PEC

Míriam Leitão: Um ano depois, a dúvida é sobre nós

Não cabe mais perguntar que governo é este. A resposta está dada. O Brasil chega ao seu pior número diário de vidas perdidas, em um ano de pandemia, com o colapso se espalhando pelos estados, e o presidente Bolsonaro dizendo que a máscara é que é o risco. O que cabe agora é tentar saber que país é este. Quem somos nós? De que matéria somos feitos? O futuro perguntará aos contemporâneos dessa tragédia o que fizemos. Enquanto os brasileiros morriam, o inimigo avançava impiedosamente e o governo era sócio da morte.

No dia das 1.582 vidas perdidas, ou da queda de cinco Boeings, como comparou o cientista Miguel Nicolelis, qual era a cena no Brasil? A Câmara dedicava horas seguidas à emenda que protege os parlamentares dos crimes que vierem a cometer. O Senado debatia a retirada do financiamento da Saúde e da Educação. Por serem pontos tão absurdos, as duas Casas ensaiaram recuos. E o presidente da República? Ele, como fez todos os dias desse último ano, na sua macabra mesmice, atirou contra a saúde dos brasileiros. Desta vez, dizendo que uma universidade alemã tem um estudo que prova um tal risco do uso de máscaras em crianças. Sempre assim, negando as provas da ciência, falando de algum suposto remédio. Sempre mentindo, o presidente do Brasil.

Bolsonaro nós sabemos quem é. Ele quer que haja armas e munições, quando precisamos de leitos e vacinas. Ele exibe desprezo pela vida, quando precisamos de empatia e conforto diante desse luto vasto e irremediável. O luto dos enterros sem flores, sem abraços, sem consolo. Contamos nossos mortos numa rotina fúnebre e interminável. O presidente conta as armas com as quais os seus seguidores vão nos ameaçar se eventualmente reagirmos.

Quem somos nós? O futuro nos perguntará e é preciso que o país saiba que terá que responder que, mais uma vez, fomos o povo que tolerou o intolerável. Como na escravidão, no genocídio dos índios, na ditadura, na desigualdade temos aceitado a afronta, a vilania, a infâmia. Castro Alves pode fazer de novo a pergunta: que bandeira é esta?

Essa é a nossa contemporaneidade. Lembra os nossos piores passados. É tão longo o suplício que perdemos as palavras. Não há palavras fortes o suficiente para definir o que vivemos. O presidente comete crimes diariamente. A cada crime sem punição ele se fortalece, porque sabe que pode avançar um pouco mais. Como o vírus que domina o corpo fraco. A cada dia fica mais difícil contê-lo.

De outros países, nos olham com espanto e desprezo. Nenhum povo suportaria tal opróbrio. Eles sabem o que temos feito aqui e o que temos aceitado. E não entendem. Caminhamos para o risco de colapso nacional, de falência múltipla dos órgãos de saúde do país. Só agora, alguns estados falam em lockdown. Antes, havia no máximo uma restrição de circulação à noite, como se o vírus fosse noturno e dormisse de dia. Vários países começam a comemorar queda dos contágios, internações e mortes. Comprovam vantagens do distanciamento social, das vacinas e do uso de equipamentos de proteção. O presidente diariamente passeia, diletante, pelo país, com seu séquito de homens brancos sem máscaras, com os quais exerce o poder, oferecendo-lhes migalhas do seu mandonismo. São os invertebrados de Bolsonaro.

O médico Ricardo Cruz escreveu para Denise, sua mulher, “prepare-se para o pior”. O pior chegou para a sua família e para o país. Ricardo Cruz era amado por seus colegas e pacientes. Organizou um centro de reflexão sobre as angústias que vivemos neste século e o batizou de “humanidades”. O último recado digitado por ele, mostrado por este jornal em brilhante reportagem, é um alerta vivo. Estamos no pior momento. Despreparados.

O presidente da República mente diariamente e as mentiras estão nos matando. Bolsonaro não se interessa por pessoas, mas por perfis das redes, inúmeros deles falsos. Em colunas passadas, fiz a lista dos crimes cometidos por Bolsonaro e apontei artigos e incisos das leis que ele afrontou. Mas isso o país já sabe. Alguém sempre diz que não existem as condições políticas para um impeachment. E os milhares de mortos que enterramos? Quantos deles teriam sido poupados se fosse outro o governo do Brasil? Não cabe mais perguntar que presidente é este. O país não pode alegar desconhecimento. Cabe fazer uma pergunta mais dura. Quem somos nós?


Paulo Roberto de Almeida: Desafios da pandemia e pós-pandemia para o desenvolvimento da diplomacia

O mundo pós-pandemia não será muito diferente do que temos hoje, assim como o mundo pós-Peste Negra, no século XIV, não foi muito diferente daquele que existia no cenário pré-pandemia, que dizimou, ao que parece, entre 25% e 30% da população da Europa ocidental em suas diversas ondas. O que ocorreu foi, se ouso dizer, até “positivo”, uma vez que, com a diminuição de uma oferta abundante de mão-de-obra (que vinha sendo garantida por progressos lentos, mas reais, na produção de alimentos ao longo do período final da Idade Média), tanto o custo do trabalho quanto a produtividade do trabalho registraram ganhos expressivos. Tampouco o mundo pós-Gripe Espanhola, que na verdade era americana em sua origem, foi muito diferente daquele que existia ao final da Grande Guerra, apenas que, talvez, mais propenso a acelerar as pesquisas científicas que levaram, alguns anos depois, a novas vacinas e ao milagroso antibiótico, assim como a melhores cuidados com saneamento básico e medidas associadas a tratamentos preventivos e curativos.

O mundo, tal como ele existe em suas estruturas braudelianas de longa duração, não se altera radicalmente como resultado das pandemias; tampouco as diplomacias nacionais conhecem mudanças significativas, apenas que determinadas tendências existentes são aceleradas, ao passo que outras podem ser relegadas a segundo plano. A Peste Negra trouxe várias mudanças nas relações de trabalho e nos ganhos de produtividade, assim como a Gripe Espanhola gerou progressos gerais nos serviços de saneamento básico e nas instituições estatais cuidando da saúde pública. No plano da psicologia coletiva, o mundo do século XV e o mundo da terceira década do século XX não conheceram mudanças significativas no comportamento das pessoas, dada a tendência a esquecer os horrores vividos, esquecer os mortos e tratar dos sobreviventes e dos novos vivos. A humanidade tende a esquecer grandes tragédias, como ocorreu, talvez, ao final da Grande Guerra e no seguimento do Holocausto da segunda Guerra Mundial, que só começou verdadeiramente a ser relembrado duas ou três décadas depois. Não ocorreu nenhum Tribunal de Nuremberg ao final da Grande Guerra e o que foi realizado em 1945-46 não produziu instituições permanentes de condenação de criminosos de guerra, até o surgimento do mais recente Tribunal Penal Internacional. 

As mudanças foram mais significativas no campo das relações internacionais. A diplomacia da segunda metade do século XX deu grandes passos para aprofundar a nova modalidade do multilateralismo, mas essa já era uma tendência que vinha sendo reforçada desde as grandes conferências do final do século XIX – propriedade intelectual, comunicações, direito internacional da guerra e da paz, acordos setoriais, etc. – e que conheceu um grande impulso com o surgimento da Liga das Nações, mas ela foi mais o resultado dos 14 pontos de Wilson do que da Gripe Espanhola, que começou a se propagar desde que os soldados americanos chegaram à França em 1917; o presidente Wilson pode, aliás, ter sido vítima dessa gripe, pois nunca se recuperou quando retornou de vários meses de estada na Europa. 

