PIB
Roberto Macedo: Prossegue a tragédia do PIB brasileiro
Quanto a políticas públicas em contrário, confesso meu pessimismo
O relatório do IBGE sobre o produto interno bruto (PIB) do quarto trimestre e do ano de 2020, divulgado ontem, é mais um amontoado de más notícias e outro retrato da tragédia por que passa o PIB brasileiro. Este caiu 4,1% em 2020, principalmente como resultado do impacto da covid-19.
Logo que a covid surgiu, houve previsões de queda próximas de 9% A política econômica governamental moveu-se em sentido contrário, como no auxílio emergencial e no crédito, mas uma queda de 4,1%, mesmo supondo que poderia ter sido pior, é por si mesma muito alta. E lamentável. Aliás, o relatório aponta que foi a pior taxa desde que a série dados foi iniciada em... 1996 (!). E mais: o PIB per capita, ou por habitante, caiu ainda mais, 4,8%, pois a população segue aumentando.
Em retrospecto, em 2020 as taxas trimestrais, relativamente ao trimestre imediatamente anterior, foram de -2,1% no primeiro, -9,2% no segundo, 7,7% no terceiro, e 3,2% no quarto. Esse movimento de descida e subida costuma ser chamado de recuperação em V, mas ele veio com sua haste direita sem voltar à mesma altura da haste esquerda. Assim, fazendo essa altura no último trimestre de 2019 igual a 100, em 2020 o PIB caiu para 89 no ponto mais baixo do V e alcançou 98,8% no alto de sua haste direita com as taxas positivas verificadas nos dois últimos trimestres do ano. Também se pode dizer que o PIB passou por uma recessão no primeiro semestre de 2020, que foi interrompida no segundo, mas sem voltar ao valor que tinha no final de 2019. Além disso, por conta desse V a média do PIB em 2020 ficou bem abaixo da média de 2019, o que levou a essa queda de 4,1%.
É importante colocar essa taxa no contexto mais amplo da tragédia do PIB brasileiro. Voltando à década passada, desde 2015 o PIB entrou num buraco do qual não saiu até hoje. No detalhe o relatório mostra isso, mas não há referência ao assunto na notícia do documento. Um dos gráficos do relatório apresenta um índice do PIB trimestral entre o primeiro trimestre de 1996 e o quarto de 2020, e percebe-se que o valor mais alto ficou lá atrás, no primeiro trimestre de... 2014! Ou seja, sete anos depois ainda não voltamos a ele. Em 2015 começa um movimento lembrando um U bem rebaixado e estendido, mas cuja haste direita não retornou ao mesmo nível marcado pela esquerda em sua ponta. Isso define uma depressão, algo mais longo do que as duas recessões ocorridas durante o mesmo movimento, a de 2015-2016 e a da covid-19.
Venho insistindo em apontar essa depressão ainda em curso, mas o noticiário, a classe política e mesmo vários economistas parecem ignorá-la, ou negligenciar a busca do seu enfrentamento. Aliás, influenciados pelo que se passa nos países desenvolvidos, muitos economistas brasileiros focados na economia como um todo concentram sua atenção na chamada macroeconomia, que foca principalmente em movimentos cíclicos ou de curto prazo. Questões de longo prazo são negligenciadas. Além da referida depressão, merece destaque o fato de que desde a década de 1980 a economia brasileira está em estagnação ou cresce abaixo do seu potencial, e muito pouco se fala disso.
Com dados do PIB desde 2014, incluídos os de 2020, estimei que ele precisaria crescer um total perto de 7% a partir de 2021 para voltar ao seu valor de 2014, o que tomaria cerca de três anos aumentando perto de 2,4% ao ano, e com muitas incertezas pelo caminho. Assim, para ao final voltar ao PIB de 2014, tomaria nove anos! Ou seja, quase uma década para voltar a um PIB que o Brasil já havia alcançado antes!
Passo agora a uma visão setorial do último ano. Um gráfico do relatório abrange 12 subsetores da economia, oito mostraram desempenho negativo em 2020, com destaque para o subsetor de outras atividades de serviços e o de transporte, comunicação e correio. O primeiro teve a maior queda, de 12,1%, e o segundo caiu 9,2%, resultados condizentes com o maior impacto da crise da covid-19 nesses subsetores. Entre os que cresceram, destacaram-se o de atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados (4%) e o de atividades imobiliárias exceto construção (2,5%). Este último teve queda de 7,8%, a terceira entre as maiores.
Enfim, esse é um quadro trágico do péssimo estado da economia brasileira. Quanto a políticas públicas em sentido contrário, confesso meu pessimismo com o cenário à frente. 2021 pode até mostrar um crescimento do PIB próximo de 3%, mas principalmente pelo fato de que 2020 teve média muito baixa, bastando a economia não cair mais este ano para mostrar algo até acima dos 2,4% citados. Bolsonaro não se interessa pelo assunto e até mesmo atrapalha com suas propostas, como ao interferir em estatais, gerar incertezas e desencorajar investidores. E a covid-19 voltou até com mais força, e sem um forte retrocesso também agravará a situação da economia. Mas, nesse mau contexto, pessoalmente hoje me sinto melhor, pois vou sair para tomar a vacina com que sonhava.
*Economista (UFMG, USP E HARVARD), professor sênior da USP. É Consultor Econômico e de Ensino Superior
Vinicius Torres Freire: PIB foi até melhor do que se esperava, mas Bolsonaro estraga surpresa
Investimento produtivo caiu pouco; mortes de Covid e os dedos do presidente são ameaça para 2021
O resultado do ano seria um desastre histórico certo e óbvio, “recorde”, por causa da epidemia. Mas a economia andou um pouquinho melhor do que o esperado no final do ano horrível de 2020. Um tanto mais impressionante, o investimento caiu pouco –trata-se aqui da despesa em novas construções, casas, instalações produtivas, máquinas, equipamentos etc.
Caso a economia mantivesse o ritmo de produção do último trimestre de 2020 ao longo de todo este 2021, o crescimento seria algo em torno de 3,7% ao final deste ano. Seria uma estagnação, trimestre ante trimestre. Mas, como o trimestre final de 2020 foi muito melhor do que o restante do ano desastroso, na média 2021 seria melhor.
Vai manter o ritmo?
Difícil saber, mas o ano começou fraco: a economia sentiu o fim do auxílio emergencial, mais do que o previsto pelos economistas. A nova onda de morticínio da epidemia já fez estragos no primeiro trimestre e terá efeitos também pelo menos ainda em abril –o setor mais danado da economia em 2020 foi o de serviços, que não vai se recuperar enquanto o vírus estiver livre para matar, com ou sem restrições de movimento. A vacinação é tardia. Se houvesse governo, pois, seria possível crescer mais do que 3,7% e quase recuperar pelo menos o que se perdeu em 2020.
