pec auxílio emergencial
Nas entrelinhas: Bolsonaro aposta no discurso do bem contra o mal
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Não é à toa que a farra com o Orçamento da União que move o Centrão na campanha de reeleição de Jair Bolsonaro está programada para acabar em 31 de dezembro, inclusive o Auxílio Brasil e os subsídios para caminhoneiros e taxistas. São apostas para turbinar a sua campanha de reeleição, não são políticas estruturantes de combate à miséria, à fome e ao desemprego. O projeto de Bolsonaro deve ser anunciado na próxima semana, foi coordenado pelo general Braga Netto, que hoje será indicado candidato a vice. Não é um programa de governo, é um projeto de regime iliberal. Entretanto, ambos estão convencidos de que as eleições serão fraudadas para garantir a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder.
“Na lei ou na marra” era a palavra de ordem das Ligas Camponesas, lideradas por Francisco Julião, que reivindicavam a reforma agrária. Essa foi uma das causas do isolamento do governo de João Goulart, que anunciou, no famoso comício de 13 de março, que decretaria as reformas de base à revelia do Congresso. O resto da história todos sabem. Quanta ironia, agora, com sinal trocado, Bolsonaro passa a impressão de que pretende continuar no poder na marra, ao atacar as urnas eletrônicas e os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Edson Fachin, atual presidente, e Alexandre de Moraes, que o substituirá no momento da eleição.
Há uma esquizofrenia na campanha de Bolsonaro à reeleição, cuja candidatura será formalizada hoje, numa grande convenção do PL, no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. O núcleo político da campanha — formado pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira; o presidente do PL, Valdemar Costa Neto; e o presidente da Câmara, Arthur Lira, — aposta todas as fichas no impacto da PEC das Eleições na vida das famílias de baixa renda, que ainda têm saudades do governo Lula, e na eficácia das emendas secretas do Orçamento da União, em manter e turbinar eleitoralmente as bases governistas, principalmente no Nordeste. Acreditam que a diferença entre Bolsonaro e Lula deve cair para cinco pontos percentuais até 16 de agosto, quando começa a propaganda de televisão e rádio.
Entretanto, o monitoramento do humor dos eleitores mostra que Bolsonaro dá um tiro no pé quando ataca a urna eletrônica e os ministros do Supremo, passa a ideia de que vai perder a eleição e não aceitará o resultado. Quem comanda a campanha é o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), ladeado pelo ex-secretário de Comunicação da Presidência Fábio Wajngarten, que voltou a ser um interlocutor privilegiado de Bolsonaro. São responsáveis pelo discurso maniqueísta do bem contra o mal. “Bolsonaro, pelo bem do Brasil” é o slogan de campanha, para suavizar o discurso do ódio contra Lula e o PT. A narrativa também se apoia nas bandeiras da liberdade individual absoluta, principalmente dos mais fortes, e na fé cristã, que mira as mulheres.
Onde mora o perigo
A estratégia é manter a polarização com Lula, explorar seus pontos fracos e trazer de volta para Bolsonaro os antipetistas que garantiram sua eleição em 2018. Na geopolítica da campanha, a batalha será decidida no Triângulo das Bermudas — São Paulo, Rio de janeiro e Minas Gerais — e no Nordeste, onde a vantagem de Lula ainda é avassaladora. O marqueteiro Duda Lima, indicado por Valdemar Costa Neto, é um velho adversário do PT nas eleições paulistas.
Bolsonaro, porém, tem sua própria narrativa e está convencido de que venceu as eleições passadas no primeiro turno, mas foi garfado. Desconfia da idoneidade dos ministros do TSE e intensifica seus ataques à Corte, que também são fomentados por seu novo vice, o general Braga Netto. O silêncio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), endossa os ataques. As queixas do procurador-geral da República, Augusto Aras, contra o Supremo Tribunal Federal (STF), que teria “usurpado” os poderes do Executivo e do Legislativo, também pilham Bolsonaro. É uma narrativa política perigosa, porque pressupõe um novo projeto institucional, de fortalecimento do Executivo e subordinação dos demais Poderes, com Bolsonaro tendo superpoderes. É aí que entra a ideia de um regime iliberal, cuja chave seria uma reforma que aumentasse o número de ministros do STF, para que Bolsonaro indique a maioria e controle a Corte, no embalo da reeleição.