O desafio ao principal ponto de seu plano de paz, a própria Liga, veio mais do Senado americano do que da pandemia, e assim parte do grande exercício de “pacificação” das relações internacionais no pós-Grande Guerra se perdeu, inclusive porque surgiram problemas para acomodar os interesses das grandes potências militaristas e fascistas – Itália mussoliniana, Alemanha hitlerista, Japão expansionista e União Soviética stalinista – e o ambiente de crises e depressões econômicas tampouco ajudou no restabelecimento de relações de cooperação entre os principais atores das relações internacionais. Foi preciso uma nova e devastadora guerra, impulsionada por essas mesmas potências desafiadoras para que, a partir de Ialta, Potsdam e San Francisco, se desenhasse uma espécie de “paz cartaginesa”, com a derrota completa, a destruição e ocupação das potências agressoras, que permitiu o surgimento de um arranjo neo-westfaliano capaz de impor a paz e a segurança internacional com base em mecanismos fortemente oligárquicos (como aliás já tinha sido o caso no modelo original do século XVII, em Viena em 1815, e em Paris em 1919). 

Depois de Bretton Woods, os progressos do multilateralismo foram realmente vários e relevantes, embora o processo decisório nas grandes agências do sistema multilateral das Nações Unidas tenha permanecido mais ou menos oligárquico entre 1945 e 1980. Apenas na terceira onda da globalização, as novas dinâmicas econômicas, a partir da consolidação do processo de convergência – depois de quase dois séculos da Grande Divergência –, criaram uma abertura nos processos decisórios, embora tenha sido apenas dez anos atrás que o “resto do mundo” superou, pela primeira vez na história, o pequeno pelotão das economias mais avançadas na formação do PIB global. Esse processo começou nos anos 1960, quando a industrialização das nações periféricas aumenta a participação do Terceiro Mundo na oferta de produtos manufaturados. Desde então, graças sobretudo à Ásia Pacífico, em especial a China, que tinha sido a maior economia mundial até o século XVIII, e a mais avançada cientificamente até o início da era moderna, quando a Europa ocidental conhece sua fulgurante ascensão para a hegemonia mundial. Mas, já no final da Guerra da Secessão, uma nova potência ascendente marca sua presença dominante no contexto da segunda Revolução Industrial. O mundo tinha sido europeu do século XVI ao XIX, e passa a ser americano, a partir do século XX, talvez desde 1898, e mais acentuadamente a partir de 1917, quando os boys desembarcam pela primeira vez nos campos de batalha do velho mundo.

O século americano, inclusive na diplomacia, teve uma vigência de apenas um século, e o século XXI começa pela fulgurante ascensão da China, retomando posições que ela já tinha tido num passado distante. O impacto dessa ascensão será sentido pelo resto do século, mas sua influência nas relações internacionais, e nas práticas diplomáticas, tem muito mais a ver com as dinâmicas econômicas do que com os efeitos sistêmicos da pandemia. Esta será superada em relativamente breve tempo, graças aos avanços fantásticos das tecnologias farmacêuticas, e ela terá consequências sobretudo na aceleração de tendências já presentes anteriormente na economia e na política mundiais, não tanto em mudanças estruturais de grande monta. Ou seja, o mundo não será muito diferente no pós-pandemia, a não ser que diversas atividades – inclusive a diplomacia – terão continuidade no terreno virtual, o que antes seguia um ritmo de tartaruga, dadas as facilidades de transportes e comunicações. A partir de agora, contatos, reuniões e viagens serão mais facilmente substituídos pela versão digital, aliás, com menos despesas e maior frequência.

Uma grande consequência tem a ver com a nova geopolítica do restante do século XXI, mas ela depende mais da postura americana no “enfrentamento” da ascensão chinesa do que propriamente das novas modalidades de práticas diplomáticas. Não tenho tempo de desenvolver aqui essa questão, que vem sendo muito mal conduzida pelos acadêmicos dos EUA em relações internacionais, que aparentemente foram contaminados pela paranoia dos generais do Pentágono, na adoção de uma postura confrontacionista em relação à China. Parto do princípio que a segunda Guerra Fria, que tem um caráter sobretudo econômico, já foi vencida pela China, que tem uma estratégia correta, assim como foi a estratégia da Grã-Bretanha no estabelecimento de sua hegemonia no século XIX, que foi a globalização e o livre comércio, assim como a exportação de capitais, assim como a consolidação de meios e instrumentos de pagamentos que mantiveram Londres no centro das relações econômicas mundiais durante um século e meio. O eixo financeiro só se deslocou de Londres para Nova York com o deslanchar da Segunda Guerra Mundial, embora desde a Grande Guerra os EUA já fossem um grande credor e investidor internacional. Esse eixo vai ter uma base sólida na Ásia Pacífico, em especial na China, inclusive por meio de criptomoedas que vão oferecer concorrência ao dólar, dominante neste século americano (e ainda influente nas próximas décadas). 

A própria pandemia revelou enormes fragilidades do sistema americano de saúde, inclusive pelo efeito acrescido da grande desigualdade social que ainda caracteriza o gigante norte-americano, comparativamente a estruturas mais igualitárias na Europa ocidental. Mas a China acaba de proclamar a eliminação da pobreza, ou da miséria, em seu território, o que é um feito extraordinário para um país que tinha falhado sua inserção nas duas primeiras revoluções industriais e que só se encaixou realmente na globalização no decurso da quarta revolução industrial. O mundo do futuro não será necessariamente chinês, mas ele será forçosamente mais diversificado, inclusive com a ascensão do segundo gigante asiático, a Índia, embora ela continua persistentemente protecionista, a ponto de ter preferido não integrar o RCEP, o grande bloco comercial liderado pela China. 

Quanto ao Brasil, ele é a grande decepção mundial nas últimas três ou quatro décadas, e não parece perto de ser capaz de superar suas enormes dificuldades políticas para vencer obstáculos estruturais – educação, produtividade, nova industrialização e redução das desigualdades sociais e regionais – que se opõem à sua inserção econômica global. Na verdade, o Brasil exibe uma não inserção na interdependência mundial, dado seu renitente protecionismo e a introversão típica de um país dotado de elites tacanhas e mesquinhas (não fosse assim não teriam demorado tanto tempo para extinguir o tráfico e abolir a escravidão). No plano diplomático, aliás, o Brasil é um dos raros países no mundo a ter perpetrado uma espécie de suicídio diplomático, ao ter deliberadamente escolhido ser pária, um pouco como a Coreia do Norte e Mianmar. É algo realmente vergonhoso para um país que tinha construído, ao longo dos quase dois séculos de independência, uma diplomacia tida por excelente, e que teve um papel decisivo na construção da nação, como já argumentou o embaixador Rubens Ricupero em sua obra clássica A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016 (2017). Mas, imagino que sua leitura, atualmente, teria o dom de provocar depressão em boa parte do corpo diplomático profissional, assim como na quase totalidade dos analistas e estudiosos das relações internacionais do Brasil. 

