disse, repetindo a afirmação feita por Tasso em entrevista ao Estado.
Depois do evento na Paraíba, o prefeito paulistano embarcou para França, onde participa hoje de um evento organizado pela Positive Planet Foundation. Na agenda do prefeito em Paris consta um jantar onde estará o presidente francês Emmanuel Macron.
José Roberto de Toledo: Desastre à espreita
Méritos e possíveis vantagens da privatização à parte, Michel Temer está querendo vender algo que não lhe pertence. A procuração dada pelos proprietários à representante que ele substituiu não fala nada em entregar patrimônio público para cobrir um buraco – buraco que Temer não foi o primeiro a cavar mas ajudou a aprofundar. Até que o eleitor diga que é isso que quer, alienar florestas e estatais causará desconfiança e suspeição – especialmente quando 93% desaprovam o presidente.
Collor e Dilma caíram após prometeram uma coisa em campanha e fazerem o oposto. Temer não prometeu nada, mas herdou cargo, compromissos e promessas da titular. Ele pode achar que não. Pode crer que chegou lá por suas ideias e convicções. Mas a “Ponte para o futuro” não recebeu um sufrágio sequer. Alavancou outras contrapartidas, eventualmente, mas voto nenhum.
Nem mesmo forçando a barra e considerando-se a votação que afastou Dilma como “eleição” de Temer. Aconteceu de tudo naquele plenário da Câmara, mas ninguém bradou “pela venda da Eletrobras e pela entrega da Reserva Nacional de Cobre” enquanto embargava a voz, vestia a bandeira brasileira e posava para as câmeras. Talvez uns tenham pensado no cobre, mas não puderam vocalizar.
Afundando o poço da crise política está a crise de representatividade. O eleito pode esquecer suas obrigações, mas quem o elegeu lembra. Lembra especialmente do que não delegou ao seu representante. Se vê o eleito fazendo algo que não estava combinado, é natural que se sinta contrariado. Se isso acontece sempre, é de se esperar que ele desacredite as instituições. Não à toa, estão todas nas valas mais fundas de sua credibilidade.
Temer acreditou em algum acólito de segunda mão que lhe vendeu uma ideia fora do lugar. Acha que vai entrar para a história como “o presidente das reformas”, como quem fez o que precisava ser feito mas ninguém tinha coragem de fazer. Não vai. Collor não é lembrado por abrir a economia do país, mas pelo Fiat Elba, por PC Farias e por ter sido o primeiro impedido pós-ditadura.
Se a preocupação de Temer é com a posteridade, algum sabujo poderia lembrá-lo de que ele já é histórico. É o presidente mais impopular que se tem registro. Não é pouco, considerando-se a concorrência. Ele superou Dilma, Collor e até Sarney. Dificilmente alguém vai conseguir batê-lo tão cedo. Parabéns.
A avalanche da desmoralização institucional demorou mas está alcançando também o Judiciário. Com a contribuição diária da toga falante e graças à omissão de seus colegas de tribunal, os autos se tornaram incomparavelmente menos loquazes do que as entrevistas, notas, tuítes e posts dos magistrados. Juízes que se julgam acima dos outros não têm quem os contradiga. Quem se arrisca a contrariá-los está a uma sentença do arrependimento.
Como diria aquele investigado, com o Supremo, com tudo. Partidos políticos, Congresso e Presidência da República estão perdendo os últimos traços de respeitabilidade aos olhos do público. O desastre está à espreita. É no pascigo do descrédito institucional que se alimentam vivandeiras e promotores do ódio. É também uma oportunidade de negócio para marqueteiros virtuais que fazem dinheiro sublocando MAVs e manipulando a mídia social.
Nesse ambiente insalubre, reproduz-se com velocidade exponencial o discurso militarista. Um jovem e seu computador criam uma página no Facebook, gravam um vídeo por dia e em menos de dois meses têm meio milhão de seguidores. Suas gravações são vistas e compartilhadas milhões de vezes. Não é hipótese, mas um exemplo. Como ele, há outros. E outros. No que isso vai dar? Estamos prestes a descobrir.