Mas não há uma via única. Ontem, o ex-embaixador norte- americano no Brasil Thomas Shannon, em entrevista à Folha de S. Paulo, nos advertiu de que Bolsonaro e sua equipe preparam o caminho para questionar o resultado das eleições e reverter eventual derrota no pleito. Segundo ele, Bolsonaro “estudou atentamente os eventos de 6 de janeiro do ano passado”, quando o ex-presidente Donald Trump tentou impedir que Joe Biden fosse declarado vitorioso pelo Congresso norte-americano. E chegou à conclusão de que “Trump fracassou porque dependia de uma multidão pouco disciplinada e não tinha um apoio institucional – de lideranças partidárias, Forças Armadas”. Segundo ele, “Bolsonaro e sua equipe avaliaram que, na hipótese de tentar algo parecido, precisariam de apoio institucional”. É recado de quem falou “de mando” e tem informações de inteligência.
Míriam Leitão: O ano da queda que não terminou
O ano de 2020 terminou melhor do que se temia, o ano de 2021 começou pior do que o esperado. Esse é o resumo dos números de ontem do PIB que mostraram uma recessão de 4,1% no ano, e uma alta de 3,2% no último trimestre. Houve dados que foram aleatórios, como o crescimento de 20% no investimento, mas que subiu principalmente pela importação de plataformas da Petrobras. O cenário de 2021 começou muito mal. A economia do país entra em 21 caindo e se existe alguma esperança é de que melhore no segundo semestre. Dependendo da vacinação.
Há dados realmente positivos, como a força da agricultura, único setor a crescer. A MB Associados acha que o choque positivo do agro foi até pouco captado pelo IBGE. “O crescimento da renda real do setor foi de 9,3%”, diz um relatório da consultoria. Mas, ao mesmo tempo, os números, quando olhados em conjunto, mostram uma economia desencontrada. A indústria cresceu bastante no fim do ano, mas os serviços têm grupos fortemente negativos e são justamente os que empregam mais.
Foi um ano difícil marcado pela crise global do coronavírus, e os erros de uma liderança nefasta no país. O presidente da República foi o pior fator complicador da crise de saúde, e também da economia. Ontem estava de novo dizendo “criaram o pânico”. Mesmo com 1.840 mortos num dia, ele mantém a mesma atitude criminosa que tem tido desde o início.
O Brasil paga, em todas as frentes, o preço da péssima liderança que tem. A ideia da dicotomia entre saúde e economia, sustentada por Bolsonaro, agravou a situação econômica. Ao combater todos os esforços de distanciamento social, colocou um país num círculo vicioso de medidas de proteção tomadas pela metade, que criaram instabilidades e tiraram o horizonte da economia. Isso é o pior ambiente para qualquer investimento. Outro erro econômico, derivado do seu negacionismo, foi o atraso na compra de vacinas que nos deixa agora sem perspectivas para o PIB de 2021.
Na equipe econômica, o primeiro trimestre deste ano já é dado como perdido. Ele será negativo, até pela retirada de todos os estímulos, como o auxílio emergencial, e pela piora da pandemia. Mas em centros de estudo, como a FGV, a previsão é de que o primeiro semestre inteiro será de queda. É o que projeta a economista Silvia Matos, por exemplo.
Como 2020 foi de recessão, pode haver um efeito estatístico que leve o número de 2021 a ser positivo. Mas na maior parte do ano o clima recessivo continuará, com alta taxa de desemprego, queda da renda e do consumo.
A intervenção na Petrobras, em momento em que o Brasil tem dívida alta e muito vencimento de títulos da dívida pública, concentrado no primeiro quadrimestre, aumentou a percepção de que o Brasil é um país arriscado. Isso vale tanto para o investidor internacional quanto para o interno. Um sinal disso é o mercado de câmbio, que está na tendência oposta do que deveria estar, explica Silvia Matos:
— Sempre que as commodities estão em alta, o dólar cai, porque o Brasil é grande exportador desses produtos. O real é o que eles chamam de commodity currency. Neste momento, as cotações do que exportamos sobem, mas o real, em vez de se valorizar, está em queda.
O Banco Central, como informado no blog, dobrou a venda de contratos futuros de dólar, de US$ 35 bi para US$ 70 bi para segurar o câmbio. Um dos pontos de incerteza é a situação fiscal brasileira e por isso os bancos amanheceram ontem de olho na PEC emergencial. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) propôs tirar o Bolsa Família do gatilho que congelas despesas. Alguns parlamentares então propuseram tirar o programa do cálculo do teto. Isso deixaria quase R$ 75 bilhões no extrateto. As cotações oscilaram ao sabor desse entra e sai de gastos do teto. O relatório não abrigou essa proposta.
O dado de 2020 também marca, lembra o economista Sérgio Vale, o fim de uma década particularmente infeliz no país. De 2011 a 2020, o país cresceu apenas 2,7%, e o PIB per capita caiu 5,5%. “Foi de fato uma década perdida no Brasil”. Em 2021, infelizmente, o quadro econômico permanece nebuloso, porque o governo continua gerindo da pior forma a crise sanitária que tem produzido uma mortandade sem precedentes no país.