O resultado mais notável do PIB do ano passado, vamos repetir, foi a queda até pequena do investimento (0,8%). No pior momento da recessão de 2016, por exemplo, o investimento chegou a cair 16,3% no primeiro trimestre daquele ano (na taxa acumulada em quatro trimestres). Por falar no terror de 2016, o crescimento da economia acumulado em quatro trimestres foi tão ruim ou pior do que o do 2021 em três trimestres (chegando a diminuir 4,5%).
Os auxílios emergenciais, o aumento da oferta de crédito, nos bancos e em parte facilitado pelo Banco Central, e a “reabertura” da economia a partir de outubro evitaram desastre ainda maior. Outra contribuição importante veio do comércio exterior (valor das exportações menos importações), que contribuiu positivamente com 1,2 ponto percentual para o PIB. As exportações não tinham tamanha peso no PIB pelo menos desde ao ano 2000.
Quais os problemas para 2021? Aqueles sabidos por qualquer pessoa adulta e sensata: o governo de Jair Bolsonaro deixa passar a boiada assassina do vírus e a vacinação ainda é lerda. De efeito menos visível para o observador comum, há a gestão entre incompetente e estúpida da economia. Se deixarem estourar as contas do governo e Bolsonaro continuar a “meter o dedo”, fazer intervenções demagógicas e contraproducentes, dólar e taxas de juros subirão ainda mais.
O choque de preços de commodities (grãos, petróleo) e de alimentos em geral, multiplicado ainda pela alta do dólar, chutou a inflação para cima. O IPCA acumulado em 12 meses deve chegar perto de 7% em meados do ano. Pode ser um choque temporário. Logo, o Banco Central não precisaria reagir de modo muito agressivo, elevando os juros rapidamente, embora no atacado de dinheiro do mercado as taxas tenham explodido.
Mas o choque de preços pode não ser temporário. A intervenções estúpidas do governo e a má gestão geral da política econômica podem fazer com que o dólar permaneça nas alturas (ainda mais se continuar a tendência de fortalecimento da economia americana e de altas de juros por lá). Os juros subiriam. A inflação comeria ainda mais poder de compra.
O medo da epidemia e de que o governo cometa mais tolices causa insegurança e desconfiança de consumidores e empresas. Seria mais um freio no PIB. O nome do risco é Bolsonaro.
Renda média do brasileiro regride a 2009
A renda do brasileiro regrediu ao nível de 2009. Quer dizer, o PIB (Produto Interno Bruto) per capita de 2020 foi similar ao daquele ano da década passada. PIB per capita: o valor da produção ou da renda dividido pela população. Na verdade, a situação socioeconômica é pior: há mais desemprego e pobreza.
No ano passado, o PIB per capita diminuiu 4,8%. Baixas piores do que essa haviam ocorrido apenas em 1983 (recessão final da ditadura militar) e 1990 (recessão do Plano Collor).
Vai demorar para que a renda média volte pelo menos ao nível registrado no ano de 2014 (anterior ao do início da grande recessão, último ano do primeiro mandato de Dilma Rousseff).
Se o Brasil crescer 3,5% neste 2021 e 2,5% nos anos seguintes, o PIB (renda) per capita volta ao valor de 2014 apenas em 2026. Mais do que uma década perdida em termos de PIB, sem contar os desastres sociais e a degradação da capacidade produtiva (crescimento mínimo da infraestrutura, desqualificação dos trabalhadores, atraso tecnológico etc.)
Por que apenas 2,5% de crescimento ao ano, no futuro visível? Seria mais ou menos a capacidade atual de a economia brasileira crescer. Para ser mais, teria de haver aumentos de eficiência e/ou capacidade de investimento. É um chute informado, digamos. Pode ser que a capacidade básica ou média de crescimento tenha diminuído nestes anos.
William Waack: Cada um por si
A pandemia acelerou a já existente perda de autoridade do governo
Já é lugar comum afirmar que o maior efeito da pandemia ao redor do mundo foi o de acelerar ou agravar problemas já existentes. No caso do Brasil, ela escancarou a falta de governo, além da desigualdade, miséria e ignorância, mazelas bem antigas. No Brasil, a pandemia não “inventou” a má gestão pública nem o desperdício de recursos. Ela ensinou que não há governo efetivo sem capacidade de liderança política – outro problema do qual padecemos há tempos.
A extraordinária incapacidade de Jair Bolsonaro para liderar e coordenar criou com a pandemia um fenômeno novo na política brasileira. É o cada um por si dos entes da Federação, e a instituição da dupla de primeiros ministros nas figuras dos presidentes das casas legislativas. Em linguagem militar, talvez ainda familiar a alguns ocupantes do Planalto, o Estado Maior da crise não está como deveria estar na Casa Civil e no Ministério da Saúde (instâncias do Executivo sob o comando nominal de generais) mas, na prática, foi para o Congresso.
É nas casas legislativas que se decide agora o essencial para se tentar minorar os devastadores efeitos da maior tragédia da nossa história recente. É para lá que correm prefeitos e governadores na linha de frente do combate ao vírus. É lá que se negocia a aprovação de um mínimo de ajuda que impeça pessoas de morrer de fome. É lá que existe pressa e urgência para flexibilizar e acelerar a aquisição de imunizantes por quem quer que seja, incluindo empresas privadas. O arcabouço jurídico foi criado pelo STF, que transformou um de seus integrantes em virtual ministro da Saúde.
Um resultado evidente dessa situação cujo alcance Bolsonaro não parece ter percebido ainda é a profunda desmoralização política associada a um governo visto como incompetente. Presidentes anteriores já foram desmoralizados por eventos abrangentes em parte piorados por eles mesmos, como ocorreu com Sarney/Collor (hiperinflação) e Dilma (recessão). No caso de Bolsonaro, além do estelionato econômico eleitoral do qual Paulo Guedes está se tornando cúmplice, é a pandemia que acelera perigosa desmoralização.
A confluência de crise econômica, tragédia de saúde pública e incapacidade de liderança política (com seus graves riscos de populismo fiscal) compõe a “tempestade perfeita” mencionada por agências de classificação de risco ao publicarem no começo da semana cenários a curto prazo para o Brasil. O agravamento da crise de saúde pública faria as demandas sociais crescerem em ritmo mais rápido do que o “tempo político” necessário para a aprovação de medidas de contrapartida à continuidade da ajuda emergencial, trazendo ainda mais insegurança aos agentes na economia.
Bolsonaro está no modo de sempre, dedicado a buscar culpados e livrar-se de responsabilidades. A aparente tranquilidade com que enfrenta um quadro que se agrava nitidamente vem de dois fatores proporcionados por sua estreita visão da realidade. O primeiro é a percepção de garantia política dada pela dupla de primeiros ministros – que, na verdade, mal controlam as próprias casas, como ficou demonstrado no episódio da PEC da imunidade ou impunidade dos parlamentares.
