P&D

El País: Um ano após derrota histórica, esquerda italiana elege líder para tentar voltar à essência

Atual governador do Lazio, Nicola Zingaretti arrasa nas primárias do PD e tentará criar um novo esquema de alianças para mudar o rumo da esquerda no país

O Partido Democrático (PD) da Itália enterrou o renzismo e iniciou um novo capítulo político em que pretende recuperar o espaço ideológico perdido nos últimos anos. Nicola Zingaretti, atual governador da região do Lázio, será o novo secretário-geral da formação socialdemocrata italiana. Cerca de 1,7 milhão de pessoas o elegeram em primárias abertas que superaram em muito as previsões de participação, que eram pessimistas. Antes da contagem final, Zingaretti tinha o apoio de mais de 65% dos votantes, número que permite evitar uma assembleia fratricida e impor um programa estratégico e ideológico que virará definitivamente a página de uma etapa catastrófica nas urnas. “Hoje é o começo de um caminho difícil. Vamos abrir um processo constituinte para um novo PD”, afirmou o novo secretário-geral, anunciando uma mudança de rumo total no partido.

Faz exatamente um ano que a formação de centro-esquerda enfrentou uma enorme crise política com o pior resultado eleitoral desde sua fundação, em 2007 (perdeu sete pontos em relação a 2013). As eleições de 4 março do ano passado mostraram uma desconexão com o eleitorado de esquerda e a profunda aversão de grande parte da base social do partido contra o então secretário-geral, Matteo Renzi. Houve decepção com a virada ideológica, a falta de respostas aos problemas reais dos cidadãos. Muitos de seus eleitores ficaram em casa naquele dia. Outros optaram por uma resposta mais simples e direta, como aquela proposta pelo Movimento 5 Estrelas (M5S).

O ultimato que lançaram neste domingo, 3, esses mesmos eleitores, considerando o perfil de seu novo secretário-geral, é claro: voltar à essência de esquerda, abandonar a vertente mais populista e tentar cicatrizar as feridas com todas as facções às quais Renzi declarou guerra. Ontem, no entanto, o toscano, cujo candidato ficou em terceiro lugar, foi o primeiro a dizer que é hora de acabar com o “fogo amigo”.

Zingaretti (de 53 anos), muito mais próximo das correntes do antigo Partido Democrático Socialista (PDS) e aberto à exploração de novas estratégias, tem um caráter aberto e de diálogo. A ideia do irmão do comissário Montalbano –o ator principal da série de maior audiência, Luca Zingaretti– é construir uma nova grande aliança que percorra todo o espectro de esquerda e chegue até o +Europa, o partido de Emma Bonino. Ele mesmo se encarregou de lembrar disso em suas primeiras palavras enquanto a contagem continuava: “Um partido fundado em duas palavras: unidade e mudança”.

Uma série de movimentos de cidadãos que se opõem ao Governo e ao autoritarismo crescente que atravessa a Itália tomaram as ruas há semanas. A revolução prometida pelo M5S há um ano não veio e o país caminha para uma recessão. No sábado, além disso, cerca de 200.000 pessoas se manifestaram em Milão contra Salvini. A esquerda agora se vê capaz de cavalgar esse mal-estar com um perfil como o de Zingaretti, que não tem inconvenientes em voltar aos velhos esquemas ideológicos, abraçar o ecologismo, admitir que o PD decepcionou profundamente seus eleitores e agir para criar uma nova comunidade. “Foram primárias para a Itália. E isso reativa uma esperança para o futuro. Centenas de milhares de pessoas confiaram em nós hoje e seremos dignos dessa confiança. Eu penso nos desiludidos. Naqueles que não foram votar um ano atrás e hoje estavam nas urnas. Naqueles que nos criticaram; naqueles que, não confiando em nós, votaram em outras forças políticas que expuseram melhor suas ideias. Penso neles porque vejo neste resultado um primeiro sinal. Construiremos um novo PD e uma nova aliança”, disse.

