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O Globo: Com vacinação lenta e isolamento baixo, cientistas preveem terceira onda de Covid-19 no país

Suzana Correa, O Globo

SÃO PAULO — O Brasil registrou queda de 19% na média móvel de mortes por Covid-19 nas duas últimas semanas. Em 18 das 27 unidades de federação, o índice está caindo, mostrou o boletim do consórcio da imprensa nesta segunda-feira. Apenas um estado está em viés de elevação na última quinzena, enquanto oito permaneceram em tendência estável (variação menor de 15% para mais ou para menos). Os números trazem esperança no combate à pandemia, mas projeções feitas por cientistas nos EUA e Brasil, no entanto, acenderam o alerta de especialistas sobre a possibilidade de uma terceira onda no país, com nova alta de óbitos.

Preocupação:  Fiocruz alerta que terceira onda pode representar crise sanitária ‘ainda mais grave’

— Evitá-la vai depender muito da vacinação, que já se mostra efetiva na redução de mortes e internações. Temos que vacinar 1,5 milhão de pessoas ao dia, idealmente 2 milhões. E ter cautela na flexibilização das medidas de isolamento — explica Ethel Maciel, professora da UFES e doutora pela Univesidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.

Sem o avanço na vacinação, o Instituto de Métricas de Saúde e Avaliação da Universidade de Washington, nos EUA, que tem se destacado por suas projeções certeiras desde o início da pandemia, indica que o país poderá chegar à trágica marca de 751 mil mortes por Covid-19 até 27 de agosto. E isso em cenário que inclui o uso de máscaras por 95% da população no país.

No pior cenário projetado pelos analistas americanos, em que a variante P.1, que emergiu em Manaus e já se espalhou por 16 países latino-americanos, continue se espalhando e vacinados abandonem o uso de máscara, o país pode voltar ao patamar de 3.300 mortes diárias em torno de 21 de julho e alcançaria 941 mil mortes em 21 setembro.

Os dados do Instituto de Métricas são usados em avaliações da pandemia pela Casa Branca e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), braço latino-americano da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Até agora, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa, o Brasil já perdeu 436.862 vidas para a Covid-19. E o aumento de mortes, frisam os especialistas da universidade americana, é esperado mesmo com a redução nas internações em UTIs e na média diária de óbitos, em comparação com abril, devido à previsão de aumento nas infecções e redução no uso de máscaras e distanciamento social.

Para evitar uma terceira onda devastadora, a aceleração na vacinação é uma das medidas centrais apontadas pelos especialistas. Segundo painel da Universidade de Oxford, o Brasil atingiu média diária de aplicação de 1,1 milhão de doses em 13 de abril, mas a quantidade foi caindo ao longo do mês e chegou a 429 mil doses no último dia 12 de maio. O país tem hoje cerca de 70 mil novos casos diários da doença, patamar considerado alto pelos especialistas, e apenas 9% de brasileiros vacinados com a segunda dose.

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Cláudio Struchiner, médico e professor de Matemática Aplicada da FGV, pondera que instituições brasileiras evitam realizar projeções de longo prazo como as realizadas pela Universidade de Washington devido à alta incerteza que permeia o cenário da pandemia no Brasil.

— Há muitas variáveis incertas: [ritmo de] vacinação, relação Brasil e China [fornecedora de insumos para as vacinas aplicadas aqui], novas cepas, incidentes com a vacina que interferem na sua aceitação, duração da imunidade, subnotificação, sazonalidade. Dito isso, o Instituto de Métricas é sério e experiente, e as projeções para o Brasil são, sim, plausíveis — afirma.

Outra projeção, da Rede Análise Covid-19, que conta com uma equipe multidisciplinar de pesquisadores pelo Brasil, alerta que o país apresenta tendência a picos de casos da doença — como os observados em julho de 2020 e início de 2021. Ao pico segue-se uma queda, estabilização e, em seguida, novo aumento. Os dados atuais, de acordo com a Rede Análise Covid-19, mostram justamente que o país está no momento às vésperas de um novo aumento de casos.

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Já a plataforma de dados da USP e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) projeta que o total de casos no país deve passar de cerca de 15,4 milhões em 14 de maio para 16,1 no dia 23 de maio, também cravando curva ascendente.

O GLOBO questionou o Ministério da Saúde e perguntou quais projeções embasam as medidas da pasta, o que tem sido feito para evitar ou lidar com uma terceira onda no país, qual a posição sobre as projeções e se há previsão de reforço nos estoques de oxigênio e remédios para intubação durante essa possível terceira onda. O Ministério respondeu apenas que “não comenta sobre projeções”.

Gulnar Azevedo, pesquisadora do Instituto de Medicina Social da UERJ, diz que, apesar das quedas, “a média de mortes em cerca de 2 mil ainda é alta”.

— O vírus continua circulando, e entraremos no inverno, quando o tempo mais frio favorecerá o aumento de casos do vírus — diz Azevedo.

Novo pico

Boletim do Observatório da Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz alertou, na última quinta-feira, justamente para a intensa circulação do vírus no país, apesar da “ligeira redução” nas taxas de mortalidade e na ocupação de leitos de UTI no país. “Uma terceira onda, agora, com taxas ainda tão elevadas, pode representar uma crise sanitária ainda mais grave”, informa o boletim.

Leonardo Bastos, estatístico da Fiocruz, avalia que o país reúne as condições necessárias para uma nova onda da doença, devido a combinação perigosa: alto patamar de infecções e hospitalizações, número alto de cidadãos que não contraíram a doença (e, portanto, não produziram anticorpos contra a infecção), ritmo lento da vacina, redução no uso de máscaras e abertura acelerada nos estados que haviam intensificado medidas de distanciamento. Ele alerta também para a chegada de novas variantes, como a indiana, e o surgimento de cepas que possam reinfectar vacinados.