O segundo é o aparente conforto trazido pelo aparelhamento das instâncias superiores do Judiciário – nomeações “casadas” para o STJ e STF, em estreito entendimento com os movimentos políticos evangélicos. Percalços jurídicos policiais de curto prazo em relação à família do presidente estão afastados, ao mesmo tempo em que não existe nada remotamente parecido à presença de uma Lava Jato para criar dificuldades políticas agudas para o atual governo (como aconteceu com Dilma).
Desmoralização é um fenômeno político forte e de difícil reversão, que costuma nascer e se propagar primeiro nos vários componentes de elites (administração pública, setores empresariais e financeiros, profissionais liberais, elites culturais em sentido amplo). A perda de autoridade de Bolsonaro já se fazia sentir antes da pandemia, fato demonstrado pela maneira como o Legislativo e o STF encurtaram seu poder. A pandemia, como se diz, acelerou o que já existia.
Merval Pereira: O futuro não chega
A aposta parecia factível em 2003. Se o Brasil crescesse em média 3,6% ao ano, chegaria em 2050 a ser a quinta economia do mundo, ultrapassando a Itália em 2025, a França em 2031, Inglaterra e Alemanha em 2036. Ela constava de estudo da Goldman Sachs que lançou ao mundo a sigla Brics, países que eram vistos como o futuro da economia mundial: Brasil, Índia, Rússia e China.
Mas a projeção não levou em conta peculiaridades brasileiras, como o maior escândalo de corrupção já desvendado no país, quiçá no mundo, uma crise econômica provocada por uma presidente que acabou impedida pelo Congresso de continuar governando, a chegada ao governo de um capitão tresloucado, uma pandemia que mata mais de 1.800 pessoas por dia. Resultado: a economia brasileira teve um crescimento na última década de pífio 0,3% ao ano, com o resultado de 4,1% negativos anunciado ontem pelo IBGE.
Após crescer 4,7%, em média, durante o período de 2004 a 2007 e de se expandir em 5,2% em 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, em 2009, caiu 0,3%. De 1990 a 2003, o crescimento médio foi de 1,8%; de 80 a 2003, 2%. Essa média cresceu um pouco com o resultado dos 8 anos do governo Lula, que teve um crescimento médio de 4% ao ano, mas voltou ao nível de 2% no governo Dilma.
O país já teve também períodos de crescimento sustentado de níveis asiáticos: de 1950 a 1980, média de 7,15%; de 1960 a 1969, média de 6,12%; de 1970 a 1979, de 8,78%. O problema é que já tivemos crescimento médio de 5,3% durante 50 anos, mas ele caiu nos últimos 40 anos, crescendo menos que o PIB mundial. Entre 1981 e 1990, o PIB brasileiro cresceu a mísero 1,55% ao ano. Daí até 2000, o crescimento médio foi de 2,65% ao ano, até 2010 chegou a 3,7%, retomando a performance prevista pela Goldman Sachs.
De um país que era visto como o futuro da economia mundial, junto com Rússia, Índia e China (Brics), o Brasil perdeu quase metade de sua participação no PIB do mundo nos últimos anos. Em 1980, representava 4,3% e, nesta década, passará a menos de 2,5%. O estudo da Goldman Sachs, coordenado pelo economista Jim O’Neill, lançado em 2003, mas com a medição a partir de 2000, mostra que o Brasil manteve-se no trilho da projeção até 2014, quando a crise do segundo governo Dilma jogou o número para baixo.
O economista Robinson Moraes, coordenador de pesquisa econômica do jornal “Valor”, fez uma projeção para o crescimento do Brasil nas duas últimas décadas, comparando com o previsto pelo estudo americano: deveríamos ter crescido 101,7% nos últimos 20 anos e crescemos apenas 43,6%. O Brasil, que no começo da década era a sétima economia do mundo, passou a cair de posição a partir de 2014, chegou a oitava economia em 2017, a nona até 2019 e hoje encontra-se na 12ª posição entre as maiores economias, ultrapassado por Canadá, Coreia do Sul e Rússia.
O ministro Paulo Guedes, numa espécie de recado metafórico, disse que, se o país tomar o rumo errado, dentro em pouco seremos uma Argentina, ou talvez até Venezuela. Isso na semana em que se debatia a intervenção do presidente Bolsonaro na Petrobras, para controlar o reajuste de preços da gasolina (“o cidadão tem que encher o tanque do carro”, disse o futuro presidente da Petrobras, general Joaquim Luna e Silva) e do diesel, por causa dos caminhoneiros.
A desmoralização que vem sofrendo com as seguidas intervenções do presidente na área econômica — também o Banco do Brasil vai trocar seu presidente, que pediu para sair depois que Bolsonaro estranhou o fechamento de agências — parece ter colocado Guedes em posição de aguardo. Está tentando a última cartada, apostando no compromisso do presidente da Câmara, Arthur Lira, de levar adiante as reformas.
Mas, se ficar aguardando essa boa vontade dos parlamentares e o engajamento de Bolsonaro, pode ficar sem tempo de reagir. A partir do segundo semestre, não haverá mais espaço para discussão de reformas, ainda mais as impopulares, como a administrativa, e as difíceis, como a tributária. Guedes também alertou que, se quisermos ser igual à França ou à Alemanha, teremos que fazer um esforço para o outro lado, durante bons 20 a 30 anos. Em 2050, onde estaremos?
Com pandemia, PIB despenca 4,1% em 2020, maior queda desde o confisco de Collor
Resultado vem em linha com a expectativa de mercado e faz país encerrar dezembro com a pior década em 120 anos. No último trimestre, economia avança 3,2%
Carolina Nalin e João Sorima Neto, O Globo
RIO — A pandemia derrubou o Produto Interno Brasileiro (PIB) em 2020, levando o país a enfrentar a mais profunda recessão em décadas. A economia encolheu 4,1%, segundo dados divulgados nesta quarta-feira pelo IBGE, a maior queda desde 1990, quando houve o confisco do presidente Fernando Collor de Mello.
Naquele ano, o PIB brasileiro desabou 4,35%. O desempenho do ano passado veio em linha com as expectativas de mercado, que projetava queda de 4,20%.
O resultado de 2020 também leva o país a um desastre econômico mais grave que o vivenciado na década de 1980, a chamada década perdida, quando estagnação e hiperinflação faziam parte do cotidiano dos brasileiros.
Segundo estimativas do Ibre-FGV, a economia cresceu 0,3% ao ano na década encerrada em 2020, desempenho pior que o registrado nos anos 1980, quando avançou 1,6% anualmente. Com isso, a última década terá sido a pior em 120 anos.
A série histórica do IBGE, pela atual metodologia do instituto, teve início em 1996. Mas estatísticas do Ipea e da FGV trazem dados para o PIB desde 1901.
Com tamanho tombo da economia e elevado desemprego, a renda per capita foi a menor da História em 2020. Ficou em R$ 35.172, baixa de 4,8% em relação a 2019.
Serviços e indústria puxam queda
Segundo o IBGE, o setor de serviços encolheu 4,5% e a indústria, 3,5% no ano passado. Somados, esses dois setores representam 95% da economia nacional. Por outro lado, a agropecuária cresceu 2%, puxada pelas safras recordes se soja e café.
