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Ricardo Noblat: Bolsonaro faz barba, cabelo e bigode na nova pesquisa Datafolha
Os efeitos do dinheiro no bolso
O que aconteceu entre a última semana de junho passado quando o Datafolha foi a campo para saber a opinião dos brasileiros sobre o governo de Jair Bolsonaro, e esta quando repetiu a dose?
Fabrício Queiroz foi preso na casa do advogado do presidente Bolsonaro e do seu filho Flávio, senador. E, no último sábado, o Brasil atingiu a triste marca dos 100 mil mortos pelo coronavírus.
A devastação da Amazônia seguiu em frente e até cresceu. O Ministério da Saúde completou 3 meses sob o comando de um general. E mal tomou posse, o 4º ministro da Educação adoeceu.
O que explica então que a aprovação de Bolsonaro tenha aumentado e a rejeição caído segundo a nova pesquisa Datafolha? Duas poderosas coisinhas, pela ordem de importância.
A primeira: o auxílio emergencial de 600 reais pago a pelo menos 42% da população para que ela enfrentasse os efeitos da pandemia. A segunda: a mudança de comportamento de Bolsonaro.
O índice dos que acham o governo ótimo ou bom subiu de 32% para 37%. Caiu de 44% para 34% o índice dos que o acham ruim ou péssimo. É a melhor avaliação desde que o governo começou.
Dos 5 pontos de crescimento da taxa de avaliação positiva, pelo menos três vêm dos trabalhadores informais ou desempregados que têm renda familiar de até três salários mínimos.
Entre os que receberam o auxílio, a taxa dos que consideram Bolsonaro um presidente ótimo ou bom é seis pontos superior à observada entre os que não pediram o benefício.
A popularidade do presidente no Nordeste, a região mais pobre do país, cresceu seis pontos. Bolsonaro no modo bonzinho reduziu sua desaprovação entre os brasileiros de maior renda no Sudeste.
Fique, portanto, Bolsonaro à vontade para criticar governadores e prefeitos que decretaram medidas de isolamento social, defender a volta ao trabalho e prescrever cloroquina aos doentes.
Tudo isso lhe será perdoado. Só não pare de pagar o auxílio emergencial, ou qualquer outro nome que se lhe dê. Nem o reduza. Se reduzir será lembrado como aquele que deu e depois tomou.
A mesma mão que hoje afaga, amanhã apedreja.
O Supremo Tribunal Federal tenta exorcizar o fantasma do SNI
Arapongas sob freios
O fantasma do Serviço Nacional de Informações (SNI) fez o governo Bolsonaro colher mais uma derrota no Supremo Tribunal Federal. Criado depois do golpe militar de 64 para supervisionar e coordenar as atividades de informações e contrainformações no Brasil e exterior, e extinto em 1990 pelo presidente Fernando Collor, o SNI foi o órgão repressor mais eficiente da ditadura.
“Eu criei um monstro”, reconheceu o general Golbery do Couto e Silva, seu fundador, e ex-ministro dos governos Ernesto Geisel e João Figueiredo. Foi para evitar que algo parecido possa ressurgir que o Supremo decidiu impor limites à atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ela só poderá pedir informações a outros órgãos se “ficar evidenciado o interesse público”.
São 42 os órgãos que integram o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) – entre eles a Polícia Federal, a Receita Federal, o Banco Central e a Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça. O Supremo também barrou o envio à Abin de dados como quebra de sigilo e escutas telefônicas, que somente podem ser obtidos com prévia autorização judicial.
“Arapongagem não é direito, é crime. Praticado pelo estado, é ilícito gravíssimo”, disse a ministra Carmen Lúcia, relatora do caso. “Qualquer fornecimento de informação que não cumpra rigores formais do direito contraria a finalidade legítima posta na lei da Abin. […] Não é possível ter como automática a requisição sem que se saiba por que e para quê”.
Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luix Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli acompanharam o voto da ministra. Celso de Mello ausentou-se e Marco Aurélio Mello votou contra. Fachin foi direto ao ponto: “O modelo adotado pelo SNI durante a ditadura não pode, sob nenhuma hipótese ser o mesmo da Abin”.
A Abin é comandada pelo delegado Alexandre Ramagem que cuidou da segurança de Bolsonaro depois da facada em Juiz de Fora. Bolsonaro o nomeou diretor-geral da Polícia Federal. Sua posse acabou suspensa pelo ministro Alexandre de Moraes. Por pouco, o episódio não provocou uma crise institucional. Bolsonaro chegou a anunciar que fecharia o Supremo. Recuou depois.
El País: Brasil perde status de democracia liberal perante o mundo
Instituto V-Dem diz que país é mera democracia eleitoral. Ataque orquestrados a jornalistas, enfermeiros e cientistas são a ponta do iceberg. Nenhum regime autoritário foi instalado sem uma manipulação prévia de uma parcela da sociedade
Nesta semana, o secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, apresentou um dado revelador: no mundo, 40% das postagens numa grande plataforma social sobre a covid-19 eram realizadas por robôs. Se o dado em si é surpreendente, a pergunta que precisa ser feita é óbvia: a quem serve tal esforço? Por qual motivo um movimento disfarçado de indivíduos anônimos ― e portanto de massa ― buscaria influenciar a opinião pública sobre uma pandemia que matou nos EUA mais que a Guerra do Vietnã?
E por qual motivo líderes de nações supostamente democráticas se lançam, ao mesmo tempo, em ataques explícitos ou camuflados de “espontâneos” contra a imprensa, um eventual antídoto à proliferação de desinformação? No domingo, em pleno dia internacional da liberdade de expressão, jornalistas foram atacados em Brasília. A opção da presidência foi por minimizar os eventos. Dias depois, foi a vez do próprio presidente Jair Bolsonaro revelar sua índole mais íntima ao mandar um repórter “calar a boca” e ofender a imprensa.
Os jornalistas são apenas parte de uma nova rotina do poder. Nesta terça, Bolsonaro gritou duas vezes com jornalistas mandando um “cala a boca”, algo que só a ditadura viu no Brasil. Mas os relatos se espalham pelo país sobre como enfermeiras e médicos estão sendo alvos de ataques de apoiadores do Governo. Não faltam agressões morais contra professores, artistas, intelectuais ou cientistas, todos eles vistos como potenciais ameaças. Enquanto isso, nas redes sociais, milhares de robôs e apoiadores autênticos de um movimento violento transformam plataformas em trincheiras da mentira.
Nos discursos, quase nunca de improviso, Deus e ódio se misturam nas mesmas frases. Judas é evocado para atacar antigos pilares do movimento. A religião passa a legitimar abusos de direitos humanos. Pede-se orações para que um líder cuja promessa era a de exterminar o contraditório. Todos se apresentam como pessoas de bem. Todos se apresentam como patriotas, únicos autorizados a vestir as cores nacionais.