Carlos Lula, secretário de Saúde do Maranhão e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), vem cobrando o governo federal para tomar medidas de âmbito nacional a fim de conter a disseminação do vírus, a entrada de novas variantes e a continuidade da regulação do mercado de medicamentos nacionais:

— É indispensável entendermos o que aconteceu na segunda onda, com problemas no kit intubação, dificuldade de se prover oxigênio, medicação necessária e testagem insuficiente. É preciso solucionar esses entraves, intensificar as compras e já ter o estoque de precaução — diz.

*Estagiária, sob supervisão de Mauricio Xavier

Fonte:

O Globo

https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/com-vacinacao-lenta-isolamento-baixo-cientistas-preveem-terceira-onda-de-covid-19-no-pais-25018581


Juan Arias: General da ativa com medo de declarar na CPI humilha o Exército

Nada mais humilhante para um militar da ativa ―e ainda mais para um general três estrelas como Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde― do que revelar medo e covardia. E o pior é que essa imagem de medo pode acabar afetando a imagem positiva que a instituição militar vinha tendo até agora. Ver um general como Pazuello incapaz de enfrentar uma CPI de peito aberto tem que humilhar até os simples soldados, que devem se sentir desconcertados.

Já pouco importa o que o general ex-ministro diga ou silencie. Seu comportamento de medo que o levou a se refugiar em um habeas corpus preventivo no Supremo para permanecer mudo ante as perguntas dos senadores já é uma demonstração de confissão de culpa.

Se, como já havia confessado Pazuello, ele se limitou a cumprir ordens do presidente Bolsonaro, considerado naquele momento seu superior hierárquico, bastava, como fizeram os ministros anteriores, pedir demissão e voltar ao Exército. Atribuir a atitude do general à sua personalidade difícil parece estranho para quem deveria dar exemplo, não apenas de uma pessoa que não teme a verdade, mas que também tem orgulho de aceitar que errou.

Ainda não sabemos como acabará a novela do general que pediu que permanecesse calado no Senado. Nem mesmo se ela acabará sendo escrita em sua testa por sua atitude de medo, a maior desonra para um militar ―ainda mais da sua categoria.

O general, hoje preso em sua narrativa nebulosa de comportamento, teria apenas uma forma de resgatar sua dignidade humilhada. Seria, ao chegar ao Senado, aceitar todas as perguntas que pudessem ser feitas, respondendo com lealdade militar, embora para isto precisasse revelar verdades durante seu período à frente do Ministério da Saúde, correspondente ao maior número de mortos por covid-19, mesmo que elas pudessem comprometer gravemente a imagem do presidente. Uma imagem já mais do que desgastada de um chefe de Estado que acaba de ser visto, internacionalmente, como um dos que pior geriram a pandemia entre os 14 líderes políticos mais importantes do mundo.

Bolsonaro e sua procissão de seguidores fanáticos com instintos de morte passarão, e o Brasil recuperará sua normalidade democrática depois do hiato tenebroso ao qual foi arrastado por um capitão frustrado do Exército. Ele sairá de cena, como indicam as últimas pesquisas, enquanto a instituição das Forças Armadas continuará sendo vital na defesa dos valores democráticos e da Constituição, como foi nos últimos 20 anos com Governos de diferentes tendências políticas.PUBLICIDADE

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O Brasil só pode desejar que a hierarquia do Exército ajude seu general, hoje questionado, a demonstrar que o medo não existe no dicionário militar. A responsabilidade de um desastre ou de uma conduta ditada pelo medo do general na CPI poderia acabar prejudicando gravemente a credibilidade do Exército. O resultado da conduta do ex-ministro em sua convocação à CPI poderá ter consequências inesperadas para o futuro deste país, hoje visto como um fracasso mundial de governo. Não por acaso, faltando 18 meses para as eleições presidenciais, a imprensa mundial continua atenta e preocupada com seu possível resultado e temendo que o bolsonarismo destruidor possa continuar no poder, o que traria problemas não só no cenário já turbulento da América Latina, mas no mundo. De fato, o Brasil é visto como um elemento-chave não apenas na economia, como potência mundial que é, mas também no cenário de descrédito da democracia, com o crescimento dos movimentos negacionistas e nazifascistas nos cinco continentes.

O Brasil ―mais especificamente, a CPI da Pandemia― poderia levar à saída de Bolsonaro do Governo, que revolucionaria as eleições do próximo ano. O país vive momentos difíceis, que poderiam ter repercussões negativas para várias gerações. Sabemos como as guerras tradicionais começam, mas não como terminam. O mesmo acontece com as crises políticas. E não é nenhum segredo que no Brasil, governado hoje por um presidente considerado o pior e mais imprevisível de sua história, a responsabilidade do Exército seja crucial, pois do seu apoio ou não ao capitão com vocação de ditador poderá depender o futuro deste país.

Nem vale a desculpa para os militares do medo do comunismo, já que hoje qualquer cidadão minimamente informado sabe que nem o PT nem Lula representaram, nem representam hoje, o comunismo. Basta lembrar as boas relações de Lula em seus Governos com o mundo empresarial e os bancos, que nunca ganharam tanto quanto com ele. Sem contar suas relações estreitas com os partidos conservadores e de direita, que chegaram a preocupar o grupo mais progressista e sindicalista do partido.