O fechamento de hotéis, academias e restaurantes foi o segmento dentro da área de serviços que teve o pior desempenho, pois foram muito afetados pelas medidas de distanciamento social.
“O resultado (do PIB em 2020) é efeito da pandemia, quando diversas atividades econômicas foram parcial ou totalmente paralisadas para controle da disseminação do vírus”, analisa a coordenadora de Contas Nacionais, Rebeca Palis.
Ela continua:
"Mesmo quando começou a flexibilização do distanciamento social, muitas pessoas permaneceram receosas de consumir, principalmente os serviços que podem provocar aglomeração".
Construção civil despenca
Na indústria, o segmento de construção civil foi o mais fortemente afetado. Apesar do recorde de financiamento com recursos da poupança para compra da casa própria no ano passado, a construção civil desabou 7% em 2020.
A indústria da transformação recuou 4,3%, principalmente devido à queda na produção de veículos. Já a chamada indústria extrativa avançou 1,3%, com alta na produção de petróleo e gás, que compensou a queda da extração de minério de ferro.
Pelo lado da demanda, todos os componentes recuaram em 2020, na comparação com o ano anterior. O consumo das famílias caiu 5,5%, o pior resultado da série histórica do IBGE, iniciada em 1996.
Consumo das famílias tem queda histórica
Isso pode ser explicado, segundo a coordenadora de Contas Nacionais, principalmente pela piora no mercado de trabalho e a necessidade de distanciamento social.
A queda no consumo do governo também foi histórica (-4,7%),com o fechamento de escolas, universidades, museus e parques ao longo do ano.
Já os investimentos (Formação Bruta de Capital Fixo) caíram 0,8%, encerrando uma sequência de dois anos positivos.
Perda de fôlego no 4º trimestre
Ao longo do ano, o PIB despencou no segundo trimestre, quando as restrições à circulação foram mais rígidas. Os três meses seguintes apontaram para uma recuperação, ainda que lenta.
No quarto trimestre, porém, a economia voltou a perder fôlego. O PIB cresceu 3,2% entre outubro e dezembro. A mediana das expectativas do mercado era de alta de 2,8%.
O país até teve certo dinamismo no último trimestre, fruto do arrefecimento da Covid-19 a partir de setembro, o que permitiu o afrouxamento das medidas de distanciamento social.
No entanto, o recrudescimento da doença nos meses seguintes e a redução do valor do auxílio emergencial fizeram a atividade econômica perder força e o ritmo de recuperação desacelerar.
Projeção de queda no 1º trimestre
O ritmo lento de vacinação por conta da falta de vacinas, o fim do auxílio emergencial a partir de janeiro e sem a definição de um novo programa, além da preocupação com o endividamento público têm levado analistas a estimarem uma queda no PIB no primeiro trimestre de 2021.
A Tendências projeta um pequeno crescimento do PIB no primeiro trimestre, seguido de uma leve queda no segundo. Mas a consultoria não descarta a possibilidade de um cenário com duas quedas consecutivas do PIB no ano, levando o país de volta à chamada recessão técnica:
— Viemos de dois trimestres positivos. Então, a base de comparação é mais elevada, e a ressaca do fim dos auxílios e a piora da pandemia sugerem um contexto de acomodação da atividade, o que pode acabar resultando em dois trimestres de pequena perda do PIB. É um risco bastante presente que está no radar — aponta Silvio Campos Neto, economista da consultoria.
O Estado de S. Paulo: Atraso em vacinação deve custar R$ 150 bi ao PIB do País em 2021
Segundo cálculo da consultoria LCA, caso 70% dos brasileiros fossem vacinados até agosto contra a Covid-19, a economia poderia crescer 5,5%; mas, com esse patamar de imunização previsto só para dezembro, avanço deve ser reduzido em 2 pontos porcentuais
Luciana Dyniewicz, O Estado de S.Paulo
A lentidão e a desorganização no programa nacional de vacinação contra a covid-19 vão retirar pelo menos dois pontos porcentuais do Produto Interno Bruto (PIB) do País em 2021. Segundo cálculos do economista Bráulio Borges, da consultoria LCA, caso 70% da população recebesse a vacina até agosto, a economia brasileira cresceria 5,5% neste ano. Se a vacinação atingir esse patamar apenas em dezembro – hipótese que hoje já é considerada otimista –, o crescimento do PIB deve ficar entre 3% e 3,5%. Nesse cenário, o País deixará de movimentar R$ 150 bilhões.
Borges também traçou uma hipótese otimista: estimando o impacto de uma vacinação mais ágil na economia, em um ritmo semelhante ao de Israel – país mais avançado na imunização contra o novo coronavírus. Nesse cenário, 70% seriam vacinados até junho, permitindo que as medidas de distanciamento social fossem relaxadas e garantindo o retorno de atividades em que há aglomeração. O PIB poderia, nesse caso, avançar 7,5%, um incremento de R$ 260 bilhões.
O crescimento de 3% a 3,5% esperado para a economia no pior dos cenários (com a maior parte da população vacinada até o fim do ano) pode parecer positivo, dado que a última vez que o País avançou 3% foi em 2013. Na prática, porém, significará que a economia passou o ano todo estagnada. Isso decorre do que os economistas chamam de “carrego estatístico” – quando a base de comparação é baixa (o resultado médio do PIB em 2020), mas o ponto de partida é elevado por conta da recuperação ao longo do último semestre do ano.
A alta de 3,5% também significará que o País terá, no fim de 2021, um PIB 1% abaixo do registrado em 2019. A economia per capita terá um resultado ainda mais negativo: 2,5% inferior ao de 2019. “Esses cálculos são um exercício simplificado que mostra como podemos ter um crescimento econômico se andarmos mais rápido com a vacinação, o que hoje parece uma realidade bem distante”, afirma Borges.
Por enquanto, a LCA projeta que o PIB ficará nos 3,5% neste ano. Mas Borges reconhece que talvez a realidade “seja ainda pior que esse cenário ruim”.
A Tendências Consultoria é mais pessimista e estima um PIB de 2,9%. “Nossa projeção é cautelosa porque já tínhamos uma preocupação com o quadro pandêmico e não tínhamos a perspectiva de que haveria um movimento de vacinação afetando parte relevante da população no primeiro semestre. Outra preocupação é com a situação fiscal”, diz a economista-chefe da consultoria, Alessandra Ribeiro.
Classificação de risco do Brasil
O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, afirma que há inclusive um risco de o Brasil ter sua classificação de risco novamente rebaixada por causa do atraso na imunização. “Há um risco indireto porque, à medida que não temos uma vacinação em massa, a confiança dos agentes econômicos cai. As pessoas também ficam mais em casa e isso afeta um componente que é analisado para determinar o risco, que é o PIB.”
