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Míriam Leitão: Além da moeda instantânea

No dia da eleição americana, havia uma animação no Banco Central brasileiro. Nada a ver com o que se passava nos condados azuis e vermelhos. Era o primeiro dia de testes de um sistema de pagamentos que começou a ser arquitetado há cinco anos. Para o cliente, o pagamento instantâneo, chamado de PIX, pode parecer apenas uma comodidade, mas, segundo o diretor do BC João Manoel Pinho de Mello, ele levará a mais competição, menores custos e mais inclusão no sistema financeiro. A nova forma de pagar começa a operar na segunda-feira com a expectativa de mudar a relação que o brasileiro tem com o dinheiro. Se conseguir diminuir a concentração do nosso mercado bancário já terá provocado um efeito importante.

O objetivo do PIX, como todo mundo entendeu, é que o dinheiro e a informação trafeguem de forma imediata. Cerca de 10 segundos, em média, segundo o Banco Central. E sem custos para pessoas físicas. Os clientes que pagam taxas em transferências terão redução de despesas, os credores terão menos riscos porque saberão na hora que as dívidas foram quitadas.

— Imagine uma carga no porto que precisa de várias guias de pagamento para ser liberada, com diversos órgãos de governo. Esse processo pode levar dias. Com o pagamento instantâneo, será na hora. O dinheiro chega em uma ponta e a informação de quitação volta na outra. Isso vale para tudo, é ganho de produtividade na economia — explicou Pinho de Mello.

As mudanças microeconômicas no sistema financeiro vêm buscando há muitos anos o mesmo objetivo: spreads menores. No BC, eles garantem que os juros caíram muito e em algumas linhas já são compatíveis com níveis internacionais. Ainda não é o que todo tomador sente. Com mais participantes nesse mercado de transação financeira, pode haver, num segundo momento, um custo do crédito menor. Com mais gente oferecendo empréstimos, a aposta é que os juros possam cair.

Para o pequeno empreendedor, por exemplo, espera-se o incentivo ao chamado nanocrédito, pequenas e rápidas operações de financiamento. Como a transferência não tem custos ou um custo bem menor do que o atual nas transações entre firmas, um comerciante pode, por exemplo, adiantar a passagem de ônibus de um fornecedor que lhe venda produtos mais baratos e de melhor qualidade. Hoje, o preço do TED e do DOC inviabiliza a margem dessas operações menores. Esse é só um pequeno exemplo de como o pagamento instantâneo pode ter efeito na ponta da economia.

Os bancos perderão as receitas com o TED e o DOC. O Banco Central não tem uma conta fechada, mas estima que somente o TED de pessoas físicas chegue a R$ 500 milhões por ano. João Manoel acredita que eles não vão fazer o truque de sempre — elevar outra tarifa para compensar a perda. Acha que também terão uma forte redução de custos.

— O dinheiro ainda é o principal meio de pagamento do país, e isso custa muito para os bancos, em termos de transporte, logística, segurança. Quanto mais o pagamento eletrônico instantâneo for usado, menores serão os custos para os bancos — explicou.

Há um problema. Somente os 35 maiores bancos terão acesso à conta de liquidação financeira do Banco Central, onde as informações serão processadas. As menores instituições, como as fintechs e cooperativas de crédito, terão que pagar uma taxa para usar esse sistema através dos bancos maiores, e o receio é que eles imponham custos que inviabilizem a competição. João Manoel diz que o Banco Central estará atento para evitar esse risco:

— O grande banco é o chamado participante direto, que tem acesso ao sistema do Banco Central. É assim porque é caro acessar o BC e não faria sentido impor isso a todos. Mas o grande não pode ter preços diferentes para os clientes indiretos. O próprio BC vai fazer essa fiscalização para que haja competição entre eles.

A “guerra das chaves” que acontece hoje, ou seja, as campanhas publicitárias pelo cadastro dos clientes, tem explicação. O que está em jogo agora é conseguir os dados, para que os clientes sejam fidelizados depois. Outra aposta do BC é que essas informações deem mais segurança aos bancos, que poderão reduzir os juros.