Adriana Fernandes: Bolsonaro foi o gatilho para movimento fura-teto na véspera da votação da PEC
Presidente deixou, mais uma vez, a equipe econômica isolada dentro do governo, ao pedir pela retirada do Bolsa Família do teto
O presidente Jair Bolsonaro foi um dos principais patrocinadores da proposta de exclusão do programa Bolsa Família do limite do teto de gastos na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do auxílio emergencial.
O chefe mandou. Essa foi a razão pela qual vários senadores governistas passaram a cravar entre terça-feira e ontem a aprovação da medida com a ajuda também de outros senadores, inclusive da oposição, que sempre foram contrários à regra que limita o crescimento das despesas à variação da inflação.
A coluna apurou que o presidente pressionou muito para que a proposta fosse incluída na PEC, enquanto a equipe do seu ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, se desdobravam na busca de apoio do mercado financeiro e de congressistas para enterrar a proposta.
A posição de Bolsonaro foi o gatilho que faltava para os senadores embarcarem nesse movimento fura-teto na véspera da votação da PEC.
A empolgação foi grande. Fontes relataram que as propostas para deixar o programa fora do teto variaram entre R$ 35 bilhões (o orçamento do programa previsto para 2021), R$ 60 bilhões até chegar em R$ 150 bilhões para 2021 e 2022.
A meta de déficit das contas do governo de R$ 247,1 bilhões para 2021 teria que subir no mínimo para R$ 282,1 bilhões. Como retratou o economista Caio Megale, da XP, o céu é o limite.
O movimento do presidente deixou mais uma vez a equipe econômica, incluindo também o BC, isolada dentro do governo. Por trás, a intenção política é abrir espaço no Orçamento para obras e os pedidos de ampliação de emendas.
O problema detectado de antemão é o que mostram números recentes obtidos pela reportagem do Estadão/Broadcast apontando um buraco de R$ 17 bilhões no limite do teto de gastos no Orçamento de 2021. Ou seja, seria preciso arrumar esse espaço no teto. Em relação à meta fiscal, as projeções apontam uma necessidade de arrumar R$ 20 bilhões.
O complicador é que o projeto de Orçamento foi enviado sem folga no teto, com as despesas batendo o limite previsto para este ano, de R$ 1,48 trilhão. Os parlamentares receberam esses números e viram a encrenca que será 2021 sem margem orçamentária para fazer quase nada.
O mercado entrou em polvorosa ao longo do dia com a Bolsa derretendo mais de 3% e o dólar perto de R$ 5,75 até que o presidente da Câmara, Arthur Lira, garantisse, pelo Twitter, que o teto seria respeitado, enquanto o ministro palaciano Luiz Eduardo Ramos, articulador político do governo, atribuía a articulação para tirar despesas do teto a uma mera especulação no mercado financeiro. Ninguém acreditou.
Em meio ao tumulto e desorganização, alguns senadores também começaram a ficar incomodados de ficarem expostos sozinhos no movimento fura-teto sem Bolsonaro botar as caras no carimbo da medida.
Diante da possibilidade de derrota no Senado, Guedes, que tem defendido com unhas e dentes a PEC com as medidas de controle de despesas, conhecidas como gatilhos, foi até o Tribunal de Contas da União se reunir com o ministro Bruno Dantas que alertara para o risco de a PEC desfigurar o teto de gastos e o texto constitucional com outras medidas aprovadas no afogadilho.
Dantas chegou a recomendar a edição de uma MP sem a necessidade da PEC para o pagamento do auxílio.
Ao insistir em acoplar o auxílio à aprovação de reformas que só terão efeitos entre 2024 e 2025, o ministro Paulo Guedes cometeu, na avaliação de muitos políticos experientes, um erro estratégico por conta da piora da pandemia, ampliando o seu desgaste depois da troca de comando da Petrobrás.
O episódio da Petrobrás não só enfraqueceu a posição de Guedes nas negociações da PEC como marcou um ponto de mudança de política do governo.
Bolsonaro tomou gosto de enfrentar o mercado. Só não colocou na conta até agora que, da véspera da demissão de Roberto Castello Branco até essa semana, o dólar já mudou de patamar: saltou de R$ 5,41 para um patamar em torno de R$ 5,70.
O irônico dessa crise é que o IBGE divulgou ontem uma queda do PIB de 4,1% em 2020, um dado positivo diante do estrago da pandemia no ano passado. Se não fosse a postura do presidente, muitos governadores e prefeitos, na condução da crise sanitária, a vacinação estaria a todo vapor e a economia em recuperação. O que vemos é mortes, colapso no sistema de saúde e desorganização na economia. Continuamos também sem auxílio e com milhões de pessoas esperando esse socorro que não chega.