A economista Zeina Latif alerta que a perda de doses de vacinas, como tem sido verificado em algumas cidades por problemas técnicos, e a eficácia de 50% da Coronavac, que está sendo produzida no Instituto Butantan, fazem com que seja mais difícil atingir a imunidade de rebanho. “Esse fator de incerteza vai pesar em 2021. Ainda vamos passar um bom tempo com limitações para a atividade econômica. E o setor de serviços é o mais impactado pela pandemia, além de ser o que tem maior peso no PIB. Acho difícil a gente não ter decepções com a economia.”
Segundo estimativa do Ministério da Saúde, a vacinação deve levar “até 12 meses após a fase inicial”. Isso, no entanto, dependerá “do quantitativo de vacinas disponibilizadas para uso”. A epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o Programa Nacional de Imunizações por oito anos, lembra, porém, que já houve atrasos no recebimento das primeiras doses de imunizante e que não é possível ter certeza de que o prazo será cumprido. “Mesmo quem comprou as vacinas antecipadamente está com problema (para recebê-las). Imagina quem não comprou. Esse vai para o fim da fila, porque a demanda mundial é muito grande.”
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Adriana Fernandes: Consultoria da Câmara propõe flexibilizar regra do teto de gastos públicos
Proposta passaria a considerar apenas o rombo da Previdência no cálculo do limite do teto, em vez de todo o gasto com pagamento de benefícios; com isso, nível de despesas obrigatórias seria mantido
BRASÍLIA - A Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara publicou nota técnica com uma proposta de mudança no teto de gastos da União, a regra que limita o crescimento da despesa à inflação e que está no centro do debate econômico no Brasil depois da pandemia da covid-19.
A proposta passa a considerar apenas o rombo da Previdência no cálculo do limite do teto em vez de toda a despesa com o pagamento de benefícios, similar ao modelo fiscal alemão, que considera nos limites orçamentários apenas recursos retirados da sociedade para sua cobertura.
As projeções apresentadas pelos três autores da proposta apontam um novo espaço para as demais despesas do governo, que hoje estão cada vez mais comprimidas, especialmente pelo avanço dos gastos obrigatórios de Previdência e folha de pessoal. O espaço fiscal dessas despesas seria, em 2022, superior a R$ 40 bilhões em relação à regra atual, passando de R$ 407,5 bilhões (4,60% do Produto Interno Bruto em vez de R$ 447 bilhões (5,05% do PIB).
Por trás da proposta, está a avaliação de que o teto é uma regra fiscal fundamental para as contas públicas, mas precisa de ajustes para se tornar viável nos próximos anos. “Não está correto que uma despesa, que sabidamente cresce mais do que a inflação, seja colocada dentro do teto definitivamente”, diz Ricardo Volpe um dos autores da proposta ao lado dos consultores legislativos Túlio Cambraia e Eugênio Greggianin.
Ajuste
Segundo Volpe, não se trata de uma margem para gastar mais, mas uma saída para manter o nível de despesas não obrigatórias atual (como investimentos), que já é muito baixo e a cada ano fica menor. O consultor explica que é um mecanismo de ajuste para impedir que a compressão das despesas não obrigatórias chegue a um nível insustentável para o funcionamento da máquina administrativa (como manutenção de rodovias, bolsas de estudo e confecção de passaporte). Para ele, a proposta é simples, pontual e com boa comunicação tem todas as condições de ser recebida positivamente pelos agentes de mercado.
Os números apontam que, mantida a regra atual, as demais despesas chegariam em 2026 em 2,80% do PIB, patamar irreal para o funcionamento da máquina pública. Em 2016, quando a emenda do teto foi aprovada essas despesas estavam em 7,03% do PIB.
A expectativa é que a nota possa ser discutida ao longo de 2021. A proposta já vinha sendo estudada antes mesmo da pandemia. Muitos parlamentares têm defendido a mudança no teto, mas a equipe econômica vem se posicionando enfática em manter a regra sem mudanças.
Os autores destacam que, apesar da importância do teto, não significa que ele não tenha deficiências na forma que foi implementado no Brasil e que não possa ser aperfeiçoado com as devidas cautelas, o que aumentará sua credibilidade.
Para os consultores, a reforma da Previdência, aprovada no fim de 2019 com o propósito principal de reduzir o déficit previdenciário, pode apresentar ganhos que devem ser aproveitados pelo poder público. A possibilidade de elevar as despesas em virtude da redução do ritmo de crescimento do déficit dos regimes de Previdência permitirá ao governo maior liberdade de atuação para alavancar a economia.
Na época da tramitação da emenda do teto, em 2016, já se sabia que a regra se tornaria de difícil cumprimento. O atraso na aprovação da reforma da Previdência, que se esperava para aquele ano, só piorou o problema. Uma proposta chegou a ser discutida de garantir após os primeiros anos de vigência da regra uma correção do limite do teto com metade do crescimento do PIB. Ou seja, se o PIB crescesse 1%, o teto seria corrigido em 0,5%. Mas o então ministro da Fazenda Henrique Meirelles não aceitou com o temor de que o instrumento de correção se transformasse na regra geral durante a votação.
Volpe destaca que as despesas com o pagamento dos benefícios da Previdência, o maior gasto do governo, já passaram pela reforma. Para ele, o governo, com o modelo proposto, poderá atuar melhor na eficiência da arrecadação previdenciária para diminuir o déficit. O consultor avalia que as despesas com a Previdência vão sempre ter crescimento real porque a população vai envelhecer e mais gente se aposentará.
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Míriam Leitão: A saúde da economia
No ano de 2021 o Brasil pode crescer sem crescer, e a principal variável da economia não será econômica. Mesmo se a economia ficar estagnada, haverá um número positivo na comparação da média contra a média do ano passado, em que houve uma queda forte no segundo trimestre. O que definirá a chance de alta real do PIB — e não apenas uma ilusão estatística — será a vacinação em massa dos brasileiros. O erros do governo na preparação para a vacina são falhas também econômicas.
O falso dilema que Bolsonaro alimentou no ano passado é um bumerangue que se volta contra seu próprio governo. Ele defendeu a tese de que era preciso manter a economia funcionando normalmente para garantir emprego e atividade. Não trabalhou para garantir a volta sustentada da economia. Este ano o choque entre a sua ideia e a realidade estará mais evidente, porque o atraso na vacina é o maior obstáculo para a recuperação econômica.
O país está vergonhosamente atrasado na vacinação. O fiasco do leilão de seringas feito pelo Ministerio da Saude foi sinal da sua incapacidade de gestão. As providências elementares para um programa de imunização não foram tomadas. Estados e prefeituras já se adiantam e compram seringas, agulhas e vacinas, enquanto o governo federal roda em falso.
O ano está começando com uma série de complicadores. A inflação está alta, o desemprego vai subir nos primeiros meses de 2021, as contas públicas estão num beco sem saída. O nó mais recente foi dado pelo aumento do salário mínimo. Houve um descasamento infeliz. O teto de gastos sobe pelo índice em 12 meses até junho, os benefícios previdenciários são corrigidos conforme a inflação do ano. Ocorre que a inflação acelerou no segundo trimestre. E isso pode custar, segundo o economista Fábio Giambiagi, R$ 15 bilhões a mais. Não por causa do salário mínimo, mas porque todos os outros benefícios, inclusive os mais altos, serão reajustados pelo INPC.
Esse é só um exemplo de nó nas contas públicas que 2021 herda de 2020. A sanção da LDO veio no último momento possível. A incerteza fiscal e as confusões do próprio governo explicam parte da alta do dólar. O real foi uma das moedas que mais perdeu valor.
O ano começa com o país prisioneiro de impasses criados pelo próprio governo. Mesmo quando todos os sinais eram os de início de uma segunda onda, a área econômica preferiu apostar em alguns indicadores setoriais de melhora de consumo, ou na queda do distanciamento social para montar o cenário de que a economia estava voltando ao normal. Não há normalidade à vista, e agora o país está sem instrumentos para enfrentar a nova etapa da mesma crise.
O que se diz no Ministério da Economia é que existe um plano, ele será implantado em fases, as primeiras sem custo fiscal. A estratégia será a de melhorar o conjunto de medidas já tomadas, corrigindo os excessos. E houve muito gasto excessivo no ano passado, como, por exemplo, no auxílio emergencial sem foco e distribuído sem controle.
O começo do ano será marcado pelo agravamento da crise sanitária, pelo impasse da vacinação, e pela incerteza fiscal. Para as famílias, haverá mais inflação. Sobem alguns itens importantes como energia, planos de saúde, remédios, ônibus. A taxa de desemprego cresce sempre no começo do ano e pode chegar a 17%.
A vacinação é a variável que poderá virar esse jogo no segundo semestre. E isso é tão sério que não deveria estar entregue às vacilações do Ministério da Saúde. Enquanto o Ministério da Economia não entender que a economia não será definida por pequenos pequenos detalhes dos indicadores econômicos, mas sim pelo grande cenário da saúde, o país ficará onde está.
O ano está só começando, e o PIB pode ter realmente uma recuperação, mas, para ir além de uma alta meramente estatística, o governo tem que ter um programa crível para lidar com a crise fiscal e ao mesmo tempo saber que estímulos dar à economia. Mesmo antes da pandemia, a agenda econômica da atual equipe tinha sido sabotada pelo presidente da República. A pandemia elevou todos os riscos. Em 2021, a única possibilidade de sucesso depende de que o governo, como um todo, entenda que não há escolha possível entre economia e saúde. A saúde é hoje a maior questão econômica.
O Estado de S. Paulo: Dívida pública que vence em 2021 já chega a R$ 1,31 trilhão
Valor equivale a 28,8% do total de débitos; só no primeiro quadrimestre, conta será de R$ 669 bilhões, segundo dados do Tesouro Nacional
Idiana Tomazelli, O Estado de S. Paulo
O Tesouro Nacional começa 2021 com uma fatura trilionária a ser paga aos investidores. A dívida que vence este ano já somava R$ 1,31 trilhão no fim de novembro, valor que deve crescer com a incorporação de mais juros. O desafio chega num ano decisivo para ditar os rumos das reformas consideradas essenciais para o equilíbrio fiscal do País – e, consequentemente, para a capacidade de pagar toda essa dívida no futuro.
Nos últimos meses, o governo precisou se endividar mais para bancar o aumento das despesas para combater a covid-19. A combinação da maior necessidade de financiamento com a aversão ao risco dos investidores, turbinada pela desconfiança em relação à continuidade do processo de ajuste fiscal no Brasil, levou o Tesouro a concentrar boa parte das emissões em títulos de prazo mais curto.
A previsão do órgão é que, no fechamento de 2020, a dívida vencendo em 12 meses seja equivalente a 17,4% do Produto Interno Bruto (PIB), o maior patamar desde 2005. Para os próximos três anos, as simulações mostram uma proporção ainda maior, de 20,1% do PIB. Em regra, a concentração de vencimentos no curto prazo representa maior risco de financiamento, uma vez que o País precisa trocar os títulos vencidos por novos mais frequentemente, ficando sujeito às condições do mercado.
O coordenador-geral de Planejamento Estratégico da Dívida, Luiz Fernando Alves, diz que é natural que o aumento da concentração de vencimentos da dívida no curto prazo não se desfaça instantaneamente. Segundo ele, o Tesouro seguirá perseguindo uma dívida mais longa, mas o avanço nessa direção será um processo gradual que dependerá, inclusive, da velocidade na aprovação das reformas.
Por isso, a agenda de reformas fiscais é tida como essencial. Sem isso, haverá maior dificuldade em retomar a melhora na composição da dívida pública, deixando o País dependente da rolagem da dívida no curto prazo por mais tempo. A redução do endividamento, por sua vez, depende de o Brasil voltar a arrecadar mais do que gasta – o que só está previsto para ocorrer em 2027.
“A mensagem principal é que nos próximos dois, três anos é muito provável que a gente ainda siga com uma proporção de vencimentos da dívida em patamares mais altos do que as médias dos últimos anos”, afirma Alves. “Com uma dívida mais alta, a mudança no volume de vencimentos em cada ano tende a ser mais alta de maneira estrutural”, acrescenta ele.
Tesouro reforça emissões
O volume de vencimentos em 2021 equivale a 28,8% do estoque de toda a dívida pública interna e já representa quase o dobro da média de resgates nos últimos três anos. Só no primeiro quadrimestre serão R$ 669 bilhões. Depois disso, há um grande volume em setembro, com R$ 229,1 bilhões.
Uma parte dessa dívida foi contratada ainda em 2015, quando a situação das contas exigiu maiores emissões, feitas sobretudo com títulos que vencem agora em 2021. Mas a pandemia também vai cobrar sua fatura.
Para fazer frente a essas necessidades, o Tesouro reforçou as emissões no fim de 2020. Em outubro, chegou a captar R$ 173,3 bilhões, o triplo da média de um mês regular. “Vemos um novo nível do tamanho dos leilões da dívida pública, e acho que essa é uma característica que veio para ficar por algum tempo”, afirma o coordenador.
Segundo Alves, o próprio tamanho da dívida acaba gerando expectativa de que o Brasil demandará empréstimos robustos, ainda mais considerando que o País segue gastando mais do que arrecada – ou seja, registra rombos sucessivos nas contas.
O coordenador de operações da Dívida Pública, Roberto Lobarinhas, observa que, embora o maior volume de emissões tenha vindo para ficar por algum tempo e se demore para sair dessa dinâmica, os últimos leilões têm apontado melhores condições para emitir títulos de prazo maior. “Apesar de não mudar a direção do transatlântico, é um sinal muito positivo já para 2021”, afirma.
O Tesouro também tem usado as emissões maiores no fim do ano passado para reforçar o chamado colchão da dívida, uma reserva mantida pelo órgão para honrar os vencimentos em caso de excessiva volatilidade. “Já temos o suficiente para pagar os primeiros quatro meses de vencimento da dívida e mais um pouco”, diz Alves.