Um dos grandes debates que enfrentará o novo secretário-geral, que recebeu o apoio explícito do ex-primeiro-ministro Paolo Gentiloni, é a possibilidade de chegar a um pacto com o M5S. Uma parte importante do partido considera que essa opção deveria ser explorada quando os atritos no Executivo, que os grilinos formam com a Liga, provocarem uma possível crise de Governo. Outros acreditam que, precisamente, é o momento de recuperar todos os votos roubados em sua própria casa por Luigi Di Maio. Por enquanto, Zingaretti já começou a enviar uma mensagem dirigida aos mais desfavorecidos e aos milhões de pobres que o M5S conquistou nas últimas eleições. “Dedicamos eles a vitória nessas primárias.”


Revista PD#48: O esgotamento da Era Vargas

O nacional populismo 

A agenda do governo se esgota com as reformas da previdência e tributária. E a sociedade brasileira não tem um projeto de futuro, caminha para o pleito de 2018 com os olhos no passado

Por Luiz Carlos Azedo
Revista Política Democrática #48

A delação premiada dos acionistas e executivos do grupo JBS desnudou os males do nosso capitalismo de laços, prestigiado e ampliado durante os governos petistas por meio da estratégia dos “campeões nacionais” adotada pelo BNDES sob comando de Luciano Coutinho. Esta política lançou o país na maior recessão de nossa história, fracassou devido à redução do ritmo de crescimento da China e à crise mundial, que encerraram a grande onda de expansão da economia global. E também porque fracassou a tentativa de adensamento da cadeia produtiva nacional, em vez de sua transnacionalização, que serviu muito mais à formação de cartórios e à corrupção sistêmica do que à salvação da indústria nacional.

Esta é a base estrutural, digamos assim, do colapso do modelo de capitalismo de Estado adotado pelos ex-presidentes petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Apesar de ultrapassado pela chamada quarta revolução industrial, porém, o nacional desenvolvimentismo não morreu nos corações e mentes de uma parcela da população brasileira, que não associa este fracasso ao impeachment de Dilma. Vem daí o relativo sucesso da narrativa do golpe adotada por aqueles que não querem rever as ideias velhas. Há um caldo de cultura para isso.

Para a população mais pobre, o nacional-desenvolvimentismo está profundamente associado à Era Vargas, aos direitos trabalhistas da antiga CLT de inspiração fascista; para setores da classe média, às realizações econômicas dos anos dourados do governo de Juscelino Kubitschek, cujo estilo e simpatia marcaram o processo de industrialização do país. JK manteve a estabilidade política, alcançou uma taxa de crescimento real de 7% ao ano e dobrou a produção industrial.

Acontece que o nacional desenvolvimentismo nunca foi monopólio de Vargas e de Juscelino. Nos anos de chumbo, esta estratégia também foi adotada pelos militares, principalmente nos governos Médici e Geisel, cujas ideias sobre a relação do Estado com a economia, no essencial, não se diferenciavam muito da esquerda tradicional brasileira, inclusive de setores que chegaram ao poder com Lula.

Polaridades
Mesmo abalado por denúncias de corrupção e com baixíssima popularidade, o governo Temer realiza a toque de caixa um desmonte da Era Vargas. E inaugura um novo ciclo de modernização pelo alto, com apoio das elites do país, no embalo da globalização e da chamada quarta revolução industrial. A outra face deste processo, diante dos níveis de desemprego, é a criação de uma espécie de espaço vazio no qual as promessas populistas ganham terreno. Isto explica a recidiva eleitoral do ex-presidente Lula, mesmo condenado na Lava-Jato, e a polarização que estabelece com Jair Bolsonaro, porta-voz do velho “partido da ordem”.

No mundo, o avanço avassalador das novas tecnologias não pede licença pra passar. “Estamos a bordo de uma revolução tecnológica que transformará fundamentalmente a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Em sua escala, alcance e complexidade, a transformação será diferente de qualquer coisa que o ser humano tenha experimentado antes”, adverte Klaus Schwab, autor do livro A Quarta Revolução Industrial .

Diante desta imprevisibilidade, a reação mais natural é se agarrar ao que já existe, ou seja, à tomada de atitudes conservadoras. É aí que está o nó da conjuntura política. As reformas aprovadas pelo Congresso para destravar os agentes econômicos não equacionam os problemas políticos e sociais do país. Em primeiro lugar, há um divórcio entre as forças políticas que protagonizam tais mudanças e a maioria da sociedade, que não compreende direito o que está acontecendo e repudia as práticas políticas dominantes. Em segundo, o custo social da recessão provocada pelo colapso do modelo econômico não será revertido a curto prazo, o que alimenta a insatisfação popular.

Para os partidos governistas, o impacto eleitoral da Lava-Jato será muito maior do que o das reformas econômicas, ainda que alguns dos seus integrantes se beneficiem dos cargos que ocupam no governo. Vem daí a ameaça do que poderíamos chamar de uma espécie de “nacional populismo”, tanto à direita como à esquerda. As pesquisas mostram que a mistura do velho discurso nacionaldesenvolvimentista com a promessa de soluções fáceis para os problemas sociais encontra um terreno fértil. A agenda do governo Temer, isto é, das forças que aprovaram o impeachment, se esgota com as reformas da Previdência e tributária. E a sociedade brasileira não tem um projeto de futuro, caminha para o pleito de 2018 com os olhos no passado.

(Correio Braziliense, 20/07/2017)

 

Uma porta fechada

Na bolsa do Congresso, cada novo deputado valerá R$ 2,4 milhões na campanha eleitoral de 2018, um senador, R$ 6,7 milhões. Tudo isso com recursos públicos

O esgotamento do modelo nacional-desenvolvimentista baseado no capitalismo de laços, que entrou em colapso com as revelações sobre seus mecanismos mais perversos e corruptos pela Operação Lava-Jato, e o fracasso da política de adensamento da cadeia produtiva nacional têm outra face: a implosão do modelo de financiamento dos partidos, a partir do uso e abuso do Caixa 2 eleitoral por meio do desvio sistemático de recursos públicos pelos chamados “campeões nacionais”, como os grupos Odebrecht e JBS e outros financiadores de campanha. Isto provocou a atual crise ética.

Este duplo colapso agravou a crise econômica, que se somou à crise política e nos levou ao impeachment de Dilma Rousseff. O presidente Michel Temer, que a sucedeu, deu uma resposta relativamente bem-sucedida à crise econômica, mas não se pode dizer o mesmo em relação às crises política e ética. Mesmo fragilizado pelas denúncias de corrupção e pela impopularidade, manteve a rota das reformas propostas por seu governo como um ciclista que não pode parar de pedalar para não se estatelar no asfalto.

Este ímpeto reformador, que conta com a adesão das forças que apoiaram o impeachment em relação à economia, porém, esbarra na lógica conservadora da reforma política que está sendo alinhavada no Congresso. Talvez seja este o nó górdio da crise política e ética, porque as mudanças que estão sendo discutidas no sistema eleitoral têm o objetivo de salvar os políticos enrolados na Lava-Jato de uma débacle eleitoral e nada mais. Em consequência, já surgem no Congresso os sintomas mórbidos e patológicos de uma situação na qual a velha política está morrendo e a nova ainda não emergiu.

Os mecanismos de financiamento eleitoral criados a partir da Constituição de 1988 se degeneraram e foram desarticulados pela Operação Lava-Jato. Agora, precisam ser substituídos. Os caciques das legendas preparam uma reforma cujo objetivo é mantê-los no poder. Para isso, querem determinar – a priori e pela força da grana – quem tem chances de se eleger e quem não tem. Até o sistema eleitoral será modificado com tal objetivo, de maneira que os grandes partidos possam canibalizar os menores antes mesmo da eleição, e neutralizar os danos eleitorais decorrentes da Lava-Jato.

Uma reforma política de verdade, a esta altura do campeonato, debateria uma alternativa ao presidencialismo de coalizão. Um sistema híbrido, por exemplo, com características parlamentaristas, na qual a Presidência da República cuidaria das questões de Estado – Relações Exteriores, Defesa, Interior – e um governo de maioria parlamentar, da Fazenda, da Justiça, da Agricultura, da Saúde e da Educação… É como acontece na França e em Portugal.

Não é o que ocorre. O que está sendo tramado é a criação de um bilionário fundo de financiamento eleitoral e a concentração desses recursos e a distribuição do tempo de televisão nas mãos das cúpulas partidárias, bem como a adoção do chamado “distritão”, no qual são eleitos os mais votados por Estado. O conjunto da obra seria a liquidação da possibilidade de renovação dos partidos, que passariam a ser monopólios dos atuais deputados federais e senadores.

Na distribuição de recursos do fundo e do tempo de televisão, não é considerado o desempenho eleitoral para os demais cargos eletivos do país, ou seja, dos candidatos a presidente da República, a governador, a deputado estadual, a prefeito e a vereador, nas diversas esferas de governo. O mais justo seria a distribuição entre os partidos de acordo com a votação em cada eleição. Mas o relator da reforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT-SP), propõe a distribuição de 49% dos recursos divididos pelos votos na eleição de 2014 para deputado federal; 15% pela atual bancada de senadores; 34% pelo atual número de deputados titulares; e 2% para todos os partidos.

Troca-troca
Antes mesmo de ser aprovada, a reforma abala as relações políticas no Congresso, ao provocar intenso troca-troca entre partidos que já estão a funcionar como balcões de negócios. A decisão do Supremo Tribunal Federal, que estabelece punição drástica para os parlamentares que mudarem de partido sem justificativa desde 2008, virou letra morta: ninguém perderá o mandato por trocar de legenda. Para tangenciar esta jurisprudência, o Congresso já havia
aprovado uma emenda à Constituição (PEC) que abriu duas “janelas” para mudança de partido, a primeira em 2016, para as eleições municipais, e a segunda entre março e abril de 2018. Uma nova janela de 30 dias será aberta em agosto.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é um dos artífices da reforma. Transformado em alternativa de poder em razão das denúncias contra o presidente Michel Temer, Maia articula fortemente para que dissidentes governistas do PSB, partido que resolveu passar à oposição, engrossem as fileiras de sua legenda. A movimentação gerou tensão no Palácio do Planalto e provocou reações do presidente Temer, que também resolveu participar do leilão com os meios de que dispõe: verbas e cargos governamentais. Na bolsa do Congresso, cada novo deputado valerá R$ 2,4 milhões na campanha eleitoral de 2018, um senador, R$ 6,7 milhões. Tudo isso com recursos públicos, para barrar a possibilidade de renovação da política e perpetuar o controle dos partidos pelos enrolados na Lava-Jato. A porta de saída da crise ética está sendo trancada.

(Correio Braziliense, 22/07/2017)

 

A conta do desajuste
A política de conciliação continua vivíssima. Tornou-se, mais uma vez, a tábua de salvação do velho patrimonialismo. Estão aí o clientelismo com gastos públicos e as articulações contra a Lava-Jato

Não existe política de conciliação no Brasil sem uma grande dose de patrimonialismo, que é a marca registrada das práticas políticas que não distinguem os limites do público e do privado. O patrimonialismo surgiu com a decadência do Império Romano, por influência dos bárbaros germânicos, quando os governantes começaram a se apropriar privadamente dos antigos bens da República. Tornou-se uma característica do absolutismo e, assim, chegou ao Brasil, com a concessão de títulos, sesmarias e poderes quase absolutos aos senhores de terra pela Coroa portuguesa.

No clássico Coronelismo: enxada e voto, Vitor Nunes Leal descreve como o patrimonialismo sobreviveu ao Império e chegou à República Velha. Em troca dos votos dos coronéis fazendeiros, o Estado brasileiro homologou seus poderes formais e informais. Em contrapartida, os senhores de terra foram se adaptando aos novos tempos políticos, entregando os anéis para não perderem os dedos. Isso não seria possível sem a velha política de conciliação do Império, inaugurada no gabinete do Marquês de Paraná.

Entre a abdicação de dom Pedro I e o Golpe da Maioridade de dom Pedro II, os partidos Liberal e Conservador protagonizavam disputas políticas da época. Os liberais (luzias) reivindicavam a ampliação da autonomia dos governos provinciais e a reforma de alguns aspectos contidos na Constituição de 1824; os conservadores (saquaremas) eram favoráveis à manutenção da estrutura política centralizada e à preservação dos poderes reservados ao imperador.

A eclosão das rebeliões e de outros movimentos de contestação que questionavam as determinações da Regência resultou, em 1840, no Golpe da Maioridade. Dom Pedro II assumiu o governo, foi apoiado e prestigiou a presença de figuras liberais em seu ministério. Escândalos de violência e corrupção envolvendo os liberais nas eleições, porém, provocaram a dissolução do ministério, em 1853, e a convocação de Honório Carneiro Leão, o Marquês de Paraná, um político conservador que estava, havia dez anos, rompido com dom Pedro II, para compor um novo gabinete. No regime parlamentarista da época, o imperador escolhia o presidente do Conselho de Ministros, e este formava o gabinete, escolhendo os demais ministros. Carneiro Leão montou um gabinete de liberais e conservadores mais leais a dom Pedro II do que aos seus partidos.

O Gabinete Paraná representou a consolidação de uma inédita estabilidade, que proporcionou conquistas inimagináveis em tempos de ferrenha disputa política. Como havia unidade de interesses das elites liberais e conservadoras, principalmente em defesa da escravidão, o Segundo Reinado conseguiu manter a sua estrutura centralizada sem maiores sobressaltos. Carneiro Leão, que fora nomeado presidente da província de Pernambuco após a repressão à Revolução Praieira, descobriu em primeira mão que os princípios partidários eram vistos como irrelevantes e ignorados em níveis provinciais e locais. Um gabinete poderia ganhar o apoio de chefes locais para candidatos nacionais usando apenas o clientelismo.

Quem narra muito bem esse período é Joaquim Nabuco, no livro Um Estadista no Império, que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não cansou de recomendar aos tucanos inconformados com sua aliança com o PFL, como o falecido governador paulista Mário Covas. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seguiu seus passos com sinal trocado, o que resultou no transformismo petista. Dilma Rousseff, também desse ponto de vista, fez tudo errado e perdeu o apoio das velhas oligarquias e dos novos chefes políticos.

Clientelismo
Na chamada Nova República, o grande partido da conciliação vem sendo o PMDB, que soube conviver em conflito com o PT nos estados e a ele se aliar no poder central, como os saquaremas fizeram com os luzias no Império. A política de conciliação sobreviveu a duas ditaduras e continua vivíssima. Tornou-se, mais uma vez, a tábua de salvação do velho patrimonialismo. Estão aí o clientelismo com gastos públicos e as articulações para salvar da Operação Lava-Jato os que foram pegos se apropriando de bens públicos.

O problema é o custo destas alianças para os cofres públicos, como acontece agora. O governo Temer anunciou mais um aumento de impostos, para obter uma receita adicional de R$ 10,4 bilhões. O objetivo das medidas é cumprir a meta fiscal de 2017, um déficit (despesas maiores que receitas) de R$ 139 bilhões. A conta não inclui as despesas com pagamento de juros da dívida pública. Para compensar a tunga no bolso do contribuinte, fará um bloqueio adicional de R$ 5,9 bilhões em gastos no orçamento federal.

A tributação sobre a gasolina subirá R$ 0,41 por litro, ou seja, mais que dobrou, já que passará a 0,89 cada litro de gasolina, considerando a incidência da Cide, que é de R$ 0,10 por litro. O diesel subirá em R$ 0,21 e ficará em R$ 0,46 por litro. Segundo a Receita Federal, o crescimento de 0,77% na receita foi insuficiente para fechar as contas públicas. Na verdade, a receita com impostos e contribuições caiu 0,20% no período. O resultado positivo foi salvo pelos royalties pagos por empresas que exploram petróleo. O governo Temer não cortou na própria carne; pendurou a conta do ajuste fiscal na lei do teto de gastos. Ou seja, empurrou com a barriga.
(Correio Braziliense, 21/07/2017)


A crise do corporativismo

A alta burocracia estatal, para manter os privilégios, aliou-se à elite política e fechou os olhos para o clientelismo e o patrimonialismo, quando não incorreu nas mesmas práticas

A Era Vargas sempre foi um tema controverso na história do Brasil. Nélson Werneck Sodré e Hélio Jaguaribe, por exemplo, viram a Revolução de 1930 como um movimento de classes médias, fruto das contradições econômicas entre esses setores médios da sociedade e os grandes fazendeiros que controlavam a República Velha. Wanderley Guilherme dos Santos e Ruy Mauro, em contraponto, foram os primeiros a defender a tese de que, na verdade, resultou da cisão da burguesia nacional e da ascensão da burguesia industrial ao aparelho do Estado.

Na década de 1970, Boris Fausto publicou tese sobre a Revolução de 1930, caracterizada como o resultado do conflito intraoligárquico, no qual movimentos militares dissidentes liquidaram a hegemonia da burguesia cafeeira. Em virtude da incapacidade de as demais frações de classe assumirem o poder de maneira exclusiva, e com o colapso da burguesia do café, abriu-se um espaço vazio que possibilitou o surgimento de um “Estado de compromisso”, fruto de um grande acordo entre as várias frações de classe e “aqueles que controlam as funções do governo”, sem vínculos de representação direta.

No ambiente de radicalização política da década de 1930, que resultou na II Guerra Mundial, embora o Brasil tenha tomado o lado dos Aliados, Vargas flertou com o fascismo de Mussolini. Isso se traduziu no golpe de 1937 e na implantação do chamado Estado Novo, a forma institucional que encontrou para o tal “Estado de compromisso”, a pretexto de combater a ameaça comunista. Ao lado do patrimonialismo e do clientelismo, velhos conhecidos, emergiu no Brasil o corporativismo, consagrado pelo jurista Francisco Campos, na Constituição de 1937.

No corporativismo, o Poder Legislativo é atribuído a corporações representativas dos interesses econômicos, industriais ou profissionais, por meio de representantes de sindicatos de trabalhadores e patronais, associações de omércio, indústria e agricultura, academias, universidades etc. Conhecida como “Polaca”, a nova Constituição ampliou os poderes de Vargas. A inexistência de um partido que intermediasse a relação entre o povo e o Estado não impediu o ditador de construir uma ampla rede de apoio, por meio de mecanismos de controle e da negociação política com os caciques regionais.

Além disso, a nova legislação trabalhista, inspirada na Carta Del Lavoro, garantiu o apoio dos sindicatos, até então tratados como caso de polícia. Ao conter o conflito de interesses entre trabalhadores e empresários, Vargas criou condições favoráveis ao desenvolvimento do setor industrial brasileiro. Foram criadas a Companhia Siderúrgica Nacional (1940), a Companhia Vale do Rio Doce (1942), a Fábrica Nacional de Motores (1943) e a Hidrelétrica do Vale do São Francisco (1945). Entre os novos órgãos criados pelo governo, como o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que era responsável por controlar os meios de comunicação da época, o novo Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp) deu origem a uma nova burocracia, menos afeita ao tráfico de influências, às práticas nepotistas e a outras regalias.

Os privilégios
Em 1943, um documento intitulado Manifesto dos Mineiros, assinado por intelectuais e influentes figuras políticas, exigiu o fim do Estado Novo e a retomada da democracia. Vargas criou uma emenda constitucional que permitia a criação de partidos políticos e anunciava novas eleições. Em 1945, com o fim da II Guerra, a saída de Vargas tornou-se inevitável, mas não é o caso de tratar disso aqui. O que nos interessa destacar é o legado corporativista que lhe garantiu um mandato como senador, entre 1945 e 1951, e o retorno ao poder nas eleições de 1951.

O corporativismo sobreviveu ao suicídio de Vargas, na crise de 1954, e ao golpe ocorrido 10 anos depois. O regime militar se utilizou de sindicatos patronais e de trabalhadores, dependentes do imposto sindical criado por Vargas e da Justiça do Trabalho, e ainda ampliou a alta burocracia federal, que adotou uma ideologia tecnocrática para legitimar o apoio ao autoritarismo. O corporativismo na burocracia estatal, com a formação de núcleos de excelência em órgãos públicos e empresas estatais, ganhou ainda mais força com a democratização, graças aos Poderes e direitos adquiridos com a Constituição de 1988. Na verdade, a alta burocracia estatal, para manter os privilégios, aliou-se à elite política e fechou os olhos para o clientelismo e o patrimonialismo, quando não incorreu nas mesmas práticas.

Isso resultou na acumulação de mordomias, privilégios e altos salários por esses setores, equivalentes aos executivos das empresas privadas, ao contrário da grande massa de servidores responsáveis diretos pela prestação de serviços à população que tiveram salários aviltados. Parte da crise de financiamento do Estado brasileiro decorre desses privilégios, principalmente, na Previdência, que garante aposentadorias com vencimento integral, incorporando gratificações, muito acima do que recebem os trabalhadores que se aposentam no setor privado. Agora, com a crise fiscal, tudo isso entrou em xeque.

 


Carlos Henrique de Brito Cruz: Investimento empresarial em P&D no Brasil

Para haver impacto econômico da pesquisa são imprescindíveis empresas inovadoras

Muitas nações conseguem obter substancial impacto econômico com atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em ciência e tecnologia (C&T). No Brasil há muitos casos reconhecidos e claramente a economia brasileira sem P&D seria muito mais atrasada e frágil. Exemplos: produção de energia, extração de petróleo, o maior caso mundial de uso extensivo de bioetanol para transporte, equipamentos e sistemas para telecomunicações, aviões, serviços de software e informática, a agricultura e a pecuária, que fazem do País o celeiro do mundo, todos criados por gente que estudou em nossas melhores universidades, trabalhando em empresas inovadoras. Esses sucessos mostram que vale a pena buscar continuamente os caminhos que façam a economia cada vez mais competitiva, pois vários países parecem obter mais impacto econômico de P&D que nós.

Nos países que têm conseguido os maiores efeitos da pesquisa em sua economia há intensa atividade de P&D realizada por empresas. Essa característica é frequentemente esquecida no debate brasileiro, no qual se consideram universidades como o único lugar da pesquisa. Esse engano prejudica as estratégias nacionais, pois desvia o foco do real problema: a debilidade das atividades de P&D em empresas no País.

Nos EUA, dos US$ 456 bilhões aplicados em P&D em 2013, 71% (US$ 323 bilhões) foram executados por empresas. Desse total o governo federal entrou com apenas 9%, o restante foram recursos das próprias empresas. Na Coreia do Sul, dos US$ 68 bilhões (PPP) aplicados em P&D, a fatia empresarial foi 78% (US$ 53 bilhões – PPP). Na Alemanha o porcentual empresarial representou, no mesmo ano, 68% do total; no Reino Unido, 64%; e na China, 77%.

No Brasil, em 2013, a participação de empresas no dispêndio em P&D foi apenas 40% do total nacional, de US$ 40 bilhões PPP (indicadores do MCTI em https://goo.gl/cRveWf). Pior, o porcentual empresarial vem caindo: em 2000 foram 47%. Indicadores de C&T do MCTI mostram que em 2000 havia 44.183 pesquisadores trabalhando para empresas. Em 2010, após uma década de esforços de apoio e incentivos, esse número caiu a 41.317, parecendo refletir a queda precoce da participação da indústria no PIB nacional.

Enquanto cada vez mais lideranças empresariais defendem a necessidade de mais P&D e inovação, as regras da economia brasileira criam um ambiente hostil para tal. Não são só crises ética, fiscal, política e econômica instaladas nos últimos anos. Trata-se, além e antes disso, de protecionismo em excesso, do fechamento da economia, da autoexclusão do Brasil dos grandes acordos comerciais mundiais, dos altos custos trabalhistas, da complexidade tributária, que beira a irracionalidade. O baixo esforço privado em P&D no Brasil não é resultado – como é comum ouvir no meio acadêmico – de certo desvio de conduta das lideranças empresariais; é a resposta lógica a uma economia em que a tecnologia raramente é determinante para a posição da empresa no mercado.

Ao lado do tímido esforço de P&D empresarial, um óbice adicional à realização de mais impacto econômico é a falta de ousadia das empresas, que, em geral, se concentram em atividades adaptativas locais. Veja-se o número de patentes internacionais que as empresas no Brasil obtêm. A revista Pesquisa Fapesp(https://goo.gl/jmkUE7), tratando exclusivamente de patentes obtidas por empresas (não universidades ou institutos), mostra que, de 2011 a 2015, para cada 10 mil pesquisadores empregados as empresas do Brasil obtiveram 32 patentes no Escritório de Patentes dos EUA (USPTO). Para as empresas da China, os mesmos 10 mil pesquisadores criaram 47 patentes; na Coreia do Sul, 519; na Alemanha, 648; e nos EUA, 1.082. No Brasil, entre os 10 maiores solicitantes de patentes há apenas 3 empresas (sendo a primeira uma multinacional), os outros 7 são universidades e institutos de pesquisa. Nos EUA, entre os 10 maiores solicitantes, 10 são empresas; na Alemanha, 9.

Outro equívoco comum no debate brasileiro sobre impacto da pesquisa é supor que a pesquisa colaborativa com universidades será uma peça essencial para superar esse quadro. A colaboração com universidades e laboratórios públicos é importante e tem sido muito estimulada, mas vai bem além da pesquisa colaborativa, seja na formação de pessoal, seja no acesso ao conhecimento público produzido pela pesquisa acadêmica. Nos EUA, dos US$ 270 bilhões gastos por empresas (de seus próprios recursos) para P&D, apenas 1,3% foi dirigido a contratar P&D em universidades. Não é a colaboração com universidades, sozinha, que faz a empresa dos EUA ser inovadora, é o esforço próprio das empresas em seus laboratórios e centros de P&D, onde empregam gente educada nas universidades.

Universidades podem ser determinantes para criar impacto econômico na sociedade e para isso é preciso uma instância mediadora ligada ao mercado, a empresa. Podem ser empresas já bem estabelecidas com vigorosos esforços próprios de P&D ou empresas iniciadas por estudantes ou professores universitários, também com esforços próprios de P&D. Para criar prosperidade empresas precisam de pessoas capazes de ter ideias e de desenvolvê-las – pessoas educadas em universidades com referenciais acadêmicos elevados e atividades intensas de pesquisa, onde desenvolvem sua capacidade intelectual e aprendem a enfrentar problemas usando o método da ciência.

Sem empresas com expressiva atividade própria de P&D o Brasil não conseguirá ser competitivo e criar riqueza com base em conhecimento. Para que as empresas no País possam dedicar-se à inovação é necessário um ambiente econômico que favoreça a competição. Não se trata apenas de haver incentivos explícitos, subvenções e financiamentos, trata-se de algo bem mais sofisticado e complexo: criar no País, para o bem do interesse público, um ambiente estimulante à inovação empresarial.

*  Carlos Henrique de Brito Cruz - Diretor Científico da Fapesp


Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,investimento-empresarial-em-ped-no-brasil,10000090668