Há outras modernizações sendo feitas. O Cadastro Positivo entrou em operação em fevereiro, e o Banco Central tem acelerado os testes e os estudos para que o chamado open banking — quando o cliente permite que várias instituições tenham acesso aos seus dados — entre em vigor em 2022. Essa é a agenda para os próximos anos no sistema financeiro e que pode fazer com que o custo do dinheiro caia de forma estrutural no Brasil.


Luiz Carlos Trabuco Cappi: Pix, um salto de transformação

O sistema financeiro será mais competitivo, inclusivo, integrado e inovador

A entrada em operação do Pix, em novembro, será um salto de transformação na intermediação financeira brasileira. O embrião ocorreu há quatro décadas, com a implantação de máquinas de autoatendimento compartilhadas, o conhecido Banco 24 horas. Desde então, clientes de instituições diferentes passaram a poder sacar notas nos mesmos terminais. Duas décadas depois, outro avanço significativo foi o SPB (Sistema de Pagamentos Brasileiro), que possibilitou pagamentos rápidos em dias úteis no horário comercial. A TED (Transferência Eletrônica Disponível) mostrou-se novo passo adiante, ao dar mais agilidade ainda para as transferências financeiras.

Agora, o Pix possibilitará pagamentos instantâneos, com operações liquidadas em até dez segundos, sete dias por semana. Poderá incorporar-se gradualmente aos DOCs e às TEDs, na medida em que cair no gosto popular e conquistar a confiança das pessoas e empresas por sua eficiência.

A vida financeira será menos complicada com o Pix, pois o Banco Central desenvolveu uma arquitetura técnico-financeira sofisticada, que conectará todas as instituições. Nos primeiros dias de adesão, mais de 20 milhões de pessoas e empresas se cadastraram no sistema. Há apenas dois pré-requisitos para isso: ter conta e celular.

Com o Pix, o sistema financeiro brasileiro será mais competitivo, inclusivo, integrado e inovador. A qualidade no relacionamento com o cliente será fundamental enquanto fator de fidelização.

Para cada cidadão, a credibilidade de cada instituição, a parceria com o cliente e sua capacidade de oferecer soluções mais adequadas para cada cidadão contarão bastante na decisão de manter sua base de negócios.

A autoridade monetária assegura que o Pix será tão seguro quanto os demais meios de pagamento. Testes efetuados desde 5 de outubro, entre as mais de 677 instituições financeiras que aderiram ao modelo, têm simulado situações de estresse e risco, para demonstrar toda a sua capacidade operacional e malhas de proteção.

Em diferentes países, o sistema funciona sem problemas. Na China, o salto do uso do dinheiro físico para a disseminação do QR Code no comércio e nos serviços foi direto, uma vez que os cartões de plástico, para débito e crédito, não tinham escala. A Índia implantou a sua UPI – Unified Payments Interface em 2017 e agora, três anos depois, parcela significativa das transações financeiras no país já ocorrem por meio dela.

Como em outros países, outra discussão que se abre é a de que o Pix poderá reduzir a circulação de papel-moeda. Em se confirmando, o fenômeno representará ganho expressivo nos índices de eficiência não só do setor financeiro, mas de toda a economia.

No mundo ideal, a supervisão do sistema financeiro sem papel-moeda é mais abrangente e eficaz. Os pontos cegos de transações em dinheiro vivo são eliminados. Mas a sua supressão deverá ser paulatina no Brasil e ocorrer naturalmente, pela própria evolução dos meios digitais de pagamento. Pesquisa recente do BC apurou que 96,1% dos brasileiros têm no dinheiro físico o seu meio de pagamento mais utilizado. Isso se explica, em parte, pelo alto número de “desbancarizados” no País, que pode chegar a 50 milhões de pessoas.

Nosso sistema financeiro tem grande espaço para crescer em sua escala de atuação, desde que saiba absorver essas pessoas que ainda não têm domicílio bancário. Ao prometer uma inclusão digital rápida e sem custos a cidadãos de baixa renda, o Pix deve ser um dos caminhos para alavancar esse processo.

É um bom caminho a ser percorrido, em termos de oportunidades de eficiência e competitividade e ganhos de escala nos bancos, fintechs e meios de pagamento – e também da qualidade dos fluxos de recursos de todos os agentes econômicos. Sem dúvida, o Pix cria um ambiente instigante, que poderá nos surpreender positivamente em muitas direções.

O sistema financeiro será mais competitivo, inclusivo, integrado e inovador.

  • PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS