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Pedro Doria: 2018, o ano em que a mentira predominou
A polarização não corresponde à batalha de ideias na sociedade. Não há disputa ideológica entre esquerda e direita. Ou, ao menos, não só.
Tudo fica muito difícil quando o diagnóstico está errado. E, na bagunça que foi este ano de 2018, entre algoritmos, redes sociais, polarização e notícias falsas, vivemos em essência um problema de diagnóstico errado.
Este foi o ano em que a mentira predominou. Não foi só de um lado.
O estado de confusão política no qual nos metemos começa antes das mentiras - começa numa sensação de inimizade que vem da polarização. Polarização falsa, pois não corresponde à batalha de ideias que corre na sociedade. Não há uma disputa ideológica entre esquerda e direita. Ou, ao menos, não só.
A classificação que divide o conjunto de ideias entre esquerda e direita vem de como se sentavam os parlamentares na Convenção Nacional francesa de 1792. É útil, por vezes. Hoje, atrapalha. Porque a disputa em curso se dá não entre dois, mas três grupos. E ao não classificar um destes três, tudo se confunde, tudo se mistura, e da falta de clareza nasce a mentira.
Está em ascensão uma direita conservadora de corte nacionalista. Ela toma emprestado um discurso econômico liberal, mas na verdade desconfia do liberalismo. Não acredita nos mercados livres entre nações, combate iniciativas multilaterais. Se define ‘antiglobalista’. Tampouco acredita na liberdade do indivíduo de tomar decisões a respeito de seu corpo ou vida. É, em essência, antiliberal.
Como é antiliberal a esquerda que ainda enxerga o mundo por lentes criadas nos anos 1930 para resolver problemas de outra crise. Ainda foca na indústria de coisas como se a riqueza, hoje, não fosse conhecimento na forma de software e serviços. Como se a internet não houvesse alterado a estrutura do trabalho, tornando obrigatório que se repense do zero todas as regras.
Conservador, na acepção pura da palavra, no sentido de que pretende manter as coisas como eram, são ambos. E ambos se opõem àquele conjunto de ideias que Bill Clinton, Tony Blair e, por aqui, Fernando Henrique, encamparam, entre erros e acertos, nos anos 1990. À esquerda interessa chamar a direita de liberal. À direita interessa se autoproclamar liberal como rebranding. Mas se nem esquerda, nem direita, defendem o mercado global, quem é que o faz? E quem, afinal, está olhando para o mundo como ele é, com os desafios nada triviais que o digital nos impõe? Não é a guerra comercial de Donald Trump, tampouco a adoração de um pacote de leis da era industrial, que vão dar conta da realidade.
A dicotomia PT contra Bolsonaro faz parecer que ou se está com um, ou com outro, e torna ideologicamente inclassificável um imenso grupo de pessoas. Quando não temos uma palavra para chamar uma coisa, é como se ela não existisse. O roubo do termo liberal pela direita, que muito interessa à esquerda, cala uma voz e implanta confusão. Ninguém se entende, porque diferenças não são percebidas. E quando alguém faz um discurso mais claro, afastando-se de ambos os grupos, logo alguém saca: ‘isentão’.
Isento, não. Diferente. Muito diferente. O sequestro da palavra faz com que grupos que não concordam em quase nada pareçam estar próximos. E desta imensa bagunça, no qual o nome das ideologias é propositalmente confundido, nasce o caldo de cultura em que fake news podem se proliferar.
Temos um problema de má classificação. Há três conjuntos de ideias disputando espaço, os três incompatíveis entre si. A polarização está confundindo o debate, e num debate político confuso nunca se sabe com precisão o que é que cada um pensa.
Quando as ideias não são claras, qualquer notícia falsa tem a chance de colar. Democracia, aquele regime cujo sobrenome é ‘liberal’, só funciona quando o debate é claro. E é da confusão de diagnósticos que nascem soluções irreais, aquele atalho para o autoritarismo.
Pedro Doria: O Facebook e os ‘gilets jaunes’
Movimento francês mostra que o impacto do Facebook na política mundial é profundo
O movimento francês dos “gilets jaunes”, coletes amarelos, representa a terrível constatação de que o impacto do Facebook na política mundial não só é profundo como, talvez, insolúvel sem uma reformulação profunda do sistema. Porque o que alimentou a agressividade dos protestos franceses foram justamente as mudanças feitas pela rede social, no início do ano, para impedir manipulação política.
Mudanças que faziam sentido.
A avaliação de executivos e engenheiros do Facebook era de que a rede havia se tornado demasiadamente focada no noticiário e se afastado do objetivo principal, promover encontros entre pessoas. De quebra, porque as notícias compartilhadas eram as de títulos mais exuberantes – ou sensacionalistas –, traziam para dentro da plataforma o fantasma da distorção ideológica, quando não fake news generalizadas.
A solução proposta foi mudar o algoritmo com dois objetivos. O primeiro, priorizar noticiário que fosse local em detrimento do nacional. Mais da sua cidade e do seu bairro. Depois, a turma decidiu promover mais postagens de família, amigos e grupos, incentivando conversas entre pessoas conhecidas, diminuindo o alcance de gente famosa – fossem jornalistas, fossem artistas, ou mesmo marcas.
No papel, tinha toda a lógica do mundo. O software que rege aquilo que nos chega via Facebook calibraria o conteúdo que vemos para nos afastar das armadilhas e ódios da política.
Na França, a prática foi justamente o contrário. Porque, também no início do ano, e esse processo foi detalhadamente reconstruído pelo BuzzFeed News, começavam a pipocar pela rede social, em todo o país, grupos que logo foram apelidados Groupe Colère. Coléricos. Raivosos. Lá, pessoas de cada cidade se encontravam online para reclamar do que não aguentavam mais.
E as mudanças implementadas pelo Facebook fizeram com que esses grupos, por serem iminentemente locais, fossem apresentados a mais e mais pessoas. O algoritmo, literalmente, atiçou um naco da população a se juntar a grupos nos quais a raiva era estimulada. A mudança antipolarização do Facebook provocou os mais violentos protestos em Paris desde 1968.
“Como amplificador e radicalizador da cólera popular”, escreveu o influente jornalista Frederic Filloux, “o Facebook demonstrou seu grau de toxicidade para o processo democrático”. Filloux escreve, em conjunto com o ex-presidente da Apple francesa Jean-Louis Gassée, uma influente newsletter lida em todo o Vale do Silício – Monday Note. Porque estava em Paris, entende política francesa e é respeitado no Vale, seu artigo desta segunda-feira teve imensa repercussão.
Como teve imensa repercussão o pacote de e-mails internos do Facebook tornados públicos, na quarta-feira, pelo Parlamento britânico.
Num deles, um executivo defende o uso de um truque para que o app da rede tire informação sobre ligações feitas em celulares Android. Sua equipe havia descoberto como fazê-lo sem informar ao dono do aparelho. “Pode ser um problema de relações públicas”, diz, mas a informação ajudaria a compreender mais as redes de amizade dos usuários. E essa é informação preciosa para quem faz dinheiro mapeando o comportamento de cada indivíduo.
Noutra mensagem, esta do próprio Mark Zuckerberg, ele é bastante claro: “Pode ser bom para o mundo, mas só é bom para nós se as pessoas estiverem gerando conteúdo dentro do Facebook”.
Tudo certo: é uma empresa privada cujo objetivo é crescer. E dribla uns limites éticos quando necessário. Mas é preciso fazer uma pergunta: “A ira do mundo estaria nas ruas sem o Facebook?”.
Pedro Doria: Uma eleição disruptiva
Jair Bolsonaro se elegeu presidente usando o WhatsApp e, ao que tudo indica, governará usando WhatsApp e outras redes. É o método Donald Trump de governo.
Nos EUA, Trump tem, cativos, algo entre 15 e 20% do eleitorado. Estes representam um percentual muito relevante dos eleitores do Partido Republicano. A cada vez que Trump lança um tema ou bate em alguém via Twitter, seus eleitores reagem em massa e deputados e senadores republicanos se sentem imediatamente pressionados. Nunca um populista teve uma ferramenta assim nas mãos, que lhe permite provocar a massa de forma tão imediata, conseguindo em troca uma reação assim instantânea.
Esta é uma das armadilhas que o digital prega na democracia. Quando as regras do sistema democrático atual foram imaginadas, ainda no século 18, uma ideia destas não estava no cardápio. Mas o resultado é que o chefe do Executivo, quando capaz de mover massas, tem um poder único de pressão sobre o Legislativo. É uma forma de, preservando todas as regras democráticas, driblar a democracia. A independência entre os Poderes se vê fragilizada.
Esta eleição de 2018 é disruptiva em muitos sentidos. Ouvi a expressão, tão utilizada no Vale do Silício, do cientista político Sergio Abranches em uma conversa na semana passada. Quando aplicada à indústria, disrupção é o processo pelo qual uma inovação vira o modelo de negócios de cabeça para baixo, tinge de vermelho as planilhas, provoca demissões em massa e, no fim, reinventa por completo a maneira como a coisa era feita.
A eleição que alçou Bolsonaro ao poder não é disruptiva apenas porque mudou a maneira de eleger um político, tornando o horário eleitoral inútil, e o tamanho do partido idem. Ela é disruptiva por seu o primeiro sinal claro de que a população brasileira está sentindo na pele os efeitos da transformação digital da vida.
O desemprego que já vivemos, aqui no Brasil, não é apenas fruto da inépcia econômica do governo Dilma Rousseff, ou da incapacidade de Michel Temer reequilibrar o jogo. Também vem do fato de que o digital automatiza, facilita, gera concorrência onde não havia e, noutros tantos setores, simplesmente exige menos mão de obra. Da relação entre táxis e Ubers à crise pela qual nós, jornalistas, passamos, a mudança de base tecnológica vai alternando o jeito que as coisas funcionavam há décadas.
Também está relacionado ao avanço tecnológico o rombo previdenciário que o Brasil e tantos outros países enfrentam. A população aumenta porque vivemos mais, e vivemos mais porque a medicina dá saltos a cada ano. Mas o resultado é também que o Estado perde a capacidade de proteger como já pôde um dia. Este é um processo com múltiplos resultados. Um é o congelamento de Parlamentos que não conseguem tomar a media impopular, porém necessária, de alterar as regras pelas quais pagamos aposentadorias e pensões. Outra é que, sem a teia de proteção, a cultura da sociedade se adapta. “Já faz parte desta transformação”, diz Sérgio, “este rumo da sociedade global a um novo tipo de individualismo. O indivíduo se vê por conta própria porque o Estado não protege mais.”
De certa forma, Bolsonaro foi um candidato contraditório. Afinal, seu discurso foi simultaneamente liberal e antiliberal. É um autoritário que promete força no comando do Estado. Nada menos liberal. Assim como promete desburocratização, facilidades para empreendedores, um Estado mais enxuto e abertura para o comércio exterior. Nada mais liberal.
Contraditório, porém a cara do tempo. Para uma população perdida, realmente desorientada perante as mudanças do mundo, nada como um candidato que representa o pai rigoroso que porá tudo em ordem. Tudo enquanto fala a língua do momento, em favor do empreendedorismo e via WhatsApp.
Pedro Doria: E o Brasil se tornou um imenso Facebook
Ao levar para lá nossa conversa sobre política, esta virou destilação de ódio, rancores passados e lacração
Imagine, caro leitor, se Ciro Gomes (PDT) desse uma espetacular arrancada nestes últimos dias, desbancasse Fernando Haddad (PT), e no domingo chegasse ao segundo turno para disputar com Jair Bolsonaro (PSL) a finalíssima desta eleição. Não vai, daqui, nenhuma torcida. Ciro entra no raciocínio por um único motivo: é ele, e não qualquer outro, quem está em terceiro. Estivessem nesta posição Geraldo Alckmin (PSDB) ou Marina Silva (Rede) ou ainda João Amoêdo (Novo), também para eles valeria. Ocorre que é Ciro.
Estatisticamente, nada indica que um movimento destes esteja em curso.
Então, numa arrancada final, Ciro chega ao segundo turno. Com baixa rejeição perante o adversário, e num clima de otimismo daqueles que só nasce quando algo próximo do impossível é feito, muito provavelmente seria embalado rumo à vitória. A verdade, e a gente vê isso tanto nas pesquisas quanto sente em nossas conversas cotidianas, é que tem gente com horror ao PT. E tem gente com horror a Bolsonaro. Há horror a esses dois, mas não aos outros.
Aliás, muitos dos que votam em Haddad votariam noutros; muitos dos que votam em Bolsonaro, idem.
Nós já assistimos a vitórias eleitorais em ambientes de otimismo e generosa expectativa. Foi assim com Fernando Henrique, em 1994. Assim como foi com Lula, em 2002. Um parecia ter terminado com a hiperinflação - e, para quem não viveu, acreditem: era um pesadelo. Vindos da Ditadura, do Sarney e do Collor, parecia que enfim o Brasil iniciaria seu futuro. Com a chegada de Lula não foi diferente. Até o próprio FH era só sorrisos passando a faixa. Tínhamos um país normal, com transições normais, em que grupos políticos são sucedidos por outros.
Sim, os eleitores de Bolsonaro e Haddad poderiam votar em outros — mas não vão fazê-lo. E quem acompanha as conversas das redes sociais - do Facebook ao Twitter, passando pelo WhatsApp - entende logo seu estado de espírito. Eles têm raiva. Petistas querem ir à forra contra o ‘sistema’. Bolsonaristas querem humilhar. É bom ‘jair’ acostumando. Não basta ganhar, é preciso lacrar, deixar o vencido de joelhos. Quando entram num embate, não importa em qual caixa de comentários, é com gana que o fazem. Têm verdades e uma forte carga emocional. Têm, principalmente, não adversários - mas, sim, inimigos.
O clima das redes sociais se tornou o clima das ruas. No domingo, quando formos às urnas para muito possivelmente levar PT e Bolsonaro ao segundo turno, sabemos que estamos criando um embate entre dois pesadelos brasileiros. Nossa história de corrupção, nossa história ditatorial. Não poderemos escolher entre o melhor que o Brasil pode ser. Teremos de suspirar e tentar compreender o que é menos pior.
Que profunda tristeza, esta escolha.
Se o eleitor de Bolsonaro poderia escolher alguém que causaria menos dor aos outros, mas não o faz, ele está mandando um recado. Se o eleitor de Haddad faz o mesmo, passa a mesma mensagem. É isto que têm em comum. A mensagem é: queremos continuar brigando pelos próximos quatro anos. Pois, elegendo-se um ou outro, ao menos metade do Brasil estará profundamente insatisfeita.
A internet das redes sociais produz conversas ásperas. Ao levar para lá nossa conversa sobre política, a política virou destilação de ódio, rancores passados e lacração. Com a diferença de que, aqui fora, não tem como dar block. O Brasil poderia escolher um caminho eleitoral que apontasse uma terceira via, poderia escolher o apaziguamento e buscar otimismo. Mas não é o clima que, coletivamente, escolhemos seguir. Escolhemos seguir brigando.
E assim essa terra cumprirá seu ideal: vai tornar-se um imenso Facebook.
Pedro Doria: Palavras precisam retomar seu valor
Se você barateia a palavra, quando precisar dela para acusar um processo em curso, terá perdido sua potência
O debate domina as redes: não há menção aos dois últimos anos partindo da esquerda sem que se refira a um golpe de Estado. Virou a forma corrente de tratar o impeachment. Com o passar do tempo, a coisa se naturalizou. Este é um problema. E é hora de iniciarmos uma reflexão séria: precisamos devolver a palavra golpe a seu pedestal histórico.
O fenômeno de barateamento das palavras pertence à era da internet. No ambiente virtual, há tanta informação que só o exagero se destaca. Data de 1990 a Lei de Godwin, que começou como observação satírica até todos se tocarem de quão séria é: “À medida que uma discussão on-line se alonga, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Adolf Hitler tende a 100%.” Quase sempre é um exagero. Mas gera calor, atrai olhos. A tendência se expandiu.
Há inúmeras palavras que foram barateadas. A direita chama liberais de comunistas e, a esquerda, os chama de fascistas. Comunismo e fascismo são palavras pesadas por trás das quais há ditaduras totalitárias e genocidas. Quando todo mundo de quem se discorda é fascista, ninguém o é de fato.
O impeachment de Dilma Rousseff não foi um golpe de Estado. O processo é claro e está descrito em repúblicas presidencialistas desde a década de 1780, por Alexander Hamilton. Acusa-se de um crime de responsabilidade o presidente, dois terços da Câmara decidem se há motivo para processo, se sim cabe ao quórum de dois terços dos senadores julgarem. O que eles decidirem é legal, porque assim determina a Constituição. Se é legal, não é golpe.
Os partidários de Dilma podem fazer críticas justas ao impeachment. É possível construir o argumento, por exemplo, de que por trás do processo estava uma tentativa do Congresso e do atual governo de coibir o avanço da Lava-Jato. Quem leu a imprensa viu muita ação desde então com este objetivo. Pode-se argumentar, também, que o PT foi, ao menos até agora, desproporcionalmente punido por crimes que envolvem, entre outros, também MDB e PSDB.
O grupo de Lula optou, porém, por chamar o impeachment de golpe. Como, fora de seu núcleo, ninguém leva a sério a caracterização, a palavra foi barateada.
O problema é que o Brasil tem uma história de golpes e, pela primeira vez desde a democratização, o candidato líder nas pesquisas e seu vice sugerem que golpes são toleráveis dependendo das circunstâncias. Golpes de verdade: daqueles que rasgam a Constituição para implantar um regime de exceção.
É como na fábula do “Pastor e o lobo”, escrita por Esopo faz alguns milhares de anos. Se você barateia a palavra, quando precisar dela de fato para acusar um processo em curso, terá perdido sua potência. E muita gente não levará a sério o alarme.
Pedro Dória: Eleitor, não odeie o adversário
No momento mais delicado desde a democratização encaramos uma eleição que será decidida pelo ódio
É tentador lembrar que Jair Bolsonaro é o candidato que ensina crianças a atirar, transforma um tripé de câmera em metralhadora, e fala de armas, de tiros, de violência. Mas foi Bolsonaro quem sofreu um atentado, ontem. É ele que foi arrancado da campanha eleitoral e passará as próximas semanas se recuperando, incapaz de andar pelas ruas carregado pelo povo, seu forte político. E, principalmente, ele não detém o monopólio da violência na política brasileira.
Há muitas formas de violência, nem todas tratam de armas. Os últimos debates entre Dilma Rousseff e Aécio Neves, na eleição de 2014, foram duros, agressivos, carregados de ódio. É ódio que se percebe nas ruas e nas redes. Ódio que parte do PT. E ódio que existe contra o PT.
A polarização que entorna em ódio interessa a quem ganha votos por ter um inimigo a bater. Gostamos de dizer que violência não tem parte na cultura política brasileira. Porém, um soldado sacou uma peixeira e partiu contra o primeiro presidente civil, Prudente de Moraes. Matou seu ministro da Guerra. O candidato a vice de Getúlio Vargas em 1930, João Pessoa, foi assassinado a tiros na campanha. Em 1954, o chefe da Segurança do próprio Getúlio disparou contra Carlos Lacerda, matando um major que o escoltava.
A violência está entre nós. Neste ano mesmo tiros foram disparados contra uma caravana de Lula. A vereadora carioca Marielle Franco foi assassinada e não há notícia de solução. Crimes sem solução passam uma mensagem clara: a violência está permitida. O discurso de quem transforma antagonista em inimigo incentiva esta mesma violência.
E cá estamos neste ponto ao qual chegamos. No momento mais delicado desde a democratização encaramos uma eleição que será decidida pelo ódio. Um ódio que se sustentou em cada um dos quatro anos desde então. Nada sugere que será diferente a partir de agora. Nada fora a esperança de que o eleitor vote num candidato que não vê as ideias dos outros como algo a calar para todo sempre. Você, eleitor. Não odeie o adversário. O Brasil talvez não aguente se continuar assim.