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Maria Hermínia Tavares: Catástrofes ambientais, perigo que o país ignora

O governo dos piores e as oposições empenhadas em impedir o pior afundam o país num dia a dia crispado e medíocre

Maria Hermínia Tavares / Folha de S. Paulo

Na semana passada, o relatório do Grupo 1 do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) reafirmou a responsabilidade humana pelo aquecimento do planeta e o consequente aumento da frequência e intensidade de eventos naturais extremos. Como era de prever, o assunto foi ignorado no Planalto, onde o presidente se entretia disparando ameaças a ministros do STF e açulando suas milícias nas redes sociais.

Embora os 103 cientistas que subscreveram o estudo tenham advertido que nenhum país escapará à catástrofe já em curso se a temperatura do globo subir 1,5º C a 2º C, o site do Ministério do Meio Ambiente ignorou o alerta, e seu titular perdeu a oportunidade de sair do anonimato com uma declaração à altura da importância do problema —para o país, quanto mais não seja.

Os riscos aqui são muitos: desertificação de porções do Nordeste ocupadas pela agricultura familiar; degradação do bioma do sul da floresta amazônica; estiagens fortes e repetidas no Centro-Oeste ocupado pelo agronegócio; tempestades mais comuns no Sul e Sudeste, ampliando o perigo de enchentes e deslizamento de encostas; cidades litorâneas ameaçadas pela elevação do nível do mar.

Não menos eloquente é o silêncio das lideranças políticas da oposição, ocupadas, de um lado, com a contenção do autoritarismo bolsonarista e, de outro, com a articulação de apoios e a mobilização de bases que lhes proporcionem uma boa posição de largada na disputa eleitoral de 2022.

O governo exercido pelos piores e as oposições políticas empenhadas em impedir o pior terminam por afundar a vida pública num dia a dia tão crispado quanto medíocre; incapaz de pensar nosso futuro num mundo que está discutindo novas formas de se relacionar com a natureza, de produzir e organizar a vida em sociedade.

Por isso, é mais do que bem-vindo o recém-lançado relatório da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina). "Construir um novo futuro - uma recuperação transformadora com igualdade e sustentabilidade" é um texto programático que situa a redução das desigualdades e a sustentabilidade ambiental no centro das estratégias de modernização e retomada do crescimento econômico pós-pandemia na região.

Mais preocupado com o que fazer do que como fazer, oferece sugestões valiosas de setores prioritários —energias renováveis, mobilidade e adaptação urbanas, inclusão digital, indústria da saúde, bioeconomia, ecoturismo—, instrumentos tributários e fiscais, concepção ambiciosa de proteção social, um papel regulador e indutor para o Estado. Ideias inspiradoras para pensar o país sem Bolsonaro.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2021/08/catastrofes-ambientais-sao-o-perigo-que-o-pais-ignora.shtml


Rolf Kuntz: Bolsonaro versus direitos, perigo para o trabalhador

Presidente continua vinculando desemprego a um ‘excesso’ de direitos trabalhistas

Bolsonaro ataca de novo, confirmando sua aversão aos direitos trabalhistas. Desta vez ele pôs em dúvida uma lei a favor da igualdade salarial para homens e mulheres. Antes de sancionar ou vetar o texto, aprovado no fim de março no Senado, ele pediu a manifestação de seus seguidores. “Pode ser que o pessoal não contrate, ou contrate menos mulheres, vai ter mais dificuldade ainda”, disse o presidente em sua live habitual de quinta-feira. Se entrar em vigor, a lei aumentará as multas, até agora muito brandas, aplicáveis em casos de discriminação de gênero, raça ou idade. Deputadas e senadoras tiveram importante participação na defesa do projeto.

Ao pedir a opinião dos apoiadores, Bolsonaro reafirmou, claramente, a disposição de governar para os bolsonaristas. Ele foi empossado em 2019 como presidente do Brasil, isto é, de todos os brasileiros, mas parece jamais haver entendido ou admitido esse fato. Essa concepção estreita de suas funções e obrigações foi evidenciada já no começo de seu mandato. Facilitar o acesso às armas foi uma de suas primeiras preocupações, embora houvesse 12,7 milhões de desempregados, 12% da força de trabalho, no trimestre móvel encerrado naquele mês de janeiro.

Bolsonaro tinha uma concepção peculiar, no entanto, das condições de funcionamento do mercado de trabalho. Essa concepção, reafirmada no caso da igualdade reivindicada pelas mulheres, era muito simples e já havia sido exposta durante a campanha eleitoral. O trabalhador, disse o candidato Jair Bolsonaro, terá de escolher “entre mais direito e menos emprego ou menos direito e mais emprego”.

Essa declaração foi feita em agosto de 2018, durante entrevista a um jornal da Rede Globo. Quando o apresentador lembrou seu voto contra a PEC das domésticas, o deputado respondeu ter dado esse voto “para proteger” as trabalhadoras. “Muitas mulheres”, acrescentou, “perderam o emprego pelo excesso desses direitos.” E em seguida: “Que tal aprovar todos os direitos trabalhistas para todos os integrantes das Forças Armadas?”.

Em dezembro daquele ano, já eleito, Bolsonaro voltou a criticar as normas trabalhistas. A legislação, afirmou, teria de se “aproximar da informalidade” para favorecer a criação de empregos. Em 4 de janeiro, pouco depois da posse, condenou mais uma vez, numa entrevista, a condição do assalariado. “O Brasil é o país dos direitos em excesso, mas faltam empregos. Olha os Estados Unidos, eles quase não têm direitos.”

Essa é uma visão distorcida e primária de como funciona o mercado de trabalho americano, dos direitos e da segurança do trabalhador nos Estados Unidos e do poder dos sindicatos. Não há surpresa, no entanto, porque a pobreza de informações do presidente brasileiro e a simplicidade de suas ideias são bem conhecidas.

Seria preciso, disse Bolsonaro naquela ocasião, aprofundar a reforma trabalhista. Ele se referia às mudanças ocorridas no mandato de seu antecessor. Mas a reforma proposta pelo presidente Michel Temer e aprovada no Congresso apenas deu flexibilidade ao sistema, sem anular direitos previstos na Constituição e na legislação trabalhista. Trabalho intermitente e possibilidade de jornada de 12 horas com 36 de descanso foram algumas das novidades.

Algumas mudanças, como o trabalho intermitente, têm facilitado a preservação de empregos na crise atual. A reforma implantada no governo anterior é muito diferente da redução de direitos proposta pelo presidente Bolsonaro e do barateamento da mão de obra defendido pelo ministro da Economia.

Parte do empresariado aplaude as propostas de eliminação de direitos ou, no mínimo, da redução de custos pela extinção de obrigações trabalhistas e previdenciárias ou pela contratação de jovens por salários muito baixos. Também há empresários e políticos, principalmente bolsonaristas, dispostos a aplaudir o corte de tributos sobre seus negócios, mesmo sem uma discussão séria de como essa redução será compensada.

Mas é bobagem associar a criação de empregos, como têm feito o presidente e o ministro da Economia, à mera redução de custos trabalhistas. Não se contratam trabalhadores, mesmo a baixo custo, quando a atividade está emperrada. Não é preciso ser doutor em Economia para conhecer essa verdade simples. Emprego depende, em primeiro lugar, da atividade econômica, ou, pelo menos, da expectativa de expansão dos negócios.

Mas a perspectiva de crescimento maior que nos anos anteriores nunca esteve presente, no Brasil, desde os primeiros meses de 2019. No começo de 2020 os otimistas previam expansão de uns míseros 2,5%. Depois da reforma da Previdência, já amadurecida no governo anterior, nada foi proposto pelo governo além de mudanças pífias na tributação e na gestão de pessoal. Nem as medidas econômicas implantadas na crise da pandemia foram mantidas no Orçamento para 2021. Até o auxílio emergencial foi suspenso por três meses, num quadro de desemprego e fome. Nem o direito à vida – contra a doença ou contra a miséria – foi protegido. Para que tantos direitos? Bolsonaro é pelo menos coerente.

*Jornalista