*Texto de apoio para exposição oral de 30 minutos no 3º. Congresso de Relações Internacionais, dia 27/02, 19h45, via WebinarJam.


Affonso Celso Pastore: Lições da história

Redução dos juros pelo Fed criou condições para o crescimento de bolhas

Em viagem a Nova York, no fim de 1997, encontrei casualmente amigos ligados ao mercado financeiro, que me convidaram para uma visita ao Long Term Capital Management (LMTC), em Greenwhich, Connecticut. Aceitei. Afinal, era uma instituição criada por John Meriwether, o mago do bond trading da Salomon Brothers, e que tinha como sócios Myron Scholes e Robert Merton, que naquele ano dividiram o Prêmio Nobel de Economia. Fomos recebidos por um sócio menos graduado, calçando botas e vestindo jeans, com uma fivela de cowboy no cinto, que antes de me cumprimentar perguntou se eu tinha US$ 1 milhão – a quantia mínima para tornar-me um investidor. Quase pedi desculpas por não me qualificar como investidor, e expliquei que meu único objetivo era aprender como o LTCM conseguia proporcionar enormes ganhos na presença de tantos riscos.

Fui gentilmente brindado com uma aula. Começou explicando como operavam o “convergence trading”, que consiste em ter duas posições: comprar para entrega futura um título de renda fixa a um preço baixo, e ao mesmo tempo vender a um preço mais alto um título similar para entrega futura. Operando com treasuries, que têm risco de default nulo, haveria apenas ganhos. A aula ficou mais interessante com os exemplos de como utilizar derivativos e ampliar os ganhos alavancando posições com empréstimos de curto prazo tomados junto aos bancos, sendo tudo isso respaldado por modelos pilotados por jovens PhD formados em universidades da Ivy League. Saí de lá frustrado, pois os modelos eram tão elegantes que pensei que deveria ter estudado finanças e não economia. 

Na ocasião, já era evidente para mim que havia uma crise em formação na Rússia, que ocorreu logo em seguida. Conhecia o suficiente sobre ataques especulativos e crises fiscais, levando-me a prever um final trágico para o país, mas era incapaz de imaginar que, munido dos modelos precisos da teoria de finanças, o LTCM pudesse quebrar. Errei. Um belo dia, não conseguiram pagar os empréstimos, e se não fosse o NYFed ter trancado todos os bancos financiadores em uma sala de seu edifício no down town até que concordassem em assumir totalmente o prejuízo, ocorreria uma crise sistêmica. A Rússia podia quebrar, mas o LTCM era “grande demais para quebrar”. 

Confiança excessiva nos modelos gera arrogância. Antes da crise de 2008 Robert Schiller advertia sobre o crescimento de uma bolha imobiliária. Na reunião de Jackson Hole de 2005, Raguran Rajan teve a ousadia de apontar que esse risco era grande, mas a enorme confiança na hipótese de mercados eficientes, nos modelos, e na autorregulação dos mercados, fez com que seu trabalho fosse muito criticado e esquecido pelos economistas. 

O Glass Steagel Act fora revogado, desaparecendo a separação entre bancos comerciais e de investimentos. Com isso as hipotecas, grande parte das quais financiava a aquisição de casas por clientes que não conseguiriam pagar, eram empacotadas em mortgage backed securities vendidas aos bancos de investimento, que alavancavam sua posição com financiamentos tomados em bancos comerciais. Brooksley Born, a presidente da Commodities Futures Trading Comission, advertiu sobre a necessidade de regulação para evitar fraudes em derivativos no mercado de balcão, largamente usados nessas operações. Discutiu o assunto com Greenspan, que discordava da proposta. A diferença era que Born “queria usar leis”, enquanto para ele o mercado resolveria tudo. “Se houvesse fraude a companhia demitiria o trader”. Ponto final!

Com a covid vivemos um ciclo econômico sem precedente. O Fed reduziu a zero a taxa dos fed funds e comprou mais de US$ 2 trilhões em treasuries. Colocou o país na armadilha da liquidez e garantiu que manteria os juros baixos por longo período, mesmo que por algum tempo a inflação superasse a meta. Com isso os investidores saíram comprando ativos, de ações a bitcoins, criando condições para o crescimento de bolhas, cuja existência é sempre negada. Para sair da estagnação, no entanto, o governo vai executar uma expansão fiscal de 10% do PIB, com o risco de superaquecer a economia. Se isto ocorrer, o Fed terá que renegar o compromisso e elevar os juros, desinflando possíveis bolhas, com prejuízos que crescem com as alavancagens. 

Pode ser que “desta vez seja diferente”, ou que eu esteja vendo fantasmas. Mas seria muito bom se em vez de nos apoiarmos na crença religiosa aos modelos e de que os mercados tudo resolvem, prestássemos atenção às lições da história. 

*Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore & Associados. 


Marcus Pestana: Congresso Nacional e imunidade parlamentar

O parlamento é o centro de gravidade no funcionamento da democracia. Ali está presente a representação plural da sociedade para a construção permanente dos marcos constitucionais e legais que regram a vida da sociedade, do Estado e da economia e um contrapeso ao poder, que não é absoluto, do governo de plantão.

No Brasil, o abismo existente entre a sociedade e o Congresso não é novidade. De 1999 a 2002, tive acesso a pesquisas nacionais de opinião pública que testavam a confiança da população em 42 instituições. Os resultados foram quase os mesmos nos quatro anos. Nos primeiros lugares vinham os Correios e o Corpo de Bombeiro, nos últimos, o Congresso Nacional e os partidos políticos. A população tende a avaliar bem individualmente o deputado que atua na sua região e mal a instituição como um todo.

Há picos de rejeição em casos como a CPI dos anões do orçamento, mensalão, Lava Jato, rejeição da Emenda das Diretas, e momentos de aproximação como na eleição de Tancredo Neves, na Constituinte de 1986, nos impeachments de Collor e Dilma.

Esta relação entre Congresso e sociedade está sendo testada mais uma vez. A votação da manutenção ou não da prisão do deputado Daniel Oliveira (PSL/RJ) que agrediu de forma violenta e desqualificada membros do STF e fez apologia da ditadura, do AI-5 e do fechamento do Congresso e do Judiciário, se desdobrou na manutenção da prisão por 305 contra 154 e na discussão da emenda constitucional sobre imunidade e inviolabilidade do mandato parlamentar.

Entre os que 154 votos contra a manutenção da prisão existem dois grupos. Os que são a favor da impunidade sempre e os que entenderam que o Supremo exorbitou de suas prerrogativas e feriu a Constituição na caracterização da flagrância do crime cometido. Mas houve crime inequivocamente. Não se pode evocar o direito à liberdade de opinião e expressão individual contra o direito coletivo à democracia e à liberdade. A questão política se colocou dentro do atual clima de polarização radical, colocando em jogo a defesa da democracia contra o golpismo autoritário. Sugiro aos incautos lerem o livro COMO AS DEMOCRACIA MORREM e assistirem o filme clássico O OVO DA SERPENTE.

Do ponto de vista jurídico a questão é mais complexa. A imunidade parlamentar e a inviolabilidade do mandato foram inseridas na Constituição como proteção à liberdade de expressão, opinião e ação política dos representantes do povo, mas nunca em relação a crimes bem tipificados na legislação penal. Os parlamentares só podem ser presos em flagrante delito de crimes inafiançáveis. O Supremo decretou a prisão do deputado Daniel com base na Lei de Segurança Nacional, que merece ser revista. O STF não é formado por analfabetos jurídicos, ao contrário, é de se pressupor que ali estão alguns dos maiores constitucionalistas e juristas do país. E, por unanimidade, viu fundamentos jurídicos para a prisão em flagrante.

A complexidade é que se tratava de um crime no ambiente da internet, um vídeo nas redes sociais, que permanecia no ar no momento da prisão, portanto o crime estava sendo cometido naquele exato momento. É diferente de um assalto ou um homicídio, quando o criminoso é preso em flagrante. Fato é que o evento ressuscitou o tema do golpismo contra a democracia e suas instituições. A violência e irresponsabilidade do deputado mereciam uma resposta firme e forte das instituições democráticas.

Ato contínuo a Câmara dos Deputados colocou em discussão a PEC que propõe novo regramento do assunto, reduzindo os poderes dos magistrados, submetendo a aplicação de medidas cautelares e mesmo a avaliação de materiais aprendidos em operações policiais à prévia deliberação do plenário do STF, tipificando os crimes que permitirão prisão em flagrante (tortura, tráfico, crimes hediondos, racismo e ações armadas). A pressa na votação não se justifica em matéria tão complexa.

Mesmo sem conhecer o texto final da relatora e o resultado que poderá ter ocorrido na última quinta, fico preliminarmente com a visão do deputado Beto Pereira (PSDB/MS): “O critério de imunidade vigente hoje é suficiente para garantir o pleno exercício da atividade parlamentar. A alteração proposta peca ao transformar parlamentares em privilegiada casta, protegida pela impunidade. Como efeito colateral seremos contaminados pela indignação do povo”.       

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Elena Landau: 'Me chame pelo meu nome'

PEC do Amanhã se resume a uma reforma administrativa do ‘poder executivo civil’

Para tentar recuperar algum protagonismo no governo, o Ministério da Economia enviou sua proposta de reforma administrativa (PEC32/2020) e anunciou o início dos estudos para a venda dos Correios. Ainda que a bola esteja começando a rolar, como dizem os otimistas, não veremos resultados concretos no curto prazo. Se será coisa para inglês ver, ou não, só saberemos com o avanço das discussões.

A reforma não se aplica aos funcionários atuais, tendo sido apelidada de “PEC do Amanhã”. É limitada no espaço e no tempo. A privatização continua tímida e a presença do Estado na economia ainda é grande. A combinação dessas duas pautas, desestatizações e reforma do funcionalismo, é frequentemente resumida na expressão reforma do Estado. Trata-se de uma simplificação, porque são ações concentrados no Poder Executivo.

Dalmo de Abreu Dallari, no clássico Teoria Geral do Estado, ensina que o Estado é uno, ainda que possa se subdividir em funções. Os três Poderes são parte de um mesmo organismo, exercidos de forma independente e harmônica. Melhorias no funcionamento do Estado devem incluir ajustes nessas unidades. O objetivo é atender melhor o cidadão, exercendo com eficiência suas atribuições, sejam elas oriundas do Executivo ou dos outros Poderes, inclusive de órgãos autônomos, como Ministério Público e Tribunais de Contas.

A próxima etapa da reforma deve ser a aprovação de leis com indicadores de avaliação de desempenho dos servidores. Portanto, o Legislativo, sempre com enorme resistência a avaliar a si próprio, definirá os critérios de julgamento dos funcionários de outro Poder.

Os conselhos de ética, que deveriam analisar casos de quebra de decoro de deputados e senadores, deixam processos se acumular não importa a gravidade do caso. Ofensa verbal, disseminação de fake news, postagens racistas e rachadinha são práticas que vão sendo normalizadas pela falta de atuação desses conselhos. A desculpa vai do “todo mundo faz” à defesa – distorcida – da liberdade de expressão.

E o caso Flordelis? A deputada acusada de ser mandante do assassinato do marido. Não há justificativa. Diferente sorte teve Chico Rodrigues, pego com dinheiro em suas partes íntimas. Situação tão grotesca que o vídeo do flagrante está trancado no cofre da PF. Na pressão, o senador saiu de licença contrariado. A perda de mandato não está garantida. Mas podemos ficar tranquilos, porque, de todo modo, com seu afastamento, assume o suplente, seu filho.

Acusação de homicídio é novidade, mas dinheiro na cueca não. Em lugar de reais eram US$ 100 mil. Era o assessor de um deputado, que se tornou líder do governo anos depois. Sem limites, a ousadia aumenta. Claro.

Eles apelam para a justiça divina, mas confiam mesmo é na justiça dos homens. Há países em que um homem público, pego com a boca na botija, envergonhado, comete até suicídio, um haraquiri às vezes. Não precisamos exagerar. O abandono da vida pública já seria suficiente. Mas nosso novo normal é ver ex-condenados formarem a base do governo. Algo está fora de ordem.

O Judiciário também anda precisando de ajustes. Decisões monocráticas vêm crescendo de forma significativa. O que deveria ser exceção, virou regra. Muitas são – previsivelmente – revertidas pelo colegiado. Uma liminar do ministro Lewandowski suspendeu o programa de privatização por um ano. A encampação da Linha Amarela pela prefeitura do Rio foi determinada pelo presidente do STJ.

Ambas contrariaram jurisprudência dos próprios tribunais superiores, gerando insegurança jurídica em um país carente de investimentos.

Um traficante de altíssima periculosidade foi posto em liberdade por decisão do ministro Marco Aurélio. André do Rap imediatamente escafedeu-se, o que não deveria ser surpresa para ninguém, inclusive para quem concedeu o habeas corpus. A suspensão dessa liminar, também em decisão individual do presidente do STF, gerou mais uma crise na Corte. Acabou sendo confirmada com voto de todos os outros ministros. Mas era tarde. Enquanto isso, milhares de presos sem condenação apodrecem nas cadeias.

Com Ministério Público e Tribunais de Conta, o Judiciário não será atingido pelas propostas moralizadoras da reforma, como o respeito ao teto remuneratório constitucional, a eliminação dos penduricalhos e férias de 60 dias. Diz o governo que não poderia invadir competência de outros Poderes. Só que a proposta foi encaminhada através de uma emenda para modificar a Constituição, que, por óbvio, trata de todos Poderes. Desculpa esfarrapada.

Sem militares, sem a elite do funcionalismo, sem impacto imediato, a PEC do Amanhã se resume a uma reforma administrativa do “poder executivo civil”. E isso não é uma reforma do Estado.

Em tempo: o Senado aprovou o nome para o TCU, sem que haja vaga aberta no tribunal. Se a moda pega, vai ter nome aprovado para o STF com antecedência. Isso que é eficiência.

*ECONOMISTA E ADVOGADA


Ribamar Oliveira: Senado condiciona benefício a emprego

Se aprovada pela Câmara, “PEC da guerra” criará insegurança jurídica

O texto da Proposta de Emenda Constitucional 10/2020, mais conhecida como “PEC do Orçamento de Guerra”, recentemente aprovado pelo Senado, introduziu um novo complicador para as empresas que, se aprovado pela Câmara dos Deputados, trará uma grande insegurança jurídica, de acordo com consultores ouvidos pelo Valor.

O recebimento de benefícios creditícios, financeiros e tributários, direta ou indiretamente, concedidos no âmbito dos programas oficiais de combate aos efeitos da pandemia, estará condicionado ao compromisso das empresas de manutenção de empregos, “na forma dos respectivos regulamentos”, de acordo com o artigo 4º do texto do Senado.

Uma das medidas adotadas pelo governo para redução dos efeitos do novo coronavírus na economia, logo no início da pandemia, foi adiar o pagamento de PIS, Pasep e da Cofins, bem como da contribuição previdenciária patronal. Os empresários pagarão as quatro contribuições devidas em abril e em maio apenas em agosto e em outubro.

Esta foi uma forma de dar mais fôlego de caixa às empresas, que tiveram suas vendas drasticamente reduzidas do dia para a noite. Tecnicamente, o procedimento é conhecido como diferimento. A questão é que todas as empresas, mesmo aquelas que estão demitindo trabalhadores, terão direito de adiar o pagamento das quatro contribuições. Quando o diferimento foi autorizado, ainda em março, a instrução normativa da Receita Federal não condicionou o benefício à manutenção do emprego.

Pode-se alegar, portanto, que o artigo da PEC, caso aprovado pela Câmara, terá vigência posterior ao início do diferimento das quatro contribuições. A lei não pode retroagir para prejudicar o contribuinte. Ocorre que, segundo avaliação da área técnica do governo, é muito provável que as empresas não tenham caixa em agosto e outubro para pagar os tributos do mês e os atrasados. Por isso, os técnicos não descartam que os débitos tributários referentes a abril e maio venham a ser, posteriormente, objeto de um novo Refis, ou seja, de um parcelamento em condições favorecidas, que já está sendo chamado de “coronarefis”.

Se isto ocorrer, será um novo benefício tributário a ser concedido às empresas em relação a fatos ocorridos no período da pandemia. Neste caso, o artigo da PEC poderá ser acionado e em que medida? O texto diz que a manutenção do emprego será exigida, “na forma dos respectivos regulamentos”, sem explicar o que isso significa, talvez indicando a necessidade de uma regulamentação.

A exigência da manutenção do emprego, no entanto, se aplica a todos os outros benefícios que estão sendo concedidos pelo governo durante a pandemia, inclusive os creditícios e os financeiros. Há, por exemplo, empréstimos em condições especiais que estão sendo colocados à disposição das empresas. O Banco Central será autorizado também a comprar títulos privados e a realizar uma série de operações financeiras que, de forma direta ou indireta, pode resultar em benefício para alguma empresa ou instituição financeira.

Diante da amplitude da medida, com consequências jurídicas imprevisíveis, um político de grande experiência disse ao Valor que o Senado colocou o artigo na PEC para ficar bem com o eleitorado, ao mostrar sua preocupação com o emprego, mas certo de que ele será derrubado pela Câmara, com desgaste para os deputados. É, pode ser. Mas, vale lembrar a famosa pergunta feita por Garrincha, na Copa do Mundo de 1958: “Já combinaram com os russos?”.

O artigo 9º da PEC aprovada pelo Senado determina que as instituições financeiras que venderem ativos ao BC, durante a pandemia, não poderão aumentar a remuneração, fixa ou variável, de diretores e membros do conselho de administração, no caso das sociedades anônimas, e dos administradores, no caso de sociedades limitadas.

De acordo com a PEC aprovada pelo Senado, a remuneração variável inclui bônus, participação nos lucros e quaisquer parcelas de remuneração diferidas e outros incentivos remuneratórios associados ao desempenho.

Mas, não está claro o período da vigência da proibição. A PEC aprovada pelo Senado diz que o Banco Central editará regulamentação sobre as exigências de contrapartidas “durante a vigência desta emenda constitucional”. Não seria durante a vigência da situação de calamidade pública, ou seja, até 31 dezembro deste ano?

Há também outra redação confusa na PEC do “Orçamento de Guerra”. Mas, neste caso, a confusão já vem do texto inicial aprovado pela Câmara. O artigo 5º diz que será dispensado o cumprimento da chamada “regra de ouro”, durante ‘a integralidade do exercício financeiro em que vigore a calamidade pública nacional”.

A Constituição proíbe que o governo aumente o seu endividamento para custear despesas correntes. Só pode fazer isso para financiar investimentos e para amortizar a dívida, ou seja, despesas de capital. Este princípio é conhecido como “regra de ouro” das finanças públicas. Como observa a nota técnica 95/2020, da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, desde meados do ano passado já se projetava descumprimento da “regra de ouro” em 2020.

O Orçamento da União deste ano foi aprovado com montante de operações de crédito superior em R$ 343 bilhões às despesas de capital, lembram os consultores legislativos Vinícius Leopoldino do Amaral e Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, autores da nota técnica. Tais operações de crédito em excesso, assim como as despesas por elas custeadas, encontram-se pendentes de autorização, observam.

Como o regime extraordinário da PEC visa atender às necessidades decorrentes da pandemia, a suspensão do cumprimento da “regra de ouro” não poderia ser aplicada a situações anteriores ao surgimento do novo coronavírus. Os autores concluem que a suspensão da “regra de ouro” teria que ser parcial e somente aplicável às repercussões geradas pela pandemia. Mas isto não é o que está escrito na PEC, que suspende o cumprimento da “regra de ouro” durante “a integralidade do exercício financeiro em que vigore a calamidade”.


Monica de Bolle: A PEC 10/2020 e o BC

Faltam-nos os corrimões em que economistas costumam se apoiar para traçar cenários e políticas públicas

*Em coautoria com o senador Randolfe Rodrigues

Na tarde dessa quarta-feira, 15 de abril, o Senado Federal votará a PEC 10, conhecida como “PEC do orçamento de guerra”, porém mais adequadamente denominada de “PEC da pandemia”. Embora o uso da metáfora da guerra possa render boas análises, não estamos numa guerra propriamente, e sim atravessando um momento inédito em que a vulnerabilidade dos sistemas de saúde e das redes de proteção social estão em ampla evidência mundo afora, e no Brasil em particular. A epidemia e a paralisia econômica têm dimensões humanitárias que precisam ser adequadamente tratadas pelos governos.

Entre os temas mais polêmicos da PEC está a autorização dada ao Banco Central “para comprar e vender títulos de emissão do Tesouro, nos mercados secundários local e internacional, e direitos creditórios e títulos privados de crédito em mercados secundários, no âmbito de mercados financeiros, de capitais e de pagamentos. Essa autorização tem vigência e efeito restrito ao período de calamidade pública nacional”.

A medida é indispensável, pois poderá prover a liquidez necessária aos títulos negociados nos mercados secundários, além de permitir a negociação de títulos do Tesouro, ampliando sua aceitação num momento decisivo, de crise aguda, e assim afastando os riscos de uma crise financeira. Embora esse tipo de atuação por parte do BC seja novidade no Brasil, muitos outros bancos centrais pelo mundo (como Fed, Banco Central Europeu, Banco da Inglaterra, Banco do Japão) já praticam essa modalidade de operação.

Contudo, o texto da PEC aprovado na Câmara deixou frouxos muitos dos critérios para que o BC possa realizar a compra de títulos do Tesouro, de direitos creditórios e títulos privados. Por essa razão, a proposta recebeu dezenas de emendas no Senado Federal.

A emenda apresentada pelo senador Randolfe Rodrigues, da Rede Sustentabilidade, previa parâmetros técnicos para os títulos a serem adquiridos, garantias ao BC, como o direito de aquisição de ações das instituições financeiras beneficiadas, e a proibição de estas empresas distribuírem bônus e dividendos até que os títulos tenham sido resgatados no BC, dentre outros critérios e contrapartidas.

O relator da PEC, senador Antonio Anastasia, optou por um texto enxuto. No seu substitutivo, estabeleceu critérios de qualidade para os títulos a serem negociados pelo BC atrelados às notas de classificação de risco atribuídas a diferentes classes de ativos financeiros pelas agências internacionais de rating. Além disso, o relatório do senador exigiu a publicação do preço de referência do ativo, a demarcação específica de quais títulos poderão ser adquiridos, e ampliou os critérios de transparência a serem obedecidos pelo BC.

Entretanto, foram suprimidas as propostas que estabeleciam obrigações para as instituições financeiras que tenham obtido ganhos com essas operações de crédito no mercado secundário. O relator alegou a impossibilidade de reconhecer quem os obteve, pois “a empresa não financeira emissora do título não é a beneficiária da aquisição no mercado secundário, que tem caráter fluido”.

Nada impede que tal critério seja adotado em relação a ativos que estejam nas carteiras das instituições financeiras, uma vez que não se trata de impedir a distribuição de bônus e dividendos das empresas emissoras originais do título: estas, de fato, já se perderam na fluidez dos mercados secundários. A ideia seria impedir que o atual detentor do título, que poderá vir a lucrar com a ação do BC, distribua esses ganhos antes de resgatar os ativos com o BC.

Tais contrapartidas já estão previstas na Resolução 4.797 emitida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) há poucos dias. Contudo, resoluções do CMN podem ser revogadas antes de o BC ter sido ressarcido e carecem do peso da garantia por uma emenda constitucional que estabeleça claramente as contrapartidas.

Enfrentamos uma crise sem precedentes e, diante desse quadro, faltam-nos os corrimões em que economistas costumam se apoiar para traçar cenários e políticas públicas. No entanto, há práticas internacionais exemplares por estabelecerem boas referências, sobretudo no que diz respeito aos instrumentos extraordinários dos bancos centrais. Países acostumados a adotar essas práticas exigem contrapartidas claras das instituições beneficiadas. Não há nenhum motivo para que no Brasil o tema seja tratado de forma distinta.

*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University


Ribamar Oliveira: O estranho Conselho Fiscal da República

Atribuições parecem ferir a autonomia dos Estados

Uma das grandes novidades da Proposta de Emenda Constitucional 188/2019, também conhecida como PEC do Pacto Federativo, é a criação do Conselho Fiscal da República, que será integrado pelos presidentes dos três Poderes, do presidente do Tribunal de Contas da União, de três governadores e três prefeitos. As atribuições dadas ao conselho, no entanto, parecem ferir a autonomia de Estados, municípios e dos Poderes da República.

A PEC diz que o conselho será “o órgão superior de coordenação da política fiscal” e terá por objetivo “a preservação da sustentabilidade financeira da federação”. Em seguida, diz que compete ao conselho, entre outras atribuições, “monitorar regularmente os orçamentos federais, estaduais e distrital, inclusive quanto à respectiva execução”.

Para monitorar a execução orçamentária de 26 Estados, do Distrito Federal e da própria União, será necessário, evidentemente, criar uma formidável estrutura técnica destinada a fornecer informações e análises aos membros do conselho, cada um deles já ocupado com as atribuições próprias de seus respectivos cargos. A primeira disputa ocorreria na definição da composição do quadro técnico.

O cerne da questão, no entanto, está relacionado à autonomia que a Constituição concede aos Estados e ao Distrito Federal. Com a aprovação da PEC, os governadores passarão a ser “monitorados” regularmente por um conselho, que estará acima das respectivas Assembleias Legislativas e dos tribunais de contas, a quem compete atualmente a responsabilidade de acompanhar e fiscalizar a execução orçamentária das administrações estaduais e distrital.

Os três Poderes da República também têm autonomia para elaborar e executar os seus respectivos orçamentos. Com a aprovação da PEC, eles passarão a ser “monitorados” regularmente pelo conselho, inclusive quanto à respectiva execução orçamentária anual.

A PEC atribui também ao conselho o poder de “verificar o cumprimento das exigências constitucionais e legais referentes à disciplina orçamentária e fiscal”. Os membros do conselho teriam que verificar se um governador está cumprindo as exigências constitucionais e legais, ao gerir os recursos do Estado. De novo, esta atribuição parece invadir a esfera de competência das Assembleias Legislativas e dos tribunais de contas estaduais e do próprio Congresso Nacional, no que toca à União.

O dispositivo parece invadir também a competência do próprio Supremo Tribunal Federal, a quem cabe verificar se o ato administrativo de um determinado governador está ou não cumprindo exigências constitucionais. Uma decisão do conselho, que terá a participação do presidente do STF, impedirá um recurso do governador que se sentir prejudicado ao Supremo?

Uma outra atribuição do conselho é “expedir recomendações, fixar diretrizes e difundir boas práticas para o setor público”. Aqui, a competência que parece estar sendo invadida é a do Congresso, a quem cabe aprovar regras para o setor público, como fez, por exemplo, ao aprovar a lei complementar 101/2000, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

É bom que se diga que a LRF prevê a criação de um Conselho de Gestão Fiscal, que teria a atribuição de acompanhar e avaliar a política e a operacionalidade da gestão fiscal. Este conselho teria representantes de todos os Poderes e esferas de governo, do Ministério Público e de entidades técnicas representativas da sociedade.

O conselho previsto na LRF visaria harmonizar as interpretações sobre as regras fiscais e adotar normas de consolidação de contas públicas. Foram justamente as interpretações divergentes adotadas pelos tribunais de contas estaduais que abriram caminho, em grande medida, para a situação de descalabro financeiro em que se encontram vários Estados. Menos ambicioso do que o Conselho Fiscal da República, o conselho previsto na LRF nunca foi criado ou regulamentado.

A PEC e o emprego
Se as regras da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186/2019, também conhecida como PEC Emergencial, estivessem em vigor, o presidente Jair Bolsonaro não poderia ter editado a Medida Provisória 905/2019, que institui o Programa Verde Amarelo. O programa prevê uma nova modalidade de benefício tributário, que a PEC proíbe pelo prazo de dois anos.

O texto da PEC Emergencial, apresentado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, proíbe a concessão ou a ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária quando a chamada “regra de ouro” das finanças públicas não estiver sendo cumprida. A regra determina que o endividamento da União só pode aumentar para custear despesas de capital (investimentos e amortizações da dívida).

Esta é a situação em que se encontram as finanças da União desde o ano passado, quando o governo foi obrigado a pedir autorização ao Congresso Nacional para realizar operações de créditos destinadas a cobrir gastos correntes, principalmente benefícios previdenciários. Assim, aprovada a PEC 186, o governo poderá acionar, de imediato, as medidas de ajuste fiscal.

A PEC 188/2019, também apresentada por Guedes, vai mais longe. Determina que, a partir de 2026, ficarão proibidas a criação, a ampliação ou a renovação de benefício ou incentivo de natureza tributária pela União se o montante anual correspondente aos benefícios ou incentivos de natureza tributária superar dois pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB). Atualmente, eles superam 4% do PIB.

A MP 905/2019, editada por Bolsonaro na segunda-feira passada, concede benefícios tributários aos empregadores, que contratem, principalmente, jovens de 18 a 29 anos que buscam o primeiro emprego. Eles não precisarão pagar os 20% sobre a folha de pagamento de contribuição patronal ao INSS nem as alíquotas do Sistema S e do salário-educação, entre outras vantagens. O custo desta nova modalidade de benefício é estimado em R$ 10 bilhões em cinco anos.


El País: Câmara envia recado indigesto a Bolsonaro antes de analisar Previdência

Votação relâmpago de PEC encerra dia marcado pela ausência de Paulo Guedes em comissão da reforma da Previdência. Senado Bolsonaro usou a manhã para ir ao cinema

Afonso Benites, do El País

A terça-feira deveria ter sido o marco dos primeiros passos da Reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A abertura com chave de ouro para o Governo seria o ministro da Economia, Paulo Guedes, explicando aos parlamentares os detalhes da proposta de emenda constitucional enviada pela gestão Jair Bolsonaro (PSL). Uma demonstração de respeito ao Parlamento. Mas, avaliando o clima político desfavorável após os bate-bocas das últimas semanas e notando que a oposição se preparava para uma série de questionamentos, Guedes se negou a debater com os deputados. Foi chamado de "fujão" pelos opositores. O ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, fez uma reunião para tentar mostrar articulação com as lideranças partidárias. Enquanto isso, em seu gabinete, Guedes se reuniu apenas com representantes do PSL para tentar afinar o discurso.

Mas nem isso salvaria o enredo da terça. O Governo Bolsonaro viu a Câmara aprovar em dois turnos e em votação relâmpago um projeto capaz de engessar o Orçamento da União e torná-lo impositivo. Atualmente, o Executivo tem uma margem de manobra sobre o orçamento aprovado pelo Legislativo. Caso essa proposta, uma "pauta bomba" apresentada ainda contra Dilma Rousseff, seja aprovada no Senado também em dois turnos, a gestão federal teria menor controle sobre a destinação de seus recursos. Por consequência, os parlamentares teriam maior controle sobre esse dinheiro.

Outra agenda
Ainda pela manhã, enquanto o ministro Guedes anunciava que não participaria da audiência pública na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça da Câmara), o presidente Bolsonaro ia ao cinema em um shopping de Brasília em uma agenda extraoficial. Acompanhado da primeira-dama, Michele Bolsonaro, e da ministra das Mulheres, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, assistiu à pré-estreia do filme Superação – O milagre da fé. Na plateia também estavam pessoas surdas de associações que são apoiadas pelo ministério e pela primeira-dama. Foi uma sinalização importante de prestígio à Damares, a quem ele disse recentemente que trabalhava em uma pasta menos importante do que as demais. Foi lido também, no entanto, como um descolamento do assunto mais quente na capital federal, as mudanças nas aposentadorias.

Guedes até enviou o seu secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, para falar com os congressistas na CCJ, mas lá não quiseram ouvi-lo. Chegaram a sugerir a votação de uma convocação do ministro – um ato que obrigaria o chefe da economia a comparecer ao Congresso. Mais tarde, amenizaram o tom e decidiram dar mais uma semana de prazo a ele.

Ainda assim, foi um termômetro das dificuldades. Até a oposição, que soma 133 dos 513 deputados, teve um raro ato de união. Assinou um manifesto contrário à reforma. “Lutaremos para impedir que essa proposta seja aprovada. Se for aprovada, vai agravar a principal chaga do Brasil, que é a desigualdade social e, por isso, não a toleramos”, afirmou o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ).

Por outro lado, líderes de 13 partidos, que representam 291 parlamentares, anunciaram que apoiarão a proposta de Bolsonaro, desde que sejam excluídas as alterações que atingem a aposentadoria rural e o benefício de prestação continuada (BPC). O manifesto teve o apoio informal de Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente do Legislativo que alertou Bolsonaro diversas vezes sobre a falta de articulação com o Congresso. “Há uma campanha insidiosa feita nas redes sociais de que estamos promovendo uma reforma da Previdência que vá prejudicar as pessoas mais pobres. Com esse manifesto queremos mostrar que não vamos fazer nada que possa afetar essas pessoas”, alertou o líder do DEM, Elmar Nascimento. Com o que Maia concordou. “É uma boa iniciativa. Os dois temas têm mais atrapalhado do que ajudado a discussão da reforma da Previdência. O BPC e a aposentadoria rural não são os maiores problemas da Previdência”.

Após se reunir com representantes de 12 partidos que teoricamente são da base governista, o ministro Onyx minimizou a ausência de Guedes e os embates do dia. Disse ainda que o seu colega na esplanada só não compareceu porque ainda não definido o relator da PEC na comissão. “Hoje veio aqui a equipe técnica, estão todos disponíveis. E no momento que o relator [da CCJ] for definido, vem o ministro Paulo Guedes, vem quem o parlamento quiser. O nosso propósito é um só, recuperar o Brasil”.

Os próximos dias serão de diversas conversas para afinar o discurso. Além da CCJ, a Comissão de Finanças da Câmara também cogitava convocar Guedes. Seguem em compasso de espera.


Roberto Freire: São Paulo, potência científica  

Em meio a uma generalizada e justificada preocupação da comunidade científica brasileira em relação aos sucessivos cortes no orçamento destinado à área de pesquisa e inovação tecnológica, apresentei na Câmara dos Deputados uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê a destinação mínima de 5% das receitas correntes da União, em igual proporção, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A proposta altera o Artigo 218 da Constituição Federal e garante o repasse de valores mínimos a serem administrados de forma privativa por ambas as instituições, com aplicação em custeio e capital, transferidos mensalmente a partir de percentual calculado sobre a arrecadação do mês de referência e a ser pago no mês subsequente.

É evidente que, no momento em que o Brasil ainda esboça uma leve recuperação da mais dramática crise econômica de sua história, compreendemos a necessidade do governo federal de reduzir custos. De todo modo, não podemos perder de vista que a área científica é determinante para a construção do futuro. Tenho afirmado que cortar investimentos de forma tão abrupta em um setor estratégico significa usar o remédio para matar o próprio paciente.

A área de ciência, tecnologia e inovação oferece resultados geralmente no médio ou no longo prazo – de modo que, se não houver uma reversão dos cortes orçamentários, serão necessários muitos anos para que recuperemos o tempo perdido. A ciência não representa um entrave para a recuperação da economia brasileira, muito pelo contrário. É essencial para o desenvolvimento do país e a superação da crise.

A PEC por mim apresentada teve como inspiração um modelo de financiamento utilizado com êxito em São Paulo, onde a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) recebe 1% da receita tributária do Estado, deduzida a parcela de transferência aos municípios, como renda para aplicação em desenvolvimento científico e tecnológico. A proposta amplia tal sistema para o âmbito nacional, prescindindo da criação de qualquer órgão do governo federal para administrar os recursos transferidos ao CNPq e à Finep.

Nesse sentido, é importante destacar o papel exercido pelas universidades e institutos de pesquisa paulistas no fomento à inovação tecnológica. Trata-se, sem dúvida, de um exemplo a ser seguido para o avanço da ciência brasileira. Segundo o Ranking SIR 2010, divulgado em maio deste ano e produzido por uma consultoria espanhola, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) ocupam, respectivamente, a primeira e a terceira posições na lista de instituições acadêmicas que mais produziram artigos científicos entre todos os países ibero-americanos no período que vai de 2003 a 2008. A Universidade Estadual Paulista (Unesp) figura na sexta colocação.

Outro dado relevante, este publicado em 2014 pela “Folha de S.Paulo” com base em uma tabulação da base de dados “Web of Science” feita pela Fapesp, mostra que as universidades de São Paulo responderam por quase 40% da produção científica anual no Brasil entre 2012 e 2013. Não é por acaso que costumo dizer, sem nenhum exagero, que o país seria muito mais desenvolvido se pudesse se tornar um imenso São Paulo – esse raciocínio vale também, e fundamentalmente, para o setor de ciência, tecnologia e inovação.

Historicamente, nossa preocupação com a ciência brasileira teve origem ainda com o saudoso Caio Prado Júnior, historiador, geógrafo, escritor e um dos mais destacados pensadores da realidade brasileira. Como membro da Assembleia Constituinte Paulista de 1947, então deputado pelo PCB, ele foi o responsável, ao lado de Mário Schenberg, por emendas que destinavam recursos para a área científica. A inclusão do Artigo 132, regulamentado em 1962, que previa que “o amparo à pesquisa científica será propiciado pelo Estado por intermédio de uma fundação organizada em moldes a serem estabelecidos por lei", levou à criação da própria Fapesp.

A tradição do PPS em ter um olhar atento sobre as questões relacionadas à ciência e à tecnologia é amplamente reconhecida. Não foram poucos os momentos em que nos posicionamos no lado oposto ao de setores mais atrasados da esquerda, sobretudo durante os debates a respeito do desenvolvimento da indústria biotecnológica no Brasil – cujo avanço alguns tentavam impedir, especialmente em relação às pesquisas sobre o uso de alimentos geneticamente modificados. Defendemos alterações em artigos da Lei de Biossegurança que criminalizavam a pesquisa e proibiam a utilização, a comercialização, o registro e o licenciamento das tecnologias genéticas de restrição de uso, por meio das quais há intervenção humana na geração ou multiplicação dos organismos geneticamente modificados. Entendemos que o futuro do país e a melhoria das condições de vida da população não podem ficar à mercê de forças reacionárias e obscurantistas.

Seguindo e honrando os exemplos de Caio Prado Júnior, Mário Schenberg e tantos outros, e estabelecendo como parâmetro a ser alcançado o nível de excelência das universidades e institutos de pesquisa de São Paulo, esperamos que a PEC de minha autoria ajude no fortalecimento da ciência em todo o país. Só seremos uma nação plenamente desenvolvida se valorizarmos a pesquisa, a inovação e os avanços proporcionados pela tecnologia. Temos, afinal, de ser contemporâneos do mundo do futuro. E o futuro é hoje, agora, não pode esperar.

 


Sem reforma, Previdência não poderá mais pagar aposentadorias a partir de 2022, alerta Arthur Maia

“Esse é um tema fundamental para o Brasil. Não podemos deixar que a Previdência Social  acabe”, alertou o vice-líder do governo na Câmara, deputado Arthur Maia (PPS-BA), durante sessão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que começou a analisar na tarde desta segunda-feira (12) a admissibilidade e constitucionalidade da reforma.

Durante a reunião que entrou noite adentro, os parlamentares iniciaram o debate do relatório do deputado Alceu Moreira (PMDB) sobre a PEC (Proposta de Emenda à Constituição)  287/2016, que trata da Reforma da Previdência.

“Nós vamos ter a oportunidade de analisar e debater essa PEC ao longo de sua da tramitação. Da forma que está não pode continuar. Com este modelo de previdência que temos, todos os cálculos atuariais nesse modelo atual apontam para um só desfecho: que em 2022, essa previdência não poderá mais pagar nem aposentadorias e pensões”, disse Arthur Maia, que é cotado para ser o relator da proposta na comissão especial que vai analisar a PEC.

Vista

Os deputados pediram vista antes mesmo de o relatório de Alceu Moreira ser lido no plenário da CCJ. A votação final no colegiado deve ocorrer nesta quarta-feira (14). Se aprovada, a reforma segue para uma comissão especial que analisará o mérito da matéria.

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Reforma da Previdência: O que muda com as novas regras


Fonte: www.pps.org.br


Planalto e base avaliam desacelerar projeto

Matéria sobre abuso de autoridade poderá sair da pauta de votação do Senado amanhã em razão da pressão pública

BRASÍLIA - Após manifestações País afora, que tiveram como foco a atuação dos parlamentares para inibir investigações da Operação Lava Jato e ações de juízes e promotores, o Palácio do Planalto e líderes partidários do Senado avaliam que o projeto de lei de abuso de autoridade deverá ser desacelerado. A matéria poderá sair da pauta de votação do plenário do Senado amanhã.

Esse calendário de apreciação do projeto havia sido anunciado há três semanas pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), principal alvo dos protestos de ontem. Segundo líderes da base e interlocutores do Planalto, a tendência é que a pressão pública retire a proposta de lei de abuso de autoridade da lista de prioridades de votação.

Oficialmente, o discurso do governo é não se envolver em assuntos do Legislativo, embora haja uma expectativa de que o projeto não avance e chegue à mesa do presidente Michel Temer para decidir se veta ou sanciona as medidas. O Executivo defende foco total na agenda do Senado para a votação do segundo turno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Teto de Gastos, que deve ser apreciada em segundo turno dia 13.

O Planalto considera que as manifestações não vão prejudicar as reformas. Avalia também que Renan – mesmo sendo alvo dos protestos – está comprometido com a agenda de recuperação econômica. Temer foi preservado das críticas da rua, mas o Planalto, conforme reportagem do Estado de ontem, receia ser tragado pela onda de protestos.

No fim da tarde, o Planalto divulgou nota em que defende que os “Poderes da República estejam sempre atentos às reivindicações da população brasileira”. “A força e a vitalidade de nossa democracia foram demonstradas mais uma vez, neste domingo, nas manifestações ocorridas em diversas cidades do País”, declarou a Secretaria Especial de Comunicação do Planalto.

O líder do governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), disse que é pessoalmente contra a votação do projeto. “A atualização de uma matéria de 1950 não pode ser prioridade agora”, afirmou.

O líder do DEM na Casa, senador Ronaldo Caiado (GO), disse que vai apresentar um requerimento de retirada de pauta da matéria. “Não podemos ter uma pauta provocativa nem podemos fazer uma queda de braço com a população”, afirmou, avaliando que é preciso preservar a governabilidade de Temer.

Outra liderança da base disse não acreditar na votação do projeto nesta terça-feira. Uma das ideias em discussão seria remeter o projeto para a Comissão de Constituição e Justiça do Senado a fim de discuti-lo com integrantes do Judiciário e do Ministério Público.


Fonte: http://gilvanmelo.blogspot.com.br/2016/12/planalto-e-base-avaliam-desacelerar.html