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Celso Ming: Os fatores que evitaram o maior desastre em 2020
São quatro as razões que evitaram a queda de dois dígitos do PIB brasileiro
E o pior não aconteceu. No segundo trimestre, em plena pandemia, as projeções para o desempenho da economia do Brasil foram terríveis. Algumas chegavam a indicar um mergulho do Produto Interno Bruto (PIB) de quase 10% para todo o ano.
As novas previsões falam de uma queda de 4,4% (veja o gráfico). Essa é a última projeção do Banco Central, que coincide com a do mercado, como consta no Boletim Focus desta semana.
São quatro as explicações para esse tombo menos acentuado.
A primeira delas é a de que o Tesouro despejou R$ 322 bilhões em auxílios emergenciais para a população (66 milhões de pessoas), recursos que permitiram uma sustentação da demanda de bens essenciais – especialmente alimentos, medicamentos e moradia – durante o isolamento social necessário para combater a covid-19. Foi uma demanda que permitiu que a atividade econômica não entrasse em colapso. O efeito colateral foi o avanço inesperado da inflação, que, no entanto, tende a ser limitado.
O segundo grande fator de sustentação da economia foi o excelente desempenho do agronegócio. Como mostram as últimas projeções do IBGE e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção física de grãos na safra de 2020/21 deverá ter um aumento de 3,5%, para alguma coisa em torno dos 266 milhões de toneladas. Os preços também ajudaram, seja pelo aumento da demanda interna de alimentos, como mencionado acima, seja pela forte importação da China.
A alta do dólar em reais também trabalhou na mesma direção. O impacto desses resultados no PIB ainda é relativamente baixo porque a agropecuária pesa apenas 5,6% na renda nacional.
O maior estrago aconteceu no setor de serviços (mais de 70% do PIB), especialmente nas viagens, no turismo, nos grandes eventos, no ensino, na saúde, no ramo dos bares e restaurantes e em grande parte no comércio varejista. Salvaram-se as vendas pela internet e os escritórios, graças aos serviços prestados em casa, o home office.
As avarias macroeconômicas foram enormes: investimentos adiados, obras paralisadas, um desemprego de 14,3% da força de trabalho e de outros 5,5% no desalento (desistiram de procurar emprego) e, mais que tudo, o alastramento do rombo fiscal e o avanço da dívida pública. Até agora, o governo não mostrou como vai enfrentar as exigências da lei do teto dos gastos nem como vai reequilibrar as contas públicas em 2021. Nem mesmo o Orçamento de 2021 foi aprovado.
As apostas se concentram agora na recuperação da atividade econômica, que já começou a mostrar as caras no último trimestre deste ano. O maior trunfo está na aplicação da vacina.
Cinco instituições internacionais já mostraram que superaram a terceira e decisiva fase de testes. O Instituto Butantã espera começar a vacinar ainda em janeiro e a Fiocruz tem planos para iniciar a aplicação das doses no fim de fevereiro. É provável que, já no primeiro semestre de 2021, boa parcela da população tenha sido atendida. Mas não será preciso esperar até que a maior parte da população tenha sido imunizada contra o novo coronavírus para contar com avanços na economia.
E há, também, sinais de excelente recuperação da economia mundial, especialmente da China e da Europa, também fortemente influenciados pela distribuição das vacinas. São fatores que indicam bons resultados na balança comercial do Brasil, especialmente ancorados pelo novo recorde de produção de commodities agrícolas.
A perspectiva de que a vacina esteja próxima e o afastamento da ameaça de novas ondas da pandemia, no Brasil e no resto do mundo, podem mudar corações e mentes. E esse novo ânimo tende a ser a melhor energia para revitalizar a atividade econômica.
Guido Mantega: Mais uma década perdida
Crescimento de desigualdade e concentração de riqueza alimentou conflitos e geraram onda populista de extrema direita
A crise do coronavírus reflete o triste fim de uma década infame, que começou mal em 2011, sob o impacto da grande crise financeira de 2008. Nesse período, o comércio mundial encolheu e a maioria dos países não cresceu, ou o fez a um ritmo muito lento, o “novo normal”.
No Brasil, caso se confirme a previsão de um PIB negativo de 5% neste ano, a economia do país terá ficado estagnada nesses dez anos, com crescimento anual de no máximo 0,2%. Não se trata só de mais uma década perdida, mas a de pior desempenho desde a que inaugurou o século passado, segundo o IBGE.
O capitalismo mundial vem perdendo dinamismo desde o fim das políticas de bem-estar social, nos anos 70. Desde então, a cada década o investimento no mundo fica mais fraco —no Brasil caiu de 20,5% do PIB em 2014 para 15,4% em 2019.
Depois da crise de 2008, a produtividade dos países avançados e do Brasil cresceu em média de 0,5% a 1% ao ano. Foi a menor alta das últimas cinco décadas. Com a desregulação dos mercados estabeleceu-se o império do capital financeiro.
Os lucros apropriados pelo setor financeiro, que representavam 10% do lucro das corporações em 1950, passaram para mais de 30% em meados da década de 2010. No Brasil os juros e os lucros do setor financeiro continuaram elevados nos anos 2010, conforme pode ser constatado pelos lucros dos grandes bancos.
A outra face dessa moeda é a precarização do trabalho e o aumento da desigualdade e da concentração de renda em escala mundial. Agora, com a Covid-19, o desemprego vai bater recorde na maioria dos países. No Brasil já está em 14%, e tende a aumentar no ano que vem.[ x ]
De acordo com o IBGE, os 10% mais ricos da população brasileira concentravam 43% da massa de rendimentos em 2018, enquanto os 10% mais pobres ficavam com apenas 0,8%. O aumento da desigualdade e da concentração de renda é uma característica marcante da década de 2010, com perda de direitos dos mais pobres e a consequente deterioração da democracia.
Martin Wolf escreveu no Financial Times que a ascensão do capitalismo rentista poderá significar a morte da democracia liberal.
O Brasil começou a década perdida com expansão razoável de 3% ao ano e chegou a 2014 com a economia desacelerada, mas com uma dívida líquida baixa (36,7% do PIB) e com abundantes reservas financeiras (US$ 376 bilhões). No final de 2014 o desemprego era de 4,7%, o menor da séria histórica, assim como a pobreza e a miséria estavam nos mais baixos patamares.
Logo depois da reeleição de Dilma Rousseff o país mergulhou numa forte crise política que deixou o governo acuado. A Operação Lava Jato paralisou a Petrobras e a cadeia produtiva de gás e petróleo, e as grandes construtoras, responsáveis por boa parte do investimento.
Essa crise foi amplificada pelo abandono da estratégia desenvolvimentista praticada até 2014. Com a nomeação de Joaquim Levy para o ministério da Fazenda em 2015 foi inaugurada uma nova fase neoliberal que vigora até hoje.