O temor da volta de Lula, hoje mais conservador que ontem, não deveria justificar a defesa e o apoio ao capitão agora rechaçado pela maioria da população, que apoia um impeachment do presidente. O Exército pode hoje apoiar candidatos conservadores de direita, que podem governar tranquilos, sem o perigo de uma involução do Brasil para uma aventura como a venezuelana pela ânsia patológica de Bolsonaro, que já deu provas irrefutáveis de incapacidade profissional e psíquica para governar o quinto maior país do mundo.

O Exército brasileiro está em uma encruzilhada histórica, da qual depende sua credibilidade. Seu comportamento diante da tão esperada conduta do general Pazuello na CPI da Pandemia poderá arrastar as Forças Armadas para uma grave crise no já obscuro panorama político e econômico deste país.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.

Fonte:

El País

https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-05-17/general-da-ativa-com-medo-de-declarar-na-cpi-da-covid-humilha-o-exercito.html


Ernesto Araújo nega ter atacado a China e é confrontado pelo presidente da CPI

Julia Chaib e Renato Machado, Folha de S. Paulo

Em depoimento à CPI da Covid, o ex-chanceler Ernesto Araújo afirmou que nunca deu declarações que podem ser consideradas como “anti-chinesas”.

Em seguida, no entanto, foi confrontado pelo presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), que relembrou algumas frases do ex-chanceler e apontou que ele estava “faltando com a verdade”.

“Não vejo nenhuma declaração que eu tenha feito como ‘anti-chinesa’. Em notas oficiais, nos queixamos do comportamento da embaixada da China mas não houve nenhuma declaração que se possa classificar como anti-chinesa. Logo, não há nenhum impacto de algo que não existiu”, respondeu, em referência ao possível impacto negativo de suas declarações na aquisição de insumos.



Aziz então relembrou que Ernesto escreveu um artigo, no qual fez menção ao “Comunavírus”.

“Na minha análise pessoal, vossa excelência está faltando com a verdade. Não faça isso”, respondeu o presidente da comissão.

“Se vossa excelência acha que isso não é se indispor com um país, eu não entendo mais como se faz relações internacionais. Desmerecer o que já indicou e dizer que o senhor nunca se indispôs com a China, o senhor está faltando com a verdade”.

Ernesto tentou se justificar afirmando que seu artigo não era sobre a China. O ex-chanceler disse que termo “comunavírus” foi cunhado por autor de livro sobre o qual ele se referia no texto e por isso usou “esse termo jocoso”.

 

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://aovivo.folha.uol.com.br/poder/2021/05/18/5989-ex-chanceler-ernesto-araujo-fala-agora-a-cpi-da-covid-acompanhe.shtml#post408261

 


Carlos Andreazza: Uma aposta fatal

Não se podia esperar que o representante da Pfizer — um comerciante — dissesse à CPI ser desnecessária a lei que, segundo a versão do cliente, permitiu a assinatura do contrato por meio do qual o governo brasileiro adquiriria milhões de doses do imunizante daquela farmacêutica.

A lei não era necessária. Mas isso é problema nosso. Não de Carlos Murillo. O interesse do executivo era vender. Ontem. Hoje. Ou amanhã. Tinha um bom produto; e o objetivo, legítimo, de comerciá-lo com o mercado do Brasil. E teria comerciado, em agosto de 2020, com a legislação disponível, se assim quisesse Bolsonaro. (E teria, imediatamente, entrado com a demanda por registro emergencial junto à Anvisa; para que tivéssemos — era possível — como vacinar os nossos ainda no ano passado.) O governo não quis. E desapareceria por dois meses, ignorando carta — de setembro de 2020 — do CEO da Pfizer.

O tempo passava. E então falaram a Murillo que a tal lei resolveria o impasse forjado pelo comprador; e o homem queria vender. Vendeu. Por que contrariaria — exporia — um cliente, tanto mais numa CPI? Já havia fechado o negócio. A lei lhe servira. Esvaziara o governo de desculpas. Ele falou a verdade à comissão.

Quem deveria querer vacina em 2020 era o Brasil. Não quis. De sua parte, o laboratório continuaria a nos ofertar seu produto; com a diferença — decisiva para nós —de que, mês a mês, perdíamos lugar na fila. Poderíamos ter doses do imunizante da Pfizer —reforce-se — em dezembro de 2020. Tivemos em abril de 2021.

Repito: a lei não era necessária. Conforme escrevi em 4 de maio: “Uma aquisição pública emergencial de vacinas, em meio a uma pandemia e sob a natureza calamitosa do período, ajusta-se às especificidades do que é, afinal, um mercado internacional, ademais tocado em circunstâncias excepcionais; de modo que caberia ao governo justificar a admissão da cláusula considerada excessiva como condição para transitar competitivamente, em nome do interesse do cidadão, no comércio mundial de imunizantes. Seria a Constituição Federal a se sobrepor. O próprio direito à saúde. Um direito fundamental cuja imposição — acima da existência de qualquer lei —deriva diretamente do texto constitucional”.

Admitamos, porém, o preciosismo. E consideremos que houvesse ali, no palácio, alguém preocupado mesmo com segurança jurídica. Poderia ter preparado um projeto em regime de urgência. Poderia ter recorrido a uma medida provisória. Foi por meio de uma que se abriu o crédito de R$ 20 bilhões para a compra de imunizantes.

Aliás, lembrou o senador Randolfe Rodrigues que o governo concebera, em dezembro de 2020, uma medida provisória, a de número 1.026, em cuja minuta constava dispositivo autorizando a União a tomar os riscos relativos à responsabilidade civil sobre eventuais efeitos adversos decorrentes da aplicação de vacinas. Minuta avalizada por AGU e CGU, mas cuja versão final remetida ao Congresso excluía aquela parte. O senador, então, propôs emenda para recompor o texto original — emenda que seria rejeitada por recomendação do Planalto.

À CPI, Murillo informou que alguém do governo só lhe falaria sobre a necessidade de ajustes legislativos — para que o contrato fosse celebrado — em novembro de 2020. Conversa; mas sem providências. De agosto a novembro, período em que as propostas do laboratório não tiveram respostas, as desculpas foram outras. Lembremos o que relatou Fabio Wajngarten — passagem confirmada pelo executivo. Que, ao receber o telefonema de Murillo, dirigiu-se ao gabinete de Bolsonaro, com o interlocutor na linha, para lhe comunicar da tratativa — e que o presidente lhe teria passado um papelucho com a condicionante para que se avançasse: Anvisa. Nenhuma palavra sobre entrave jurídico.

(Aqui, outra mentira bolsonarista — aplicada seletivamente — já desmontada: que o governo não poderia assinar contrato com o laboratório antes da aprovação do imunizante pela agência reguladora.)

Na última sexta, O GLOBO publicou matéria que considero iluminar o intervalo — último trimestre de 2020 — em que o governo negligenciou a importância, a urgência, de fechar contratos para aquisição de vacinas. O texto dá conta da justificativa do Ministério da Economia para não haver previsto recursos ao enfrentamento da pandemia no Orçamento de 2021.

Fica documentado, como confissão de incompetência (mas não somente), o que já estava claro havia meses: que Bolsonaro, Paulo Guedes e turma — delirantemente, para ser generoso — acreditaram, contra todos os alertas, que o vírus perdia força e entraria cadente em 2021; daí por que não apenas não priorizaram robustecer a carteira de fornecedores de vacinas, como deixaram morrer o auxílio emergencial em dezembro. Uma aposta fatal.

Guedes em outubro de 2020: “A doença está descendo. A economia está voltando. Está voltando em V. A criação de empregos está se dando em ritmo bastante impressionante”. E em novembro: “A doença desceu. É um fato. Alguns dizem agora: ‘Não, mas está voltando, segunda onda’. Espera aí. Nós tínhamos 1.300 mortes por dia, 1.200, 1.000, 900, 700, 500, 300… E agora parece que está havendo um repique. Mas vamos observar. São ciclos”.

Essa é a cabeça do governo; que — óbvio está — não precisaria de aconselhamento paralelo para fazer suas escolhas criminosas. E esse “vamos observar” — combinado àquele “espera aí” — parece-me a senha para nossa tragédia.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/carlos-andreazza/post/uma-aposta-fatal.html


Ricardo Noblat: Governo sonega informação pedida pela CPI da Covid-19

Quantas vezes, e com quem, Bolsonaro passeou por Brasília durante a pandemia provocando aglomerações e desrespeitando normas de isolamento?

É possível que as atividades do presidente da República não sejam acompanhadas de perto e devidamente registradas por setores do governo que lhe dão suporte e zelam por sua segurança?

O senador Eduardo Girão, membro da CPI da Covid-19, pediu ao governo uma planilha com os registros de datas, locais e autoridades envolvidas nos passeios de Bolsonaro em Brasília.

Resposta do Palácio do Planalto: não há registros oficiais das saídas do presidente do seu gabinete. Ora, bastaria pesquisar nas redes sociais para descobrir que, ali, está tudo registrado.

O pedido de Girão mirou os deslocamentos de Bolsonaro desde o início da pandemia que provocaram aglomerações, contrariando recomendações médicas de isolamento.

No último dia 5, durante discurso no Palácio do Planalto, Bolsonaro antecipou a resposta que daria ao pedido de Girão aprovado pelo plenário da CPI:

– Eu sempre estive no meio do povo, estarei sempre no meio do povo. Não interessa onde eu estava. Respeito a CPI. Estive no meio do povo, tenho que dar exemplo.

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/governo-sonega-informacao-pedida-pela-cpi-da-covid-19


Cristina Serra: O dia D e a hora H de Pazuello

Quando o general Eduardo Pazuello assumiu o Ministério da Saúde como interino, em maio de 2020, o Brasil estava prestes a alcançar a marca de 30 mil mortos pela pandemia. Dez meses depois, ele deixou o cargo com esse número multiplicado por dez. Ao lado das medalhas que leva no peito (se leva alguma), merece carregar o epíteto de ministro do genocídio.

Convenhamos, ele se esforçou para tal. Alinhou-se em obediência cega ao genocida-mor e deixou de comprar vacinas. Endossou a vigarice do tratamento precoce e empurrou cloroquina quando Manaus precisava de oxigênio.

Agastado com a demissão, tentou passar a imagem de que resistira à corrupção. Disse, sem dar nomes aos bois, que houve pressão dentro do ministério para que um certo medicamento fosse enquadrado em “critérios técnicos”. Mencionou “oito atores” agindo com “ações orquestradas” contra sua equipe e disse ter rejeitado lobby de empresas e de políticos que queriam “pixulé”.

Pazuello poderia esclarecer tudo isso à CPI, não tivesse recorrido ao STF para ficar calado. No período em que esteve no ministério, pouco se soube a respeito dele, além de uma suposta especialização em logística. Dois sites, contudo, revelaram conexões empresariais do general no Amazonas, justamente onde ele teria assumido um dos comandos militares mais importantes do país se não tivesse ido para o ministério.

O site Sportlight revelou que Pazuello se tornou sócio de uma empresa de navegação quando já era secretário-executivo da Saúde. A empresa pertence à sua família e tem relações contratuais com órgãos públicos. O site De Olho nos Ruralistas mostrou a sociedade em mais duas empresas com o irmão, Alberto Pazuello, figura barra pesada da crônica policial de Manaus. Em 1996, foi preso por estupro e tortura de adolescentes e acusado de participar de um grupo de extermínio. Conhecer o contexto do personagem em questão talvez ajude a CPI a entender melhor seu papel no morticínio brasileiro.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/cristina-serra/2021/05/o-dia-d-e-a-hora-h-de-pazuello.shtml


Eliane Cantanhêde: Tratoraço, ou orçamento secreto, serve para o quê? Comprar votos, como o mensalão

Já compararam o “tratoraço” do governo Jair Bolsonaro aos “anões do Orçamento”, aos “atos secretos” do Senado e ao “mensalão” da era Luiz Inácio Lula da Silva, mas todos eles foram punidos, com maior ou menor rigor, e o que se espera é que não se jogue a poeira para debaixo do tapete e também o tratoraço seja ao menos investigado. Passar em branco é que não dá. A planilha e as evidências obtidas pelo Estadão não deixam alternativa.

No caso do tratoraço, o resumo da ópera é o mesmo dos escândalos anteriores: jeitinhos, emendas disfarçadas, orçamentos sigilosos que são engendrados no submundo político com um objetivo muito claro: comprar votos. Em geral, com participação direta, no mínimo aval do Palácio do Planalto. Por isso, não é surpresa o surgimento do nome do então articulador político do governo, atual chefe da Casa Civil, na operação.

O que realmente surpreende é que ele, Luiz Eduardo Ramos, é um general de quatro estrelas que há pouco passou para a reserva. Como, aliás, o novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, que não perde uma aglomeração política, seja para a campanha eleitoral antecipada de Bolsonaro, seja para a campanha de bolsonaristas contra o Supremo e o regime civil.

Como nos velhos casos, tudo é estranho no tratoraço, a começar do valor secreto – R$3 bilhões –, e das explicações dos agraciados ouvidos pelo Estadão. Segurança nacional? Segurança pessoal e familiar? É reação de quem foi pego com a mão na botija e não tem o que dizer. O que só confirma que algo não estava dentro dos conformes, daí porque precisava ser secreto, escondido de quem paga impostos.

Suas Excelências íntimas do Planalto ou úteis ao governo, têm direito a emendas parlamentares tradicionais, como todos, e mais as secretas, como poucos. A partir dessa “curiosidade”, começam a surgir outras. Exemplo: emendas são para as bases eleitorais, mas os privilegiados podem destiná-las para outros Estados a muitos quilômetros de distância. Quem conhece o jogo desconfia: ou é para favorecer empresas amigas ou efeito bumerangue sem dar na vista: vai para a cidade tal e volta para o autor da emenda extra na forma de um porcentual camarada.

E por que o governador do DF, Ibaneis Rocha, está numa planilha de senadores e destinou verbas para o Piauí, onde tem fazendas de gado? Foi depois disso que ele mudou sua relação com Bolsonaro? Até relaxou subitamente as restrições para conter a pandemia, do jeito que o presidente gosta.

Os “anões do Orçamento” eram uma quadrilha no Congresso para desviar dinheiro público via empreiteiras ou entidades fantasmas e geraram a primeira CPI para investigar os próprios parlamentares, nos anos 1990. Dez políticos foram cassados ou renunciaram para fugir da cassação. Entre eles, o baiano João Alves, que alegou ter ficado milionário ganhando na loteria: 56 vezes num ano.

Os “atos secretos” do Senado, no fim dos anos 2000, eram um festival de cargos e privilégios concedidos às escondidas pela mesa diretora para parentes e apadrinhados de 37 senadores e 25 ex-parlamentares. Após uma sindicância, 663 atos foram cancelados. José Sarney, que presidia a Casa, balançou, mas não caiu.

Já o “mensalão” consistia em pagamentos à base aliada do então presidente Lula, e o Supremo foi implacável, apesar de recheado de ministros indicados pelo PT. Foram 25 condenações, incluindo presidentes e tesoureiros do PT. Os bolsonaristas que hoje atacam o STF esqueceram disso?

A PGR e o TCU estão estudando o tratoraço, mas o pedido de nova CPI não andou. Por que será? Nós, os “idiotas” que defendemos a vida, distanciamento social, máscaras e vacinas, temos o direito de saber.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tratoraco-ou-orcamento-secreto-serve-para-o-que-comprar-votos-como-o-mensalao,70003718278


Andrea Jubé: No tabuleiro da baiana tem o centro

A Bahia pode servir de laboratório ao cenário eleitoral mais cobiçado pelo bloco de centro, em que o presidente Jair Bolsonaro seria eliminado no primeiro turno. Na rodada final, o representante da terceira via, que rompesse a polarização, enfrentaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e derrotaria o petista, contando com a alta rejeição ao candidato.

Nos bastidores, nove em dez caciques do centro consideram esse cenário, cantado em entrevistas ao Valor pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab, e pelo presidenciável do PDT, Ciro Gomes.

A Bahia tem o quarto maior eleitorado do país. A sucessão estadual é estratégica para o DEM do ex-prefeito de Salvador ACM Neto, para o PT de Lula e para o desempenho de Bolsonaro no Nordeste.

O Estado projeta esse cenário idílico para o centro porque, a um ano e meio da disputa presidencial, a pré-campanha baiana tem o DEM largando na frente, o PT fortemente competitivo e Bolsonaro sem palanque.

Com o DEM perdendo seus principais quadros para outras legendas em Estados-chaves, como São Paulo e Rio de Janeiro, recuperar a hegemonia do carlismo na Bahia tornou-se questão de honra para ACM Neto.

Nas últimas semanas, o vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, aposta de Neto no Estado mais rico do país, filiou-se ao PSDB pelas mãos de João Doria, e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, migrou para o PSD. Diante do revés, Neto convocou a imprensa baiana para divulgar os próximos passos da pré-campanha, e avisou que não teme Lula, que é considerado imbatível no Estado.

Neto largou na frente, está percorrendo o interior do Estado desde o começo do ano, e aparece nas primeiras pesquisas sobre a sucessão local até 20 pontos à frente do senador Jaques Wagner, que o PT recém lançou como pré-candidato.

Aliados de Neto apostam que após 16 anos de gestão petista, o partido amargará a chamada “fadiga de material”, e o eleitor cobrará mudança.

“Não é um candidato a presidente da República que vai definir a eleição na Bahia. Os baianos já passaram dessa fase”, disse Neto à imprensa local.

Como o PT deve ceder a cabeça de chapa aos aliados nos maiores colégios eleitorais – Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo -, manter o poder na Bahia é fundamental.

Wagner governou o Estado duas vezes, de 2007 a 2014, elegeu o sucessor, Rui Costa, reeleito com folga em 2018, e é lembrado como o político que derrotou o carlismo em 2006 com Lula no palanque.

O PT sonha em reeditar a chapa vencedora em 2010, com o senador Otto Alencar (PSD) como candidato a vice de Wagner.

Os números do PT na Bahia impressionam. Em 2018, Fernando Haddad, obteve 72,6% dos votos. Bolsonaro venceu em apenas quatro dos 417 municípios baianos.

Em contrapartida, Neto elegeu o sucessor no primeiro turno: o prefeito de Salvador, Bruno Reis, venceu com 64,2% dos votos, e foi, proporcionalmente, o mais votado no país.

Na polarização baiana PT x DEM, Bolsonaro esboça um palanque ao governo para o ministro da Cidadania, João Roma (Republicanos), como o “pai” do novo Bolsa Família turbinado, que o governo pretende lançar em agosto.

Novato na política, deputado federal de primeiro mandato, seria uma jogada de risco. Roma é afilhado político de ACM Neto, e não se sabe se, mesmo rompidos, aceitaria enfrentar o ex-aliado.

Não se descarta nos bastidores do governo, entretanto, um cenário de aliança com ACM Neto oferecendo o palanque para Bolsonaro, e João Roma na chapa concorrendo ao Senado.

Nenhum dos postulantes, entretanto, pode desprezar aliança com PSD ou PP, que têm o maior número de prefeitos, cabos eleitorais por excelência nas disputas estaduais.

O maior cacife eleitoral é o do senador Otto Alencar: o PSD elegeu 108 prefeitos na Bahia, à frente do PP, que fez 92 gestores. DEM vem muito atrás, com 37 prefeitos, e o PT, na lanterna, com 32.

Otto Alencar diz que é cedo para definir seu futuro porque uma candidatura precoce “está fadada ao desacerto”. A cúpula do PSD o prefere como candidato ao Senado na chapa do PT, porque Gilberto Kassab tem projeto de fazer a maior bancada para tirar do DEM a presidência da Casa em 2023.

Confronto à vista

Pivô da demissão do chanceler Ernesto Araújo, a presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Kátia Abreu (PP-TO), volta a confrontar o diplomata hoje na CPI da Covid quase dois meses após o episódio.

Ela representará a bancada feminina no rodízio acertado entre as senadoras, e acordado com o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), que assegurou às senadoras o direito de inquirir os depoentes.

A concessão revoltou senadores. Roberto Rocha (PSDB-MA) reclamou que se haveria cota feminina, pleitearia a extensão da prerrogativa por ser “portador de comorbidade”.

A China foi pano de fundo do atrito com Araújo, e continua na ordem do dia. Kátia disse à coluna que a inquirição ao ex-chanceler acabou em segundo plano, porque sua prioridade nesse momento é articular a visita oficial a Pequim para comprar a vacina da Sinopharm, e viabilizar a produção do imunizante nas fábricas brasileiras de vacinas contra a aftosa. “A minha ideia é o Brasil se tornar um grande ‘hub’ de produção de vacinas”, defendeu.

No fim de março, Araújo publicou nas redes sociais que Kátia teria lhe pedido um “gesto” em relação ao 5G pela China. Horas depois, ela reagiu com nota em que chamou o diplomata de “marginal”, por viver “à margem da boa diplomacia, à margem da verdade dos fatos, à margem do equilíbrio e à margem do respeito às instituições”.

O ataque de Araújo à senadora foi considerado uma ofensa ao Senado, e no dia seguinte, ele foi afastado por pressão do Centrão. O Planalto está preocupado com o depoimento de Araújo, porque ele deu sinais de ressentimento ao publicar nas redes que o governo transformou-se em uma “administração tecnocrática sem alma nem ideal“.

Fonte:

Valor Econômico

https://valor.globo.com/politica/coluna/no-tabuleiro-da-baiana-tem-o-centro.ghtml

 


Hélio Schwartsman: A Câmara deve ter cota de gênero?

Devemos adotar uma cota de gênero para a Câmara dos Deputados? Eu adoraria ver um Congresso Nacional mais feminino —assim como gostaria de vê-lo mais negro e mais homossexual— mas não creio que a reserva de assentos seja o melhor caminho.

Se nosso sistema eleitoral fosse baseado em listas fechadas, não veria muito problema em aprovar uma regra que exigisse que os partidos alternassem homens e mulheres em seu rol de candidatos, o que levaria a um Parlamento com maior equilíbrio de gênero.

O Brasil, porém, adota as listas abertas, sistema no qual cabe ao eleitor definir a ordem das candidaturas de cada legenda. Fica complicado interferir nisso sem passar por cima de elementos básicos da democracia, como o de que a quantidade de votos importa. Para a cota funcionar, mulheres seriam eleitas mesmo tendo menos sufrágios do que seus colegas de partido.

A lista aberta não é o único mecanismo difícil de conciliar com a reserva de vagas. No sistema distrital o desafio seria ainda maior, já que ali a disputa pelo assento parlamentar é travada como um pleito majoritário. E seria estranhíssimo definir de antemão que a população precisa eleger necessariamente uma mulher. Eu diria até que fazê-lo seria antidemocrático.

Acredito que haja uma certa confusão em torno do conceito de democracia representativa. Para muitos, ela só se materializa quando as instituições refletem a demografia do país como um espelho. Idealmente, se o Brasil tem 54% de negros, então a Câmara precisaria ser 54% negra.

Prefiro pensar o “representativo” como a licença para que o eleitor escolha livremente quem irá representá-lo. E, quando vai às urnas, em geral o cidadão não vai com o objetivo de eleger alguém que seja parecido consigo, mas sim um candidato que, a seu ver, defenderá seus interesses e os do país. Como ele faz essa escolha é um dos grandes enigmas da ciência política e da psicologia.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/05/a-camara-deve-ter-cota-de-genero.shtml


O Globo: Agendas indicam que governo priorizou vacina indiana sem autorização à da Pfizer com registro

Malu Gaspar, O Globo

Nenhuma outra empresa se reuniu mais com representantes do Ministério da Saúde para tentar vender ao Brasil uma vacina contra o coronavírus do que a multinacional americana Pfizer. Mas nenhuma outra obteve resultados tão eficientes quanto a Bharat Biotech, representada no Brasil pela importadora paulista Precisa Medicamentos. É o que mostram os dados da agenda do Ministério da Saúde, obtidos via LAI e por pesquisa nos registros públicos da pasta.

Enquanto a Pfizer, que obteve registro definitivo para sua vacina em fevereiro, esperou sete meses, participou de dez reuniões e teve que recorrer a muita gente no governo para conseguir fechar um contrato – incluindo o ex-secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten, que depõe hoje à CPI da Covid –, a Precisa fez apenas seis reuniões e liquidou a fatura em menos de quatro meses.

Os registros do Ministério da Saúde só estão disponíveis para os meses de setembro em diante. A agenda dos meses anteriores desapareceu depois que um hacker alegadamente invadiu o site do Ministério da Saúde.

Quando a negociação com os representantes da Bharat começou, em novembro, a Covaxin ainda era uma vacina em estágio inicial de desenvolvimento. Ainda assim, em fevereiro o ministério fechou um contrato de R$ 1,6 bilhão para o fornecimento de 20 milhões de doses da vacina indiana para o Brasil. O valor já foi empenhado, ou seja, reservado pela pasta, mas só poderá ser repassado de fato aos fornecedores após a eventual aprovação emergencial ou o registro definitivo do imunizante pela Anvisa.

O contrato com a Pfizer foi fechado em março. A primeira remessa de doses da vacina, com um milhão de unidades, chegou ao país no último dia 29. O ministério assinou ontem o segundo contrato, para o fornecimento de mais 100 milhões de doses. Neste segundo lote, no entanto, as entregas devem ocorrer apenas a partir de outubro.

Já a fórmula indiana até hoje não chegou ao Brasil.  O desembarque dos primeiros lotes estava previsto para março. Pouco antes do vencimento do prazo de entrega, a diretora técnica da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades, disse em audiência o Senado Federal que o governo da Índia priorizaria o Brasil na entrega de doses. Posteriormente, o prazo foi revisto para abril, e a promessa novamente não foi cumprida.

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No fim de março, a Anvisa negou a certificação de boas práticas de fabricação ao seu desenvolvedor, o laboratório Bharat Biotech, por conta de riscos sanitários e ausência de controle de qualidade após visitar suas instalações.

A certificação da fábrica é uma das etapas necessárias para a Anvisa conceder a autorização de uso emergencial, mas não é a única. É preciso também demonstrar a eficácia e a segurança da vacina por meio de dados de estudos clínicos.

O Ministério da Saúde pediu à Anvisa a autorização do uso emergencial da Covaxin um mês após adquirir as doses do imunizante, mas a agência anunciou que os dados estavam incompletos e, até agora, não há previsão para uma conclusão definitiva. Em depoimento à CPI da Covid na última terça-feira, o diretor-presidente da agência, Antonio Barra Torres, disse que a reguladora não recebeu informações suficientes para liberar o uso da fórmula.

Além da indefinição na situação da vacina, outro fator pesa contra a Precisa. O dono da empresa, Francisco Maximiano, é o mesmo da Global Gestão em Saúde, alvo de uma investigação do Ministério Público Federal em Brasília por suspeita de improbidade administrativa na gestão do ex-ministro da Saúde Ricardo Barros (PP-PR), hoje líder do governo Bolsonaro na Câmara. A apuração do MP busca verificar por que a empresa recebeu R$ 19,9 milhões de reais para fornecer medicamentos de alto custo para doenças raras que nunca chegaram ao SUS.

Segundo os registros compilados pela coluna, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, não participou de nenhuma reunião nem com o representante da Pfizer e nem com os da Precisa. Nos dois casos, a discussão dos contratos de vacinas ficava sempre a cargo do então secretário-executivo Élcio Franco e do secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros.

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O que fica claro pelas agendas e pela ata de uma das reuniões da Precisa com o ministério da Saúde é que, enquanto a Pfizer recebia negativas e questionamentos da gestão de Eduardo Pazuello, o governo federal abriu as portas para a Bharat. 

No contrato assinado em 25 de fevereiro, o Ministério da Saúde se compromete a pagar R$ 80 por dose da Covaxin – R$ 24 a mais do que o preço da dose oferecido pela Pfizer na cotação do dólar à época da assinatura.

A conflituosa negociação entre o Ministério da Saúde e o laboratório americano, que se arrastou por meses e adiou o início da vacinação contra a Covid-19 no Brasil, é o principal tema do depoimento que o ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten dará à CPI da Covid nesta quarta-feira.

O imunizante da Pfizer já havia completado a última fase de testes quando o governo federal iniciou as tratativas com a Bharat, em novembro. Naquele momento, ofícios enviados pela multinacional americana prometiam 70 milhões de doses, com a pronta entrega das primeiras unidades em dezembro de 2020. 

Segundo arquivos do governo, o primeiro contato com a Bharat ocorreu em novembro do ano passado. A empresa indiana foi representada por dois integrantes da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades e Túlio Silveira, em um encontro com o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros, e o diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis, Lauricio Monteiro, entre outro quadros do Ministério da Saúde. Segundo a ata da reunião, Medeiros manifestou o interesse do governo na Covaxin e solicitou “maiores detalhes sobre a capacidade produtiva, bem como qual é a estrutura logística, preço da dose”, além de outros dados técnicos.

Àquela altura, a Covaxin sequer havia chegado à fase 3 dos ensaios clínicos, quando a eficácia do imunizante é testada em grandes grupos de voluntários.

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No início de dezembro, a Pfizer divulgou na prestigiada revista New England Journal of Medicine que sua vacina era 95% eficaz contra a Covid-19, um patamar de proteção que surpreendeu a comunidade científica. Mas isso não foi suficiente para deslanchar as propostas oferecidas pelo laboratório ao Brasil.

No início do mês, pressionado pelo anúncio do governo paulista de que o Butantan aplicaria as primeiras doses da CoronaVac em janeiro,  Pazuello anunciou que estava prestes a assinar o contrato com a Pfizer. E prometeu começar a campanha de vacinação também em janeiro caso a empresa fornecesse doses já naquele mês – à época, a pasta previa o início da imunização em março.

Apesar da promessa, as conversas com a Pfizer não avançaram. Mas com a Bharat as tratativas foram rápidas. Depois de uma primeira reunião com a equipe de Pazuello, em novembro de 2020, o processo deslanchou em janeiro de 2021, e aí tudo se resolveu em 40 dias. O contrato final foi fechado em 25 de fevereiro. 

Além da insuficiência de dados clínicos, a aquisição da Covaxin chamou ainda mais atenção porque o imunizante da Pfizer havia recebido o registro definitivo da Anvisa poucos dias antes. Foi a primeira vacina contra a Covid a receber o registro, que sinaliza que a eficácia e segurança de um fármaco são irrefutáveis.

O Ministério da Saúde só adquiriu as primeiras doses da vacina americana em março deste ano, sete meses após a primeira oferta, e por um preço consideravelmente menor, US$ 10 por dose (R$ 56 na cotação da época), do que a Covaxin (vendida a US$ 15, ou R$ 80 na celebração do contrato).

No período da ascensão meteórica da Covaxin dentro do ministério, outras negociações que já estavam em curso antes do diálogo com a Precisa Medicamentos foram desconsideradas: a da Janssen (adquirida junto com a Pfizer) e a da Sputnik V, comprada no mesmo mês. A Moderna tem tratativas encaminhadas com a pasta, mas a assinatura do contrato ainda não ocorreu.

A compra da Covaxin só foi possível porque a própria Anvisa revisou suas regras no início de fevereiro e passou a avaliar pedidos de uso emergencial de imunizantes sem ensaios clínicos conduzidos no país. Mas, mesmo com essa flexibilização da regra, a vacina indiana representava uma opção mais arriscada. Primeiro porque o processo certamente seria mais demorado do que o da Pfizer, que já tinha registro definitivo na Anvisa. E depois porque o Brasil vivia um contexto de escassez de imunizantes, quando já se anunciava a segunda onda da Covid.

A Índia, que enfrenta uma segunda onda violenta e a emergência de uma nova variante do coronavírus, tem represado doses e insumos de vacinas para priorizar a imunização da própria população. Além disso, a Bharat Biotech, que fechou contratos com diversos estados indianos, enfrenta dificuldades para manter o ritmo de produção.

Procurado para justificar a opção pela Covaxin e o atraso na entrega dos lotes adquiridos pelo Brasil, o Ministério da Saúde informou que “avançou nas tratativas da contratação do imunizante para garantir mais doses” , mas não respondeu por que a vacina foi priorizada ainda na fase de estudos quando já havia um imunizante com registro definitivo. A respeito dos prazos, a pasta reforçou que o pagamento só será feito mediante autorização da Anvisa. Nesse cenário, ainda segundo o ministério, um novo cronograma de entregas será elaborato pela Bharat.

A Precisa Medicamentos informou que trabalha para cumprir integralmente “requisitos adicionais” da Anvisa, sem especificar o prazo em que a Bharat pretende se adequar aos critérios brasileiros

A representante da Bharat também foi indagada sobre os dados de fase 3 da Covaxin, que ainda não foram publicados, mas não respondeu. A coluna também questionou ao Ministério das Relações Exteriores se há tratativas com o governo indiano, mas ainda não recebeu retorno.

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Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/agendas-indicam-que-governo-priorizou-vacina-indiana-sem-autorizacao-da-pfizer-com-registro.html