Nas ruas, nas praças, no mundo virtual ou na violência diária, todos esses personagens têm algo em comum: o desprezo pela democracia. O ruído causado por esse grupo, instigado por seus líderes, certamente é maior que seu número real de apoiadores. Mas ainda assim tal massa é relevante no cenário em que vivemos. Uma massa que mistura classes sociais sob uma única ideologia, com um comportamento fanático capaz criar uma surdez crônica.
Instrumentalizada, ela cumpre justamente um objetivo, online e offline: o de dar pinceladas de legitimidade popular a um movimento claramente autoritário. “Foi uma demonstração espontânea da democracia”, afirmou o presidente, numa referência aos recentes atos. Nada disso é novo. Nenhum regime autoritário foi instalado sem uma manipulação prévia de uma parcela da sociedade.
Hannah Arendt aponta como, anos antes da chegada ao poder de tais forças na Europa, sociedades de classes foram dissolvidas em massas. Já os partidos foram destruídos e substituídos apenas por ideologias. Em Brasília neste fim de semana, as caravanas do autoritarismo eram a distopia de um sonho de uma cidade erguida para ser a capital de um novo século, democrático. Nas sombras dos traços do arquiteto estavam os reflexos de uma parcela da sociedade que jamais viu a democracia com entusiasmo, que sempre desconfiou da ideia do pluralismo, que jamais entendeu a noção do público e que, com seu egoísmo insultante, nutre a convicção de que as instituições são uma fraude.
Ameaçado pelo vírus e por uma recessão brutal, o Governo mobiliza suas tropas cegas pela ignorância para se defender, aprofundar seu desprezo pela verdade e levar um país ao limite de sua coesão nacional. Todos os sinais apontam na mesma direção: a democracia brasileira está ameaçada e seu desmonte ocorre em plena luz do dia. Em cada desafio disparado a um dos poderes, em cada gesto de violência, em cada mentira disseminada e em cada caixão enterrado.
O Instituto V-Dem da Universidade de Gotemburgo, um dos maiores bancos de dados sobre democracias no mundo, já deixou de classificar o Brasil desde o começo do ano como uma "democracia liberal”. Agora, o país é uma mera democracia eleitoral.
O instituto produz e coleta informações sobre países entre 1789 a 2019 e conclui que, nos últimos dez anos, a deterioração da democracia no Brasil só não foi maior que a realidade verificada na Hungria, Turquia, Polônia e Sérvia. Segundo Staffan Lindberg, um dos autores do informe e diretor do instituto, tal tendência ganhou uma nova dimensão mais recentemente. “O Brasil foi um dos países no mundo que registrou a maior queda nos índices de democracia nos últimos três anos”, alertou.
Na ONU, gabinetes da alta cúpula da entidade são tomados por preocupações em terno do discurso anti-democrático e o encolhimento real do espaço civil. Pela primeira vez em décadas, o país é denunciado nas instâncias internacionais, inclusive por flertar com o risco de genocídio.
Em outras palavras: o direito inalienável de viver numa democracia plena não está garantido. O Centro para o Futuro das Democracias da Universidade de Cambridge foi categórico num recente informe sobre a situação das democracias no mundo: “Para o Brasil, ao que parece, o futuro foi adiado mais uma vez”.
Enquanto essa eterna promessa é uma vez mais torturada, a fronteira entre massa hipnotizada e dos robôs programados para disseminar desinformação parece se desfazer à medida que a crise institucional e de valores se aprofunda. No mundo virtual ou numa praça ensolarada, ambos tem a missão de disseminar um vírus mortal: a pandemia do ódio, capaz de aleijar uma democracia. Como troféu, seu mito governará sobre esqueletos, mordaças e carcaças. Ainda assim, com a fumaça negra desonrando o horizonte do Planalto Central, irá declarar solenemente: “e daí?”.
Agência Fapesp: Tecnologia que sequenciou coronavírus em 48 horas permitirá monitorar epidemia em tempo real
Karina Toledo, da Agência FAPESP
Apenas dois dias após o primeiro caso de coronavírus da América Latina ter sido confirmado na capital paulista, pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz e das universidades de São Paulo (USP) e de Oxford (Reino Unido) publicaram a sequência completa do genoma viral, que recebeu o nome de SARS-CoV-2.
Os dados foram divulgados nesta sexta-feira (28/02) no site Virological.org, um fórum de discussão e compartilhamento de dados entre virologistas, epidemiologistas e especialistas em saúde pública. Além de ajudar a entender como o vírus está se dispersando pelo mundo, esse tipo de informação é útil para o desenvolvimento de vacinas e testes diagnósticos.
“Ao sequenciar o genoma do vírus, ficamos mais perto de saber a origem da epidemia. Sabemos que o único caso confirmado no Brasil veio da Itália, contudo, os italianos ainda não sabem a origem do surto na região da Lombardia, pois ainda não fizeram o sequenciamento de suas amostras. Não têm ideia de quem é o paciente zero e não sabem se ele veio diretamente da China ou passou por outro país antes”, disse Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da USP.
De acordo com Sabino, a sequência brasileira é muito semelhante à de amostras sequenciadas na Alemanha no dia 28 de janeiro e apresenta diferenças em relação ao genoma observado em Wuhan, epicentro da epidemia na China. “Esse é um vírus que sofre poucas mutações, em média uma por mês. Por esse motivo não adianta sequenciar trecho pequenos do genoma. Para entender como está ocorrendo a disseminação e como o vírus está evoluindo é preciso mapear o genoma completo”, explicou.
Esse monitoramento, segundo Sabino, permite identificar as regiões do genoma viral que menos sofrem mutações – algo essencial para o desenvolvimento de vacinas e testes diagnósticos. “Caso o teste tenha como alvo uma região que muda com frequência, a chance de perda da sensibilidade é grande”, disse.
Vigilância epidemiológica
Ao lado de Nuno Faria, da Universidade de Oxford, Sabino coordena o Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE). O projeto, apoiado por FAPESP, Medical Research Council e Fundo Newton (os dois últimos do Reino Unido), tem como objetivo estudar em tempo real epidemias de arboviroses, como dengue e zika.
“Por meio desse projeto foi criado uma rede de pesquisadores dedicada a responder e analisar dados de epidemias em tempo real. A proposta é realmente ajudar os serviços de saúde e não apenas publicar as informações meses depois que o problema ocorreu”, disse Sabino à Agência FAPESP.
Segundo a pesquisadora, assim que o primeiro surto de COVID-19 foi confirmado na China, em janeiro, a equipe do projeto se mobilizou para obter os recursos necessários para sequenciar o vírus assim que ele chegasse no Brasil.
“Começamos a trabalhar em parceria com a equipe do Instituto Adolfo Lutz e a treinar pesquisadores para usar uma tecnologia de sequenciamento conhecida como MinION, que é portátil e barata. Usamos essa metodologia para monitorar a evolução do vírus zika nas Américas, mas, nesse caso, só conseguimos traçar a origem do vírus e a rota de disseminação um ano após o término da epidemia. Desta vez, a equipe entrou em ação assim que o primeiro caso foi confirmado”, contou Sabino (leia mais em: agencia.fapesp.br/25356/).
Quebra de barreiras
O primeiro caso de COVID-19 no Brasil (BR1) teve diagnóstico molecular confirmado no dia 26 de fevereiro pela equipe do Adolfo Lutz. Trata-se de um paciente infectado na Itália, possivelmente entre os dias 9 e 21 deste mês. O sequenciamento do genoma viral foi conduzido por uma equipe coordenada por Claudio Tavares Sacchi, responsável pelo Laboratório Estratégico do Instituto Adolfo Lutz (LEIAL), e Jaqueline Goes de Jesus, pós-doutoranda na Faculdade de Medicina da USP e bolsista da FAPESP.
“Já estávamos prevendo a chegada do vírus no Estado de São Paulo e, assim que tivemos a confirmação, acionei os parceiros do Instituto de Medicina Tropical da USP. Já estávamos trabalhando juntos há alguns meses no uso da tecnologia MinION para monitoramento da dengue”, contou Saccchi à Agência FAPESP.
“Conseguimos quebrar algumas barreiras com esse trabalho. A universidade treinou equipes e transferiu tecnologia para que o sequenciamento pudesse ser feito no lugar certo, que é o centro responsável pela vigilância epidemiológica. É assim que tem de ser”, disse Sabino.
Além do Lutz e da USP, participam do Projeto CADDE integrantes da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) e do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE), ambos ligados à Secretaria de Estado da Saúde.
Plano de contenção
O infectologista e professor da FM-USP Esper Kallás tem auxiliado a Secretaria de Estado da Saúde, desde meados de janeiro, a elaborar a estratégia de atendimento de pacientes eventualmente infectados pelo SARS-CoV-2. O Instituto de Infectologia Emilio Ribas e o Hospital das Clínicas da USP foram escolhidos como instituições de referência para atender os casos graves no Estado.
“O HC segue um protocolo para contenção de catástrofe chamado HICS [sistema de comando de incidentes hospitalares, na sigla em inglês], que já foi acionado no atendimento a vítimas do massacre escolar em Suzano [ataque que deixou dez mortos em 2019] e durante a epidemia de febre amarela de 2018. Agora, sabendo que possivelmente há uma epidemia de coronavírus a caminho, já estabelecemos todos os fluxos de atendimento”, contou.
Ainda segundo Kallás, foi criado um grupo de trabalho para discutir protocolos de estudos clínicos que serão feitos com os pacientes diagnosticados e atendidos na rede pública estadual.
“Esse planejamento estratégico e a rápida publicação do genoma viral são indicadores da capacidade que o Estado de São Paulo tem de responder com ciência de alta qualidade e de contribuir para o entendimento das ameaças à saúde da população”, afirmou.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
Alon Feuerwerker: O Congresso está condenado a aprovar as reformas
A pesquisa Veja/FSB mais recente mostra leve subida na avaliação do governo Jair Bolsonaro, enquanto a do Congresso Nacional, na melhor das hipóteses, anda de lado. O presidente beneficia-se da evolução, ainda que lenta e intermitente, do PIB e principalmente do emprego. O Legislativo continua com sua imagem no mesmo lugar, ruim, apesar de cantado dia e noite em prosa e verso como o “adulto responsável pelo avanço das indispensáveis reformas”.
O Congresso e seus líderes parecem presos a uma armadilha. Se andam com as reformas da dupla Bolsonaro/Paulo Guedes e a população sente no bolso melhoras na economia, quem come o bolo é o Executivo. Se colocam dificuldades à agenda, serão incinerados pela opinião pública que há anos vende ao país a infalibilidade dessas reformas. E se entregarem a mercadoria e mesmo assim a coisa desandar na economia? Vão dizer deles que não entregaram o suficiente.
Na vida prática, o Congresso não tem alternativa, vai ter de aprovar alguma coisa na linha exigida, para não ser acusado de travar o avanço do país. Por isso, são vazias de significado material as especulações sobre quanto o estilo verbal do presidente da República atrapalha a produção da fábrica de leis econômicas. Ou, agora, quanto a prevalência de militares no Palácio pode estar incomodando os políticos. Estes não têm opção fora andar na linha imposta.
Foi assim com a mudança nas aposentadorias. Ao longo de 2019 proliferaram teses sobre os graves riscos corridos pela reforma da previdência por causa da suposta desarticulação política do Executivo. Na real nunca houve desarticulação. As circunstâncias permitiram que o governo aprovasse a coisa apenas com custo orçamentário, sem ter de nomear ministros indicados pelas bancadas. Sem as "porteiras fechadas". A liberação/promessa recorde de emendas resolveu.
O quadro na essência não mudou desde então, assim como não mudou a correlação de forças no Parlamento. A oposição continua a depender de alianças com os presidentes da Câmara e do Senado e com o dito centrão para não ser esmagada. Daí que os chefes do Legislativo reúnam hoje um poder indisputado. Mas poder para quê? No bottom line, tirando as espumas que entretêm a plateia, para fazer o que o Planalto e ministério da Economia consideram essencial.
A economia ofereceu alguma decepção no final do ano para quem esperava uma decolagem mais vertical. As vendas não foram tão brilhantes quanto o anunciado. A verdade é que as autoridades econômicas só prometem mesmo alívio verdadeiro e consistente para o final deste mandato de Bolsonaro. Até lá, o público terá de satisfazer-se com alívios pontuais. Estes parecem estar bastando para manter os bons índices de aprovação do governo.
A dúvida de sempre: até quando?
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
El País: Bolsonaro lidera pesquisa para reeleição em todos os cenários, inclusive contra Lula
Alento na economia faz reprovação de presidente ter queda de 5 pontos percentuais, aponta levantamento da consultoria Atlas Político. Sem Lula e Moro, ele aparece com 41% das intenções de voto
A aprovação do Governo de Jair Bolsonaro se mantém estável, sua reprovação caiu e, se as eleições fossem hoje, o presidente largaria na frente em todos os cenários. É o que mostra levantamento realizado pela consultoria política Atlas Político entre os dias 7 e 9 de fevereiro. A pesquisa aponta que, até o momento, os principais rivais de Bolsonaro são o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-juiz Sergio Moro. Sem o petista e o ministro da Justiça na disputa, o presidente aparece com 41% das intenções de voto, com larga distância entre o segundo colocado, o apresentador Luciano Huck (sem partido), com 14% dos votos. Atrás deles estão o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), com 13%, e o governador de São Paulo João Doria (PSDB), com 2,5%.
A quantidade de eleitores indecisos ou que declararam voto branco ou nulo é expressiva, chegando a 27%. O percentual é muito próximo da realidade das presidenciais de 2018, quando essa faixa do eleitorado bateu 30%. Por outro lado, as abstenções diminuem significativamente quando Lula e Moro entram na disputa. Neste cenário, o total de votos brancos, nulos e indecisos fica em 9%. Bolsonaro e Lula brigam pelo primeiro lugar, com 32% e 28% das intenções de voto, respectivamente. Moro, que tem refutado oficialmente qualquer intenção de disputar a presidência como rival do atual presidente, segue logo atrás, com 20%, seguido de Huck (6%), Dino (3%) e Doria (0,6%). A pesquisa foi realizada na Internet via convites randomizados com 2.000 pessoas, entre os dias 7 e 9 de fevereiro, em todas as regiões do país. A margem de erro é de 2% para mais ou para menos e o nível de confiança é de 95%.
O cenário em que Lula disputa a eleição é meramente hipotético hoje. Condenado em segunda instância no processo do tríplex, mesmo solto desde novembro, o petista não pode se candidatar, já que se enquadra na Lei da Ficha Limpa. Seus advogados, no entanto, tentam anular a condenação, questionando a atuação do então juiz Sergio Moro no caso. O pedido começou a ser julgado no Supremo Tribunal Federal no ano passado, mas foi interrompido por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Caso a maioria dos ministros do STF decidam que Moro atuou de forma parcial, a condenação do ex-presidente no caso do tríplex volta à estaca zero, retornando para a primeira instância. Neste caso, Lula deixaria de ser ficha suja e estaria livre para se candidatar.
Em linhas gerais, a pesquisa do Atlas Político de agora mostra cenários bastante parecidos com o de 2018. Naquele ano, o PT lançou Lula candidato enquanto o petista ainda estava preso. Os levantamentos mostravam que ele liderava com folga em todos os cenários. Mas, impedido de disputar, o ex-presidente acabou substituído no último instante do prazo para o registro de candidaturas pelo ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. As intenções de voto no “candidato de Lula” despencaram, mas ainda assim Haddad foi para o segundo turno. Bolsonaro foi eleito com 55% dos votos, contra 44% do ex-prefeito paulistano.
Esse cenário se repete nesta pesquisa. Se o segundo turno das eleições fosse hoje, um candidato apoiado por Lula —qualquer que fosse ele—também ficaria em segundo lugar nos dois cenários criados pelos pesquisadores. Contra Jair Bolsonaro (45%), um candidato apoiado por Lula teria 35% dos votos. O percentual do indicado pelo petista permanece parecido (36%) quando a disputa é contra Sergio Moro. O que muda, no entanto, é que o ministro ganharia com ainda mais folga, com 54% das intenções de voto.
Otimismo com a economia
O levantamento também mediu a aprovação do Governo Bolsonaro, que se manteve estável: 29% agora, contra 27% em novembro de 2019. Enquanto isso, a reprovação registrou uma queda de cinco pontos percentuais, de 42% em novembro, para 37% agora. O otimismo com a gestão Bolsonaro também se reflete sobre as expectativas para a economia: metade da população diz acreditar que a situação econômica do país deve melhorar nos próximos seis meses. Ainda houve uma ligeira melhora na percepção sobre a criminalidade e a corrupção. Trinta por cento dos brasileiros dizem acreditar que a criminalidade está diminuindo —contra 27% em novembro do ano passado— e 26% disseram o mesmo sobre a corrupção, contra 17% em novembro.
O ciclo de deterioração do ministro Sergio Moro, observado desde as revelações dos diálogos entre ele e os procuradores da Lava Jato pelo The Intercept Brasil, também parece que está se revertendo. A aprovação do ex-juiz cresceu seis pontos de novembro para cá, batendo 54%. Em maio do ano passado, no entanto, ele era avaliado positivamente por 60% dos entrevistados. No mês seguinte, as mensagens começaram a ser reveladas, em reportagens de diversos veículos, dentre eles, o EL PAÍS, e a aprovação de Moro chegou a cair para 50%.
A pesquisa também avaliou a imagem de outros políticos e personalidades junto aos entrevistados. Enquanto Moro lidera o ranking dos que tiveram maior avaliação positiva (54%), seguido de Bolsonaro (43%) e Paulo Guedes (43%), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM) aparece com o maior índice de avaliação negativa (66%), seguido de João Doria (64%) e Fernando Haddad (59%).
El País: Aprovação de Bolsonaro cai 15 pontos e é a pior da série histórica do Ibope
Pesquisa aponta 34% de avaliação positiva, menos que FHC, Lula e Dilma em primeiro mandato
Os três primeiros meses do Governo Jair Bolsonaro não parecem muito animadores, a julgar pelos números da pesquisa Ibope divulgada nesta quarta-feira. O levantamento realizado de 16 a 19 deste mês mostra uma queda de 15 pontos percentuais na avaliação de "ótimo ou bom", que foi dos 49% aferidos em janeiro para 34%. A aprovação é a pior para um presidente da República em primeiro mandato desde Fernando Henrique Cardoso, de acordo com os números do próprio Ibope.
A comparação com os antecessores no Palácio do Planalto não é alvissareira para o presidente. A esta altura de seu primeiro Governo, Fernando Henrique Cardoso contava com 41% de avaliação "ótima ou boa", enquanto Luiz Inácio Lula da Silva tinha 51% e Dilma Rousseff, 56%. Os 34% de Bolsonaro só são melhores do que os índices dos segundos mandatos de FHC, 22%, e de Dilma, 12%, quando ambos já tinham passado por quatro anos de desgaste em seus seus primeiros mandatos.
Quando a pergunta é a sobre "a forma como Bolsonaro está governando o país", o levantamento indica que 51% dos brasileiros a aprovam, enquanto 38% desaprovam e 10% não sabem ou preferem não opinar. Apesar de maior do que a aprovação pessoal do presidente, esse índice também registrou queda desde janeiro, quando 67% aprovavam a forma do presidente de governar. Outro índice que caiu desde o início do Governo é o de confiança em Bolsonaro: foi de 62% de confiança para 49%.
A maior queda de prestígio do presidente foi registrada na região Nordeste, onde a queda da avaliação "ótimo ou bom" do Governo caiu 19 pontos, de 42% para 23% — é nessa região também que se concentra a maior desaprovação sobre a forma de Bolsonaro governar, de 49%. A segunda queda mais expressiva foi entre os brasileiros com renda familiar entre dois e cinco salários mínimos, que apresentou recuo de 18 pontos, de 53% em janeiro para 35% agora.
Durante os três primeiros meses de Governo, Bolsonaro estipulou a reforma da Previdência como prioridade na agenda do Congresso Nacional, mas frequentou o noticiário mais por conta de suas postagens no Twitter do que propriamente por conta de medidas de Governo. Ele também dividiu as atenções com ministros como Paulo Guedes, da Economia, e Sérgio Moro, da Segurança Pública, e teve a imagem desgastada pela investigação do caso Fabrício Queiroz e pela demissão tumultuada de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência, entre outras batidas de cabeça, como a que levou a trocas no Ministério da Educação.
O segmento que mais confia em Bolsonaro, segundo o Ibope, é o dos evangélicos: 56%. São eles também que mais aprovam a maneira de Bolsonaro governar (61%). "A avaliação positiva também é mais alta entre os que se autodeclaram como brancos (42%) — mesmo percentual que tem entre os que vivem nas regiões Norte/Centro-Oeste — único segmento em que Bolsonaro se recupera em relação a fevereiro", registra o instituto.
O Globo: Número de genes que definem a cor da pele é maior do que se imaginava, diz pesquisa
Cientistas surpreenderam-se com a variedade do material genético, mas reconhecem que outras populações devem ser analisadas
Por Cesár Baima, de O Globo
RIO - Um dos traços humanos mais aparentes — e motivador de incontáveis episódios de violência e injustiça ao longo da existência de nossa espécie —, a cor da pele é resultado de uma genética muito mais complexa do que se pensava. A revelação é de um estudo com base em uma população nativa da África do Sul que mostrou que a quantidade de genes e suas variantes envolvida no processo de pigmentação da cútis é bem maior do que se conhece hoje. Publicada recentemente no revista científica “Cell”, a pesquisa mostra ainda que a inter-relação fica cada vez mais numerosa à medida que as pessoas vivem mais próximas da linha do equador.
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Até agora, os cientistas achavam que a evolução e a ocorrência dos diferentes tons de pele seguia uma trajetória um tanto linear. Haveria um progressivo “embranquecimento” das populações quanto mais longe do equador, em resposta a pressões seletivas relacionadas ao metabolismo da vitamina D e do ácido fólico, ambos dependentes da exposição, ou proteção, aos raios ultravioleta do Sol, de menor incidência nas latitudes mais altas. Esta noção foi reforçada por pesquisas que indicavam que apenas alguns poucos genes eram responsáveis pela maior parte das variações observadas na cor da pele.
O problema é que a maioria desses estudos teve como fonte populações do Norte da Eurásia, que residem em regiões de maior latitude. Diante disso, pesquisadores de instituições nos EUA e na África do Sul obtiveram e analisaram minuciosamente dados e amostras de mais de 450 integrantes de dois ramos do povo KhoeSan — Nama e Khomani San — que habitam o Sul da África há dezenas de milhares de anos e têm uma pigmentação da pele marcadamente mais diversa e clara que outras populações mais ao Norte do continente. Com isso, eles descobriram a existência de muito mais genes e suas variantes que podem influenciar a composição da cor da pele, verificando que ela também é, de fato, basicamente hereditária.
— Estudos prévios focaram em populações mais homogêneas da Europa e da Eurásia e concluíram que a pigmentação era governada por apenas alguns genes — resume Christopher Gignoux, professor do Centro de Medicina Personalizada da Universidade do Colorado e um dos coautores do artigo na “Cell”. — Mas neste estudo analisamos a pigmentação em populações africanas e descobrimos uma impressionante variabilidade que tem sido negligenciada.
Segundo os cientistas, a comparação das informações sobre a cor da pele e os genes a ela relacionada nos KhoeSan com dados de mais de 5 mil indivíduos representativos de outras populações da África, Ásia e Europa fornece bases para uma “contranarrativa” à noção de que a determinação da cor da pele seria simples do ponto de vista genético. De acordo com eles, a história da “seleção direcionada” que vai “clareando” a pigmentação das baixas para as altas latitudes pode até se sustentar entre os habitantes do extremo Norte do planeta, mas à medida que vamos nos aproximando do equador outra dinâmica, que chamaram de “seleção estabilizadora”, entra em cena. Nas populações desta região do planeta, o número de genes que influencia na variabilidade dos tons de pele aumenta de tal forma que apenas 10% das diferenças observadas podem ser explicadas por genes conhecidos por afetar a pigmentação, contra um efeito de cerca de 50% na variação da cor da pele verificado nas populações do Norte da Eurásia pelas pesquisas anteriores.
— A África tem a maior quantidade de variabilidade fenotípica (aparente) na cor da pele, mas, apesar disso, tem sido largamente sub-representada em estudos de grande escala — comenta Alicia Martin, pesquisadora do Instituto Broad, parceria entre o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e a Universidade de Harvard, e uma das coautoras do novo estudo. — Existem alguns genes que são conhecidos por contribuir para a pigmentação da pele, mas, de modo geral, ainda há muitos genes (envolvidos na pigmentação) que ainda não foram descobertos.
Diante disso, a pesquisa não só deu pistas sobre novos genes relacionados com a pigmentação da pele como abriu surpreendentes possibilidades sobre a atuação e origem dos que já eram conhecidos. É o caso, por exemplo, de uma variante do gene SLC24A5 que se achava ter surgido na Europa entre 10 mil e 20 mil anos atrás. Segundo os cientistas, as análises do genoma das populações KhoeSan revelou que esta variante aparece numa frequência muito superior à que seria esperada por alguma introdução mais recente devido à miscigenação com os colonos europeus. Assim, eles agora pesquisam se ela, na verdade, surgiu entre os KhoeSan, se foi objeto da mencionada “seleção direcionada” nestas populações ou se foi introduzida nos KhoeSan por algum outro fluxo genético populacional desconhecido ocorrido há milhares de anos.
— Ainda estamos destrinchando isso — diz Alicia.
Os cientistas também descobriram que um gene conhecido como SMARCA2/VLDLR, que nunca havia sido associado à pigmentação da pele em humanos, parece ter um papel importante neste processo entre os KhoeSan. De acordo com eles, as análises indicaram diversas variantes ligadas à pigmentação neste gene, que já tinha sido associado à cor da pele em animais. Por isso, os pesquisadores defendem a realização de mais estudos sobre a genética da cor da pele com informações de populações mais diversas.
— O retrato da arquitetura genética da pigmentação da pele não será completado a não ser que tenhamos uma maior representatividade das diversas populações ao redor do mundo — conclui Brenna Henn, professora do Departmento de Ecologia e Evolução da Universidade Stony Brook, nos EUA, e outra coautora do estudo na “Cell”.
Veja: Sete em cada dez são contra privatização, diz Datafolha
População com renda superior a dez salários mínimos por mês é a única faixa que apoia a venda de estatais
Segundo o levantamento, 67% da população entendem que a venda de companhias brasileiras para grupos estrangeiros traz mais prejuízos do que vantagens. Levantamento foi realizado no momento em que tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que propõe a privatização da Eletrobrás.
O ponto de vista predomina em praticamente todos os recortes contemplados por essa edição da pesquisa – tanto por região, quanto por sexo, escolaridade, preferência partidária ou aprovação à gestão do presidente Michel Temer.
A privatização só é aceita pela maioria no cenário que leva em conta a população com renda superior a dez salários mínimos por mês – 55% são a favor da ideia. O índice cai conforme a renda familiar mensal diminui. Entre as pessoas que ganham até dois salários mínimos, apenas 13% apoiam a privatização.
O Datafolha mostra ainda que a privatização sofre resistência até mesmo de eleitores dos partidos que costumam defender essa bandeira. Dos que afirmam votar no PSDB, 55% se opõem à ideia, enquanto 37% são a favor.
O instituto ouviu 2.765 pessoas e a margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
El País: Brasileiros culpam a si mesmos pela corrupção, diz pesquisa Ipsos
De 1.200 pessoas entrevistadas, 55% diz que corrupção "é culpa do povo que elege políticos corruptos". Estudo mostra grau de saturação com o tema, mas também uma demanda para debate de soluções
Por Felipe Betim, do El País
A maioria dos brasileiros culpam os próprios brasileiros pela corrupção na política. É o que aponta o estudo Pulso Brasil, do instituto Ipsos, realizado entre os dias 1 e 14 de novembro deste ano. Das 1200 pessoas entrevistadas, 55% acreditam que "a corrupção no Brasil é culpa do povo que elege políticos corruptos", 42% discordam da frase e 2% não souberam responder. "Não sei se é um mea culpa, porque o brasileiro coloca a culpa nos outros. Ela acha que as outras pessoas estão fazendo um voto de baixa qualidade", explica Rupak Patitunda, gerente da Ipsos Public Affairs.
Os números pouco variam quando se faz um recorte por idade e por classe social. A maior diferença se dá quando analisado o grau de escolaridade: entre os entrevistados considerados sem instrução, 67% concordam que o culpado pela corrupção é o próprio eleitor brasileiro, enquanto que entre as pessoas que possuem desde o Fundamental I até ensino Superior, esta porcentagem varia entre 52% e 59%.
Além disso, a cifra geral, de 55%, é uma porcentagem menor que a registrada em abril de 2016, quando o Ipsos apontou que 61% dos brasileiros creditavam ao eleitor o problema da corrupção. "Após todo o noticiário da Lava Jato, existe uma maturação na percepção da população. Ela está mais informada e percebe que o problema é sistêmico", argumenta Patitunda.
População "saturada com o tema"
A Operação Lava Jato e a consequente enxurrada de informações a respeito fizeram com que a corrupção permanecesse no centro do debate nacional dos últimos anos. Passou a fazer parte da rotina dos brasileiros as imagens impactantes de políticos e grandes empresários sendo presos ou conduzidos coercitivamente pela Polícia Federal. Grandes figuras públicas caíram e malas de dinheiro foram descobertas, mas ainda assim a população parece saturada com o tema. Isso porque 50% acreditam que ele é mais discutido do que se deveria. Já 17% acreditam que ele é discutido na medida adequada e 32% disseram que é menos discutido do que se deveria.
Ao mesmo tempo, as cifras praticamente se invertem quando se chega a questão de "como acabar com a corrupção", isto é, como buscar soluções para ela. 51% acreditam que o assunto é menos discutido na sociedade brasileira do que se deveria, enquanto 16% acreditam que é debatido de forma adequada e 31% disseram que é mais falado do que se deveria.
"Há um certo grau de saturação com relação a simples exposição desse tema. Mas existe uma demanda para que outras dimensões do mesmo assunto ainda não tocadas sejam abordadas. A gente não esperava e é animador", explica Patitunda. "A maior parte dos entrevistados está cansado, acha que o tema já deu, mas ao mesmo tempo valoriza o discurso sobre causas e consequências", completa.
Outros dados
Outros resultados coletados pela pesquisa mostram que o brasileiro é, em sua maioria, intolerante com a corrupção. Também chega a conclusão de que "quanto mais instruído o grupo pesquisado, menor os percentuais que indicam tolerância"."A pessoa com grau maior de instrução se sente mais empoderada, se sente com mais poder para decidir sobre o próprio governo e entende melhor que há instrumentos para resolver o problema", explica Patitunda.
Assim, 70% acreditam que é possível governar sem corrupção. Entretanto, os mais pobres são mais céticos com relação a este último ponto: 64% dos entrevistados das classes D e E concordam com esta afirmação. O dado geral também mostra uma população mais cética, já que em abril de 2016 83% concordavam com ela.
Além disso, apenas 23% acreditam que "o que realmente vale são políticos e partidos que roubam mais fazem". 73% discordam desta afirmação e 5% não souberam responder.
O Ipsos realiza estudos mensalmente desde 2005 para monitorar a opinião pública sobre política, economia, consumo e questões sociais. A pesquisa sobre a corrupção abrangeu 72 municípios e tem uma margem de erro de três pontos percentuais.
Jose Roberto de Toledo: Trair e cassar, é só…
Temer é um incompreendido. Aumentou imposto e disse que a população compreenderia. Não compreendeu. Talvez porque no programa que lançou sua candidatura presidencial para o establishment – a “Ponte para o futuro” -, o então vice empregou 11 vezes a palavra “impostos”, no plural e no singular, e em nenhuma delas com o intuito de aumentá-los. Ao contrário, prometeu fazer de tudo para reduzi-los. Percebe-se agora que, além de superfaturada, a tal ponte era um estelionato eleitoral.
Estelionato porque levou ao lado oposto do que prometera aos patrocinadores. E eleitoral porque foram os compromissos assumidos naquele documento – espécie de “carta ao empresariado brasileiro” – que ajudaram a garantir, direta ou indiretamente, os votos parlamentares necessários para o vice destronar sua companheira de chapa. Nisso que dá confiar na Turma do Pudim.
“Mas o governo aprovou a reforma trabalhista”. O Congresso aprovou a reforma trabalhista. O governo desfará parte da reforma ao ressuscitar o imposto sindical. Em um governo fraco, como o de Temer, os grupos de pressão mais fortes mandam e desmandam no Congresso. Foram diferentes lobbies que aprovaram as reformas que quiseram bem como privilégios que estão explodindo o déficit público e, por tabela, aumentando impostos.
Tudo isso tem um sobrepreço, ainda mais caro do que a apropriação de uma fatia progressivamente maior do orçamento federal por segmentos regressivamente menores da população. O custo intangível é o descrédito das instituições e dos governantes. A última linha desse balanço será cobrada da democracia. Por enquanto, porém, quem paga é quem manda.
Há novas pesquisas de avaliação do governo federal no forno. Nem é preciso ver os relatórios para prever os resultados. Temer vai bater todos os recordes de impopularidade de seus antecessores. Talvez seja por isso que Sarney insiste em lhe dar tantos conselhos – para se livrar da pecha de presidente mais impopular da história da opinião pública brasileira. Vai conseguir.
Em setembro de 2016, quando o despencar temerário no precipício da impopularidade ainda parecia só um tropeço, a área mais mal avaliada do governo já era a tributária: 77% dos brasileiros ouvidos pelo Ibope para a CNI desaprovavam o desempenho do peemedebista no que se referia a impostos. Isso foi antes de o desemprego explodir, de a renda cair e de o crédito sumir.
Imagine agora. Além de aguentar tudo isso, o cidadão vai lembrar do presidente toda vez que abastecer o carro com gasolina. “Onde eu encontro o que o Temer fez? Lá no posto Ipiranga.”
Quem mais se incomoda com o aumento dos impostos e em pagar mais caro pelos combustíveis não é exatamente o eleitor de Lula. Esse já desprezava Temer e sua turma. O segmento da população mais sensível às mordidas do Leão é o que acreditou que Dilma caiu por causa das pedaladas fiscais. Ou seja, o presidente traiu a confiança justamente de com quem talvez ainda pudesse contar.
Por mais essa, Temer deve deixar de ser vice de Sarney e se tornar o presidente campeão brasileiro de impopularidade. Garantirá seu lugar na história, pelo menos até o PMDB voltar a governar o Brasil – o que só ocorre quando um presidenciável é ingênuo o bastante para aceitar um peemedebista como vice.
Como repercutirá no Congresso esse provável recorde de Temer? Os deputados que se elegem graças a currais herdados de seus familiares talvez se importem menos. Mas aqueles que disputam voto em colégios eleitorais competitivos terão que pesar a carga de carregar o governo nas costas e sopesá-la com os agrados recebidos de Temer. Não será surpresa se acabar em traição.
Mayana Zatz: Em time que está ganhando não se mexe
Com o corte de 120 milhões de reais do orçamento da Fapesp, perde a ciência básica brasileira, capaz de promover revolucionários avanços tecnológicos
A FAPESP – FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO – É UM ORGULHO NACIONAL E EXEMPLO A SER SEGUIDO NO MUNDO INTEIRO, contribuindo marcadamente, há várias décadas, para o avanço do conhecimento no Estado de São Paulo e no país. Com a concessão de bolsas e auxílios para a execução de pesquisas científicas e tecnológicas em todas as áreas do conhecimento, a instituição vem apoiando estudos e a divulgação da ciência desde 1962, quando começou a funcionar. Assim, é incompreensível a decisão da Assembleia Legislativa de São Paulo que aprovou uma lei orçamentária desviando 120 milhões de reais da dotação assegurada pela Constituição do estado à instituição, nos últimos dias de 2016 – em outras palavras, um grande corte. Essa decisão não apenas contraria a Constituição estadual, que determina o repasse de 1% da receita tributária para a Fapesp, como causará um prejuízo irreversível à ciência paulista e brasileira. O valor, segundo a decisão, irá para o fortalecimento de institutos de pesquisas estaduais (como o Butantan ou o Biológico), que estariam em penúria. Entretanto a Fapesp sempre apoiou bons projetos independentemente de estarem nas universidades ou nos institutos. O erro abre um precedente perigoso – além de ser o único órgão científico do estado com tradição de independência em relação ao Executivo, tirar recursos de um lado (que funciona) para cobrir outro não pode ser um argumento defensável.
Defensores dessa decisão catastrófica alegam que é preciso investir mais em pesquisas aplicadas. Ledo engano! Os maiores e mais revolucionários avanços tecnológicos foram gerados pelas pesquisas básicas. A eletricidade, por exemplo. Inicialmente, ninguém sabia sua utilidade. Foi a pesquisa básica que desvendou suas características e, assim, possibilitou seu uso. Tente imaginar viver numa sociedade sem eletricidade... Quem poderia acreditar que a teoria da relatividade, proposta por Einstein no início do século XX, seria responsável pelo desenvolvimento de satélites e GPS, viagens espaciais, lasers, impressoras e outras invenções que correspondem a um terço da economia mundial na atualidade?
Descobertas recentes de laboratórios de pesquisa básica em biologia e genética revolucionarão a medicina. Por exemplo, Shinya Yamanaka, pesquisador japonês ganhador do Prêmio Nobel de Medicina de 2012, mostrou que é possível reprogramar células já diferenciadas tornando-as pluripotentes, portanto, capazes de gerar qualquer tipo de célula. Esse conhecimento básico possibilitará um salto gigantesco na medicina regenerativa. Jennifer Doudna e Emanuelle Charpentier descobriram que é possível “editar” genes em bactérias, ou seja, modificá-los, por meio de uma técnica revolucionária chamada CRISPR/Cas9. O conhecimento gerado por esses estudos, realizados em laboratórios de pesquisa básica, já vem sendo utilizado para tratar alguns tipos de câncer. E o prosseguimento dessas pesquisas possibilitará a correção de mutações e o tratamento de inúmeras doenças, inclusive transplante de órgãos. Essa tecnologia, cujo impacto na agricultura, pecuária e medicina serão gigantescos, foi rapidamente incorporada aos nossos laboratórios graças à Fapesp.
"O sucesso do projeto de pesquisa básica apoiado pela Fapesp foi tamanho que ganhou a capa da prestigiosa revista Nature, colocando o Brasil no mesmo patamar dos países desenvolvidos"
No fim da década de 90, a Fapesp financiou um projeto que envolveu trinta laboratórios, o sequenciamento da bactéria Xylella fastidiosa, praga da laranja. O objetivo primário era capacitar um número expressivo de cientistas nessa nova tecnologia de sequenciamento genômico. O sucesso do projeto foi tal que ganhou a capa da prestigiosa revista Nature, colocando o Brasil no mesmo patamar dos países desenvolvidos. Graças a esses avanços, hoje essa tecnologia tem uma aplicação gigantesca na agricultura, pecuária e na medicina.
Em 2004, pesquisadores do Instituto de Biociências da USP, apoiados pela Fapesp, descobriram em famílias brasileiras um gene responsável por uma forma hereditária de esclerose lateral amiotrófica (ELA - a doença do famoso cientista britânico Stephen Hawking). Posteriormente, descobriu-se que esse gene estaria envolvido em outras formas de ELA, o que abriu um novo leque de pesquisas no mundo inteiro na busca por um tratamento. Mais recentemente, também com apoio da Fapesp, foram sequenciados os genomas de cerca de 1 400 pessoas com mais de 60 anos, constituindo o primeiro e maior banco genômico da população idosa brasileira, que contribuirá para a identificação dos fatores genéticos e ambientais responsáveis por um envelhecimento saudável. A Fapesp também apoia e financia projetos importantes relativos ao zika, vírus associado a um número assombroso de casos de microcefalia em bebês no país.
Resultados expressivos em ciência envolvem investimentos contínuos e atualizados, pois a construção do conhecimento depende de estudos e experimentos, infraestrutura adequada e da formação de recursos humanos qualificados para sua realização. Essa concepção norteou a criação da Fapesp, em 1960, levando ao estabelecimento de um porcentual da arrecadação do ICMS do estado para garantir a continuidade do financiamento das pesquisas em São Paulo. Nessa ocasião, o governador Carvalho Pinto declarou: “Se me fosse dado destacar alguma das realizações da minha despretensiosa vida pública, não hesitaria em eleger a Fapesp como uma das mais significativas para o desenvolvimento econômico, social e cultural do país”. A Fapesp tem hoje 57 anos de inquestionáveis contribuições ao desenvolvimento de São Paulo e do Brasil. O corte de 120 milhões no orçamento da Fapesp, associado à redução dos recursos decorrente da própria queda na arrecadação do ICMS, ferirá irreparavelmente esse patrimônio histórico. O investimento no desenvolvimento científico e tecnológico, por meio desse órgão fundamental, é a melhor garantia de desenvolvimento crescimento econômico, social e cultural do país.
*Mayana Zatz é geneticista e diretora do Centro de Pesquisas do Genoma Humano e Células-Tronco da Universidade de São Paulo (USP)
Paulo Alcantara Gomes: Sem pesquisa, não há futuro...
Há pouco tempo, num artigo publicado nesta coluna (Blog do Noblat, O Globo), mencionei que um dos maiores problemas que temos é a profunda dificuldade em compreender o valor da ciência e da tecnologia para a construção do desenvolvimento.
Na última semana, o Globo mostrou as dificuldades atualmente encontradas por cientistas em dar continuidade aos seus projetos de investigação, muitos deles com expressiva relevância para o nosso crescimento, pois da ciência e da tecnologia surgem as novas oportunidades de geração de emprego e renda, o aumento da competitividade das empresas, a formação de novos quadros de pesquisadores e, consequentemente, um comportamento melhor da nossa economia.
A dimensão da economia brasileira, mesmo vivendo a crise atual, exige que se dê mais atenção ao financiamento às atividades de desenvolvimento científico. Estima-se que hoje estamos investindo pouco mais de 1% (1,28%) do Produto Interno Bruto em Ciência e Tecnologia. A Coreia do Sul, por outro lado, aplica 4,5% do PIB em C&T. Resultado: no início dos anos 70 a renda per capita da Coreia do Sul não chegava a US$ 250, cerca de metade da brasileira na época, e o nosso PIB era quatro vezes maior que o da Coreia. Hoje o PIB per capita deles (US$ 36 mil) é mais do que o dobro do nosso (US$ 15 mil).
Como isto foi conseguido?
Priorizando a educação, promovendo a articulação universidade-empresa, apoiando a iniciativa privada, subsidiando áreas estratégicas para o seu desenvolvimento, facilitando o crédito, criando novos postos de trabalho e, evidentemente, estimulando a tecnologia e a inovação. A Coreia do Sul transformou-se numa das líderes na tecnologia da informação e na indústria eletrônica.
A atividade científica depende de dois parâmetros: a garantia de continuidade e o aporte financeiro necessário para a sua manutenção. Quando tais parâmetros não são seguidos adequadamente, alguns cientistas com reconhecimento internacional são obrigados a tomar a difícil decisão de deixar o país, na medida em que desaparecem os insumos para os seus laboratórios, os equipamentos se tornam obsoletos e, consequentemente, muitos resultados são perdidos. Outros tentam dar andamento aos seus projetos e esbarram em dificuldades para aceitação de seus trabalhos em revistas científicas com credibilidade internacional.
A longo prazo, os danos à ciência serão incalculáveis, pois os reflexos sobre os cursos de doutorado, que dependem da qualidade das teses produzidas e dos trabalhos publicados, serão imensos.
Sofrem as universidades e os institutos de pesquisa e também sofrem as empresas que, cada vez mais, utilizam em seus quadros mestres e doutores em áreas estratégicas.
É fácil e é triste imaginar o que vai ocorrer, pois, além da falta de recursos no que sobrou do Ministério da Ciência e Tecnologia, muitas Fundações de Amparo à Pesquisa, como a do Rio de Janeiro, já anunciaram que não vão sequer honrar compromissos anteriormente assumidos.
A diminuição dos recursos também é responsável pela perda da mobilidade internacional, traduzida por pesquisadores visitantes nos laboratórios universitários ou pela participação de pesquisadores nacionais em laboratórios estrangeiros.
No que concerne ao apoio às empresas torna-se imperioso revitalizar as agências de fomento, assegurar o financiamento na modalidade “subvenção econômica”, estimular, utilizando a capacidade instalada nas universidades, a geração de redes laboratoriais que deem apoio aos projetos das empresas (as centrais analíticas) e de centrais de insumos, facilitadoras da importação de materiais de consumo e de componentes.
Na prática, tudo isto significa dar a verdadeira e merecida dimensão ao trabalho dos cientistas e empreendedores que inovam, de forma a garantir o nosso crescimento.
Em caso contrário, o ajuste fiscal, determinante para a recuperação econômica, estará comprometido.
* Paulo Alcantara Gomes é ex-reitor da UFRJ e ex-presidente do SEBRAE/RJ
Fonte: http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2017/01/sem-pesquisa-nao-ha-futuro.html