O crescimento da desigualdade social e da concentração de riqueza alimentou fortes conflitos, que desembocaram em mobilizações sociais e geraram uma onda populista de extrema direita, que fomentou o ódio e a radicalização. Foi assim que surgiram Donald Trump, nos EUA, e Bolsonaro, no Brasil. Grã-Bretanha, Polônia e Hungria são outros exemplos.
O esgarçamento do tecido social e o desespero da população nos EUA foi muito bem retratado por A. Deaton e A. Case no livro “Deaths of Despair” (2019). O livro registra a proliferação de suicídios e mortes por overdose devido ao consumo excessivo de álcool e opioides. No Brasil a situação não é diferente. O país é o quinto em número de pessoas com depressão —cerca de 12 milhões, segundo a Organização Mundial da Saúde.
O cenário não é animador. Mas já apareceu uma luz no fim do túnel: a recusa do eleitor americano em renovar o mandato de Trump, o símbolo do novo autoritarismo. Pode ser o primeiro passo para a queda de outros líderes truculentos e incompetentes.
*Guido Mantega foi ministro do Planejamento (2003 a 2004), presidente do BNDES (2005) e ministro da Fazenda (2006 a 2014). É professor da FGV desde 1980.
Josilmar Cordenonssi: O (ex-) país do futuro não consegue superar a ‘década perdida’?
De acordo com projeções da FGV, esta década que termina agora em 31 de dezembro de 2020 apresentará um crescimento negativo do PIB per capita do Brasil em toda a série histórica que se tem deste indicador, superando a chamada “década perdida” dos anos 80. Usando os dados do Banco Mundial, naquela década, o PIB per capita do Brasil caiu 4,38% e nessa década, até 2019, já caiu 1,46%, como esse ano é esperado uma outra queda é possível ter um resultado ainda pior que o dos anos 80.
A década de 80 foi perdida por praticamente toda a América Latina, devido à crise da dívida externa e o forte ajuste de balança de pagamentos que foi exigido dessas economias, com maxi desvalorizações, queda de consumo e PIB. Nos anos 70, a grande maioria dos países latino-americanos eram governados por ditadores militares, cuja legitimidade estava baseada no crescimento e desenvolvimento econômico. Assim, após os choques do petróleo em 73 e 79, esses países, em vez de deixar que as economias absorvessem esses choques recessivos, preferiram controlar o preço desta commodity artificialmente para que as economias não perdessem (tanto) o ritmo de crescimento, através de endividamento externo, com as bênçãos do governo americano. Os desequilíbrios da balança de pagamentos só cresciam.
Entretanto, com o segundo choque de petróleo a nova administração do Fed (Banco Central americano) deu um choque de juros em 1981, fazendo a taxa básica (federal funds rate, a Selic deles) sair de 11% para 20%, para combater a inflação de lá. Com isso, os países latino-americanos ficaram incapazes de pagar o serviço da dívida (pagar os juros) e ficaram insolventes, tendo que negociar os pacotes de ajuda com o FMI. Essa foi a principal razão para a década perdida dos anos 80.PUBLICIDADE
Com exceção de 2020, quando a pandemia provocou uma recessão em praticamente todos os países do mundo, o nosso desempenho pífio nesta década é fruto de erros de política econômica feitos por nós mesmos. Após crescer 7,5% em 2010, o Brasil tinha superado a crise financeira internacional de 2008, entretanto, o governo Dilma continuou a expandir as medidas de “contracíclicas”. O BNDES continuou recebendo aportes crescentes do Tesouro Nacional para financiar grandes empresas (“campeões nacionais”) a comprarem empresas estrangeiras, por meio de emissão de dívida pública. Foram feitas desonerações de encargos sociais na folha de pagamento de alguns setores, que até agora não foram revertidas, dada a força política desses setores junto ao Congresso Nacional. Além disso, houve ingerências indevidas no preço da gasolina, taxa Selic artificialmente baixa e consequente descontrole inflacionário. Tudo isso gerou forte incerteza na sustentabilidade da dívida, profunda recessão e que culminou no impeachment da presidente. O PIB per capita do Brasil em 2016 foi 8,57% menor do que o de 2013, quase o dobro da queda esperada para esse ano de pandemia.
Quando analisamos o crescimento do Brasil nos últimos 60 anos em relação à principal economia do mundo, os EUA, em 1960, o PIB per capita (em poder de paridade de compra) do Brasil era 22,86% dos americanos. Atingimos o ápice em 1980, 34,30% e voltamos praticamente ao mesmo patamar de 1960 em 2019, com 23,43%. Apesar de todos os avanços que tivemos nesse período, nós não conseguimos fazer o chamado catch up, isto é, não estamos conseguindo nos aproximar do nível de desenvolvimento dos EUA. Por outro lado, os países asiáticos estão sistematicamente conseguindo se aproximar dos países mais avançados. Por exemplo, a Coreia do Sul em 1960 tinha um PIB per capita de apenas 7,06% do PIB per capita americano, ou seja, menos de um terço do brasileiro. Em 2019, a Coreia esteve a quase 70% (exatamente 68,39%). Mas a Coreia não é um caso único, apesar de ser um caso espetacular. A Malásia saiu de 15,61% em 1960 para chegar a ter 45,36% do PIB per capita americano, em 2019. Enquanto os países asiáticos estão chegando ao futuro antes de nós, o Brasil ainda não superou a década perdida.
Para o Brasil encontrar o seu caminho para o desenvolvimento é preciso primeiro que o setor público deixe de ser um entrave ao desenvolvimento e passe a ser um parceiro do setor privado. Fazer reformas que ajustem as contas públicas para garantir uma taxa de juros baixa, deixando de competir (de forma desleal) com o setor privado pela poupança interna e externa já é um começo. E investir naquilo que é cada vez mais estratégico: capital humano, gente capaz de aprender, produzir e criar coisas diferentes. A sociedade, e não só o governo, precisa entender que investir em capital humano significa também garantir as mesmas oportunidades a todas as crianças, não importando se nasceram em um palacete ou na favela. Dar as mesmas oportunidades de competição para empresas de capital nacional ou estrangeiro, instaladas aqui ou alhures. Além disso, nós temos que ter políticas que protejam aqueles que se arriscam ao criar negócios. A destruição criativa faz parte de uma economia avançada e dinâmica, o risco é inerente ao capitalismo, portanto, quebrar e falhar, não deve ser punido como se o empreendedor fosse um bandido. O instituto da responsabilidade limitada tem que ser sagrado. Casos de suspeita de fraude devem ser investigados e punidos caso comprovados, mas têm que ser a exceção, não a regra.
Se a sociedade adotar esses valores, os futuros governos irão desenvolver políticas públicas alinhadas a esses valores e estaremos mais perto de encontrar um fast track rumo ao desenvolvimento econômico e social. Esses valores podem ser chamados de Liberalismo.
*Josilmar Cordenonssi Cia é graduado em Economia, mestre e doutor em Administração de Empresas. É professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie