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© UNICEF/Brian Sokol Alina em sala de aula no Paraguai, aprendendo a ler e escrever em braile

Dia Mundial do Braille foca em direitos humanos de pessoas com deficiência

ONU News*

As Nações Unidas marcam o Dia Mundial do Braille neste 4 de janeiro. Celebrada desde 2019, a data busca conscientizar da importância desta linguagem para a realização plena dos direitos humanos de pessoas com deficiência visual.

A Organização Mundial da Saúde, OMS, estima que pelo menos 1 bilhão de pessoas, no globo, vivam com alguma limitação visual que poderia ter sido evitada ou ainda não foi tratada.

Direitos das pessoas com deficiência visual

Segundo dados da ONU, pessoas com deficiência visual têm mais chance de viver na pobreza. A falta de cumprimentos dos direitos delas ou de atenção às suas necessidades tem consequências amplas: a perda da visão geralmente representa uma vida inteira de desigualdade, problemas de saúde e barreiras à educação e ao emprego.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em 2006, considera o Braille essencial para a educação, liberdade de expressão e opinião, acesso à informação e inclusão social.

Em novembro de 2018, a Assembleia Geral proclamou 4 de janeiro como o Dia Mundial do Braille. Para o órgão da ONU, a plena realização dos direitos humanos e das liberdades fundamentais depende de uma promoção escrita inclusiva.

Braille

O Braille é uma representação tátil de símbolos alfabéticos e numéricos, usando seis pontos para representar cada letra e número, com a capacidade de comunicar até símbolos musicais, matemáticos e científicos.

O método leva o nome de seu inventor na França do século 19, Louis Braille, é usado por pessoas com diferentes níveis de deficiência visual para ler os mesmos livros e materiais impressos em uma fonte visual.

O Braille é essencial no contexto da educação, da liberdade de expressão e opinião, bem como da inclusão social, conforme refletido no segundo artigo da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Texto publicado originalmente no portal ONU News.

 


De acordo com a Associação Internacional De Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais, o Brasil é o pior país do mundo para ser LGBT | Foto: O Globo

Revista online | O que a luta LGBT pode cobrar do novo governo?

Eliseu de Oliveira Neto*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022) 

Para responder a essa pergunta, precisamos relembrar a história da luta LGBT.  Nunca tivemos um governo que realmente tivesse isso como prioridade. Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro presidente a segurar a bandeira do arco-íris, mas isso porque um militante colocou-a na mão dele durante um ato. É inegável que a quebra de patentes que José Serra fez no combate ao HIV foi uma das melhores políticas para a população, mas também se dirige aos héteros.

Luiz Inácio Lula da Silva fez eventos, conselho lgbt (por decreto), criou o plano de combate à homofobia, mas nada que eu veja como significativo. Ao menos dialogava com a sociedade civil organizada, tinha atenção com as organizações não-governamentais (ONGs), mas poderia e deveria ter lutado pelo casamento homoafetivo, pela criminalização da lgbtfobia e muitas outras pautas, ainda mais com a força que tinha no Congresso e popularidade, mas sua base evangélica e católica segurava os avanços.

Dilma Rousseff foi decepcionante, teve Marco Feliciano na comissão de Direitos Humanos, o governo se colocou contra a criminalização e ainda fez manobras para derrubar o PLC122. Retirou material escolar para ajudar professores a lidar com a homofobia e teve a infeliz ideia de ir à TV, dizendo que não faria “propaganda de opção sexual”, como se alguém pudesse escolher sua orientação.

O governo de Michel Temer não tinha essa pauta como prioridade, mas, como sua base já era conservadora, foi muito menos cobrado, e pudemos avançar em alguns pontos, como o pacto pelos direitos humanos na educação, o programa de combate à lgbtfobia e a criação da diretoria LGBT no Ministério de Direitos Humanos (que foi restaurado em seu governo).

As grandes conquistas foram feitas pelo movimento social. Passamos de um país que nem nos considerava família (cidadãos) para um dos países com mais direitos lgbts do mundo, mas tudo via Judiciário.

Depois, veio o grande desastre: uma ideia de que queríamos privilégios, e os reais privilegiados (homens, ricos, brancos ,cisgêneros) elegeram alguém que fez sua carreira atacando a comunidade. O presidente Jair Bolsonaro destruiu tudo que conseguiu, fechou a diretoria de Direitos Humanos do Ministério da Educação (MEC), atacou o turismo LGBT, que é altamente rentável no Brasil, e tornou praticamente nulo o conselho nacional LGBT.

Teremos muita luta pela frente, um congresso ultraconservador e uma série de mentiras que foram distribuídas para a nação, como a tolice de ideologia de gênero, mamadeira de piroca. Os fundamentalistas sabem exatamente que a escola é o grande campo dessa destruição. Projetos como homeschooling são justamente para evitar a diversidade nas escolas, ensinar criacionismo, transmitir lgbtfobia.

Na educação, precisamos que as escolas sejam um lugar acolhedor, sem violência e sem discriminação, aplicando a lei 13185/2014, que prevê uma equipe multidisciplinar em cada escola para atender aos casos de violência e discriminação.

Somente em 2017, foram apresentados em 35 municípios do Brasil, por 47 vereadores de 10 partidos, projetos que visem proibir e coibir explicitamente qualquer ação ou termo educacional que evoque a discussão sobre gênero e/ou sexualidade nas escolas municipais, estaduais e privadas, inclusive em municípios que já tinham projeto de leis em combate ao bullying nas escolas. Isso demostra uma contradição ideológica em relação ao entendimento sobre o real objetivo de combater a violência no âmbito escolar, que já vinha ocorrendo com intuito de combater o preconceito e a discriminação em relação a gênero, sexualidade e raça.

O bullying pode ser considerado uma ação de violência física ou psicológica, intencional e repetitiva, que ocorra sem motivação evidente, praticada por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas. Esta ação muitas vezes ocasiona às suas vítimas doenças psicológicas e físicas, como depressão aguda, suicídio, abandono escolar, mutilações corporais leves ou graves, coerção, esquizoidismo, baixa alto-estima, acidentes por mortes, assassinatos entre outras causas. Em sua maioria, as violências estão direcionadas às pessoas que demonstram ter algum tipo de referencial de diferença expressa nos aspectos físico, intelectual, cognitivo, de raça/etnia, sexual e/ou de gênero, os quais não estão aparentemente dentro das normas estabelecidas como normativas na sociedade ou na cultura vigente.

Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online

A relação de poder pode ser evidenciada por meio de uma cultura em que prevalece a masculinidade, a branquitude e a cisgeneridade heterossexual como quesitos de superioridades entre os humanos, colocando-os no ápice da pirâmide social como preponente às benesses da vida cotidiana. Portanto, as mulheres, os homens femininos, as masculinas mulheres, deficientes físicos e/ou intelectuais, os negros e as negras, as(os) homossexuais, as(os) bissexuais e/ou os transgêneros são associados como pessoas de menor valor social.

Por isso, nos projetos que envolvem trabalhos de combate ao bullying, devem estar incluídas, com maior atenção, ações contra as violências e violações de direitos que envolvem as relações de gênero, sexualidade, raça/etnia, classe, expressão e identidade de gênero de crianças e adolescentes em âmbito escolar, por estarem inseridas em uma sociedade que prioriza a cultura de direitos pela garantia da diversidade humana. É preciso garantir a solidariedade, a cidadania, o respeito e a dignidade humana em relação à multiculturalidade existencial, que compõe as diferenças sociais.

Em 2010, a Unesco promoveu uma grande campanha “Quebre o silêncio” com objetivo de evidenciar o mutismo que envolvia as questões sobre o bullying homofóbico e suas consequências na humanidade. É evidente que isto deve ser a prioridade máxima do novo governo.

Bolsonaro destruiu o programa de HIV/Aids, retirou orçamento, cortou medicação. As escolas não falam do tema. O resultado pode ser visto na pesquisa divulgada recentemente pelo Ministério da Saúde que aponta para fatos ainda mais tristes: o número de casos de HIV em jovens de 15 a 24 anos apresentou maior aumento. Em dez anos, a taxa mais que dobrou nesta faixa etária.

É urgente retomar e ampliar o programa de HIV, garantir orçamento, medicação e atendimento pelo SUS (que já foi modelo mundial). Além disso, é necessário retomar o debate nas escolas. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional preconiza que se educa para a vida. Os pais não são donos dos seus filhos, são responsáveis por eles, junto ao estado e à sociedade (artigo 245 da Constituição Federal). Assuntos como Infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), sexualidade, profilaxia pré-exposição (prep) e profilaxia pós-exposição (pep) devem ser debatidos dentro das escolas. É um caso de saúde pública.

Precisamos de um “cumpra-se” para as leis que conquistamos, treinar delegados, orientar magistrados e cartórios, além de inserir o assunto na formação dos professores. Leis têm que ser assimiladas para, de fato, funcionarem.

O primeiro secretário de educação de Bolsonaro pediu demissão porque o governo proibiu filmes sobre a pauta. A cultura tem um papel tremendo para combater os preconceitos e transformar pensamentos. É fundamental um grande esforço para reconstruir o Ministério da Cultura (Minc), desaparelhar a Agência Nacional de Cinema (Ancine) e apoiar projetos que versem sobre o tema.

Outros temas atingem a população, a baixa empregabilidade, deixando-os totalmente vulneráveis. O governo precisa oferecer capacitação gratuita e inserção de pessoas transgêneras (transexuais, travestis, não binários) no mercado de trabalho da tecnologia, buscando ser uma ponte entre pessoas trans e empresas.

No recorte mais vulnerável das pessoas trans, percebemos que muitas estão em situação de vulnerabilidade porque não tinham conseguido terminar os estudos, e a prostituição acaba se tornando um mecanismo de geração de renda justamente pela baixa escolaridade. Estimativas apontam que 96% das trans que se prostituem dizem que a prostituição é a única forma de sustento.

Pesquisa realizada pelo partido Cidadania23, em parceria com a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), realizada com mais de mil profissionais LGBT e heterossexuais no país, revela que metade dos que se declararam gays assumiram sua orientação sexual no ambiente de trabalho. Desse mesmo total, cerca de 35% alegaram terem sofrido algum tipo de discriminação sexual. Outros 25% decidiram não assumir a orientação sexual. Deste total, 32% optaram por não revelar sua orientação por receios de represálias.

Outro dado preocupante revela que 33% dos heterossexuais pesquisados afirmam ter presenciado algum tipo de discriminação com algum profissional LGBT no ambiente de trabalho. Deste total, 17% revelaram que o episódio teria ocorrido nos últimos seis meses anteriores à entrevista.

Outro estudo utilizado no artigo aponta que 82% dos entrevistados LGBT destacam a existência de um longo caminho para que as empresas os acolham melhor. Por outro lado, apenas 38% dos heterossexuais afirmam que colegas LGBTs se sentem devidamente acolhidos no trabalho.

Ao serem questionados sobre o atual governo, 64% dos entrevistados LGBT afirmaram que a atual gestão não se preocupa com a diversidade no Brasil. Além disso, para 67%, a promoção de igualdade entre gêneros é uma responsabilidade governamental. Em relação à homofobia, 76% dos pesquisados afirmaram que o Brasil é uma país homofóbico.

Dados do Instituto Ethos apontam que mulheres são pouco mais de 10% em posições de conselho – excluindo as herdeiras, o número é ainda menor. Pessoas negras, que é como 54% dos brasileiros se reconhecem (IBGE), não chegam a 5% dos cargos diretivos. Pessoas com deficiência ainda são contratadas sob uma perspectiva meramente legalista, de cumprimento da Lei de Cotas. Em relação a pessoas trans, quantas delas você já viu liderando grandes equipes?

Dos respondentes LGBT, apenas 13% afirmaram ocupar ou ter ocupado, anteriormente, um cargo de diretoria ou C-level. Outros 15% ocupavam ou ocupam cargos de coordenação e gestão, enquanto a grande parte (54%) representa cargos de entrada, isto é, analistas, assistentes ou estagiários.

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Direito ao emprego é dignidade, sustento, e gera saúde mental. O próximo governo pode lutar por incentivos nas empresas e investir em campanhas publicitárias contra a discriminação, além de lutar contra essa disparidade

Pesquisas mostram que  LGBTs são 8% dos moradores de rua. São graves a exclusão familiar e o desamparo. É fundamental criar abrigos preparados para esta população, pois, muitas vezes, idosos LGBTs têm que voltar para o armário, já que há muito preconceito em asilos e abrigos.

Voltando para a saúde, precisamos de médicos capacitados, que usem o nome social e tenham sensibilidade. Imagine uma mulher lésbica sendo examinada por um homem?

Temos muita luta pela frente e um total retrocesso para enfrentar. Precisamos cobrar do próximo governo um compromisso real e não sermos mais usados como moeda de barganha.

Sobre o autor

*Eliseu de Oliveira Neto é psicólogo, psicanalista, educador, membro da executiva do Cidadania, coordenador nacional do Diversidade23 e integrante da Aliança Nacional LGBTI.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de novembro/2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Fernando Abrucio: Alimentar o ódio é minar a nação

Democracia Política e Novo Reformismo*

A construção de nações foi uma das tarefas mais complexas da história da humanidade. O primeiro passo é estabelecer os limites territoriais dos países, algo ainda inacabado em parte do mundo, tendo muitas vezes a guerra como solução. Mas o aspecto mais complicado está na produção da identidade nacional. Constituir um povo que conviva com suas diferenças não é nada trivial. Mesmo sendo escandalosamente desigual, o Brasil conseguiu edificar uma sociedade razoavelmente tolerante, com espaços de convívio e respeito mútuo. Só que o ódio entre brasileiros tem sido alimentado cotidianamente. Isso pode afetar o destino de curto e longo prazo da nação.

O ódio social nunca foi uma bússola para construir civilizações. Nos casos mais extremos, produziu-se a barbárie. Assim foi na Alemanha nazista, com a perseguição de vários grupos sociais, especialmente os judeus, com 6 milhões de mortos. O Brasil atual está longe disso, mas o crescimento do neonazismo nas redes sociais e manifestações declaradamente nazistas em universidades e até em escolas particulares de educação básica revelam que há sementes totalitárias sendo plantadas em nossa nação.

Mas o ódio pode ter uma forma mais branda e duradoura, com divisões sociais marcadas pelo rechaço completo entre as forças políticas, transformando a atividade da política em um jogo de mágoas perpétuas. A Argentina tem trilhado essa história desde a Segunda Guerra Mundial, com períodos autoritários muito violentos e com momentos democráticos em que o diálogo tem pouco espaço entre os diferentes. O fato é que o desenvolvimento econômico e social argentino foi barrado por um grau de polarização que dificulta qualquer decisão que resulte da negociação e do respeito mútuo. Esse é o efeito Orloff que o Brasil mais deveria temer.

Nos últimos 15 anos, um novo ciclo internacional de ódio político foi constituído. Ele é a combinação do avanço de redes sociais propositadamente polarizadoras com o discurso da nova extrema direita, caracterizada pela defesa de valores tradicionais, pelo nacionalismo excludente (nem todos os integrantes da nação são legítimos) e pela crítica às instituições impulsionadas a partir do Iluminismo ocidental. Por meio desses dois elementos, construiu-se um movimento baseado na busca da destruição dos inimigos, como a mídia tradicional, os liberais globalistas, a esquerda em seus vários matizes, a ciência e os intelectuais, além de grupos sociais politicamente minoritários (mulheres, negros, LGBTQIA+ etc.), para citar os principais alvos, realizando uma hiperpolitização de todos os espaços da vida humana.

A hiperpolitização significa que nenhum espaço da vida humana pode estar alheio às ideias políticas que norteiam o grupo que se pretende dominante, ou melhor, que pretende eliminar todos os que não concordam com ele. É uma noção similar ao conceito de ideologia usado por Hannah Arendt para descrever os totalitarismos do século XX. Os filmes de Goebbels muitas vezes falavam da vida cotidiana, da higiene que a raça ariana deveria cultivar para se tornar superior. Hoje, a hiperpolitização não define apenas o que se deve fazer na seara política, mas como se comportar na esfera privada.

A política é a atividade mais nobre entre os seres humanos, como já pensavam os clássicos como Aristóteles e Maquiavel, porém, quando tudo vira política, há grandes chances de se criar uma sociedade incapaz de conversar na padaria, de tomar o mesmo ônibus, de se sentar numa mesma sala de aula, de entender que o direito de um termina quando afeta a liberdade do outro - evitar que uma pessoa doente atravesse uma estrada é matar o sentido de uma nação. Será que a Copa do Mundo nos trará a ideia de brasileiros, iguais na sua diferença, de volta?

É muito assustador quando uma sociedade começa a funcionar segundo uma divisão baseada no ódio ao outro, a quem pensa diferentemente ou tem uma origem social distinta. O clima social geral e em todas as organizações fica extremamente pesado. Haverá mais conflitos desnecessários, em algumas situações se chegará à violência, com a possibilidade da morte de um irmão ou irmã não de sangue, mas de identidade nacional. As escolas se tornarão menos suscetíveis ao aprendizado como resultado do diálogo e do compartilhamento de experiências diferentes. As empresas também sofrerão com esse processo de disseminação do ódio, provavelmente reduzindo sua produtividade, porque o sucesso organizacional depende bastante da combinação de talentos e visões de mundo diferentes.

Para exemplificar a que ponto se chegou o ódio alimentado pelo bolsonarismo, basta lembrar que o Brasil precisa do Nordeste para a construção de seu imaginário cultural e de seu sucesso econômico - experimente segregar os estados, e barreiras econômicas nascerão a seguir, perdendo-se mercado consumidor e capital humano. Os meninos da escola privada que trataram seus colegas de forma preconceituosa terão enormes dificuldades de conseguir empregos no futuro, pois as empresas estão demandando diversidade, e quem for contra isso terá menos espaço na economia do século XXI. Voltando à Copa do Mundo, tema que vai ser dominante nas próximas semanas, seria impossível ganhar qualquer um dos cinco títulos que temos se o atual modelo de ódio definisse as convocações.

Aqui vale diferenciar o conceito de pátria do sentido da palavra nação. Ficou na moda em certos círculos sociais se definir como patriota. Gostar da bandeira e do hino nacional unifica as pessoas de um país. Só que a palavra pátria tem a ver mais com o lado oficial do Estado nacional, e relaciona-se menos com o que profundamente liga as pessoas em uma determinada sociedade. A pátria pode ser evocada por ditadores, por gente que mata seus semelhantes em nome de objetivos políticos - muitos dos autoproclamados patriotas que estão nas ruas querem destruir seus inimigos, mesmo que sejam seus vizinhos que um dia os levaram ao hospital ou cuidaram de seus filhos quando estavam fora de casa.

A nacionalidade, ao contrário, vai além da estrutura institucional do poder. Ela está lá também, entretanto, sua principal característica é ser um sentimento profundo e de longo prazo de pertencimento a uma coletividade. A nação unifica sem que se produza a homogeneidade social. Em vez disso, deve garantir a unidade na diversidade, alimentando consensos e gerindo dissensos. O pertencimento a uma nação é a possibilidade de discordar e conviver, como quem torce para times diferentes, discute quem é a melhor equipe, xinga o juiz do jogo, mas ao final aceita as regras e acredita que o futebol só tem graça porque há adversários. O que seria do Corinthians sem o Palmeiras, e vice-versa?

O ódio político está minando os vínculos básicos da nação brasileira. Em termos coletivos e intertemporais, ninguém ganha com isso, a não ser grupos organizados para conquistar o poder por meio da violência política e social. O problema é que esse tipo de extremismo convenceu uma parcela relevante da sociedade brasileira que, inebriada pela hiperpolitização que parece dar respostas a todas as angústias da vida social, mobiliza-se cegamente para a destruição das bases mais amplas da coletividade, colocando em risco o seu presente e, sobretudo, o futuro de seus filhos e netos.

No curto prazo, é preciso construir espaços públicos de diálogo entre os diferentes, mostrando como é possível conviver com a divergência, negociar posições e até mudar de opinião. Claro que aqueles que cometeram crimes contra a democracia, segundo define a lei, podem ser punidos. Todavia, a maioria que está descontente com o resultado eleitoral e acredita nas teorias conspiratórias que são alimentadas pela hiperpolitização pode ser trazida de volta ao debate democrático com suas diferenças em relação ao presidente eleito.

Para isso, é preciso que as principais instituições sociais, como a mídia e a universidade, e o novo governo se guiem pela maior abertura possível para conversar e incorporar demandas de diferentes setores sociais. No caso da terceira gestão presidencial de Lula, ele terá que se vigiar constantemente para evitar o hegemonismo que por muitas vezes acomete o PT. A frente ampla é a única forma de salvar a nação da doença do ódio que cresce no país, e ela será feita de grandes decisões e de pequenos atos, como o relativo à discussão da presidência do BID, quando o petismo se esqueceu das lições recentes e atuou como no passado hegemonista.

A solução estrutural para evitar o crescimento do ódio político e social está na educação. É preciso fazer da diversidade a peça central do ensino, da creche à universidade. Há quase 30 anos formo alunos com ideias diferentes, e sempre estimulei o convívio e o aprendizado entre os divergentes. Já falhei na minha jornada pedagógica, como num episódio recente em que fui desrespeitoso com quem pensava diferentemente de mim. Talvez todos estejamos envoltos em muito ódio, quando precisamos de paciência e de empatia. Por essa razão, dedico este artigo a Danielle Klintowitz, falecida precocemente há algumas semanas. Ela foi minha orientanda e seu doutorado mostrava que uma política pública bem-sucedida depende de negociação e acordos entre os diferentes. E o que vale para ações governamentais, vale para a convivência de todas as pessoas da nossa nação.

*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas.

Texto publicado originalmente no Democracia Política e Novo Reformismo.


O Museu Comunitário da Memória Histórica em Rabinal, Guatemala, dignifica a memória das vítimas de assassinatos e desaparecimentos forçados na área | Pnud/ Guatemala/Caroline Trutmann Marconi

ONU alerta para malefícios na vida de vítimas de desaparecimentos forçados

ONU News*

Este 30 de agosto é o Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados. Para as Nações Unidas, esse tipo de violência se tornou um problema global e não se restringe a uma região específica do mundo.

No passado, muitas pessoas desapareciam por consequência de ditaduras militares. Hoje, a prática acontece também em situações complexas de conflito interno, especialmente como meio de repressão política de opositores.

Impacto dos desaparecimentos forçados

Milhares de pessoas desapareceram durante conflitos ou períodos de repressão em pelo menos 85 países ao redor do mundo.

O desaparecimento forçado tem sido frequentemente usado como estratégia para espalhar terror na sociedade. O sentimento de insegurança gerado por essa prática não se limita aos familiares próximos dos desaparecidos, mas atinge também suas comunidades e a sociedade como um todo.

De particular preocupação são a perseguição contínua de defensores de direitos humanos, familiares de vítimas, testemunhas e advogados que lidam com casos de desaparecimento forçado, o uso pelos Estados de atividades antiterroristas como desculpa para o descumprimento de suas obrigações, e a impunidade.

A ONU também pede atenção especial a grupos específicos de pessoas especialmente vulneráveis, como crianças e pessoas com deficiência.

© Unicef/Sebastian Rich ONU diz haver centenas de milhares de vítimas da tortura

Tortura

As Nações Unidas também alertam que as vítimas de desaparecimentos forçados são frequentemente torturadas e temem constantemente por suas vidas, além de estarem cientes de que suas famílias não sabem o que aconteceu com elas e que há poucas chances pequenas de que alguém venha em seu auxílio.

Essas pessoas, quando retiradas do recinto de proteção da lei e ficam “desaparecidas” da sociedade, são privadas de todos os seus direitos e ficam à mercê de seus captores.

Mesmo que a morte não seja o resultado e a vítima seja finalmente libertada do pesadelo, as cicatrizes físicas e psicológicas desta “forma de desumanização e a brutalidade e tortura” que muitas vezes a acompanham permanecem.

Familiares das vítimas

Os familiares e amigos das vítimas experimentam angústia, sem saber se a vítima ainda está viva ou onde está detida, em que condições e em que estado de saúde. Além disso, sabem que estão ameaçados, que podem sofrer o mesmo destino e que a busca da verdade pode expô-los a um perigo ainda maior.

A angústia da família é frequentemente agravada pelas consequências materiais do desaparecimento. Em alguns casos, a legislação nacional pode impossibilitar o saque de uma pensão ou o recebimento de outros meios de subsistência na ausência de uma certidão de óbito.

Quando mulheres são vítimas diretas do desaparecimento, se tornam particularmente vulneráveis à violência sexual.

As crianças também podem ser vítimas, direta e indiretamente. A perda de um dos pais por desaparecimento também é uma grave violação dos direitos humanos de uma criança.

Foto ONU/Cia Pak O dia internacional aprovado na Assembleia Geral em dezembro de 2010

Origens do dia

O dia internacional aprovado na Assembleia Geral em dezembro de 2010. A resolução expressava profunda preocupação com o aumento de desaparecimentos forçados ou involuntários em várias regiões do mundo.

A ONU saudou a adoção da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados, criada em 1992, que é um conjunto de princípios para todos os Estados.

*Texto publicado originalmente na ONU News. Título editado.


O antirracismo na prática | Foto: digitalskillet /Shutterstock

O antirracismo na prática e o tratamento diferenciado às pessoas brancas

Geledés*

Se você é uma pessoa branca e ainda não leu Grada KilombaSueli Carneiro, Lélia GonzalezCida BentoÂngela Davisbell hooks ou Frantz Fanon talvez você esteja longe de exercer seu antirracismo de modo pleno e consciente. Por outro lado, entendo que apenas ler essas autoras e autores não faz de ninguém antirracista automaticamente, até porque, para este tipo de luta, é preciso bem mais que um envolvimento intelectual, mas acredito que ao lê-los, há grandes chances de você, pessoa branca, compreender com mais profundidade as nuances e sutilezas do racismo e, assim, captar as camadas dos argumentos e ações racistas com mais precisão.

Toda vez que vemos episódios de racismo ganhar espaço nas redes e nas grandes mídias geralmente são casos emblemáticos, como xingamentos e agressões racistas. Raramente vemos associados à outras cenas menos explicitas, mas tão violentas quanto. Digo isso, porque as “micros violências” que negros e negras são submetidos todos os dias não ganham relevância nem destaque. Por isso que, para além de denunciarmos esses casos nefastos de racismo explicito, é necessário também um aprofundamento nessa questão e que passa pela leitura dos autores e autoras que citei no início desta coluna.

Dias atrás, veio à tona mais um desses episódios assombrosos de racismo explícito. O caso envolvendo os filhos dos atores Giovana Ewbank e Bruno Gagliasso, rendeu aplausos e apoio público, principalmente à Giovana que partiu para cima de uma senhora racista, em Portugal. Aliás, muito simbólico que este caso tenha acontecido em terras portuguesas, o que demonstra que o país também precisa discutir com mais profundidade e urgência as questões raciais. Creio que Giovana fez o que tinha de ser feito: disse tudo que uma racista deve ouvir. O que evidencia uma postura ética de quem de fato não aceita o racismo de forma alguma.

Portanto, não há dúvidas de que Giovana exerceu o antirracismo na prática, tanto nas palavras, quanto nas ações. Foi de certo modo uma atitude bem didática de como pessoas brancas podem agir diante do racismo. Além disso, o fato de o episódio envolver crianças gerou ainda mais comoção e indignação. Em poucas horas a internet sacudiu com elogios à Giovana e mensagens de apoio. Lembrando também que essa não foi a primeira vez que o casal passou por situações parecidas como essa, por causa de seus filhos negros.

O fato é que o tratamento de apoio dado à Giovana também revela o quanto o privilégio branco incide até nestes momentos de denúncia, porque mostra o quanto esse mesmo privilégio pode mascarar a luta antirracista. Isto significa dizer que, pessoas brancas e famosas como é o caso de Giovana e Bruno, expõe uma sociedade que reconhece com mais facilidade e empatia a luta contra o racismo quando os protagonistas dessa luta são brancos. Essa constatação, por outro lado, não invalida e nem deve servir para inibir outras pessoas brancas de agirem com firmeza diante do racismo.

Pois a questão que se coloca aqui é a de que não há uma igualdade de tratamento entre brancos e negros mesmo quando estão do mesmo lado na luta antirracista. Porque não esqueçamos que homens e mulheres negras são vítimas dessas violências todos os dias, mas dificilmente ganham adesão e apoio popular nesta proporção. Isso quando não são qualificados como agressivos ou que não sabem dialogar. Em outras palavras, uma pessoa branca pode dizer o que quiser diante de um racista, pode pôr o dedo na cara sem qualquer receio de retaliação, ou de ser acusada de barraqueira, o que muito provavelmente não aconteceria com uma mulher negra na mesma situação.

Reforço que acho bastante positivo que Giovana tenha tido essa postura diante de um episódio de racismo e que se utilizou do seu lugar de privilégio e de prestígio para a luta antirracista. No entanto, não percamos de vista que ainda estamos longe, muito longe de uma igualdade racial no Brasil.

*Texto publicado originalmente no Geledés.


Arnaldo Jordy: A vida que pouco vale

Passados dez anos da aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas do Plano de Ação Mundial para combater o tráfico de pessoas, o problema parece ter se agravado no mundo todo, em decorrência das ondas migratórias que deslocam milhares de pessoas da África e do Oriente Médio em direção à Europa, e da Venezuela em direção a outros países da América do Sul, tornando essas pessoas vulneráveis à ação de exploradores do trabalho escravo e da prostituição, inclusive infantil, a mais cruel forma de exploração do trabalho jamais vista.

Por esse motivo, o secretário-geral da ONU, António Guterrez, fez um apelo esta semana, por ocasião da passagem do Dia Mundial contra o Tráfico de Pessoas, a 30 de julho, para que os governos adotem medidas coordenadas para combater essa violação dos direitos fundamentais das pessoas e que tem nas mulheres e crianças 71% das suas principais vítimas.

Em dezembro, um encontro internacional no Marrocos vai discutir o Pacto Global para Migração, uma tentativa de firmar regras a serem seguidas pelos países, para que haja um tratamento mais humano a essas pessoas que fogem das guerras e da fome e que estão sujeitas a serem tratadas como mercadoria ou mão de obra escrava. Por isso, a ONU pede que os países adotem medidas para identificar os migrantes que são propensos à exploração pelo tráfico de pessoas, e que passem a adotar mecanismos de proteção para essas pessoas, evitando que se degradem ainda mais os indicadores de tráfico de pessoas e exploração sexual no mundo.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 21 milhões em todo o mundo são vítimas de traficantes de pessoas, seja para o trabalho em condições degradantes e desumanas, tanto no campo, em fazendas, como costuma ocorrer com frequência no Pará e em outros estados brasileiros, quanto nos grandes centros urbanos, onde os migrantes são explorados como mão de obra barata em fabriquetas de confecções, que muitas vezes fornecem peças para grandes marcas de roupas.

É preciso também olhar para o que acontece dentro do nosso quintal, na nossa casa. Esta semana, uma reportagem de televisão mostrou que o problema das crianças balseiras persiste na região do Marajó, algo que tenho denunciado desde a CPI da Pedofilia na Assembleia Legislativa do Pará, em 2008, a partir de apelos feitos pelo bispo do Marajó, Dom Luiz Azcona, e irmã Henriqueta Cavalcante. Na ocasião, o relatório feito por mim apontou para uma estimativa de 100 mil casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes no estado do Pará, em um período de cinco anos, de 2005 a 2009, dos quais 26 mil com algum tipo de registro. Em dois anos, a CPI da Pedofilia recebeu 843 denúncias, investigou 148 casos, visitou 47 municípios e obteve depoimentos de 173 pessoas, solicitando 46 prisões. Graças à CPI da Pedofilia, houve uma mobilização no Judiciário para enfrentar esses casos, dando visibilidade ao problema, que quase sempre ficava escondido sob o véu do poderio econômico.

Entendo que esse problema só será totalmente superado quando a região do Marajó, onde estão alguns dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do País, superar a miséria extrema que faz com que crianças sejam obrigadas a vender o corpo e troca de alimento. No entanto, podemos mitigar a situação reforçando a rede de proteção a essas crianças, além de alertar e informar a população de todas as maneiras possíveis. Nesse sentido, conquistamos um feito, com a ajuda dos governos do Estado e Federal, que foi equipar todos os Conselhos Tutelares de todos os municípios do Pará com carros, computadores e outros materiais, para que os conselheiros tutelares possam desenvolver seu trabalho, objetivo alcançado este ano, com muito esforço.

Esse é apenas um começo, cada cidadão deve fazer a sua parte, denunciando os casos que estão nas sombras e exigindo a punição dos culpados. Essa é uma luta de todos.

*Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS-PA